III Congresso Consad de Gestão Pública A POLÍTICA DE GESTÃO PARTICIPATIVA NO ÂMBITO DO SUS Bruna de Castro Salviano Nicolato Ariane Marques Leite Painel 11/042 Gestão e envolvimento do cidadão A POLÍTICA DE GESTÃO PARTICIPATIVA NO ÂMBITO DO SUS Bruna de Castro Salviano Nicolato Ariane Marques Leite RESUMO Realizar uma gestão participativa é um desafio para o estado democrático de direito. Deve-se para tanto vocalizar as necessidades e desejos da população durante a formulação de políticas públicas e na prestação de serviços diretamente à população, bem como propiciar instrumentos e processos que permitam o controle da sociedade sobre as ações estatais. Contudo, apenas criar instâncias consultivas e tornar-se accountable não é suficiente. Ciente disso, o Ministério da Saúde, como formulador de diretrizes em nível nacional, e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), em prol de tornar Minas o estado em que se vive mais e melhor, bem como em ser instituição inovadora em gestão de saúde, vêm implementando políticas e ações que estimulam e preconizam a participação social. As quais objetivam que o Sistema Único de Saúde (SUS) atenda às demandas da população. Identificou-se por meio de pesquisa documental e revisão bibliográfica que o que era uma diretriz de organização do SUS, tornou-se inicialmente norma que instituiu as instâncias de controle social, denominadas Conselhos de Saúde, e atualmente constitui-se de políticas e ações de conceito ampliado. É o que se identifica na Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde e no modelo de atenção à saúde em implantação pela SES/MG. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 03 2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO NORMATIVO SAÚDE NO BRASIL, A MUDANÇA NAS PRÁTICAS E A CAPTURA DO PÚBLICO PELO PRIVADO.......... 05 3 A POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO ESTRATÉGICA E PARTICIPATIVA – PARTICIPASUS......................................................................................................... 08 4 O MODELO DE REDES DE ATENÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS.......... 12 5 CONCLUSÕES....................................................................................................... 15 6 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 16 3 1 INTRODUÇÃO Preconizada constitucionalmente como diretriz de organização do Sistema Único de Saúde, a participação da comunidade1 teve os mecanismos de atuação definidos por lei ainda em 19902, quais sejam as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, devendo estar presentes em cada esfera de governo. Contudo, apesar de todos os estados e municípios terem conselhos de saúde, em muitos casos estes são frágeis na efetividade e na eficácia de suas atuações. (BRASIL, 2009) Nesse sentido, mesmo que tais instâncias sejam órgãos colegiados composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, aos quais competem atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, a “simples” constituição de tais estruturas não tem sido capaz de estabelecer processos efetivos de participação social. Além disso, a participação da comunidade deve ser vista de uma maneira mais ampla do que a “simples” deliberação de diretrizes ou o “simples” controle social, bem como esta forma de atuação depende de e pressupõe outros mecanismos e processos. O Sistema Único de Saúde tem implantado políticas e modelo de atenção que preconizam e estimulam a participação da comunidade. Nesse sentido, o presente trabalho visa demonstrar como tem sido a construção, bem como apresenta o atual conceito de participação social no SUS. Para tanto, fora feito uma revisão documental (pesquisa a normas e documentos de governo), bem como uma revisão bibliográfica, buscando demonstrar as linhas de ação da direção central do SUS (Ministério da Saúde), bem como de instâncias colegiadas do SUS e da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Para tanto, na seção 2, será abordado o processo de construção do SUS, a fim de contextualizar a construção contínua das políticas de gestão participativa e a importância que a mesma apresenta diante da maneira como o SUS foi implantado. 1 O artigo 198, III, determina que a participação popular é uma das diretrizes do SUS. 2 A Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, determina que cada esfera de governo conte com Conferência de Saúde e Conselho de Saúde. 4 A seção 3 apresenta a recente política de gestão participativa adotada pelo Ministério da Saúde, componentes e a importância destes para a gestão do SUS. Por sua vez, a seção 4 demonstra como a participação social é parte integrante do consistente Modelo de Atenção às Condições Crônicas em implantação pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Por fim, a seção 5 elucida o resumo da trajetória da construção da gestão participativa tanto na direção nacional, quanto na estratégia de atenção à saúde adotada por Minas Gerais. 