Neopragmatismo. 148 Escola de Frankfurt e Marxismo e mal não fica apenas surpreso com o início do texto, que joga todo esforço teórico em um impasse, e talvez toda a filosofia, mas fica mais surpreso ainda quando, no final, aparece a vontade potência fazendo um papel dúbio, talvez fundacionista. Temos de considerar que a noção de vontade de potência em Nietzsche, para muitos intérpretes, fica entre uma postura cosmológica e uma postura metafísica. E, se é assim, a pergunta "por que sempre a verdade?", a meu ver, não teria toda a radical idade que eu quis confei:ir a ela no início. Acho que valeria a pena confiar mais no riso de R:brty,o riso de tudo, não só do realismo de Searle mas também da pergunta de Nietzsche e, quem sabe, de si próprio, que, no limite, não pode conversar sobre ~liberdade como gostaria, tendo de ficar conversando sobre a verdade. CONCLUSÃO: A "conclusão" deste livro, que avalio como uma espécie de autobiografia intelectual, não poderia deixar de terminar da seguinte forma: quero contar um pouco como vejo a filosofia da educação atualmente - a minha filosofia da educação. Desde o início do livro, a idéia é justamente essa, a de mostrar que minhas inquietações filosóficas sempre se articularam com minhas preocupações com o ensino, e que toda minha militância I" J "r. G 1A\'\âck'P~ / I\hx:l ~ rrÕ~1 t ~~" ':k ~ r\~ GuiCA ~ 1(, J) 1l~~ A Gt~} I1 fI ~ ~ ~ MINHA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃ019 ~D1 fi til I,~ i 1\, :1,' 1 " , Ao falar em "minha concepção de filosofia da educação" não estou afirmando que acredito estar, digamos assim, pronto intelectualmente, que achei finalmente o meu caminho e que, então, trata-se agora apenas de ensinar e não mais de me envolver tão seriamente, como questão vital, nos problemas filosóficos. Ao contrário. Acompanho de perto o neopragmatismo e me mantenho diariamente envolvido na literatura filosófica mais recente da filosofia norte-americana e, em parte, européia. Entre vários problemas que fui pontuando, na administração, com Alberto Tosi Rodrigues, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Pragmatismo e Filosofia Americana - o grupo de pesquisa que temos junto ao CNPq - e na formação do GT-Pragmatismo da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof), o que mais me chamou a atenção foi a reviravolta nas relações entre Davidson e Rorty. E isso não no campo em que meu amigo da Noruega, Bjorn Ramberg, já fez alguns artigos, que é o que chamávamos de "campo da subjetividade" e, hoje em dia, os filósofos chamam de "filosofia da mente" (essa terminologia depende um pouco da formação, se continental ou analítica); mas sim, no campo da discussão sobre o tema da verdade. Mantendo contato intelectual específico com dois entusiastas desses assuntos na Universidade Federal da Bahia, os amigos Waldomiro José da Silva Filho - autor de uma tese com o significativo título "Um dogma para o pragmatismo: porque não são privados os significados" - e José Crisóstomo de Souza, autor de um ensaio não publicado. mas que vai ser muito útil e com o qual concordo inteiramente, "A filosofia como coisa civil" -, voltei minha curiosidade para os detalhes no interior do neopragrnatisrno, não só no evolutivo debate entre Habermas, Pumam e Rorry mas, principalmente, naquele entre Davidson e Rorty. É nesse ponto que minhas pesquisas estão atualmente. Em parte é isso que venho apresentando, junto com Waldomiro José da Silva Filho, no interior do GTPragmatismo da Anpof Neopragmatismo, 150 acadêmica professores querendo desarticular filosofia e educação Conclusão: minha a saber, Filosofia da Educação a ruptura proporcionada 151 por Rousseau em relação às da área de concepções sobre a infância vindas de Santo Agostinho e de Descartes. ou, pior ainda, Santo Agostinho viu a criança imersa no pecado, na medida em que, de filosofia ou profissionais separar os problemas mais centrais da filosofia das pesquisas em minha própria filosofia da educação. Assim, fecho o livro expondo concepção e Marxismo esteve de certo modo ligada ao combate àquilo que tomo como absurdo: educação Escola de Frankfurt em filosofia da educação hoje. Para fazer isso, elejo três não possuindo a linguagem ("infante": o que não fala - portanto, aquele que não possui logos), mostrar-se-ia desprovida de razão, exatamente o que seria o reflexo da condição divina em nós, os adultos. temas que ao longo desses anos me foram centrais em toda e qualquer Descartes viu a criança como alguém que está em uma época em que discussão séria em filosofia da educação: infância, teorias educacionais há predomínio e justificativas filosóficas. e mais, uma época da aceitação acrítica das tradições reiteradas pelos Em alguns trechos a seguir, serei um pouco repetitivo, mas creio ser isso necessário da imaginação, dos sentidos e sensações sobre a razão; na medida em que, aqui, na conclusão, mostrar uma síntese capaz de expor claramente pretendo como o que faço em preceptores - tudo o que macularia nosso pensamento, nos mais tarde, uma vez adultos, à dificuldade portanto, mais cedo saíssemos de aula." (GHlRALDELLI]R., Rousseau da condição de criança, rompeu com as concepções em geral observamos "direitos da infância", dois grupos de pessoas. Há um grupo que acredita na idéia da infância como um período prolongado, caracteriza