Linguagens alternativas na construção do saber: charges e

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LINGUAGENS ALTERNATIVAS NA CONSTRUÇÃO DO SABER: CHARGES E
IMAGENS NOS LIVROS DIDÁTICOS.
Maria Lindaci Gomes de Souza: Doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte
Drª Marlúcia Paiva - UFRN
Estamos vivenciando a chamada era da globalização, da exploração dos meios de
comunicação de massa, mas a escola ainda insiste na leitura do código verbal.
Vivemos numa sociedade de contrastes culturais, na qual entrecusam-se imagens e
sons, e outros tipos de linguagens que não apenas a verbal. No entanto a escola parece não
saber como incorporar ao seu cotidiano linguagens não afeitas a sua tradição. Fato que nos
motivou a fazer esta pesquisa não só pela constatação da baixa utilização de outros recursos
pedagógicos, como jornais, revistas e imagens do cotidiano como materialidade das práticas
pedagógicas, como também pelo descompasso existente entre o discurso didático pedagógico
e as linguagens não institucionais. Considerando a escola como principal instância de
sociabilidade, de saberes, valores e representações, propomos trabalhar com a materialidade
visual e a forma como é usada na sala de aula. Objetivo da pesquisa é identificar os usos de
imagens no livro didático e a forma como é tratada, ou seja como registro, espelho de uma
realidade, ilustração, criação, interpretação e representação.
Um aspecto relevante que merece ser destacado, é o reconhecimento da importância da
imagem nos anos 90. A década de 70 foi caracterizada como um período de poluição visual
característico da pujança dos anos rebeldes: cores, fotografias, desenhos, história em
quadrinhos, folhetins, e outras materialidade culturais, contribuíram no sentido de repensar o
espaço de coexistência de outros códigos, que não apenas o verbal e o oral, anunciando novas
formas de sociabilidade no cotidiano social. Nas palavras de Célia Abicalil Belmiro nos anos
90 apresenta-se um “refinamento”1 gráfico, um leque enorme de materiais visuais e uma
novidade em relação ao período anterior: maior seletividade nos usos desses materiais.
O interesse pela linguagem visual como campo da pesquisa histórica antropológica,
centra-se na década de 80 quando antropólogos, sociólogos e historiadores passam a examinar
1
Ver o texto BELMIRO, Celia Abicalil. A imagem e suas formas de visualidade nos livros didáticos de
Português. Educação e Sociedade – Revista Quadrimestral De Ciência Da Educação, ano XXI/72. Agosto de
2000.
2
o uso de iconografias, como fonte documental e com uma resposta à falência de paradigmas
positivistas que lançava o desafio teórico metodológico suscitado pela utilização das imagens
como o produto de pesquisa. Estudos semióticos da imagem, viriam especificar os tipos de
imagens, considerando que palavra e imagem deixaram de ser meios transparentes, de uma
realidade a ser compreendida. Com essa compreensão a história da arte, a história e a
literatura, procuram estudar as imagens gráficas, iconograficas e verbais, desafiando a suposta
objetividade da imagem.
Na escola da pós-modernidade, as práticas pedagógicas, ainda estão permeadas ou
mesmo ancoradas pelo paradigma cientificista da ciência moderna. Com essa percepção a
escola pública brasileira, ainda prioriza ao nível da produção do saber, o principio da
racionalidade, da objetividade e do finalismo, a construção do conhecimento. Desta forma
também os livros didáticos ganhavam no século XVII uma função que conservaram até hoje,
a de portadores dos “caracteres das ciências”, principalmente como livros científicos que
identificavam-se com estatuto de verdade. Essa concepção do livro, chamada “iluminista”
prosseguiu e ganhou força com o passar do tempo, tornando-se o fiel depositário das verdades
científicas universais. Se na razão iluminista a objetividade se fazia necessária, ao fazer
científico, à produção do saber, hoje essa razão, no construto do conhecimento, se mostra
insuficiente para congregar metodologias fundadas no cotidiano e nas práticas culturais. Por
essa razão não nos causa nenhum espanto, percebermos nos manuais editados no Brasil nas
décadas de 20, 30, e até 60 conteúdos e imagens nas quais perduram uma visão extremamente
eurocêntrica, centrada no poder estatal, nos grandes heróis, característica marcante da
historiografia do velho mundo. Segundo afirma Décio Gatti Jr2, esse eurocêntrismo expressase como era comum naquela época, na veiculação de representação histórica que valorizavam
o padrão civilizatório lusitano, cristão, em detrimento da atribuição de qualquer influência
significativa das populações indígenas e de origem africana. As imagens mais representativas
são de pinturas com cenários europeus, a presença da corte européia, fazendo conviver
pinturas e fotos das cortes, do mobiliário, das figuras arquitetônicas, dos objetos de uso
privado, dos ornamentos. Com poucos indícios do olhar de quem busca ler e interpretar
tentando ir além da literalidade, porque como nos informa Mirian Moreira Leite (1993), a
imagem fixa gera na seqüência da observação descrições e narrações criando textos
intermediários orais e verbais, fazendo fluir as “relações que se estabelece entre o que esta
vendo e as outras imagens” BITTENCOURT (1997, p 87). Com essa compreensão
2
Extraído do texto integral da aula magna da UFU em entrevista ao editor, presente no anexo do trabalho de
GATTI JR. Livro didático e ensino de história: dos anos 60 aos nossos dias.
