Resenha 9º ano - Unasp-SP

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1. Definições
Resenha-resumo:
É um texto que se limita a resumir o
conteúdo de um livro, de um capítulo, de um
filme, de uma peça de teatro ou de um
espetáculo, sem qualquer crítica ou julgamento
de valor. Trata-se de um texto informativo, pois
o objetivo principal é informar o leitor.
Resenha-crítica:
É um texto que, além de resumir o objeto,
faz uma avaliação sobre ele, uma crítica,
apontando os aspectos positivos e negativos.
Trata-se, portanto, de um texto de informação e
de opinião, também denominado de recensão
crítica.
6. O que deve constar numa resenha
Devem constar:





O título
A referência bibliográfica da obra
Alguns dados bibliográficos do autor da
obra resenhada
O resumo, ou síntese do conteúdo
A avaliação crítica
7. O título da resenha
O texto-resenha, como todo texto, tem
título, e pode ter subtítulo, conforme os
exemplos, a seguir:
Título da resenha: Astro e vilão
Subtítulo: Perfil com toda a loucura de
Michael Jackson
Livro: Michael Jackson: uma Bibliografia
não Autorizada (Christopher Andersen)
- Veja, 4 de outubro, 1995
*Recensão: prática de editar ou revisar um
texto com base na análise crítica; lista ou
catálogo.
2. Quem é o resenhista
Título da resenha: Com os olhos abertos
Livro: Ensaio sobre a Cegueira (José
Saramago) - Veja, 25 de outubro, 1995
A resenha, por ser em geral um resumo
crítico, exige que o resenhista seja alguém com
conhecimentos na área, uma vez que avalia a
obra, julgando-a criticamente.
Título da resenha: Estadista de mitra
Livro: João Paulo II - Bibliografia (Tad
Szulc) - Veja, 13 de março, 1996
3. Objetivo da resenha
O objetivo da resenha é divulgar objetos de
consumo cultural - livros, filmes peças de
teatro, etc. Por isso a resenha é um texto de
caráter efêmero, pois "envelhece" rapidamente,
muito mais que outros textos de natureza
opinativa.
4. Veiculação da resenha
A resenha é, em geral, veiculada por jornais e
revistas.
8. A referência
resenhado
bibliográfica
do
objeto
Constam da referência bibliográfica:







Nome do autor
Título da obra
Nome da editora
Data da publicação
Lugar da publicação
Número de páginas
Preço
5. Extensão da resenha
A extensão do texto-resenha depende do
espaço que o veículo reserva para esse tipo de
texto. Observe-se que, em geral, não se trata de
um texto longo, "um resumão" como
normalmente feito nos cursos superiores... Para
melhor compreender este item, basta ler
resenhas veiculadas por boas revistas.
Obs.: Às vezes não consta o lugar da publicação,
o número de páginas e/ou o preço.
Os dados da referência bibliográfica podem
constar destacados do texto, num "box" ou
caixa.
Exemplo: Ensaio sobre a cegueira, o novo livro
do escritor português José Saramago
(Companhia das Letras; 310 páginas; 20 reais), É
um romance metafórico (...) (Veja, 25 de
outubro, 1995).
9. O resumo do objeto resenhado
O resumo que consta numa resenha
apresenta os pontos essenciais do texto e seu
plano geral.
Pode-se resumir agrupando num ou vários
blocos os fatos ou ideias do objeto resenhado.
Veja exemplo do resumo feito de "Língua e
liberdade: uma nova concepção da língua
materna e seu ensino" (Celso Luft), na resenha
intitulada "Um gramático contra a gramática",
escrita por Gilberto Scarton.
"Nos 6 pequenos capítulos que integram a obra,
o gramático bate, intencionalmente, sempre na
mesma tecla - uma variação sobre o mesmo
tema: a maneira tradicional e errada de ensinar
a língua materna, as noções falsas de língua e
gramática, a obsessão gramaticalista, a
inutilidade do ensino da teoria gramatical, a
visão distorcida de que se ensinar a língua é se
ensinar a escrever certo, o esquecimento a que
se relega a prática linguística, a postura
prescritiva, purista e alienada - tão comum nas
"aulas de português".