principalmente pela inocência. Contestando que se este, há um outro que defende a idéia de que a infância, sendo ou não um período longo, pode ser pensada como possuindo uma série de características, mas nunca as de inocência e bondade como essenciais. Filosoficamente movimento específico na história do pensamento Em parte, as idéias que estão adiante foram publicadas de modo um pouco diferente em dois textos, um que saiu no exterior com o título de "The Fundarnentals of Gepero's Philosophy of Education: Neopragrnatism and Infancy in rhe Postmodern World", a pedido de Michael Peters para Educational Philosophy and Theory (GHIRALDELlI JR., 2000e), e outro publicado no Brasil como artigo, ':As concepções de infância e as teorias educacionais modernas e contemporâneas", que escrevi a convite de Nadja Hermann para a revista Educação e Realidade (GHIRALDELLI,JR.,2000d). para nós e cartesiana e a corrupção como de quem não pode mais beneficiar- do crivo de um "coração sincero" portanto, da verdade e do bem, agora, inversamente, condição para a filosofia. Nela estariam necessárias para o acolhimento O segundo pensadores bom 20 dejulgar se, nos seus julgamentos, de um no Ocidente, quanto e puro, próprio da condição infantil, o protótipo da condição do "bom selvagem". A infância, até então a inimiga número um da filosofia e, que é moralmente falando, o primeiro grupo é o herdeiro melhor agostiniana na medida em que colocou o erro, a mentira a avaliações que envolvem e Descartes, 1996). frutos da incapacidade Se assistimos no uso da razão e, ao erro. Para os dois, Santo Agostinho filosofia da educação se articula, enfim, com o meu trabalho em sala conduzindo- rousseauísmo e a pureza, da verdade e para a participação no correto. grupo pode ser razoavelmente e escritores contemporâneos. exemplo a inocência seria a própria aqui, pelo espírito vinculado a vários Penso que Nabokov francamente - algo que nos lembra Nietzsche. é um contrário Se voltarmos ao ao seu romance Lolita (NABOKOV,1994), em especial ao capítulo 28 da parte r, veremos o personagem Humbert, ao se preparar para se deleitar com o corpo de Lolita, então com doze anos, se consolar lembrando que ela estará dormindo (está dopada) e que ele, no limite, não irá de fato completar o ato. O consolo é para com sua própria consciência r 152 Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo de, como diz, "habitante do Velho Mundo" - "eu, Jean-Jacques Humbert". O filme Lolita, na sua segunda versão, permite a quem o assiste, se leu o livro,visualizara idéiade Nabokov de ligarH umbert e Rousseau por meio das expressões "eu, Jean-Jacques Humbert" e "habitante do Velho Mundo". No filme, Humbert nunca abandona a má consciência da sua condição de pedófiló, A proteção à infância, para Nabokov, era uma idéia que vinha do;/Velho Mundo e, ainda que parecesse tão mais vigente na América do que na Europa, ela havia se tornado, uma vez na América, uma piada que só atormentava a mente do personagem. Pois, afinal, Lolita tinha experiências sexuais, inclusive com pedófilos, na sua escola religiosa - ironicamente uma instituição adepta de acampamentos, teatro e outros eventos, que eram vistoscomo oportunidades de socializaçãodascrianças.As meninas, por sua vez, não só não estavam com medo disso ou horrorizadas com suas práticas livres nesses eventos, até mesmo com pedófilos, mas eram cúmplices nessas experiências - perversamente cúmplices. Nada há de inocente, puro ou bondoso na infância desenhada por Nabokov. I Conversas afinadas com um certo espírito nabokoviano podem parecer subversivas em relação à infância clássica, rousseauísta. Mas, de fato, nem sempre fazem muito contra ela. Muitas vezes dão margem, apenas, a um rousseauísmo invertido. Seguem a concepção clássica na medida em que podem, muito bem, pensar a infância como um dado natural, apenas com a seta invertida. A infância não seria inocente, mas nem por isso deixaria de cumprir o destino imposto pela sua natureza. Há pelo menos duzentos anos, desde Hegel, uma boa parte dos ocidentais começou a falar sobre as coisas do mundo de um modo diferente, considerando-as menos como situações e elementos dados e imutáveis, "naturais" (no sentido essencialista do termo, e não no sentido naturalista-historicista-nominalista de Rorry) , e mais como situações e elementos historicamente construídos. Assim, Conclusão: minha Filosofia da Educação 153 começamos a esboçar uma terceira via para conversarmos sobre as crianças. Novos sentimentos associados a essa nova forma de falar sobre o quefazer com as crianças, em favor da comodidade dos adultos e da comunidade, ganharam a mente de algumas pessoas das cidades do Ocidente nos séculos XIX e:XX. Nessas conversas, no início do século XIX, a infância já aparece como algo obtido por construção. Inclusive, uma-construção que a entrelaça com a cidade - o mundo urbano - e com a escola - o mundo das letras. O conto As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, é uma narrativa desse tipo (COLLODI, 1992). Como se sabe, o conto começa com um marceneiro, Gepeto, que recebe de presente um pedaço de pau falante e o transforma em boneco. Pinóquio, o boneco de madeira, não é, obviamente, uma criança. Como nota o Grilo-falante, o pior em Pinóquio é que "ele tem cabeça de. pau". Para ser um "menino de