Unidade II Unidade II 5 As demandas e as respostas da categoria profissional aos projetos societários Para dar continuidade aos conteúdos tratados até então, sobre a nossa prática e as perspectivas de intervenção profissional, realizaremos inflexões sobre as demandas profissionais postas aos assistentes sociais no âmbito das relações firmadas entre o estado e a sociedade civil. Esses conteúdos serão tratados no item 5.1. Também refletiremos sobre as condições de trabalho e as respostas profissionais que são conferidas pelos assistentes sociais às questões laborais. Esse conteúdo será apresentado no item 5.2. Vale observar que serão feitas algumas considerações com recorrência a Iamamoto (2004) e a outros teóricos contemporâneos que têm discutido o assunto no âmbito da profissão. Mas, antes de iniciarmos essas colocações, cabe apenas uma pergunta: o que podemos entender como projetos societários? Aqui cabe a resposta: são projetos de determinada classe social. Assim, recorrendo mais uma vez à teoria marxista, constatamos que na atualidade identificamos duas classes sociais, sendo essas a classe burguesa e a classe operária, tal como elencamos na unidade I, logo no início de nossas considerações. Bem, o fato é que cada classe social possui um projeto societário, um projeto de sociedade, de uma sociedade que se espera construir. Assim, o que a autora pretende colocar é que nós, como assistentes sociais, estaremos sempre na mediação dessas relações entre as classes sociais. No caso, ela ainda destaca o fato de que, em nosso fazer profissional, estaremos em contato com os diferentes projetos societários que são defendidos por cada uma delas. Frente a essa constatação, Iamamoto (2004) dá seguimento a suas considerações, destacando as demandas profissionais dos assistentes sociais. Na sequência, daremos seguimento aos conteúdos tratados. Solicito que você se mantenha atento aos debates aqui introduzidos, pois são fundamentais a seu processo formativo. Observação Projetos societários: projetos de cada classe social. 68 Perspectivas Profissionais em Serviço Social 5.1 As demandas profissionais no âmbito das relações entre o estado e a sociedade Bem, vamos então entender melhor o conceitos das demandas profissionais. Em relação a essa questão, Iamamoto (2000) assevera que, para compreendê-la, precisamos compreender três premissas básicas: desvelar a prática profissional, considerar o primado da produção social e o privilégio da história. A autora segue argumentando que para desvelar a prática profissional é fundamental que a analisemos com recorrência às relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista madura e consolidada. Assim, Iamamoto (2004) chama a nossa atenção para essa questão e nos remete essencialmente a compreender a relação existente entre as classes sociais. Quando a autora começa a refletir sobre esse conceito, pontua que a mediação que nós, assistentes sociais, realizamos não é algo “tranquilo”, e, sim, um processo complexo em que a desigualdade existente entre as classes se torna facilmente perceptível. E mais, torna-se algo de difícil administração, tanto que ela denomina esse processo com a terminologia “jogo tenso das relações entre as classes sociais”. Essa compreensão é tão importante para Iamamoto (2004) que a autora chega até a colocar que, caso o profissional não realize essa leitura das relações sociais e da prática profissional atrelada a elas, estará fadado a não entender a prática do assistente social em sua totalidade. No tocante a essas relações, Iamamoto (2004) destaca que, além de compreender as classes sociais, é fundamental também entender o papel do estado, que figura, no ponto de vista da autora, como um representante da classe burguesa, mas que é um ator fundamental na compreensão de nossa prática profissional, das demandas de nossa profissão, assim como sumariaremos. Assim, desvendar a prática profissional cotidiana supõe inseri-la no quadro das relações sociais fundamentais da sociedade, ou seja, entendê-la no jogo tenso das relações entre as classes sociais, suas frações e das relações destas com o estado brasileiro (IAMAMOTO, 2004, p. 150-151). Isso posto, precisamos considerar que essas relações entre as classes e destas com o aparato estatal oferecerá influências às demandas que são colocadas ao serviço social, mas, como dissemos, não é a única premissa a ser considerada para uma compreensão dessas demandas e das respostas da categoria profissional. Dando seguimento ao assunto, passamos ao estudo da questão do primado da produção social. No que concerne à consideração do