As receitas de Cozinha do Coração
Saudável vêm distribuídas em desjejum e
lanches, entradas, saladas e sopas; pratos
principais; acompanhamentos; molhos e
sobremesas. Bolinhos de aveia e passas,
empadinhas de queijo, torta de ricota, suflê de
queijo, salpicão de frango, sopa fria de cenoura
e laranja, risoto com açafrão, bolo de batata,
alcatra ao molho frio, purê de mandioquinha,
torta fria de frango, crepe de laranja e pêras ao
vinho tinto são algumas das iguarias".
10. Como se inicia uma resenha
Pode-se começar uma resenha citando-se
imediatamente a obra a ser resenhada. Veja os
exemplos:
"Língua e liberdade: por uma nova concepção
da língua materna e seu ensino" (L&PM, 1995,
112 páginas), do gramático Celso Pedro Luft,
traz um conjunto de ideias que subvertem a
ordem estabelecida no ensino da língua
materna, por combater, veementemente, o
ensino da gramática em sala de aula.
Mais um exemplo:
O velho pesquisador apaixonado pelos
problemas de língua, teórico de espírito ácido e
de larga formação linguística e professor de
longa experiência leva o leitor a discernir com
rigor gramática e comunicação: gramática
natural e gramática artificial; gramática
tradicional e linguística;o relativismo e o
absolutismo gramatical; o saber dos falantes e o
saber dos gramáticos, dos linguistas, dos
professores; o ensino útil, do ensino inútil; o
essencial, do irrelevante".
Pode-se também resumir de acordo com a
ordem dos fatos, das partes e dos capítulos.
Veja o exemplo da resenha "Receitas para
manter o coração em forma" (Zero Hora, 26 de
agosto, 1996), sobre o livro "Cozinha do
Coração Saudável", produzido pela LDA Editora,
com o apoio da Beal.
Receitas para manter o coração em forma
"Na apresentação, textos curtos definem os
diferentes tipos de gordura e suas formas de
atuação no organismo. Na introdução os
médicos explicam numa linguagem
perfeitamente compreensível o que é preciso
fazer (e evitar) para manter o coração saudável.
"Michael Jackson: uma Bibliografia Não
Autorizada (Record: tradução de Alves Calado;
540 páginas, 29,90 reais), que chega às livrarias
nesta semana, é o melhor perfil do astro mais
popular do mundo". (Veja, 4 de outubro, 1995).
Outra maneira bastante frequente de iniciar
uma resenha é escrever um ou dois parágrafos
relacionados com o conteúdo da obra.
Observe o exemplo da resenha sobre o livro
"História dos Jovens" (Giovanni Levi e JeanClaude Schmitt), escrita por Hilário Franco
Júnior (Folha de São Paulo, 12 de julho, 1996).
O que é ser jovem
Hilário Franco Júnior
Há poucas semanas, gerou polêmica a
decisão do Supremo Tribunal Federal que
inocentava um acusado de manter relações
sexuais com uma menor de 12 anos. A
argumentação do magistrado, apoiada por
parte da opinião pública, foi que "hoje em dia
não há menina de 12 anos, mas mulher de 12
anos".
Outra parcela da sociedade, por sua vez,
considerou tal veredito como a aceitação de
"novidades imorais de nossa época". Alguns
dias depois, as opiniões foram novamente
divididas diante da estatística publicada pela
Organização Mundial do Trabalho, segundo a
qual 73 milhões de menores entre 10 e 14 anos
de idade trabalham em todo o mundo. Para
alguns, isso é uma violência, para outros um
fato normal em certos quadros sócioeconômico-culturais.
pratos foram testados por nutricionistas da
Cozinha Experimental Van Den Bergh
Alimentos.