5 2 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO NORMATIVO SAÚDE NO BRASIL, A MUDANÇA NAS PRÁTICAS E A CAPTURA DO PÚBLICO PELO PRIVADO No momento em que afloravam e difundiam-se acordos quanto ao direito universal à saúde nos países europeus, o Brasil vivia os anos de ditadura militar. Enquanto a comunidade européia ainda colhia os frutos áureos da luta por um sistema consistente de seguridade social, de longa duração e resultante de um mecanismo de compensação que sustentava a relação capital e trabalho, o Brasil se encontrava em um momento politicamente instável, com críticas às tentativas fracassadas de controle sobre o processo inflacionário. Os ferrenhos defensores da universalização do direito à saúde no Brasil somente tiveram espaço para vocalizar suas demandas quando foi iniciado o processo de reforma política concernente ao modelo democrático e participativo. Tal processo marcara a Reforma Sanitária como o movimento a favor da ampliação do dever do Estado na provisão dos serviços de saúde à população. Em meio às pressões por redução da máquina administrativa e das atividades que compunham o leque de atribuições do Estado, a saúde passou a ser um direito de todos os brasileiros independentemente de sua contribuição enquanto trabalhador. Dado isso, verificam-se duas pressões ao longo da trajetória das políticas de saúde: a primeira conducente à equidade de acesso ao sistema de saúde e a segunda, às dificuldades no financiamento de uma estrutura completa o suficiente para fazer frente à demanda antes reprimida. Desde a Constituição Federal de 1988, observou-se um esforço do governo em assegurar o acesso dos cidadãos ao sistema de saúde por meio da ampliação da oferta de serviços de atenção primária à saúde, principalmente. Viu-se o surgimento e a expansão crescente dos programas Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da Família (PSF), a partir de 1991 e de 1994, respectivamente. Afora isso, foram criados novos leitos em hospitais públicos e houve a ampliação do acesso a medicamentos e a serviços laboratoriais e outros de apoio ao diagnóstico a despeito do estrangulamento do orçamento em saúde. A regulação dos serviços da iniciativa privada a cargo do Estado, porém, gera indícios de que os opositores do sistema universal à época da elaboração do texto constitucional não foram prejudicados. Esse grupo viu seus privilégios 6 ampliados ao compasso do crescimento do setor saúde como um todo. Tal crescimento infelizmente não supriu com vigor a equiparidade dos serviços disponibilizados pelo público e pelo privado. Na verdade, novos atores passaram a compor grupos de interesse no campo da saúde, passando a agir com oportunismo a partir das regras colocadas em jogo. Dado isso, grupos organizados em defesa de seus interesses particulares – associações de profissionais médicos; grupos ligados à indústria farmacêutica e de equipamentos; empresas de planos e seguros de saúde, entidades ligadas a hospitais privados – fizeram jus ao lobby nas arenas decisórias. A captura do público pelo privado se estabeleceu nos termos da lei que confere uma série de benefícios e deduções fiscais a entidades filantrópicas e uma abertura à oferta de novos produtos e serviços considerados “de ponta”. Enquanto cresce o “bolo” do sistema de saúde, mantém-se a proporcionalidade do pedaço destinado a cada cidadão-usuário. A diferenciação de acesso anteriormente explicada pela posição no mercado de trabalho passou a ser desvelada pela capacidade de pagamento para utilização de novos serviços e novas tecnologias. A idéia de captura do público pelo privado na assistência à saúde no Brasil pode ser analisada também em razão do tipo de relação estabelecida nas arenas de decisão. Conforme foi visto, predominantemente, tem-se que grupos mais organizados conseguiram imputar suas preferências na agenda de governo, em detrimento de decisões em benefício de um sistema de saúde mais equânime. Ademais, pôde se observar que relações assimétricas marcaram o desenvolvimento do SUS ao longo dos anos. A política de saúde como política social deve ser produto do engajamento da comunidade nos espaços de deliberação. Como experiência recente, os conselhos de saúde tem sido referência no sentido do controle social da gestão. Reforçar tais espaços significa fornecer subsídios para a decisão coletivamente mais satisfatória. Para Putnam (1995) e a vasta literatura que assume o capital social como produtor de ações coordenadas de cooperação e ajuda mútua, o papel dessas instâncias no regime democrático é fundamental. 