verdade?' seria preciso ser bom para seu pai e para com os outros, ter responsabilidade, ter sua própria consciêricia. Assim, para que a fada possa transformar Pinóquio em "menino de verdade" são necessários alguns pré-requisitos. Para poder agir sobre a obra da natureza (o pedaço de pau falante) e sobre o trabalho paterno (o boneco de madeira), e transformar Pinóquio em um menino, a fada necessita que ele já esteja vivendo como tal. Ora, Gepeto sabe muito bem o que é que-deve, então, proporcionar isso a Pinóquio. É a escola. Ao trocar seu próprio casaco por uma cartilha, Gepeto indica que acredita na escola como o local que pode fazer Pinóquio ter condições de viver como um "menino de verdade". Onde fica a escola? Na cidade. A cidade e a escola, então, são responsáveis pela parte mais decisiva da construção da infância. Todavia, elas formam um campo aberto de possibilidades históricas. Nelas, a infância pode ocorrer, mas não 21 Collodi não usa a expressão "menino de verdade" e sim, "um menino como os outros". A expressão "menino de verdade" é utilizada, se não me falha a memória da infância, na versão Disney para o cinema (refiro-me à dublagem em português, é claro). jii&iiZilli 111 •• &&&. 154 ;1\WlI!IUU.!liII'WR:~.&~~_ Neopragmatismo, Escola de Frankfurt ;·.u:: ;;i·,.~ ;::. e Marxismo necessariamente ocorrerá. Isso fica claro quando Pinóquio vai à cidade, encaminhando-se para a escola, e encontra a raposa e o gato, elementos que vivem na cidade mas que estão longe de ser cidadãos. Desencaminham Pinóquio, mostrando assim as outras possibilidades da cidade, inclusive a de poder mudar de cidades, de ir para cidades terríveis, cidades sem cidadania, como aquela em que habitavam as crianças-asnos, onde Pinóquio quase termina por se transformar completamente em asno, Contrariando Nabokov e Rousseau, oPinóquio de Collodi não é essencialmente mau nem bom, é apenas um boneco de pau. Contrariando outros autores, a cidade de Collodi não está sujeita a, digamos, leis histórico-naturais -lá tudo pode acontecer, pois ela não está sujeita a lei alguma que não possa ser quebrada ou subvertida. Se Pinóquio for bom e responsável, terá feito dessa época de sua vida um trampolim para poder dizer "Sou um menino de verdade". Ao final do conto, de fato, ele se transforma em menino de verdade, na medida em que, contrariando aqueles que não são cidadãos e que gostariam de fazer dele também um não-cidadão - o gato e a raposa e outros personagens do mesmo tipo -, ele desenvolve comportamentos que indicam, aos olhos de seu pai e da fada, responsabilidade e bondade. Nós, ocidentais, desde o finaldo séculoXVIII, e mais decisivamente no século XIX, ao mesmo tempo que começamos a descrever a infância como algo natural, segundo um recorte que se pretendia único, também utilizamos outras descrições, como a contida em Pinóquio. Nesta, a infância é algo recortado de modo menos rígido, pois é vista como dependente de construção histórica. Nesse tipo de descrição, a infância surgiu como algo para cuja constituição concorrem várias forças culturais e inteiramente contingentes, entre as quais a cidade e a escola se tornaram muito importantes. Mas o historicismo ensaiado no conto de Collodi é bastante ameno se comparado àquele desenvolvido no século XX, principalmente nos últimos quarenta anos. Mais do que conversarmos sobre a infância de cada criança como algo que não é Conclusão: minha Filosofia da Educação f 155 de todo essencialmente natural, passamos a falar sobre a própria idéia de "infância natural" como algo historicamente criado! E os que seguem tal caminho, como Philippe Ariês no início dos anos de 1960, ensinam uma maneira de conversar sobre a infância bastante distante das formas utilizadas pelos dois grupos inicialmente aludidos, os inspirados na virada rousseauísta e os representados pelo espírito nabokoviano. Philippe Ariês dá continuidade à terceira via, a de Hegel e Collodi. É certo que Ariês (1981) fala em "descoberta da infância" e, com isso, nubla um pouco a idéia de invenção da infância, Assim, com ele, ainda poderíamos estar pensando na infância como uma fase natural dos seres humanos, nunca antes percebida, mas que em certo momento seria encontrada por intelectuais de melhor visão. Tratarse-ia, então, de fazer cada criança viver sob condições específicas, para que sua infância pudesse ocorrer da maneira como a natureza programou: Mas não é este o espírito do texto de Ariês. Ele trata a noção de infância como algo que vai sendo montado, criado a partir das novas formas de falar e sentir dos adultos em relação ao quefazer com as crianças. Em Pinôquio, a escola e a cidade são elementos que concorrem para que o boneco se torne um "menino de verdade". Ou seja, são as forças culturais, completamente contingentes, que estão presentes e que forjam a infância. Em Ariês, de modo mais abrangente e radical, as próprias noções que diferenciam um menino de um adulto aparecem como criação - criação prática a partir da conversação e dos afetos que os grupos urbanos desenvolvem a respeito de seus filhos. Levar o historicismo de Ariês adiante é, então, admitir que não somente a idéia de infância clássica é uma invenção, mas, é claro, que o mesmo pode ser dito da sua inversão nabokoviana. E mais, que todas e quaisquer descrições da infância, sejam elas posta pela ciência, pela filosofia, pela literatura e pelas artes em geral, são, enfim, apenas novas descrições. Elas não permitem que as mensuremos nos referindo a uma superdescrição que seria, então, a "verdade sobre o que é o menino de verdade". I I I: li 11 ) I !