Há, evidentemente, numerosas outras maneiras
de se iniciar um texto-resenha. A leitura
(inteligente) desse tipo de texto poderá
aumentar o leque de opções para iniciar uma
recensão crítica de maneira criativa e cativante,
que leva o leitor a interessar-se pela leitura.
Essas e outras discussões muito atuais sobre
a população jovem só podem pretender
orientar comportamentos e transformar a
legislação se contextualizadas, relativizadas.
Enfim, se historicizadas. E para isso a "História
dos Jovens" - organizada por dois importantes
historiadores, o modernista italiano Giovanno
Levi, da Universidade de Veneza, e o
medievalista francês Jean-Claude Schmitt, da
école des Hautes études en Sciences Sociales traz elementos interessantes.
11. A crítica
A resenha crítica não deve ser vista ou
elaborada mediante um resumo a que se
acrescenta, ao final, uma avaliação ou crítica. A
postura crítica deve estar presente desde a
primeira linha, resultando num texto em que o
resumo e a voz crítica do resenhista se
interpenetram.
Observe igualmente o exemplo a seguir resenha sobre o livro "Cozinha do Coração
Saudável", LDA Editores, 144 páginas (Zero
Hora, 23 de agosto, 1996).
Deve ser lembrado que os resenhistas - como
os críticos em geral - também se tornam objetos
de críticas por parte dos "criticados" (diretores
de cinema, escritores, etc.), que revidam os
ataques qualificando os "detratores da obra" de
"ignorantes" (não compreenderam a obra) e de
"impulsionados pela má-fé".
Receitas para manter o coração em forma
Entre os que se preocupam com o controle de
peso e buscam uma alimentação saudável são
poucos os que ainda associam estes ideais a
uma vida de privações e a uma dieta insossa. Os
adeptos da alimentação de baixos teores já
sabem que substituições de ingredientes
tradicionais por similares light garantem o corte
de calorias, açúcar e gordura com a preservação
(em muitos casos totais) do sabor. Comprar
tudo pronto no supermercado ou em lojas
especializadas é barbada. A coisa complica na
hora de ir para a cozinha e acertar o ponto de
uma massa de panqueca, crepe ou bolo sem
usar ovo. Ou fazer uma polentinha crocante,
bolinhos de arroz e croquetes sem apelar para a
frigideira cheia de óleo. O livro Cozinha do
Coração Saudável apresenta 110 saborosas
soluções para esses problemas. Produzido pela
LDA Editora com apoio da Becel, Cozinha do
Coração saudável traz receitas compiladas por
Solange Patrício e Marco Rossi, sob orientação e
supervisão dos cardiologistas Tânia Martinez,
pesquisadora e professora da Escola Paulista de
Medicina, e José Ernesto dos Santos, presidente
do departamento de Aterosclerose da
Sociedade Brasileira de Cardiologia e professor
da faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Os
O tom da crítica poderá ser moderado,
respeitoso, agressivo, etc.
12. Exemplos de resenhas
Publicam-se a seguir três resenhas que
podem ilustrar melhor as considerações feitas
ao longo desta apresentação.
Atwood se perde em panfleto feminista
Marilene Felinto
Da Equipe de Articulistas
Margaret Atwood, 56, é uma escritora
canadense famosa por sua literatura de tom
feminista. No Brasil, é mais conhecida pelo
romance "A mulher Comestível" (Ed. Globo). Já
publicou 25 livros entre poesia, prosa e nãoficção. "A Noiva Ladra" é seu oitavo romance.
O livro começa com uma página inteira de
agradecimentos, procedimento normal em
teses acadêmicas, mas não em romances.
Lembra também aqueles discursos que autores
de cinema fazem depois de receber o Oscar. A
escritora agradece desde aos livros sobre
guerra, que consultou para construir o "pano de
fundo" de seu texto, até a uma parente, Lenore
Atwood, de quem tomou emprestada a
(original? significativa?) expressão "meleca
cerebral". Feitos os agradecimentos e dadas as
instruções, começam as quase 500 páginas que
poderiam, sem qualquer problema, ser
reduzidas a 150. Pouparia precioso tempo ao
leitor bocejante.
infância, o amor, etc. Tudo isso narrado da
forma mais achatada possível, sem maiores
sobressaltos, a não ser talvez na descrição do
interesse da personagem Tony pelas guerras.
