PDF Português - Radiologia Brasileira

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Westphalen ACA et al.
Relato de Caso
TUMOR DE PEQUENAS CÉLULAS REDONDAS DESMOPLÁSICO
INTRA-ABDOMINAL – RELA
TO DE CASO*
RELATO
Antonio Carlos Andersson Westphalen1, José Hamilton Pinheiro Ferreira 2, Alexander Welaussen
Daudt3, Ana Maria Gaiger 4
Resumo
Os autores relatam um caso de tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal acometendo paciente do sexo masculino, de 21 anos de idade, atendido com quadro de dor abdominal, trombose
do membro inferior direito e perda da função renal, de causa obstrutiva. A investigação demonstrou volumosa
lesão abdominopélvica, sólida, bocelada, com áreas císticas internas, situada posteriormente à bexiga, causando obstrução ureteral, compressão da veia ilíaca direita e oclusão parcial do reto, além de acometimento
de linfonodos intra e retroperitoneais. São descritos os achados cirúrgicos, de ultra-sonografia, tomografia
computadorizada e ressonância magnética, bem como aqueles do estudo macroscópico, microscopia e imuno-histoquímica.
Unitermos: Tumor de pequenas células desmoplásico. Tumor desmoplásico.
Abstract
Intraabdominal desmoplastic small round cell tumor – case report.
The authors report a case of intraabdominal desmoplastic small round cell tumor in a 21-year-old male patient
who presented with abdominal pain, right lower limb thrombosis and obstructive loss of renal function. Initial
investigation showed a large lobulated intraabdominal soft tissue mass with internal cystic cavities, located
posteriorly to the bladder and causing obstruction of ureteral flow, compression of the right iliac vein and partial
occlusion of the rectum. Involvement of intraperitoneal and retroperitoneal nodes was also seen. Ultrasound,
computed tomography and magnetic resonance imaging findings, as well as surgical and histopathology
macroscopical, microscopical and immunohistochemistry findings are described.
Key words: Desmoplastic small cell tumor. Desmoplastic tumor.
INTRODUÇÃO
O tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal (TPCRDI) é uma entidade relativamente recente, descrita em 1987 por Sesterhenn
et al.(1) e em 1989 por Gerald e Rosai(2),
caracterizada pela ocorrência em pacientes na infância e adolescência, predominantemente do sexo masculino, e pela
co-expressão de elementos derivados de
todos os tecidos embrionários(3).
É uma neoplasia agressiva, com curso progressivo e sobrevida média de 17
a 25 meses, que se apresenta como volu* Trabalho realizado no Moinhos Centro de Imagem,
Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS.
1. Médico Residente em Radiologia (3º ano), Moinhos
Centro de Imagem, Hospital Moinhos de Vento.
2. Médico Radiologista, Membro da Sociedade Gaúcha
de Radiologia e do Colégio Brasileiro de Radiologia, Moinhos Centro de Imagem, Hospital Moinhos de Vento.
3. Médico Oncologista, Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro de
Oncologia Radioterápica do Rio Grande do Sul.
4. Médica Patologista, Professora Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da PUC-RS, Laboratório Patologistas Reunidos.
Endereço para correspondência: Dr. Antonio Carlos Andersson Westphalen. Rua Anita Garibaldi, 1161, apto. 404.
Porto Alegre, RS, 90450-001. E-mail: [email protected]
Aceito para publicação em 16/5/2001.
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mosa massa abdominopélvica e múltiplos implantes peritoneais, sem origem
visceral identificada(4–7).
A revisão da literatura nacional localizou apenas dois casos anteriormente relatados(4,5). O presente artigo descreve os
achados cirúrgicos, de ultra-sonografia
(US), tomografia computadorizada (TC)
e ressonância magnética (RM), assim
como aqueles do estudo de macroscopia,
microscopia e imuno-histoquímica de
um caso de TPCRDI.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo masculino, 21 anos
de idade, negro, estudante, natural e procedente de Porto Alegre, RS.