~~ 156 Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo o que significa conversar sobre as crianças desse modo? Significa não acreditar que os "direitos da infância" - todos esses direitos de proteção às crianças já conquistados, e aqueles a conquistar e a inventar, na cultura liberal-democrática ocidental- podem ser ditos válidos porque assentados na verdade teórica que nos pretende dizer "o que é a infância". Significa não mais procurar explicar ejustificar os direitos da criança a partir da "verdadeira definição de menino de verdade". Mas, então, os direitos da infância estão condenados? Nem sim, nem não. Como assim? Talvez ~.epeto possa nos ensinar algo sobre isso. Gepeto não sabe muito bem o que é ser um "menino de verdade", a não ser o que todos os habitantes razoáveis da cidade sempre disseram: que um menino devia ser bom e responsável, ter uma consciência e não uma "cabeça de pau". O que ele sabe muito bem é que a cidade oferece um espaço próprio para todos os meninos. Na escola, entende Gepeto, viver-se-ia como "menino de verdade" para, enfim, tornar-se "menino de verdade". Gepeto não espera encontrar na entrada da escola um aviso do tipo "aqui não aceitamos bonecos de pau, só meninos de verdade", e, de fato, não encontra. Pinóquio consegue matrícula. Por um acordo histórico e cultural, a cidade ~ onde vive Gepeto reserva para as crianças um espaço, isto é, mais um direito da infância, pouco se importando, para tal, em perguntar aos seus sábios locais ou estrangeiros o que é, verdadeira e objetivamente, um "menino de verdade". Mas não apenas fundamentar os direitos da infância na verdade teórica sobre a infância é pouco possível para uma cultura historicista, da qual participam muitos em nossos tempos. Para alguns que participam dessa cultura, isso pode até mesmo ser um perigo. Circunscrever os "direitos da criança" a partir de uma rígida delimitação da infância segundo uma única descrição significa, também, abrir caminho para que muitos bonecos de pau não usufruam desses direitos. Se cairmos na tentação - de padres, Conclusão: .JMl~~; minha Filosofia da Educação ~";l!{!4?l!~~~l1?~1:~.{,t).::~~:~0:~: í;; ':', 157 metafisicos e cientistas - de fundamentar os direitos das crianças a partir da "verdade sobre o que é o menino de verdade", talvez a maior parte das crianças fique de fora das nossas conversas e, pior, dos nossos cuidados e preocupações. Dentro do quadro acima colocado, o que se pode dizer da relação entre as grandes teorias educacionais atuais e a infância? Para responder a essa pergunta é necessário que eu diga, também, o que considero como sendo as grandes teorias educacionais dos nossos tempos, tomando aqui como "os nossos tempos" os séculos XIX. XX e agora, o início do século XXI. 11 As pessoas dos séculos XIX e xx, no Ocidente, assistiram a três grandes revoluções em teoria educacional. Nós, da transição do século XX para o XXI, estamos presenciando uma quarta revolução. As três primeiras revoluções encontram seus melhores representantes em Herbart, Deweye Paulo Freire. A quarta revolução, da maneira que acredito que esteja ocorrendo, pode encontrar justificativas em Richard Rorty e Donald Davidson. As três primeiras foram revoluções modernas em teoria educacional. A quarta é uma revolução pós-moderna (GHlRALDELUJR., 2000a). ICada uma dessas revoluções gira em torno da emer ência de um elemento-c ave na discussão entre os filósofos da educação. Em He_rbart, a emergencla da mente. Em Dewey, a emergência da democracia. Em Paulo Freire, a emergência do oprimido. A quarta ~olução, por sua vez, segue em torno da emergência da metáfora entendida aí segundo as novas visões de Davidson lido por Rorty. As revoluções do passado não perdem a importância perante a revolução que está ocorrendo agora. Pertencem ao "passado" em um sentido cronológico e não valorativo. Podemos ver isso olhando para cada uma das conquistas dessas revoluções. Hoje, avançamos » MBlNBGRiWCII2tJIIiR'?"iJ!"''''Dl1II\IfIJ 158 i' ! .gjMWMM1n~ Neopragmatismo. _ _ Escola de Frankfurt e Marxismo O quadro abaixo coloca as quatro teorias educacionais aqui citadas, em seus passos didáticos, em comparação. Mostro os passos e, então, o que eles implicam em relação às noções de infância envolvidas. 1~~l:"~1f3~~~~t~~~~~1\~;~1~~U~~~!;~:{j~;',~';t;; !l Conclusão: muito em filosofiada mente e não poderíamos fazer teoria educacional sem considerá-Ia. Assim, a herança de Herbart está viva. No caso de Dewey, mais ainda temos a sensação de algo vivo: não passaria pela maioria das cabeças dos filósofos da educação no Ocidente a idéia de adotar a educação autoritária em vez da educação dernocrática, e talvez poucos ainda acreditem que poderia haver verdadeira educação em uma situação social não-dinâmica e não-livre. Paulo Freire, por sua vez, está presente na medida em que os países ricos se tornaram mais ricos e os países pobres, mais pobres, e ofenômeno do aparecimento do "desenraizado", seja ele o pobre ou o pertencente a grupos minoritários, é, agora, também visível mesmo onde estava prometido