É a história de três amigas, Tony, Roz e
Charis, cinqüentonas que vivem infernizadas
pela presença (em "flashback") de outra amiga,
Zenia, a noiva ladra, inescrupulosa "femme
fatale" que vive roubando os homens das
outras.
Mesmo aí, prevalecem as artificiais inserções
de fundo histórico, sem pé nem cabeça, no
meio do texto ficcional, efeito da pesquisa que a
escritora - em tom cerimonioso na página de
agradecimentos - se orgulha de ter realizado.
Vilã meio inverossímil - ao contrário das
demais personagens, construídas com certa
solidez -, a antagonista Zenia não se sustenta,
sua maldade não convence, sua história não
emociona. A narrativa desmorona, portanto, a
partir desse defeito central. Zenia funcionaria
como superego das outras, imagem do que elas
gostariam de ser, mas não conseguiram, reflexo
de seus questionamentos internos - eis a leitura
mais profunda que se pode fazer desse
romance nada surpreendente e muito óbvio no
seu propósito.
Segundo a própria Atwood, o propósito era
construir, com Zenia, uma personagem mulher
"fora da lei", porque "há poucas personagens
mulheres fora da lei". As intervenções do
discurso feminista são claras, panfletárias,
disfarçadas de ironia e humor capengas. A
personagem Tony, por exemplo, tem nome de
homem (é apelido para Antônia) e é professora
de história, especialista em guerras e obcecada
por elas, assunto de homens: "Historiadores
homens acham que ela está invadindo o
território deles, e deveria deixar as lanças,
flechas, catapultas, fuzis, aviões e bombas em
paz".
Outras alusões feministas parecem colocadas
ali para provocar riso, mas soam apenas
ingênuas: "Há só uma coisa que eu gostaria que
você lembrasse. Sabe essa química que afeta as
mulheres quando estão com TPM? Bem, os
homens têm essa química o tempo todo". Ou
então, a mensagem rabiscada na parede do
banheiro: "Herstory Not History", trocadilho
que indicaria o machismo explícito na palavra
"História", porque em inglês a palavra pode ser
desmembrada em duas outras, "his" (dele) e
story (estória). A sugestão contida no trocadilho
é a de que se altere o "his" para "her" (dela).
As histórias individuais de cada personagem
são o costumeiro amontoado de fatos
cotidianos, almoços, jantares, trabalho,
casamento e muita "reflexão feminina" sobre a
Estadista de mitra
Na melhor bibliografia de João Paulo II até
agora, o jornalista Tad Szulc dá ênfase à
atuação política do papa
Ivan Ângelo
Como será visto na História esse
contraditório papa João Paulo II, o único não
italiano nos últimos 456 anos? Um conservador
ou um progressista? Bom ou mau pastor do
imenso rebanho católico? Sobre um ponto não
há dúvida: é um hábil articulador da política
internacional. Não resolveu as questões
pastorais mais angustiantes da Igreja Católica
em nosso tempo - a perda de fiéis, a progressiva
falta de sacerdotes, a forma de pôr em prática a
opção da igreja pelos pobres -; tornou mais
dramáticos os conflitos teológicos com os
padres e os fiéis por suas posições inflexíveis
sobre o sacerdócio da mulher, o planejamento
familiar, o aborto, o sexo seguro, a doutrina
social, especialmente a Teologia da Libertação,
mas por outro lado, foi uma das figuras-chave
na desarticulação do socialismo no Leste
Europeu, nos anos 80, a partir da sua atuação
na crise da Polônia. É uma voz poderosa contra
o racismo, a intolerância, o consumismo e todas
as formas autodestrutivas da cultura moderna.
Isso fará dele um grande papa?