primado da produção social, Iamamoto (2004) coloca que precisamos entender a relevância que possui o trabalho nessa sociedade. Na verdade, o trabalho é a única forma de ter acesso às necessidades. Quando o trabalho se torna precário, informal ou, sobretudo, quando assistimos à grande perda dos postos de trabalho, precisamos saber que essas mudanças irão provocar 69 Unidade II alterações nas expressões da questão social, sendo que, conforme pudemos observar, a questão social é o nosso objeto de trabalho, a matéria-prima de nossa intervenção. Observação Quando não nos apropriamos dessas “informações” sobre a situação em que se encontra o trabalho na realidade em que atuamos, não conseguimos entender a questão social em sua totalidade. E, dessa forma, não temos como entender nossa “demanda” em sua amplitude. Assim, é “o papel fundamental da produção da vida real, da produção dos indivíduos sociais, que têm, no trabalho, a atividade fundante” (IAMAMOTO, 2004, p. 151), sendo que o trabalho não determina “apenas” as condições de sobrevivência de uma determinada classe social, mas funda também sua subjetividade, seu psiquismo, construindo assim os sujeitos sociais com os quais iremos atuar. E, por fim, conforme posto pela autora, ainda precisamos entender a importância do caráter histórico, também outro condicionante das demandas postas aos assistentes sociais. O que para autora é extremamente importante, como a própria expressão sugere, é a “compreensão da história”, sendo que esta história está relacionada ao desenvolvimento da história da sociedade brasileira e dos contornos que as mudanças de natureza econômica, política e social conferem às expressões da questão social. Ainda é importante considerar a história por nela estar contida a explicação para o surgimento e a constituição dos problemas sociais de origem estrutural e ainda pelo fato de a mesma portar as possibilidades para a superação das deficiências vivenciadas em nosso país. Dessa maneira, para ela é necessário atentar para: “[...] o privilégio da história, por ser ela a fonte de nossos problemas e a chave de nossas soluções. Destarte, para efetuar uma análise crítica das demandas profissionais, há que atribuir densidade histórica à nossa problemática” (IAMAMOTO, 2006, p. 151). Assim, podemos sistematizar os conhecimentos até então tratados da seguinte forma: para compreender as demandas que são a nós colocadas, precisamos entender as relações sociais estabelecidas nessa sociedade capitalista, em que figura como relevante compreender as classes sociais e o estado, o que demanda essencialmente também entender a importância do trabalho e da história nesse processo. Esses aspectos, tratados por Iamamoto (2004) como “premissas”, precisam ser apreendidos por nós como o próprio nome sugere, ou seja, como aspectos que são imprescindíveis para a compreensão de novas demandas, novas expressões da questão social com as quais precisaremos atuar. Buscando ainda identificar as pistas que nos são deixadas pela autora no sentido de que conheçamos com profundidade a nossa demanda, é preciso que estejamos atentos aos “temas ocultos” em nosso fazer profissional. A nosso ver, esses “temas ocultos” são tratados por Iamamoto (2004) como posturas assumidas por nossa profissão e que dificultam entender nossa demanda em sua totalidade. Partindo de tal análise, a autora tanto critica determinadas posturas profissionais como oferece pontos de reflexão para que possamos repensar a prática profissional de uma forma diferenciada e que ela seja respaldada 70 Perspectivas Profissionais em Serviço Social por ações que permitam a apreensão de nossa demanda, de tal forma que possibilitem também colocar em prática os princípios de nosso compromisso ético-político. Iamamato (2004) destaca que, “para que possamos compreender as relações sociais, precisamos ‘olhar’ também para a sociedade civil”. No caso, a autora coloca que os estudos, análises e reflexões dos assistentes sociais têm se orientado mais a uma compreensão do papel do estado e menos da sociedade civil. Assim, segundo essa concepção, pela característica assumida pela profissão no sentido de realizar análises das políticas sociais, é usual que o olhar seja voltado para a máquina estatal. No entanto, esse privilégio do estado, em análises de nossa categoria, é algo que precisa ser alterado, precisa ser mudado, não suprimido, mas alterado. Ou seja, não precisamos abandonar essa forma de analisar e introduzir os entendimentos sobre a sociedade civil em nossos estudos. Precisamos “olhar” para a sociedade civil, para que possamos melhor