3
precisamos redimensionar as práticas pedagógicas que homogeneizam e definem
metodologias cristalizadas por códigos e normas que seguem uma lógica da ordem
estabelecida. Por outro lado se delineiam práticas, saberes que se redefinem através de táticas
e de estratégias dentro do próprio cotidiano escolar. São “modos de subjetivação que as
práticas educativas vêm instituindo”3, e que tentam superar o ideário cientificista visualizada
pela pluralidade das práticas culturais.
Os anos 60 marcaram o início de um momento de transição para os livros didáticos
brasileiros, especialmente na área de historia. Antes dessa época a produção era praticamente
artesanal e o autor trabalhava praticamente sozinho. As interpretações e ilustrações estavam
vinculadas à tradição da história política, com ilustrações, fotografias, representativas de uma
sociedade elitista, com uma galeria de heróis e objetos representativos da classe dominante.
Com essa compreensão citamos dois livros, a 9º edição do livro de Gilberto Cotrin. História e
Consciência do Mundo, bastante adotado nas escolas públicas, que apesar de ter um título
representativo de uma postura crítica, ao folhearmos suas páginas percebemos quase que um
hiato entre o título dado ao livro e as mensagens veiculadas pelas imagens. O segundo livro de
José Jobson Arruda. História Integrada, segue esta mesma linha de pensamento. Em suas
páginas configura-se imagens e conteúdos que na sua grande maioria adotam a postura
iluminista do livro didático. As imagens são usadas e tratadas como ilustração, com o objetivo
de compreende-la como ornamento para deixar bonito a página. Tratada como ilustração “a
imagem tem a importância de ajudar na visualização agradável da página. Se há textos muitos
longos, ela serve para quebrar o ritmo cansativo da leitura” BELMIRO (2000, p 23). Como
ornamento para enriquecer o texto destaca-se pinturas e esculturas, objetos de arte, modos de
viver, das classes abastadas, bustos de reis e rainhas. Poucas são as ilustrações com cenas do
cotidiano do homem comum. O resgate da representatividade das outras classes é feito com
cenas do trabalho, dos laços de submissão, das atividades e dos instrumentos materiais.
Nos anos 70, nos meios acadêmicos o interesse acerca das minorias sociais, tomou
impulso com a chamada história social, vislumbrando novas abordagens, novos personagens,
o que fêz com que emergissem do silêncio, personagens até então considerados sem história.
Esses personagens assumiram a condição de sujeitos: ascensão da história das mulheres, dos
negros, das crianças, dos idosos. Fato que assinalou uma marca na maior parte da produção
dos livros didáticos. Com o advento da entrada das massas, da história cotidiana, promovendo
uma distinção entre a história política e a história comum e local, os autores tiveram que
3
Ide Ibden BELMIRO.
4
molda-los à nova realidade escolar. Não só em relação a renovação do conteúdos mas também
das linguagens, conciliando a visual, a oral, e a escrita.
Em relação aos conteúdos apresentam textos mais críticos, conforme destaca Gatti Jr.
“devido à abertura política do país e à penetração de uma História mais crítica e afinada com
alguns movimentos da historiografia, em um primeiro momento a marxista e agora abre
espaço para temas e formas de abordagens advindas da história nova”.