O livro do jornalista polonês Tad Szulc João
Paulo II - Bibliografia (tradução de Antonio
Nogueira Machado, Jamari França e Silvia de
Souza Costa; Francisco Alves; 472 páginas; 34
reais) toca em todos esses aspectos com
profissionalismo e competência. O autor, um
ex-correspondente internacional e redator do
The New York Times, viajou com o papa, comeu
com ele no Vaticano, entrevistou mais de uma
centena de pessoas, levou dois anos para
escrever esse catatau em uma máquina manual
portátil, datilografando com dois dedos. O livro,
bastante atual, acompanha a carreira (não
propriamente a vida) do personagem até o fim
de janeiro de 1995, ano em que foi publicado. É
um livro de correspondente internacional, com
o viés da política internacional. Szulc não é
literariamente refinado como seus colegas Gay
Talese ou Tom Wolfe, usa com frequência
aqueles ganchos e frases de efeito que adornam
o estilo jornalístico, porém persegue seu
objetivo como um míssil e atinge o alvo.
Em meio à política, pode-se vislumbrar o
homem Karol Wojtyla, teimoso, autoritário,
absolutista de discurso democrático, alguém
que acha que tem uma missão e não quer
dividi-la, que é contra o "moderno" na moral,
que prefere perder a transigir, mas é gentil,
caloroso, fraterno, alegre, franco ... Szulc,
entretanto, só faz o esboço, não pinta o retrato.
Temos, então, de aceitar a sua opinião: "É difícil
não gostar dele".
Opus Dei - O livro começa descrevendo a
personalidade de João Paulo II, faz um bom
resumo da História da Polônia e sua opção pelo
Ocidente e pela Igreja Católica Romana (em vez
da Ortodoxa Grega, que dominava os vizinhos
do Leste), fala da relação mística de Wojtyla
com o sofrimento, descreve sua brilhante
carreira intelectual e religiosa, volta à sua
infância, aos seus tempos de goleiro no time do
ginásio ""um mau goleiro", dirá mais tarde um
amigo), localiza aí sua simpatia pelos judeus,
conta que ele decidiu ser padre em meio ao
sofrimento pela morte do pai, destaca a
complacência de Pio XII com o nazismo, a ajuda
à Opus Dei (a quem depois João Paulo II daria
todo o apoio), demora-se demais nos meandros
da política do bispo e cardeal Wojtyla, cresce
jornalisticamente no capítulo sobre a eleição
desse primeiro papa polonês, mostra como ele
reorganizou a Igreja, discute suas posições
conservadoras sobre a Teologia da Libertação e
as comunidades eclesiais de base, CEBs, na
América latina, descreve sua decisiva atuação
na política do Leste Europeu, a derrocada do
comunismo, e termina com sua luta atual
contra o demônio pós-comunista. Agora o
demônio, o perigo mortal para a humanidade, é
o capitalismo selvagem e o "imperialismo
contraceptivo" dos EUA e da ONU.
Szulc, o escritor-míssil, não se desvia do seu
alvo nem quando vê um assunto saboroso como
a Cúria do Vaticano, que diz estar cheia de
puxa-sacos e fofoqueiros com computadores,
nos quais contabilizam trocas de favores,
agrados, faltas e rumores. O sutil jornalista Gay
Talese não perderia um prato desses.
Entretanto, Szulc está sempre atento às
ações políticas do papa. Nota que João Paulo II
elevou a Opus Dei à prelatura pessoal enquanto
expurgou a Companhia de Jesus por seu apoio à
Teologia da Libertação; ajudou a Opus Dei a se
estabelecer na Polônia, beatificou rapidamente
seu criador, monsenhor Escrivã. Como um
militar brasileiro dos anos 60, cassou o direito
de ensinar dos padres Küng, Pohier e Curran,
silenciou os teólogos Schillebeeckx (belga), Boff
(brasileiro), Häring (alemão) e Gutiérrez
(peruano), reduziu o espaço pastoral de dom
Arns (brasileiro). Em contrapartida, apoiou
decididamente o sindicato clandestino polonês,
a Solidariedade. Fez dobradinha com o general
dirigente polonês Jaruzelski contra Brejnev,
abrindo o primeiro país socialista, que abriu o
resto. O próprio Gorbachev reconhece: "Tudo o
que aconteceu no Leste Europeu nesses últimos
anos teria sido impossível sem a presença deste
papa".
