Reportagem alunos jornalismo puc minas

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Curso de Comunicação Social/Jornalismo
Introdução ao Jornalismo
Júnia Miranda
GRANDE REPORTAGEM (TRABAHO FINAL INTEGRADO)
Grupo:
Ana Gleicimara
Ayana Braga
Bárbara Cristina
Ingrid Stockler
Isabela Catarina
A arte de criar arte
No fim de tarde de uma
quarta-feira, na cafeteria do Palácio
das
Artes,
encontramos
Paula
Wenke e Oscar Martins para uma
entrevista,
marcada
para
estudarmos e conhecermos melhor
o Teatro dos Sentidos. O tempo na
cidade de Belo Horizonte era frio e
chuvoso, mas isso não impediu que
a
nossa
conversa
fosse
extremamente calorosa, repleta de
muitos risos e, principalmente, de
muito
encanto.
A
grandiosidade
desse projeto nos deixava cada vez
mais famintas. Uma fome que não
poderia
ser
saciada
por
algum
Paula Wenke e Oscar Martins, a idealizadora e um
dos atores do Teatro dos Sentidos.
lanche disponível no cardápio do local, mas sim por mais informações a respeito
dessa
iniciativa
tão
admirável.
O Projeto Teatro dos Sentidos traz uma nova técnica de encenação
desenvolvida especialmente para o público cego. Com textos adaptados e estímulos
externos, o espetáculo provoca o olfato, o paladar, a audição e o tato, além de incitar
a
imaginação
do
público.
Não há cenário ou figurino, porque tudo é criado pela mente do público. Isso
provoca decepção no público “enxergante” ao fim da encenação. Porém, essa
decepção é maravilhosa para o elenco do espetáculo porque revela que todos
imaginaram, criaram e construíram algo realmente
singular e fascinante.
Essa técnica permite a comunicação do elenco com o público, reforçando a
ideia que Paula Wenke tem de que o artista deve prestar a atenção na plateia. Isso
remete à necessidade de que a sociedade preste atenção nos deficientes.
O projeto busca desenvolver o sentimento de solidariedade na plateia, através
de uma experiência lúdica e prazerosa que também promove a reflexão e desperta o
desejo de mudar a nossa realidade social, já que os deficientes ainda lutam para
garantir seus direitos básicos, mesmo tendo-os previstos pela Constituição.
De acordo com o Censo 2010, feito pelo IBGE, o Brasil tem cerca de 45,6
milhões de deficientes, um percentual de 23,9%. A deficiência visual apresentou a
maior
ocorrência,
afetando
18,8%
da
população
brasileira.
As leis – como a Lei nº 7.853/89, considerada a mais inclusiva das Américas,
por seu conteúdo –, que são garantidas pela Constituição Brasileira, pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas
(ONU) e por outras organizações atuantes em estados e municípios, asseguram ao
deficiente visual o direito de ir e vir, a igualdade, acessibilidade, transporte,
dignidade, liberdade, acesso à informação, liberdade de expressão, trabalho e
educação adequada, com o objetivo de integrá-lo a sociedade, dando a
possibilidade de uma vida normal e saudável como todos os outros cidadãos.
Entretanto, as coisas não funcionam como deveriam no Brasil. É preciso
reconhecer que o cenário em que os deficientes vivem teve avanços e melhorias.
Mas o governo ainda investe pouco para endossar os direitos dessa parcela da
população. A falta de políticas públicas expõe os deficientes à vulnerabilidade e
precariedade. Muitas dessas pessoas se escondem da sociedade, experimentando
a invisibilidade devido à inacessibilidade da cidade, por vergonha por parte dos
familiares, baixa autoestima, preconceito e subestimação de suas capacidades por
parte da sociedade, entre outros conflitos que os deficientes travam todos os dias
para
se
afirmar
na
comunidade.
O Teatro dos Sentidos promove a inclusão por empregar pessoas com as
mais variadas deficiências em seu elenco, por promover uma dramatização de total
compreensão para os cegos e por oferecer a oportunidade ao público não-cego uma
nova experiência sensorial onde ele se coloca no lugar do outro, desencadeando
uma
série
de
reflexões
nesse
espectador.
Através de pesquisas promovidas pelo próprio projeto, a plateia passa a se
mobilizar para encontrar uma maneira de agir em prol da inclusão dos deficientes e
para garantir a eles uma vida digna como todos merecem. Repensando as atitudes
como cidadãos, construímos um ambiente cada vez mais acessível e solidário.
Ao fim dos espetáculos, o elenco recolhe os depoimentos do público, que é só
elogios para a encenação. Dentre esses inúmeros registros, alguns conseguem
transformar em palavras parte da ideologia e magnitude do projeto, que ainda sem
mantém
inexplicável.