Essas mudanças metodológicas também refletem nos usos e nas escolhas das
linguagens e dos materiais iconográficos dos livros didáticos. Na grande maioria, percebe-se a
presença da multiplicidade de linguagens alternativas,
são poesias,
músicas populares,
propagandas, tiras cômicas, quadrinhos, caricaturas e charges. A grande renovação no âmbito
da cultura escolar, verifica-se,
quanto a forma como essas novas linguagens visuais
instauram-se como recurso metodológico nos livros didáticos.
É claro, que as ilustrações sempre marcaram presença nos livros didáticos, cabe
indagar segundo a opinião Circe Bittencourt, se elas estão sendo usadas pelo professor nas
obras atuais, como ilustração que amplia a informação do texto, ou se as transformam em um
texto a ser lido?.
E continua a autora, será que o aluno estabelece articulações entre a imagem e o
contexto, “a partir da leitura inicial e externa da própria ilustração, torna-se possível
especificar seu conteúdo: tema, personagens representados, espaços, posturas, vestimentas
que indicam retrato de uma determinada época”4.
Segundo Mirian Leite é partir de meados da década de 70, de difundiu-se pelo mundo,
toda uma revitalização do interesse pela sociologia visual. Não só por sua utilização com o
instrumento de pesquisa e reforço de ensino, mais principalmente por que passou a ser
trabalhada como documento, utilizando a imagem como memória e registro da cultura
material, e como recorte da realidade social. Como texto não verbal que desencadeia imagem,
sentimentos, ou reações, características da antropologia visual, da qual destaca-se as
contribuições de Margaret Mead, ressaltando sua preocupação com o problema dos níveis de
conteúdo; dados visíveis, dimensionáveis e invisíveis ou imperceptíveis. Neste caso para
leitura visual não se prescinde da contribuição da sociologia e da psicologia, quando temos
que “estabelecer relações reflexivas entre estruturas sociais de um lado, e a seleção,
apreensão, percepção, cognição e criação de imagem, de outro” LEITE (2001, p 150).
5
Nos anos 90, principalmente neste final de década, segundo afirma a pesquisadora
Célia Abicalil Belmiro5, vem não só delineando, mas sobretudo apresentando mudanças nas
propostas de construção dos projetos pedagógicos. Mudanças determinadas por um novo
paradigma que amplia não só a dimensão da pesquisa mas sobretudo das novas tecnologias
que apontam para uma linguagem da multiplicidade, da materialidade cultural e das práticas
culturais que povoam nosso cotidiano social.
Visualizamos uma nova maneira de pesquisar ou de construir um objeto de pesquisa,
que visa compreender os modos de produção do saber, as modalidades de leitura, as formas
criativas que instituem metodologias alternativas, que despertam “o interesse pela
investigação histórica da cultura escolar”6 influenciada pelas novas correntes historiográficas,
especialmente A NOVA HISTÓRIA CULTURAL.
Especificamente no que diz respeito às práticas e condutas da vida escolar, a história
cotidiana do fazer escolar, envolve a materialidade das práticas pedagógicas como nos lembra
Souza citando Nóvoa (1997) a escola sempre foi considerada um lugar de cultura. Vista desta
forma, na investigação da cultura escolar intrecrusam-se outros campos de investigação e de
temáticas, tais como a história da leitura, a história das maneiras de ler, dos métodos, das
linguagens no ensino, dos usos de regras e de imagens. Ajuda-nos a desenvolver esta idéia
OLIVEIRA7 ao afirmar que define-se “uma vida cotidiana com operações, atos e usos,
práticas, regras e linguagens, historicamente constituídas e reconstituídas de acordo e em
função de situações plurais e móveis”.
Apesar de estarmos vivendo sobre o domínio da mídia, das novas tecnologias, estas
não encontram na sua grande maioria respaldo no cotidiano escolar.
As escolas nas suas práticas pedagógicas, ainda continuam reticentes na forma de
trabalhar e de interagir em seus contextos cotidianos as diferentes linguagens culturais
principalmente as dominadas pela imagem.
Assim como se aprende a escrever fazendo o uso da escrita em situações sociais, e em
contextos econômicos determinados pelo código escrito, também se pode aprender a usar
outras linguagens: as artísticas, visuais, digitais, iconográficas e as humorísticas.