7 Reconhecida desde a gestação do SUS enquanto diretriz do sistema, e em 1990, por meio da Lei n° 8.142, tendo sido minimamente regulada, a participação comunitária na gestão do Sistema Único de Saúde, recentemente, ganha destaque nas políticas do Ministério da Saúde, na forma da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa, e na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, por meio da implantação das redes de atenção à saúde. A seção seguinte abordará brevemente a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa do SUS – ParticipaSUS, explicando os seus componentes e de que forma os mesmos contribuem para a participação popular no que tange às políticas públicas de saúde. 8 3 A POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO ESTRATÉGICA E PARTICIPATIVA – PARTICIPASUS A fim de vocalizar necessidades e desejos da população e escutar os profissionais e os serviços, o modelo de atenção, diante da diversidade populacional brasileira, torna fundamental a estratégia de descentralização (princípio do SUS) e as ações de educação em saúde. Faz-se necessário ainda construir a autonomia das pessoas como cidadãos, como usuários do sistema de saúde e como centro de todo o processo de organização das práticas, de tal maneira que faça coincidir as necessidades e os desejos da população. O que é possível com a integralidade da atenção à saúde e com a humanização do SUS. Nesse sentido, em 2007, a partir do reconhecimento de que a efetiva participação social na gestão da saúde depende da implementação de mecanismos de mobilização dos diversos atores do SUS deu-se início à atual política de gestão estratégica e participativa no âmbito do SUS, a qual preconiza que para a consolidação do SUS, a formulação da política de saúde deve emergir dos espaços onde acontece a aproximação entre a construção da gestão descentralizada, o desenvolvimento da atenção integral à saúde e o fortalecimento da participação popular, com poder deliberativo. (BRASIL, 2009) Em sua concepção, a política de gestão participativa prevê a ampliação dos espaços públicos e coletivos para o exercício do diálogo e a pactuação das diferenças como forma de efetivar a participação popular nos termos do controle social. Bem como visa criar alternativas eficientes de informação e de escuta do cidadão usuário e da população em geral, reformulando o conceito e a dinâmica das ouvidorias. Em outras frentes, pretende aumentar a divulgação das prestações de contas e dos relatórios de gestão e reformular conceitos, normas e procedimentos de auditoria no âmbito do SUS, substituindo antigas práticas voltadas para a assistência individual e focadas no erro, reforçando a preocupação com o acompanhamento dos serviços de saúde, das ações preventivas, da qualidade de assistência e da gestão de análise dos resultados, contribuindo para a garantia do acesso e da atenção aos usuários cidadãos e em defesa da vida, pautada na visão do coletivo. (BRASIL, 2009) 9 Para completar a política de gestão estratégica e participativa no Ministério, prevê-se ainda o monitoramento e a avaliação da gestão, das ações e dos serviços de saúde, articulando as iniciativas das diversas áreas do Ministério, com a finalidade de divulgar os resultados dos processos de monitoramento e avaliação. Sob o entendimento de que a gestão participativa é uma estratégia transversal, a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS (ParticipaSUS) revela-se um conceito ampliado, constituindo-se de quatro frentes, quais sejam: controle social, monitoramento e avaliação da gestão do SUS, ouvidoria do SUS e auditoria do SUS. Nesse sentido, a gestão participativa concebida em tal política engloba: • Mecanismos institucionalizados de controle social, representados pelos conselhos de saúde e pelas conferências de saúde, envolvendo o governo, os trabalhadores da saúde e a sociedade civil organizada, nas três esferas de governo. Recentemente, vêm sendo propostos conselhos regionais, bem como conferências e plenárias regionais. • Processos participativos de gestão, integrando a dinâmica de diferentes instituições e órgãos do SUS, nas três esferas de governo, tais como conselhos gestores/conselhos de gestão participativa, direção colegiada, câmaras setoriais, comitês técnicos, grupos de trabalho, pólos de educação permanente em saúde e setoriais de saúde dos movimentos sociais, entre outros. A estruturação das mesas de negociação como ferramenta para a gestão do trabalho vem-se consolidando como inovadora prática de gestão participativa das relações de trabalho, nas três esferas de governo. • Instâncias de pactuação entre gestores, como as Comissões Intergestores Bipartites (CIB), envolvendo representantes das secretarias