Michel Canteiro é ator do Teatro dos Sentidos e portador de baixa visão e diz:
“Essas apresentações foram só o ponta pé inicial para a história do teatro mundial,
da inclusão, da delicadeza, da forma de ser ator sem ser visto e sem fala, mas
sendo capaz de envolver o público fazendo-o sentir o espetáculo com um carinho
especial. Tenho certeza que Teatro dos Sentidos sempre será lembrado, tanto pelas
pessoas que o fizeram acontecer, quanto para o público que o assistiu e o assistirá”.
Já Elza Valverde declara que o projeto a ajudou “a enxergar melhor e com
mais igualdade a importância que todos nós temos”, vendo o Teatro dos Sentidos
como uma maneira de combater o preconceito vigente em diversas culturas.
O poeta Carlos Henrique de Oliveira, por sua vez, sensibilizado pela peça,
afirma que o Teatro dos Sentidos “nos abre um admirável novo mundo, ao
transcender radicalmente a noção de sentido a que estamos acostumados”.
Sem dúvidas o depoimento mais emocionante é o de Deborah Prates, uma
advogada cega. Deborah afirma que “o Teatro dos Sentidos, por incrível que pareça,
destina-se muito mais às pessoas sem deficiência, do que às pessoas com
deficiência”. Segundo a ela, a peça submete o público, de modo lúdico, ao
autoconhecimento, ao autojulgamento e ao autoquestionamento, o que os leva a
enxergar o outro e a colocar-se no lugar dele. Sendo advogada e conhecendo a
legislação relativa aos deficientes, Deborah ainda diz que “o preconceito não se
combate com a lei, mas sim com a conscientização/educação da coletividade para
que seja entendido que as diversidades que existem na natureza como são, não
como o corpo social gostaria que fossem”. Ela ainda ressalta o projeto como um
veículo de conscientização importante e de grande criatividade, uma vez que permite
que
a
solidariedade
brote
de
dentro
para
fora
no
público.
Comunicar é compartilhar. Público e projeto começam a partilhar os mesmo
conhecimentos e objetivos. A ação comunicativa estabelecida entre o teatro e os
espectadores permite a reflexão. O Teatro dos Sentidos manifesta a sua consciência
sobre o modo como cegos e deficientes em geral são tratados no convívio social,
promovendo uma forma de “ação em comum” – que é “a realização de um ato entre
consciências
com
objetivos
a
comuns”;
mobilização
social.
Através dessa promoção, os ideais da companhia passam a representar algo
importante à plateia, tornando-a vigilante dos direitos dos portadores de
necessidades especiais e mobilizando-a em prol da inclusão dessa pessoas,
segregadas
pelo
preconceito
da
sociedade.
São as declarações feitas pelo auditório que impulsionam o projeto, que já
apresentou o espetáculo Feliz Ano Novo em Brasília, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte. A técnica de encenação desenvolvida pelo Teatro dos Sentidos despertou
o interesse de diversas companhias de teatro renomadas, inclusive estrangeiras. As
palavras da plateia reafirmam os ideais do projeto e provam que “o que os olhos não
vêem, o coração sente”.
CONCRETIZANDO SONHOS
O processo de preparação do espetáculo começa com o treinamento dos
atores, através dos chamados laboratórios. Nesses laboratórios, os atores são
submetidos
à
experiência
de
“serem
cegos”.
Um dos laboratórios é o “laboratório do medo”. Inicialmente, o grupo de atores
é divido para que metade seja vendada e a outra sirva de “anjo” – ou, simplesmente,
guia. Os “anjos” recebem a orientação de não serem paternalistas e deixarem que
aqueles que estão vendados vivam a experiência quase que por conta própria,
avisando somente o que é extremamente necessário. Essa direção é dada para
tornar a vivência mais realista, já que os cegos nem sempre contam com a ajuda de
alguém
para
guiá-los.
Depois, todos saem para vivenciar aquilo a que foram submetidos. Os atores
vendados passam a lidar constantemente com o medo – para confiar naquele que
foi designado pra lhe servir de guia e, até mesmo, para fazer coisas simples, como
caminhar ou atravessar a rua. Várias reações são observadas a partir disso,
mostrando o efeito que o medo do desconhecido provoca nas pessoas: algumas
ficaram paralisadas e outras começaram a se mover sem nenhuma cautela.
Quando o espetáculo está em cartaz em Belo Horizonte, esse laboratório
normalmente é feito no Mercado Central da cidade, onde existe uma grande
variedade de cheiros e caminhos a serem seguidos, estímulos que provocam os
sentidos
do
corpo
humano.
O “piquenique às cegas” é outro laboratório, que funciona com o mesmo
esquema de divisão dos atores entre “anjos” e “cegos”. Entretanto, nesse momento,
os atores são postos diante de uma mesa com inúmeros alimentos, onde eles têm
que
descobrir
o
que
está
disponível
para
que
eles
comam.
Segundo a atriz do projeto, Ana Martins, essa vivência nos mostra que “não
percebemos nada ao comer. Não percebemos a textura do alimento, nem mesmo
seu
sabor”.
Segundo os entrevistados, os atores ficam totalmente desnorteados durante a
experiência, gerando pequenos incidentes, derrubando coisas e até mesmo se
comportando
de
forma
mal
educada.