4
Ver o texto de Circe Bittencurt. Livros didáticos entre textos e imagens. In O saber histórico na sala de aula.
Ver o texto de BELMIRO, na qual a autora trabalha as formas de visualidade e o estatuto da imagem.
6
SOUZA, Rosa Fátima. O itinerário de pesquisa sobre a cultura escolar.In CUNHA, Marcus Vinicios. Ideário e
Imagens na Educação Escolar. Araraquara – SP, Ed. Autores Associados. 2000.
5
6
Dentre as várias faces da crise, uma evidencia-se: o descompasso existente entre o
discurso didático pedagógico e as linguagens não institucionais. Adilson Odair Citelli já dizia
que a escola brasileira entrou em uma “espécie de espiral”, num movimento descendente, em
que presenciamos um hiato entre o discurso pedagógico e a sociedade. Estamos vivenciando
formas relativamente novas, uma de impacto, outras de grande alcance popular, as primeiras
como quadrinhos, cordel, jornais, cartoons, charges e outras como filmes, vídeos, etc.
Em nosso trabalho temos a preocupação de dar um tratamento histórico cultural aos
registros cômicos, considerando-os como registros social e não apenas como um simples
desenho humorístico ou uma forma de ilustração que objetiva apenas a acrescentar ao texto
uma imagem cômica. Ao fazermos o uso dos desenhos humorísticos como recurso de leitura e
como recurso gráfico visual que se materializa pelo viês cômico, temos a preocupação de
indicá-los como possibilidade metodológica e campo de estudo da sociologia, da leitura, da
arte e principalmente de historiadores da cultura que se identificam como o pesquisador do
mundo imagético.
Em relação a documentação visual, há uma nova forma de ver e ler a imagem, o que
Milton José de Almeida destaca como ressignificação do papel das imagens “parece que a
escola está em constante desatualização”. Há uma perspectiva dita conservadora na qual
privilegia as práticas pedagógicas, valorizando muito mais a postura racional, subjugando
outras práticas e expressões estéticas, outras linguagens, especificamente as visuais. A escolha
dos desenhos cômicos deve-se ao fato, da falta de motivação em sala de aula. Em conversas
informais com professores de história de 10 escolas, sobre o uso e a escolha do livro didático,
a grande maioria, em suas respostas afirmavam que apesar de estarem satisfeitos com os
temas e os conteúdos dos livros, achavam que havia uma desvinculação da disciplina, com a
realidade objetiva, principalmente em relação à região nordeste.
Quando se propõe o uso diversificado de textos, com dificuldades diferentes, que seja
sonoro ou visual o leitor lança mão, deste mesmo processo. Neste sentido a escola seria
espaço mediador do aluno, com sua experiência de vida, com a linguagem verbal e a visual,
na tentativa de travar diálogos, possibilitando ampliar horizontes, não só de conteúdo, mas de
maneiras de interpretar e ler o mundo, quer seja pela palavra, som, ritmo ou imagem. Talvez
por determinações ou omissões curriculares, a escola e os professores não reconheçam ou
saibam fazer o uso das linguagens visuais, não se detendo nas suas potencialidades, como tem
destacado MARTINS (1990 p.102) como se o contato como tais imagens, mas lhes pareça
7
OLIVEIRA, Ines Barbosa. Certeau e os artes de fazer: as noções de usos, tática e trajetória na pesquisa em
educação. IN Pesquisa no cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
7
uma não-leitura. O risco de colocar em ação, o que MARTINS chama de estranhamento do
óbvio, alguma coisa tão corriqueira a ponto de dar a impressão de transparência óbvia, mas
que é percebida e sabida por todos. Numa linguagem visual, o olhar simplesmente atravessa
pelas evidências, sem “assenhorear-se”. Como destaca LEITE (2001, p 158), o próprio olhar
do leitor é seletivo e se revela pela relação entre padrões observáveis do mundo exterior e de
padrões não observáveis da mente do observador. A leitura da mensagem visual depende de
uma compreensão global e de uma análise dos pormenores, mesmo sem levar em conta, todos
os detalhes e as articulações parciais de seu elementos. Para se compreender a mensagem
visual opera-se uma leitura imagética, em que entrecrusam-se o contexto espacial e o contexto
do leitor; o contexto em que está inserida a imagem; o conteúdo explícito da imagem; a
formação cultural e intelectual do leitor.