Em agosto de 1999, o paciente foi
atendido com quadro de dor abdominal,
trombose do membro inferior direito e
perda da função renal, de causa obstrutiva, necessitando de nefrostomia bilateral. No exame físico foi constatada presença de massa fixa no quadrante inferior esquerdo, medindo cerca de 15,0 cm
no maior eixo. A investigação inicial demonstrou volumosa lesão pélvica, sóli-
da, bocelada, com possíveis áreas císticas internas, situada posteriormente à
bexiga, causando obstrução do fluxo ureteral e englobamento do reto.
Ao estudo ultra-sonográfico a lesão
se mostrou bocelada, com contornos bem
definidos, hipossônica, porém heterogênea, não tendo sido observadas áreas líquidas ou calcificadas no seu interior
(Figura 1).
Na TC foi identificada massa de tecidos moles, com contornos bocelados e
definidos, heterogênea, com possíveis
áreas císticas no seu interior. A lesão
impregnou-se moderada e heterogeneamente após a administração endovenosa
de meio de contraste iodado (Figura 2).
Em ambos os exames foram descritas
imagens nodulares compatíveis com adenomegalias intra e retroperitoneais.
A radiografia simples da pelve não
evidenciou lesão óssea.
Foi realizada a laparotomia, na qual
se observou grande massa abdominopélvica causando obstrução ureteral à direita, obstrução da veia ilíaca direita e oclusão parcial do reto. Associados a essa volumosa lesão, foram identificados vários
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Tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal
B
A
Figura 1. Ultra-sonografia pélvica, cortes transversal (A
A ) e longitudinal (B
B ). Massa sólida, lobulada, hipossônica e heterogênea, medindo 8,6 × 7,5 ×
7,0 cm, localizada posteriormente à bexiga.
A
B
Figura 2. Tomografia computadorizada da pelve, imagens obtidas após a administração endovenosa de meio de contraste. Em A observa-se lesão
expansiva com coeficientes de atenuação semelhantes aos dos tecidos moles, que sofre impregnação heterogênea pelo meio de contraste, em
decorrência de áreas internas de necrose. A lesão está situada atrás da bexiga e engloba segmento do cólon. À direita da massa principal existe
tumoração menor, correspondendo a linfonodomegalia. Em B , corte axial em nível mais inferior mostra a neoplasia na escavação retovesical.
nódulos menores disseminados na pelve
e no meso intestinal. Devido ao grande
volume do tumor, foi apenas obtido material para o diagnóstico anatomopatológico.
O estudo microscópico com coloração hematoxilina-eosina (HE) demonstrou ilhotas de células tumorais hipercromáticas, com núcleos arredondados, nucléolos pouco visíveis e citoplasma escasso, bem delimitadas por abundante
estroma fibroso (Figura 3). A avaliação
imuno-histoquímica (Figura 4) foi posi-
300
tiva para AE1/AE3 (panqueratina) – marcador epitelial; vimentina e actina de
músculo liso – marcadores mesenquimais; além de NSE e MIC2 – marcadores
neuroectodérmicos. Esses resultados, associados às manifestações clínico-radiológicas, estabeleceram o diagnóstico de
tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal.
O paciente foi encaminhado para tratamento quimioterápico, tendo recebido
um curso com ciclofosfamida, doxorrubicina e vincristina, ao qual apresentou
severa toxicidade hematológica. Recebeu alta com resolução completa da trombose ilíaco-femoral direita e melhora da
função renal, com fechamento da nefrostomia. Seguiram-se dois cursos de etoposide e ifofosfamida.
Um estudo de RM (Figura 5), realizado em março de 2000, durante o período
de tratamento quimioterápico, mostrou
uma lesão sólida, lobulada, hipointensa
e homogênea em T1 e hiperintensa, heterogênea, com definidas áreas císticas em
T2. Após a administração endovenosa de
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Figura 3. Microscopia, coloração HE. Grupamentos de células tumorais,
hipercromáticas, de núcleos arredondados em meio a estroma desmoplásico.
Figura 4. Resultados da imuno-histoquímica no tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal. A: Citoqueratina (AE1/AE3).
B: Vimentina. C: MIC2 (CD 99).