Com os laboratórios, percebemos que as pessoas mudam ao serem
vendadas. Uma vez que não enxergam, elas pensam que também não podem ser
vistas e passam a ter comportamentos incomuns diante de situações comuns.
Há um tempo estipulado previamente para a duração dos laboratórios. Assim
que o prazo termina, os papeis se invertem e a experiência começa novamente.
Os atores também são treinados para serem invisíveis durante o espetáculo,
uma vez que são responsáveis pela provocação dos sentidos da plateia e a intenção
é que as pessoas tentem imaginar de onde vêm os estímulos que sofrem para que
usem a sua imaginação para criar o cenário da encenação. Dessa maneira, o elenco
deve
aprender
a
delicadeza
e
a
sutileza
do
gesto.
Depois de os atores estarem devidamente preparados, é hora de preparar o
local do espetáculo. O lugar escolhido para a apresentação deve ser amplo, ter um
bom isolamento acústico e não possibilitar ecos, uma vez que o teatro não é
encenado
da
maneira
convencional.
A maneira incomum como o espetáculo é apresentado o torna “não-visual”.
Ou seja, não é possível tirar fotos da encenação para divulgação, uma vez que
acabariam com a magia do Teatro dos Sentidos. Por isso, o projeto encontra
problemas com a imprensa, que não sabe lidar com essa característica peculiar.
OUTRO OLHAR
Oscar Martins é um ator mineiro e faz parte do elenco do Teatro dos Sentidos.
Cego há 21 anos, o ator diz que o projeto promove uma troca de perspectiva, onde
ele inclui a sociedade no seu mundo e não o contrário.
Divertido, Oscar revela que “nada de braçada” na companhia dos outros
atores, já que sua desenvoltura e sua postura durante os laboratórios e a encenação
são distintas das demais por ser realmente cego. O seu comportamento instiga as
pessoas que presenciam as vivências e as fazem apontar Oscar, dentre todos os
integrantes do elenco, como aquele que certamente não é cego.
Na tentativa de buscar palavras para descrever o papel do projeto em sua
vida, mesmo sabendo que seria algo quase impossível, Oscar afirma que “o Teatro
dos Sentidos conta meu mundo, minhas experiências, colocando o outro no meu
lugar”.
EMPRESTANDO OLHARES
A carioca Paula Wenke, graduada em Artes Cênicas pela Universidade de
Brasília (UNB) e licenciada pelo MEC (Ministério da Educação) para formar
atores, foi quem iniciou o projeto. Paula se perguntava o que poderia fazer para
estar a serviço daqueles que precisavam de sua ajuda, a partir da influência de
sua formação acadêmica. Daí “começava a surgir o desejo de ‘emprestar’ os
olhos para quem já não os tinha mais, ou nunca os teve”.
O cego não entende totalmente uma obra encenada, já que algumas
informações são perdidas, mas é capaz de entender a leitura dramatizada. A
leitura dramatizada consiste na interpretação das falas e das rubricas –
indicações de ação – de um texto teatral.
Paula Wenke lecionava seu curso de Interpretação Teatral na Casa da
Gávea, lugar onde passaram a ser realizadas leituras dramatizadas, após as
suas aulas. Os textos lidos eram fortemente interpretados, mas não propunham
nenhuma encenação. E então, Paula passou a fazer dessas leituras uma prática
de direção, ouvindo os textos de olhos fechados, visualizando e criando as
cenas.
Logo, Paula começou a fazer esse tipo de leitura para cegos e
posteriormente, criou para os textos um narrador que observava e participava
das cenas e passou a utilizar recursos que complementassem a encenação –
como sons.
O trabalho foi crescendo e abriu espaço para a contratação de deficientes
como parte do elenco. Em um espetáculo para cegos, deficientes de todos os
tipos tem a oportunidade de ser qualquer coisa porque não estão presos às suas
aparências, de serem percebidos e recebidos com outro olhar que não o
limitado.
À medida que o tempo passou, os atores passaram a provocar os
sentidos – tato, olfato, paladar e audição – do público durante as leituras e
aqueles que acompanhavam os cegos, eram vendados e passaram a despertar
interesse por essa experiência diferente.
O Teatro dos Sentidos foi criado a partir da dificuldade do cego de
perceber a dramaturgia e passou a ser uma facilidade para outros deficientes,
idosos e outros grupos poderem ser inclusos na sociedade. E o que era um
trabalho voluntário passou a ser o principal projeto de Paula Wenke.
Na última temporada do Teatro dos Sentidos no Rio de Janeiro, Paula
Wenke desafiou alguns artistas plásticos a assistirem à encenação, como toda a
plateia, e criarem obras de arte com aquilo que vivenciaram durante o
espetáculo e então, expô-las.
Segundo Paula, a experiência foi incrível. A ideia veio da decepção
que se percebe no público depois que o espetáculo acaba. As pessoas
puderam ver como outras perceberam a peça, confirmando que existem
olhares diferentes sobre as mesmas coisas.
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