que desapareceria ou não surgiria: nas democracias ricas da América do Norte e Europa. As três primeiras revoluções, portanto, não se distinguem da revolução pós-moderna em teoria da educação por um pretensofoto de que esta última revolução teria superado tudo o que foi pensado em educação anteriormente. O que ocorre é que a revolução pós-moderna em teoria educacional está acoplada a uma maneira de conversar, em termos técnicos de filosofia e filosofia da educação, que desloca as filosofias da educação que justificavam as teorias educacionais modernas, nomeadas aqui por Herbart, Dewey e Freire. Herbart e Dewey começam e terminam pensando na educação das crianças, e estão preocupados em conceituar, segundo seu contexto de época, a infância. Paulo Freire começa pensando a educação de adultos, mas no decorrer da sua obra também revela uma sensibilidade para com a criança. -)- t minha Filosofia Teoria Educacional de Herbart: Cinco Pa ssos Didã ticos da Educação Teoria Educaciona I de Dewey. Cinco Passos Didáticos 159 Teoria Educacional de Frei re: Cinco Passos Didáticos Teoria Educacional PósModerna: Cinco Passos Didáticos Atividade e Pesquisa Vivência e Pesquisa Apresentação Problemas Problemas Tema s Geradores Articulação entre os Problemas Ap resentados e os Problemas da Vida Cotidiana Associação Coleta de Dados Problernatização Discussão dos Problemas através de Narra tiva s Tomadas Sem Hierarquização Epistemol6gica Generalização Hipóteses e/ou Heurística Conscientização Forrn ulação de Novas Narrativas Aplicação Experimentação e/ou Julgamento Ação Política Ação Cultural, Social e Política Preparação Apresentação - de Antes de qualquer comentário explicativo dos passos do quadro acima, quero fazer um alerta: nenhuma dessas formulações deve ser lida por meio da visão que põe a dualidade.."diretividade versus nãodiretividade"." O grande erro dos livros de teoria da educação e didática é o de apelar para essa divisão. Todas as teorias educacionais acima envolvem uma exaustiva participação do professor e do ; ! ! I ) r 1< fli ;l"·.·~. \,: ~ ',i' .; 22 Talvez essa história da "diretividade versus não-diretividade'' tenha sido uma herança de alguns textos de Lauro de Oliveira Lima na mente de josé Carlos Libâneo. Quando se define uma filosofia da educação pela idéia de diretitividade oersus nãodiretividade da didática articulada a tal filosofia, creio que se faz algo que não deveria ser feito, pois daí para a frente todo e qualquer raciocíonio começa a se estreitar. Lauro de Oliveira Lima fez isso sutilmente, em um sentido, Saviani, em outro, mas Libâneo levou a situação para um campo, digamos, muito mais estreito. Ele próprio, depois, ficou preso, vítima dessa divisão. ',.a.:._~t!gNif'{W,~$iiM'Q'r.m!~~~~J-~~lÀ~~;.;t}iE.!t<·::Jlli!::;.~.t:;ili?l{b:11!.::;i.:;;1::t.1:i'l'f~i;i\;:r;~tt",d· Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo .. >~ti\·.';''lI::,-:I,:"~~,~,."t":'':''-·.\,~,·"",c,··-,.,, Conclusão: minha Filosofia da Educação 161 160 estudante. Outro alerta: tais teorias não devem ser lidas por meio da visão que põe a dualidade "progressista uersus não-progressista,,:n Esta, pior que a anterior, crivou alguns livros que falavam sobre didática nos anos de 1980, também trazendo mais confusão que acerto e favorecendo o pensamento esquemático e maniqueísta. Comento abaixo, em uma dialética conjunta, as três primeiras partes do quadro acima. Deixo par·a analisar em separado a teoria ed ucacional pós- moderna. ;, Passo 1. O processo de ensino-aprendizagem, para Herbart, começa com a preparação, que consiste na atividade que o professor desenvolve na medida em que recorda ao aluno o assunto anteriormente ensinado ou algo que o aluno já sabe. Dewey, por sua vez, não vê necessidade de tal procedimento, pois acredita que o processo de ensino-aprendizagem tem início quando, pela atividade dos estudantes, eles se defrontam com dificuldades e problemas, tendo então o interesse aguçado. Paulo Freire vê o processo de ensinoaprendizagem se iniciando em um momento especial, quando o educador está vivendo na comunidade dos educandos, observando suas vidas e participando de seus apuros - pesquisando sobre a comunidade, deixando de ser educador para ser educador-educando. Passo 2. A teoria herbartiana diz que, após a preparação, o professor já pode apresentar aos alunos o novo assunto, os conceitos morais, históricos e científicos que serão a matéria do processo de ensinoaprendizagem: eles são o carro-chefe do processo mental, e são eles que puxam os interesses;ft. teoria deweyana, ao contrário, acredita que o carrg;cllefe dói movjmentação psicológica são os interesses ~ que estes são des r 10 encontro com dificuldades e co a ~limitação de problemas. Assim, para Dewey, da atividade segue-se 23 Nessa linha, Saviani e Libâneo andaram juntos, embora, eu acredite que Saviani pensava essa divisão de um modo filosófico que, creio, pode ser legítimo, enquanto que Libâneo levou esse modo de pensamento para o campo pedagógico-didático, talvez sem as mediações necessárias. De qualquer modo, minhas posições são de oposição a esse modo de entender a pedagogia. a enumeração e a eleição de problemas. Paulo Freire acredita na" mesmo que Dewey, mas acha que os problemas não são ~ motivantes quanto os "temas ~erado!es".- [email protected].:t~~çhaves cQlliidas. n?