estaduais e municipais de saúde, e a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que conta com representantes do Ministério da Saúde, além dos representantes das secretarias estaduais e municipais de saúde, constituindo espaços de ações compartilhadas, estratégicas e operacionais da gestão do SUS. • Mecanismos de mobilização social que representam dispositivos para a articulação de movimentos populares na luta pelo SUS e o direito à saúde, ampliando espaços públicos (coletivos) de participação e interlocução entre trabalhadores de saúde, gestores e movimentos populares. • Processos de educação popular em saúde desenvolvidos no diálogo permanente com movimentos populares, entidades formadoras e grupos sociais no sentido de fortalecer e ampliar a participação social no SUS. • Reconstrução do significado da educação em saúde que se desenvolve nas escolas, nas universidades e nos serviços de saúde, fortalecendo o protagonismo na produção de saúde e na formação de cidadãos em defesa do SUS. • Ações articuladas entre diferentes setores de governo e a sociedade civil (intersetorialidade) caracterizando o compartilhamento de decisões entre instituições governamentais e da sociedade civil, que atuam na produção social da saúde. (BRASIL, 2009) 10 Quanto ao controle social, tendo em vista o diagnóstico negativo quanto à atuação dos conselhos estaduais e municipais – que não exercem o caráter deliberativo na maior parte dos estados e municípios, apresentam precárias condições operacionais e infra-estrutura, entre outros obstáculos importantes -, tal política pretende fortalecê-lo mediante a criação de outros canais de comunicação entre o cidadão e o governo. De forma a fomentar e estimular a organização da sociedade para o efetivo exercício do controle social da saúde, “por meio da promoção da educação popular, da capacitação de lideranças, conselheiros, entidades de classe e movimentos populares articulados Gestão participativa é uma estratégia transversal, presente nos processos”. (BRASIL, 2009) Por sua vez, o monitoramento e avaliação da gestão, das ações e serviços de saúde são preocupação desde o início do SUS e devem fornecer informações a título de prestação de contas à população, representando um instrumento de democratização da informação sobre objetivos, metas e resultados alcançados pelos órgãos de saúde, favorecendo, assim, o empoderamento e a mobilização social. No que tange aos processos de ouvidoria3, atualmente visam propiciar um canal direto de comunicação dos usuários do sistema e da comunidade, por meio do encaminhamento, da orientação, do acompanhamento da demanda e do retorno ao usuário, a fim de propiciar resolver de forma adequada os problemas apresentados. Com isso, incentivam a participação popular, promovem a cidadania em saúde e produzem informações para subsidiar as tomadas de decisão. E assim representam um processo de avaliação de caráter permanente, com a potencialidade de efetivar um aperfeiçoamento gradual e constante dos serviços públicos de saúde. O SUS conta com um Sistema Nacional de Auditoria (SNA)4, cujo órgão central é o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus). O SNA deve 3 A Ouvidoria-Geral do SUS foi criada em 2003, tendo como objetivo propor, coordenar e implementar a Política Nacional de Ouvidoria em Saúde no âmbito do SUS, buscando integrar e estimular práticas que ampliem o acesso dos usuários ao processo de avaliação das ações e serviços públicos de saúde. (BRASIL, 2009) 4 o A Lei Orgânica da Saúde (Lei n 8.080/1990), em seu art. 16, inciso XIX, atribui à direção nacional do SUS competência para estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS, em todo o território nacional, em cooperação técnica com os estados, o municípios e o Distrito Federal. A Lei n 8.689/1993, que instituiu o Sistema Nacional de Auditoria o (SNA), define, no art. 6 , como competência precípua do SNA, a avaliação técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial do SUS. 11 além de exercer atividades de controle das ações e serviços de saúde, para verificar a sua conformidade com os padrões estabelecidos ou detectar situações que exijam maior aprofundamento, deve proceder à avaliação da estrutura, dos processos aplicados e dos resultados alcançados, para aferir sua adequação aos critérios e parâmetros exigidos de eficiência, eficácia e efetividade, bem como realizar auditoria da regularidade dos procedimentos praticados por pessoas naturais e jurídicas, mediante exame analítico e pericial. (BRASIL, 2009) Ao se orientar pelos resultados do monitoramento e avaliação das ações, serviços e gestão em saúde, pelos pontos relevantes e fatores de riscos de auditorias anteriores, pelas demandas originadas dos conselhos de