A
B
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C
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Tumor de pequenas células redondas desmoplásico intra-abdominal
A
B
C
Figura 5. Ressonância magnética da pelve. Imagem sagital ponderada em T1 (A
A ) demonstra a lesão homogeneamente hipointensa. A identificação
de uma linha de sinal elevado, representando a gordura, permite a definição de planos de clivagem com a bexiga e com o reto. Em B , corte axial
ponderado em T2 mostra a lesão hiperintensa, porém heterogênea, com focos de sinal mais elevado que caracterizam áreas císticas (necrose). Em
C , imagem coronal adquirida após a administração endovenosa do gadolínio-DTPA mostra o tumor nitidamente impregnado.
gadolínio-DTPA houve nítida impregnação, de forma ligeiramente heterogênea,
que persistiu, menos intensamente, em
aquisições tardias. Foi possível a determinação de plano de clivagem com a bexiga e o reto, mas não com a próstata.
Em maio de 2000, uma vez obtida
redução de 50% no volume tumoral e
estabilidade após dois novos ciclos, o
paciente foi submetido a novo procedimento cirúrgico, que identificou massa
tumoral situada junto da implantação do
mesocólon sigmóide, estendendo-se à
pelve, entre a bexiga, anteriormente, e o
reto, posteriormente, quase que envolvendo este último completamente. O assoalho pélvico foi descrito como a origem do tumor. Além dessa lesão, foram
observados diversos outros nódulos de
tamanho variado na pelve sobre os vasos
ilíacos direitos, aderidos ao ureter esquerdo, junto da base do ceco e apêndice cecal e do mesentério do jejuno médio.
Foi realizada ressecção da tumoração
maior, de todos os nódulos visíveis na
pelve, do apêndice cecal e de dois nódulos aderidos ao meso do jejuno. A localização da massa principal foi marcada
com clipes metálicos.
Ao exame patológico macroscópico
foi observada massa ovóide, multibocelada, de tecido pardo e elástico, medindo
302
14,0 × 8,5 × 4,0 cm e pesando 353 g. Aos
cortes a lesão mostrou-se cinza-amarelada e brilhante, com áreas císticas de
necrose.
O paciente teve alta hospitalar após
duas semanas e manteve acompanhamento ambulatorial. No período de julho
a agosto de 2000 realizou um curso de
radioterapia, constituído de 5.580 cGy
em 31 frações, com boa tolerância.
Em outubro de 2000, exames de controle identificaram implantes peritoneais
secundários difusos, mais proeminentes
ao redor do contorno hepático e junto do
ligamento redondo. O paciente permanece em acompanhamento clínico e iniciará novo ciclo quimioterápico com protocolo a ser estabelecido.
DISCUSSÃO
Figura 6. Ressonância magnética da pelve,
imagens sagitais ponderadas em T1 e T2 obtidas no período pós-operatório recente.
O TPCRDI é entidade relativamente
recente, descrita pela primeira vez em
1987 por Sesterhenn et al.(1) e por Gerald
e Rosai em 1989(2). Vários outros casos
foram posteriormente descritos na literatura internacional; entretanto, a revisão
da casuística brasileira só localizou dois
relatos anteriores(4,5).
A neoplasia acomete principalmente
pacientes jovens, com média de idade de
aproximadamente 19 anos, tendo, entreRadiol Bras 2001;34(5):299–304
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Figura 7. Tomografia computadorizada do abdome, cortes obtidos após a administração endovenosa de meio de contraste. As imagens
evidenciam lesões hipodensas, bem delimitadas e de tamanho variado, localizadas na superfície peritoneal e na topografia do ligamento redondo, compatíveis com múltiplos implantes secundários.
tanto, sido relatados casos dos cinco aos
68 anos de idade(2,3,6,8). Os indivíduos são
predominantemente do sexo masculino,
numa proporção de 4:1.
Na maioria dos casos os pacientes referem dor abdominal e apresentam massa palpável no exame físico. Os achados
clínicos são bastante variados, tendo sido relatada uma gama de sintomas gastrointestinais e genitourinários, incluindo náuseas, vômitos, constipação, obstrução intestinal, hérnias, obstrução ureteral, incontinência urinária, impotência,
entre outros. Também é identificada sintomatologia relacionada a eventuais metástases a distância, para órgãos como o
fígado, os pulmões e as cadeias ganglionares(3,4,6,9). No caso presentemente descrito foi diagnosticada trombose venosa
do membro inferior direito, em decorrência da compressão da veia ilíaca, associada a hidronefrose com perda da função renal e dor abdominal.