~_ da ~..Qill!l..Di@de ~~ndos e que podem despertar a atenção des~Eida em 3..~fazempârte de suas àtividád'és·vitáTs.-· •.... --. . .'--"""" .,.,---,--~ . Passo 3. Herbart acredita que, uma vez que o novo assunto foi introduzido, isto é, que novas idéias e conceitos morais, históricos e científicos estão postos, eles serão assimilados pelos alunos na medida em que estes puderem ser induzidos a uma associação com as idéias e conceitos já sabidos. Dewey, por sua vez, nesta fase do processo de ensino-aprendizagem, está preocupado em ajudar os alunos na atividade de formulalfão de.hipóteses ou caminhos heurísticos para enfrentar os proQl~.I.!!.a~ªQ_l!2~!L9:~ n~fas.eanterior. Paulo FreI;e~ntã~, na medida em que já trabalhou os temas geradores, começa a problematizá-Ios: desenvolve-se aqui uma atividade de diálogo horizontal entre educador-educando e educando-educador de modo que os temas geradores possam ser entendidos como problemas - mas problema, neste caso, quer dizer problema político. A "problematização" ocorre se o tema gerador é visto nas suas relações com o poder, com a perversidade das instituições, com a demagogia das elites etc. Passo 4. Nesta fase, a teoria herbartiana acredita que o aluno já aprendeu o novo por associação com o velho, mas que agora ele precisa sair do caso particular exposto e traçar generalizações, abstrações, leis. O professor, é claro, pode insistir para que o aluno façainferências e chegue então a adotarleis,na moral e na ciência.A teoria deweyana, nesta fase, quer alimentar as hipóteses formuladas na fase anterior. Sendo assim, a atividade do professor e do estudante agora é a de buscar nas bibliotecas e outros meios, inclusive na própria memória, os dados capazes de dar uma arquitetura mais empírica às hipóteses ou uma melhor razoabilidade aos caminhos heurísticos. N a teoria freireana este é o momento em que educador-educando e educando-educador, ao traçarem as relações entre suas vidas e o poder, mediante a problematização dos temas geradores, chegam a perceber • ••••• I!BiIU_II~IIII111_ -.-- .•..,,_.••.. . ._. • __ I 162 Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo minha Filosofia da Educação Conclusão: 163 o que acontece com eles como seres sociais e políticos e, então, alcançam Para elas, o homem deveria deixar de ser objeto e tornar-se sujeito de a "conscientização" sua própria - passam a ter consciência de suas condições na polis. história. movimento, Passo 5. Nesta última fase, na teoria herbartiana, posto na condição casos diferentes, aprendizagem. e generalizações a Na última fase, na teoria deweyana, opta-se por uma democrática. em det~imento de outras na medida em que há tese. Ou então, opta-se por uma heurística os cinco passos, isto é, aprender das outras formulações desde o tema gerador através da ação política, que pode práticos de ação político-partidária. Nos três casos, estamos diante de teorias educacionais na medida muito bem se sentir confortáveis - e assim o fizeram- uma boa justificativa em que tinham filosófica "procedimento para a vida "aprender a aprender" eventualidade correta. Para ele, o que ele chamava de e, assim, estar preparado para qualquer da vida moderna. Mais que Paulo Freire e muito mais . ainda que Herbart, Dewey propõe uma filosofia da educação de consideração completamente pensa, que havia se mostrado científico" para a resolução de problemas é, na verdade, uma filosofia modernas da vida livre, o próprio conjunto dos cinco passos é mais importante que a conclusão aprender caiu por terra frente às exigêiicias de coerência lógica etc. que poderiam própria pela hipótese heurísticas inclusive ter desdobramentos contínua indicada O passo final na teoria freireana é a tentativa de solução do problema apontado a. mudança Assim, para Dewey, há ainda um sexto passo didático: e, dessa forma, por uma na medida em que a plausibilidade esse em Freire, não implica uma visão negativa da infância, Tem-se assim uma conclusão, por Dewey, Dewey, por sua vez, quer o bípede sem penas como ser capaz de enfrentar destas por processos experimentais. influenciado e sim uma visão positiva, mais rousseauísta. ainda inéditos na situação particular, sua, de ensino- ou duas hipóteses confirmação de aplicar as leis, abstrações o aluno deve ser Todavia, naturalizado corno Dewey, da contingência e historicizado. que a educação em um que é· mundo Paulo Freire também deve preparar para a proceder como queriam. Justificativas filosóficas que foram montadas eventualidade, só que as eventualidades do "desenraizado" seriam mais repetitivas: elas sempre seriam problemas políticos pelos quais pelos grandes movimentos o "desenraizado" do Iluminismo os séculos XVII e xx. E pelo movimento e do Romantismo keynesiano entre de construção do Welfare State após a Segunda Guerra Mundial. Herbart quer, na formulação ser capaz de se autodeterminar. termos dos iluministas humanista, criar o homem como É claro que Herbart pensava isso nos clássicos: o homem como ser que sai da menoridade e passa ajulgar as coisas pela própria razão é o homem que se autodetermina - o verdadeiro indivíduo (Kant). A noção de infância de Herbart é, em certa medida, aquela deixada por Descartes: a infância é um estágio negativo que devemos mantém o modelo pensamento superar. Quanto aos objetivos educacionais, o