Talvez seja assim também com relação ao
que acontece com as religiões cristãs no nosso
continente. Tad Szulc, com cautela, alerta para
a penetração, na América Latina, dos
evangélicos e pentecostais, que o próprio
Vaticano chama de "seitas arrebatadoras". A
participação comunitária e o autogoverno
religioso que existia nas CEBs motivavam mais a
população. Talvez seja. Acrescentando-se a isso
o lado litúrgico dos evangélicos que satisfaz o
desejo dos fiéis de serem atores no drama
místico, não tanto espectadores, tem-se uma
tese.
O perfil desenhado por Szulc é o de um
político profundamente religioso. Um homem
que reza sete horas por dia, com os olhos
firmemente fechados, devoto de Nossa Senhora
de Fátima e do mártir polonês São Estanislau e
que acredita no martírio e na dor pessoais para
alcançar a graça.
Um gramático contra a gramática
Gilberto Scarton
Língua e Liberdade: por uma nova concepção
da língua materna e seu ensino (L&PM, 1995,
112 páginas) do gramático Celso Pedro Luft traz
um conjunto de ideias que subverte a ordem
estabelecida no ensino da língua materna, por
combater, veemente, o ensino da gramática em
sala de aula. Nos 6 pequenos capítulos que
integram a obra, o gramático bate,
intencionalmente, sempre na mesma tecla -
uma variação sobre o mesmo tema: a maneira
tradicional e errada de ensinar a língua
materna, as noções falsas de língua e gramática,
a obsessão gramaticalista, inutilidade do ensino
da teoria gramatical, a visão distorcida de que
se ensinar a língua é se ensinar a escrever certo,
o esquecimento a que se relega a prática
linguística, a postura prescritiva, purista e
alienada - tão comum nas "aulas de português".
O velho pesquisador apaixonado pelos
problemas da língua, teórico de espírito lúcido e
de larga formação linguística e professor de
longa experiência leva o leitor a discernir com
rigor gramática e comunicação: gramática
natural e gramática artificial; gramática
tradicional e linguística; o relativismo e o
absolutismo gramatical; o saber dos falantes e o
saber dos gramáticos, dos linguistas, dos
professores; o ensino útil, do ensino inútil; o
essencial, do irrelevante.
Essa fundamentação linguística de que lança
mão - traduzida de forma simples com fim de
difundir assunto tão especializado para o
público em geral - sustenta a tese do Mestre, e
o leitor facilmente se convence de que
aprender uma língua não é tão complicado
como faz ver o ensino gramaticalista tradicional.
É, antes de tudo, um fato natural, imanente ao
ser humano; um processo espontâneo,
automático, natural, inevitável, como crescer.
Consciente desse poder intrínseco, dessa
propensão inata pela linguagem, liberto de
preconceitos e do artificialismo do ensino
definitório, nomenclaturista e alienante, o
aluno poderá ter a palavra, para desenvolver
seu espírito crítico e para falar por si.
Embora Língua e Liberdade do professor
Celso Pedro Luft não seja tão original quanto
pareça ser para o grande público (pois as
mesmas concepções aparecem em muitos
teóricos ao longo da história), tem o mérito de
reunir, numa mesma obra, convincente
fundamentação que lhe sustenta a tese e
atenua o choque que os leitores - vítimas do
ensino tradicional - e os professores de
português - teóricos, gramatiqueiros, puristas têm ao se depararem com uma obra de um
autor de gramáticas que escreve contra a
gramática na sala de aula.
Referência:
http://www.pucrs.br/gpt/resenha.php
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