saúde ou outros órgãos de controle, dos segmentos ou movimentos sociais e pelas prioridades do governo, a auditoria permite o término de um ciclo de gestão, a adoção de práticas corretivas ou a padronização de boas práticas, de forma a que o SUS pratique a gestão da qualidade. Representa, portanto, um apoio ao controle social, na medida em que possibilite o acesso da sociedade às informações e resultados dos processos de auditoria. Convergente a esta política, o modelo de rede de atenção à saúde, que vem sendo implementado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, tem a população como um componente da rede e preconiza a participação social, seja como agente de atenção à saúde, seja por meio das instâncias deliberativas, conforme será ponderado na seção seguinte. 12 4 O MODELO DE REDES DE ATENÇÃO NO ESTADO DE MINAS GERAIS As propostas de redes de atenção à saúde são recentes, surgindo na primeira metade dos anos 90 nos Estados Unidos. A origem destas redes são experiências de sistemas integrados de saúde, os quais objetivavam superar a fragmentação dos serviços de saúde, de maneira a proporcionar um contínuo coordenado de serviços de saúde. Em Minas Gerais a decisão pelo modelo de redes é identificada inicialmente no primeiro mandato do Governador Aécio Neves, constando do instrumento que deve determinar as diretrizes, objetivos e metas do governo por quatro anos, o Plano Plurianual de Ação Governamental 2004-2007. Assim, dá-se início à implantação das redes de atenção à mulher e à criança (Rede Viva Vida), de atenção aos idosos (Rede Mais Vida), de atenção às urgências e emergências e de atenção às doenças cardiovasculares e ao diabetes (Rede Hiperdia). No Brasil, trabalho do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) do ano de 2006 elucida que um dos desafios do SUS é o alinhamento da situação epidemiológica brasileira com o modelo de atenção a saúde do SUS, defendendo que o modelo de redes de atenção deveria ser a estratégia a ser adotada. Em prol disso, o CONASS desenvolveu e vem aplicando, em secretarias estaduais de saúde, oficinas de redes de atenção à saúde. (MENDES, 2009) Segundo Mendes (2009, pp. 124-126), o movimento em busca de construção deste modelo sustenta-se em evidências que o apontam como solução “para a crise contemporânea da incoerência entre uma situação epidemiológica dominada por condições crônicas e um sistema de atenção à saúde fragmentado e voltado para a atenção às condições e aos eventos agudos”, melhorando os resultados sanitários e econômicos dos sistemas de atenção à saúde. As redes de atenção à saúde são organizações poliárquicas e serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população. (MENDES, 2009, pp. 140-141) 13 As redes de atenção à saúde constituem-se de três elementos, quais sejam: uma população, uma estrutura operacional e um modelo de atenção à saúde. Destes, destaca-se o modelo de atenção à saúde, o qual se constitui um sistema lógico que organiza as redes de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas subpopulações estratificadas por riscos, os focos das intervenções do sistema de atenção à saúde e os diferentes tipos de intervenções sanitárias, definido em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade. (MENDES, 2009, p. 333) Os modelos de atenção a saúde surgem devido à necessidade de se mudarem os sistemas de atenção à saúde a fim de que respondam com efetividade, eficiência e segurança as condições de saúde denominadas crônicas. E, por isso, eles estão dirigidos principalmente ao manejo destas condições. (MENDES, 2009) Derivam do modelo de atenção crônica (Chronic Care Model – CCM), desenvolvido nos Estados Unidos. No Modelo de Atenção Crônica (Chronic Care Model – CCM), composto de seis elementos dispostos em dois grupos, comunidade e sistema de atenção à saúde, preconiza-se a necessidade de articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. A interação entre os seis elementos do modelo (recursos da comunidade, organização da atenção à saúde, desenho do sistema de prestação de serviços, suporte às decisões, sistemas de informação clínica, autocuidado apoiado) permitem desenvolver pessoas usuárias ativas e informadas e equipe de saúde proativa e preparada para produzir melhores resultados sanitários e funcionais para a população. (MENDES, 2009, pp. 352 e 353) Assim a comunidade não representa apenas a destinatária das ações e dos serviços de saúde, como participa do sistema de atenção no autocuidado apoiado, que se consegue ao preparar e empoderar as pessoas usuárias para que autogerenciem sua saúde e a atenção prestada. A própria comunidade, segundo esse modelo, deve ser alvo de mudança, o que se faz ao mobilizar os recursos comunitário para atender às