humanismo herbartiano está presente em Freire. Esse humanismo está mesclado com as leituras de Freire de várias correntes de filosofia contemporânea, com inspiração mais romântica, na vaga do existencialismo (marxista e/ou cristão). contingência Dewey quer estaria. sendo da "educação pedagógico geral. oprimido. de adultos" Freire sempre como guia para seu Dewey não. Ao considerar como um elemento-chave que a criança Paulo atue como a na sua filosofia da história, o Emílio, do romance pedagógico de Rousseau: um garoto que formula e resolve problemas, mais do que um erudito que disserta sobre todas as coisas. De certo modo, Dewey está com um pé no historicismo, o que deslocaria sua noção de infância para as proximidades do que pensa Ariês. Mas ele não dá um passo completo nesse sentido. Ainda que seu rousseauísmo esteja sempre posto na berlinda pela sua leitura de Nietzsche (Nabokov é, de certo modo, nietzschiano), Dewey, na prática, parece não abandonar totalmente a idéia de essência na sua concepção de infância. De certo modo, Dewey espera que exista na criança um I Neopragmatismo. 164 elemento Escola de Frankfurt e Marxismo interior que pode ser aceso menos pela erudição pelo "aprender do que Vamos agora à teoria educacional pós-moderna. Ela fornece outros passos: Passo 1. O início do processo de ensino-aprendizagem se dá pela apresentação direta de problemas e situações problemáticas, ou mesmocuriosas e difíceis. Mas que tipo de problemas e situações problemáticas? Os problemas culturais, políticos diferentes. Esses problemas são apresentados e modelos por diversos Passo 2. Na seqüência, o processo de ensino-aprendizagem ditos com os problemas e os problemas da vida cotidiana visa propriamente dos estudantes, dos seus avós e pais e, enfim, do seu grupo social ou familiar ou de amigos e até mesmo do seu país - presente, passado e futuro. Aqui, o estudante é convidado a ser um personagem da narrativa contada anterior e, ao mesmo tempo, umfilóscifo, isto é, segundo umjuiz dos desdobramentos no passo histórica, científica perceber que essas narrativas hierarquizadas aprende e filosófica. O importante que redescrevem epistemologicamente. de ordem ficcional, aqui é o estudante aquelas não estão Não há uma narrativa que inseridos os problemas e a discutir a pertinência com o professor momento e, enfim, distintos que estão aptos, pragmaticamente, ele próprio, a delas com os colegas, com os livros e outros meios. Este é o de criação, de imaginação e, portanto, o auge do processo de criação de metáforas. Passo 5. Por fim, o que se tem é o recolhimento intelectual, e suas redescrições das idéias e para a condução moral e estética no campo cultural, social e polftioo de cada um. Cabe aqui a ação política organizada, inclusive a ação. . política partidária. Mas é necessário lembrar que a própria formulação de uma narrativa e sua divulgação, que não só garanta direitos direitos,já a criação de uma nova metáfora democráticos mas que invente outros é uma ação política. Se os professores pós-modernos para uma e os teóricos da educação quiserem uma justificativa para esses procedimentos, irão facilmente encontrá-Ia, no passado, em germe, nas formulações da filosofia da linguagem do pragmatismo pioneiros de Nietzsche na argumentação que é metafórico a Realidade Como Ela É. Mas há, sim, em cada uma,jogos de linguagem é convidado, das narrativas em que estavam 111 internos da narrativa. isto por meio de outras narrativas, que Nietzsche, Passo 3. Redescrição das narrativas em que os problemas estavam inseridos; Eles são vocabulários se dá pela utilização lingüística propor suas narrativas de redescrição sugestões vindas das narrativas pela música, pela poesia e teatro etc. as situações problemáticas delimitados. cuja distinção o bípede sem penas faz deles. meios: do cinema ao romance passando pelo conto, pelos comic books, relacionar e no primeiro no campo literal e que ambos os estão nitidamente incomensuráveis, 165 Passo 4. Neste estágio o estudante segundo éticos, étnicos, de convivência entre gêneros, mentalidades minha Filosofia da Educação no campo metafórico campos a aprender". a postura pós-moderna Conclusão: e WilliamJames. e Afinal, foram eles os que borrou a nítida linha que separava o do que é literal. Foi Nietzsche século XIX, colocou a linguagem quem, no final do em um plano articulado ao plano coisa e não outra. Se quero saber como uma nave espacial funciona, social e definiu a própria verdade como metáfora. Masse os professores um bom vocabulário é o dos físicos; mas se quero dizer para minha namorada como a nave atravessa os céus em uma noite estrelada, pós-modernos e os teóricos da educação quiserem elaborar melhor uma filosofia da educação mais adequada aos procedimentos dos cinco creio que seria melhor um vocabulário ficcional - seria pedante e inútil para o namoro a explicação física. Penso que aqui deveríamos ir de Júlio Verne! Mas o erro seria achar que no segundo caso estou passos acima, e para tal quiserem utilizar a linguagem atual da filosofia, penso que a leitura dos textos de Donald Davidson é o suficiente. Principalmente na formulação que é dada por Richard Rorty. _..... _ Neopragmatismo, 166 mM!""'r·~"''l:i..lli-v.i::·~!iR'~<i:.~~@.~ •.. '~'':1:t~!~~t~:tJi1J!l~i.:!!d!ISS.'i,[;(.~~~·l?~~lYr.f;,. 