Na laparotomia exploradora o achado
mais freqüente é uma grande massa abdominopélvica acompanhada de múltiplos
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implantes peritoneais, sem um órgão primariamente acometido(4–8). Os tumores
são predominantemente intraperitoneais,
em situação paravesical e omental (67%
dos casos)(6). Existem relatos de tumores
no retroperitônio, túnica vaginalis, pleura e sistema nervoso central(9–12). A ascite
também é observada em alguns casos.
Macroscopicamente, o tumor caracteriza-se por ser massa de tecido firme e
elástico, bocelada, que aos cortes tem
cor que oscila entre o amarelo-acinzentado e o pardo, podendo apresentar focos
internos de hemorragia ou necrose. Em
alguns poucos casos foram identificadas
áreas de calcificação. Seu tamanho pode
variar amplamente, desde 2,0 até 15,0 cm
de diâmetro(3,6).
Histologicamente, é típica a formação
de agregados de células tumorais hipercromáticas, redondas, entremeadas em
denso estroma fibroso desmoplásico. Geralmente o citoplasma é escasso, com núcleo arredondado ou elipsóide ocupando a quase totalidade da célula. O nucléolo é pouco visível. Além dos achados macroscópicos e histológicos, o fator diagnóstico mais importante é a expressão
por imuno-histoquímica de uma combinação de marcadores para tecidos de origem epitelial, mesenquimal e neuroectodérmica, concomitantemente.
Apesar de o TPCRDI ser reconhecido
como entidade nosológica com características clínicas, morfológicas e citogenéticas próprias, sua histogênese permanece desconhecida. Especula-se uma origem a partir de células mesoteliais ou
submesoteliais, teoria sustentada pela
distribuição predominantemente peritoneal e eventual ocorrência na pleura e
túnica vaginalis(3,13).
Não existem características imagenológicas específicas para o diagnóstico do
TPCRDI. O achado mais característico é
o de uma massa tumoral, intraperitoneal,
sem a identificação de um órgão sede,
associada a múltiplos implantes peritoneais(5–7). Em um dos poucos estudos realizados visando à determinação dos parâmetros diagnósticos pelos métodos de
imagem, foram descritas áreas de hipoatenuação na TC, em 78% dos casos, resultado de focos de necrose e hemorragia, impregnação moderada pelo meio de
contraste endovenoso e calcificações em
22% dos tumores(6). Ao exame de US as
lesões mostram-se hipossônicas e bem
delimitadas. Apenas um trabalho descreve os achados na RM(7), relacionando focos de hipointensidade em T1 e hiperintensidade em T2 a áreas de necrose, bem
como focos hiperintensos em T1 a hemorragias focais.
O caso relatado mostrou alterações
semelhantes às descritas para os exames
de US e TC. No estudo por RM foi identificada lesão sólida, lobulada, hipointensa e homogênea em T1 e hiperintensa, heterogênea, com definidas áreas císticas em T2, relacionadas a focos de necrose. Não foi identificada nenhuma área
sugestiva de sangramento intralesional,
como foi confirmado no exame patológico. Após a administração endovenosa do
meio de contraste paramagnético, ocorreu impregnação ligeiramente heterogênea. A utilização do método também foi
útil na determinação de planos de clivagem para o planejamento cirúrgico. Existem relatos de tentativa de utilização de
métodos cintilográficos para um diagnóstico mais específico do TPCRDI(14).
Não existem protocolos de tratamento oncológico definitivamente estabelecidos. Geralmente são realizados cursos
de quimioterapia com múltiplas drogas,
obtendo-se tão somente respostas parciais. Eventualmente, é associada a radioterapia adjuvante. O tratamento cirúrgico caracteriza-se pela ressecção paliativa da maior quantidade possível de
massa tumoral, visando, principalmente,
à resolução das manifestações associadas
(por exemplo, obstruções do trato gastrointestinal)(15,16). A recidiva é freqüente,
mesmo nos casos de ressecção macroscópica completa, e se caracteriza por implantes peritoneais múltiplos, metástases
para as cadeias ganglionares locais, ascite e, menos freqüentemente, metástases a
distância.
A doença tem curso progressivo e fatal, com sobrevida máxima de aproximadamente 24 meses.
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