É nessa perspectiva que compreendemos este novo momento da história do livro
didático, é com esse olhar de historiador crítico, que buscamos não apenas as informações
contidas, que estão em sua superfície porque “embora muda, a imagem pode ser lida como um
mosaico que muda constantemente de configuração...o mosaico que se transfigura e o olhar
procura outras configurações”8. Com essa compreensão do “mosaico” que procura outras
configurações, é que operamos uma leitura às iconografias humorísticas.
A utilização das charges, surge como alternativa do uso de imagens, considerando a
falta de material iconográfico, na maior parte das escolas públicas. Com a introdução de
leituras cômicas (caricaturas, cartoons e charges), tentaremos fazer uma ponte entre a
realidade representada e as experiências coletivas. Objetivamos nos deter nas potencialidade
dos textos imagéticos, no processo de interpretação, apropriação, num processo de trocas, de
interação do verbal e do visual, de coexistência da intelecção e da intuição, de criação e
fruição de linguagens.
Quanto a concepção de leitura, consideramos uma prática social, pressupondo que o
aluno-leitor esteja inserido no sistema cultural, em que os valores, e experiência social
representam também uma fonte de informação e de conhecimento na leitura do texto
imagético. Faremos uso também de leituras de textos cômicos, percebendo-os não como mera
ilustração, mas como texto que propicia uma leitura contextual. Buscamos
novas
modalidades de uso do texto imagético, reconhecendo como revelador de uma cultura, como
afirma FERRO (1992, p.86), em que “um gesto, um olhar, uma imagem, sonora ou visual
produz um longo discurso.
8
Ver o texto de Mirian Moreira Leite. Retratos de família. Na qual a autora trabalha a questão da linguagem
visual, imagens e contextos. São Paulo – EDUSP 2001.
8
Para a leitura da charge a estética assume o seu valor contemporâneo quando o
chargista com a sua subjetividade se apropria de uma determinada ordem social, e a partir do
juízo estético é capaz de criar, representar usando valores próprio da arte, para dimensionar
problemas sociais latentes no cotidiano regional. O cotidiano é o fio condutor e a partir dele se
produz e sem completam as verdadeiras criações. Sentimentos, valores, idéias e costumes são
apreendidos através do humor para revelar a dualidade inerente ao dia-dia, partindo do
conhecimento da vida social e da estrutura do cotidiano.
Dois outros elementos se configuram na leitura da charge, a ironia usada pelo
chargista para exercer o papel mediador entre o povo e o poder. Nas maneiras de praticar a
linguagem visual destaca-se duas lógicas da ação, a “tática” e a “estratégia”9. A ironia é usada
como tática para enganar através da consciência imediata, se apresentando de forma
“inocente” para desvelar e jogar com o acontecimento.
O segundo elemento é o aspecto cômico que se incorpora ao texto na perspectiva de
obter um efeito do riso, quando o chargista usa o exagero para transcender o que é imitado.
Mas do que partilhar, desse espaço nas caricaturas e nas charges, o riso torna-se o
carro-chefe de um movimento de liberação da ironia e do humor, assim o riso seria usado
como tática para liberação de tudo aquilo que a linguagem normativa e verbal, tão facilmente
não o faria. Permite a liberação de insultos, o choque, a formação de juízos degradantes.
Assim o riso, graças ao seu alcance social e significado que é particularmente humano,
conforme afirma Bergson, exerce uma relevante função, e está presente na base de todas as
ações objetivas ou agressivas como em todos os chites, paródias, sátiras e charges dependem
da sua natureza e intensidade. Nossa escolha do desenho de humor como objeto de leitura, é
feita, porque a imagem permite que o aluno amplie a sua capacidade de desenvolver a
imaginação criativa, enquanto ato de leitura de um texto visual, como também permite ao
aluno fazer um panorama social, guiado pela percepção sensorial da fantasia, e da sátira.
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9
Categoria usada por Certeau que significa ação, jogar com o acontecimento, ver o texto de Michel de Certeau.
A invenção do cotidiano: artes e fazer. Tradução de Ephrain Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.
9
BELMIRO, Celia Abicolil. A imagem e suas formas de visualidade nos livros didáticos de
Português. Educação e Sociedade – Revista Quadrimestral de Ciência da Educação,
anoXXI/72 agosto – 2000.
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