7777777-'"= Escola de Frankfurt e Marxismo o segredo aqui, para entendermos a postura pós-moderna, é perguntar o que é a metáfora para Davidson. Se tomamos a metáfora na sua definição tradicional, veremos que a entendemos como apenas a cobertura de um bolo. Ela seria a maneira de descrever as coisas de uma forma que, uma vez clarificada, analisada, traria a verdade, o essencial. A metáfora teria uma mensagem a ser decodificada, mensagem esta que poderia ser apreendida por investigação da semântica. Assim, a metáfora teria um conteúdo cognitivo e poderia ser explicada. Uma terrível objeção a essa formulação aparentemente tranqüila da metáfora, dada por Davidson, é a de que a metáfora não pode ser parafraseada. E que se quisermos explicar uma metáfora, certamente estaremos sujeitos a fazer alguma construção teórica sofrível, de mau gosto. Para Davidson, como Rorty e eu o lemos, a metáfora não é uma mensagem, não tem um conteúdo cognitivo a ser decodificado. Ela é, sim, um ato inusitado no meio do processo comunicacional que, embora tenha efeitos de grande impacto sobre o ouvinte, não pretende lhe dizer coisa alguma. É claro que uma metáfora, depois de algum tempo, se for saboreada e não cuspida e esquecida, pode então se adaptar a umjogo de linguagem existente ou forjar um novojogo de linguagem e, então, se literalizar, ou seja, ganhar valor de verdade. Aliás, diga-se de passagem, como Rorty lembra, nossa linguagem é, na sua maioria, um monte de metáforas mortas. Mas, em um primeiro momento, ela não é uma explicação e não tem valor de verdade na medida em que não está nos quadros dojogo semântico tradicional. Por isso mesmo, seu lançamento em uma conversa é muitas vezes espontâneo, e quem a lançou pouco sabia o que ela significava (ela não significava!). Assim, duvido que o movimento negro poderia, na época de seu auge, explicar o que era Black is beautiful!. Do mesmo modo que agora, como já disse antes, seria uma péssima idéia tentar explicar o que é Gay isgood!. Não há paráfrase nem explicações para Gay is good!, e qualquer tentativa destrói rapidamente a metáfora e todo o movimento de impacto que ela causa na mentalidade Conclusão: minha Filosofia da Educação 167 conservadora. Todavia, apesar de não ter mensagem, ela é forte o suficiente para estar envolvida com a busca de criação de novos direitos democráticos, como, por exemplo, a discussão, em vários países, sobre a legitimidade do casamento e formação de família entre pessoas do mesmo sexo... pois, afinal, Gay isgood!. Essa nova filosofia da educação em nada solapa os ideais das filosofias da educação modernas, pelo contrário, ela os potencializa. Quem faz metáforas em prol da criação de novos direi tos está, certamente, colaborando com a idéia humanista de que a educação é aquisição de autodeterminação, como em Herbart. Também está favorecendo a diversidade e a liberdade e, portanto, está se alinhando com Dewey na valorização da democracia. E pode fornecer "autoridade semântica" para os grupos oprimidos, levando-os a uma redescrição de si mesmos, conquistando então vez e voz na sociedade. na medida em que puderem colocar seus vocabulários alternativos, seusjogos de linguagem secundarizados, como elementos também contáveis na sociedade. Com isso, colabora-se com Paulo Freire na luta por uma educação em favor do oprimido pelo fim da opressão. A teoria educacional pós-moderna, nessa filosofia da educação, é a busca de realização dos melhores ideais modernos. Mas o que diz essa teoria pós-moderna sobre a criança? Qual é sua concepção de infância? A teoria pós-moderna nada diz sobre a criança. Ou pelo menos nada diz de especial,de especificamente essencial sobre a criança. E não tem uma concepção de infância. Ela é a teoria completamente historicista de Gepeto, aquele pai que leva seu Pinóquio para a escola porque as pessoas sensatas de sua cidade assim fazem com as crianças. E não lhe passa pela cabeça que lá na escola vá existir alguém selecionando quem são "os verdadeiros meninos de verdade". A teoria educacional pós-moderna não está nem do lado de Rousseau nem do lado de Nabokov. Ela simplesmente representa, no sentido kuhniano da palavra, uma mudança de paradigma: ela não precisa de uma noção de infância para falar sobre a educação, 168 Neopragmatismo, quer é estar atenta às novas metáforas, sobre as crianças, democráticos crianças. ampliar novos direitos democráticos de infância é uma noção Bibliografia direitos para todas as moderna. A pós- não necessita dessa noção. A educação pós-moderna, então, pode finalmente Pinóquio, inclusive as novas metáforas e, com isso, ver se consegue e inventar A noção modernidade Escola de Frankfurt e Marxismo fazer educação sem ter de perguntar por ter cabeça de pau, deve. ou não estar na escola. se ADORNO,T. w'Interuentiones. ____ o Terminologíafilosófica Caracas: Monte Avila, 1969. 11.Trad. R. S. Urbina. 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Em nosso site você poderá ter acesso a várias informações sobre a editora, os últimos lançamentos, nosso catálogo, nossos distribuidores e eventos. Nele você poderá obter informações de como comprar direto, sem sair de casa, além de poder se cadastrar para obter informações periódicas de lançamentos e eventos. e ---v--DP&A edite>ra Home page: www.dpa.com.br e-mail: [email protected] ..•.....