necessidades das pessoas usuárias, por meio do encorajamento das pessoas usuárias para participarem em programas comunitários efetivos, bem como de parcerias entre as organizações de saúde e as organizações comunitárias para dar apoio e desenvolver programas que ajudem a atender às necessidades das pessoas usuárias. (MENDES, 2009) 14 O modelo de atenção que vem sendo implantado na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais é o desenvolvido por Mendes (2007), denominado Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC). Neste modelo, a participação da comunidade está fortemente presente na preconizada atenção colaborativa e centrada na pessoa e na família e na adoção do autocuidado apoiado, bem como em todos os níveis de atenção, predominantemente nas intervenções de promoção e prevenção de condições de saúde, segundo elucida Mendes (2009). Nesse sentido, em uma atenção colaborativa e centrada na pessoa e na família, as pessoas usuárias deixam de ser pacientes e tornam-se produtoras de sua saúde, participando das decisões clínicas, constituindo-se, assim, membros da equipe de atenção. Este tipo de atenção tem como características: provê a informação, a comunicação e a educação de que as pessoas necessitam e desejam; respeitam os valores, as preferências e as necessidades expressas das pessoas; e garante o conforto físico, o suporte emocional e o envolvimento da família. (MENDES, 2009, p. 452) Por sua vez, o autocuidado apoiado representa uma mudança fundamental na atenção de saúde, essencial para se garantir o contínuo de atenção. A evidência que ampara a importância de tal manejo é a constatação de que o tempo de cuidado profissional em um paciente com condição crônica é ínfima em relação ao tempo que o portador convive com tal condição. (HAM, 2007; COLINTHOME, 2008) As intervenções de promoção da saúde aplicam-se à totalidade da população e elas ocorrem sobre os determinantes sociais de saúde por meio de intervenções intersetoriais. Elas permitem modificar situações da população que inibem a construção de redes sociais e comunitárias, tais como a escolaridade, as condições de trabalho, o acesso a rede de água tratada e esgoto. Por sua vez, as intervenções de prevenção das condições de saúde em populações de risco, por meio de atuação nos determinantes sociais de saúde relativos aos comportamentos e aos estilos de vida. 15 5 CONCLUSÕES A participação social no âmbito do SUS é de extrema importância para o exercício do efetivo controle social, previsto desde as primeiras normas regulamentadoras do SUS. A partir da efetivação das instâncias de participação e deliberação a sociedade passa a ser co-responsável pela promoção da saúde, bemestar e qualidade de vida, alinhando-se ao conceito inovador de políticas sanitárias de construção cidadã. Nesse sentido, viu-se a necessidade da efetivação de uma política de governo para inserção da população desde a “ponta” das ações e serviços de saúde, a fim de propiciar eficácia e eficiência destes, por meio do empoderamento e da cidadania fortalecida através dos processos de educação em saúde. Assim, o SUS consegue superar os vícios de uma construção fortemente influenciada por grupos restritos organizados em função do poder econômico que detém e se consolidar como um sistema de saúde baseado na demanda, nas necessidades da população. 16 6 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS – ParticipaSUS. 2. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. SUS: Avanços e desafios. Brasília: CONASS, 2006. COLIN-THOME, D. Princípio da integralidade. São Paulo. Seminário Internacional 20 anos do SUS. 2008. HAM, C. Evaluations and impact of disease management programmes. Bonn. Conference of Bonn, 2007. MENDES, Eugênio Vilaça. Redes de atenção à saúde. Belo Horizonte: ESP-MG, 2007. ______. Redes de atenção à saúde. Belo Horizonte: ESP-MG, 2009. SINCLAIR, D. et al. Riding the third rail: the store of Ontario’s health services restructuring commission, 1996-2000. Montreal: The Institute for Research on Public Policy, 2005. 17 ___________________________________________________________________ AUTORIA Bruna de Castro Salviano Nicolato – Graduada em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro. Atualmente cursa Direito na Universidade Federal de Minas Gerais e o Curso de Especialização em Gestão Hospitalar pela Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Atua, desde 2009, como Especialista em Políticas Pública e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: [email protected] Ariane Marques Leite – Graduada em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro. Atua, desde 2009, como Especialista em Políticas Pública e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: [email protected]