entendê-la. “No entanto, penso ser imprescindível que olhemos para a sociedade, para o movimento das classes sociais, que têm sido relegados a uma posição de relativa secundariedade no debate do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2004, p. 152). Ela ainda comenta que, nesse processo de olhar para a sociedade, é também importante se apropriar dos processos de trabalho, das mudanças no mercado nacional e das consequências de tais alterações junto à força de trabalho brasileira. No caso, como já salientado, essas configurações da força de trabalho, do mercado nacional e dos processos de trabalho constituídos na realidade brasileira oferecem condicionantes às nossas demandas. Como já vimos, essas alterações no âmbito da produção e do trabalho colaboram muitas vezes para a precarização da vida da classe que vive do trabalho, e essa precarização se expressa de diversas formas, podendo ser necessária a intervenção dos assistentes sociais. Por isso, esse tema não pode estar mais oculto em nossa profissão e precisa ser por nós apropriado e debatido amplamente. Assim por exemplo, como explicar o processo crescente de pauperização das classes subalternizadas, se não passarmos por uma análise das alterações que vêm ocorrendo nos processos de trabalho e das particularidades do mercado de trabalho urbano e rural, nos quais se inserem (ou deles se vêm excluídos) os segmentos populacionais junto aos quais atuamos? (IAMAMOTO, 2004, p. 152). Isso pressupõe que o profissional realize uma análise com base em informações de recorrência a aspectos econômicos e políticos, visto que os fenômenos relacionados à organização da produção e do trabalho também precisam ser considerados como resultados da organização política vigente no país. Como nos “diz” a autora: “Na análise das demandas profissionais parece-me indispensável, pois, resguardar uma profunda aliança entre a economia e a política” (IAMAMOTO, 2004, p. 152) E, mais uma vez, a nosso ver, é importante que o profissional possua uma formação condizente com esse perfil, pois se a mesma não oferecer os subsídios necessários, poderá comprometer a realização de uma análise desse porte. 71 Unidade II Lembrete É necessária a compreensão da realidade, tal como já sumariamos no decurso desse material. Por fim, Iamamoto (2004) destaca que, para apreender de fato nossa demanda profissional, precisamos conhecer melhor a realidade rural. No caso, segundo a concepção da autora, atualmente vivenciamos uma predominância de estudos, pesquisas e intervenções junto às populações residentes na zona urbana, ao passo que a zona rural acaba ficando depreciada nesse processo. No caso, ao discutir a questão da zona rural, ela elenca que o estado brasileiro tem desenvolvido uma série de ações nesse “espaço”, mas essas ações, via de regra, buscam privilegiar o grande produtor rural. Ela chama nossa atenção para o fato de que o estado brasileiro, desde a década de 70, tem empreendido uma série de projetos para o desenvolvimento agropecuário, sendo que tais projetos figuram em investimento, fornecimento de empréstimos e outras iniciativas para desenvolver a produção. No entanto, com a inovação tecnológica sendo apropriada por esses produtores, também no âmbito rural, observamos grande expulsão dos trabalhadores da zona rural para o espaço urbano, onde permanecem subempregados ou mesmo desempregados. Já os que permanecem no espaço rural nem sempre possuem boas condições de vida. O que a nosso ver Iamamoto (2004) almeja é que nossa categoria profissional passe a olhar para esse segmento, que está excluído do acesso aos serviços públicos e que não tem tido em nossa profissão o devido destaque. A apreensão dessa realidade, ou seja, dos aspectos da sociedade civil sobre as configurações assumidas pela produção e pelo trabalho, das peculiaridades dos moradores da zona rural, não é, a nosso ver, uma tarefa “fácil”, mas algo que precisa ser introduzido no cotidiano de nossas ações profissionais e deve figurar como referência ao considerarmos as “perspectivas de trabalho profissional”. Para isso, Iamamoto (2004) indica a necessidade de dados e informações que devem ser sistematizados por nós. Segundo ela, informações sobre trabalho, renda, organizações políticas e todas mais que possamos coletar servirão para nos mostrar a “ponta do iceberg”, ou seja, servirão de referência inicial para compreendermos a fundo nossa demanda de trabalho, os aspectos da questão social sobre os quais iremos atuar. Isso nos remeterá a pensar ainda em novas demandas que serão geradas, partindo das situações constatadas, ou seja, partindo dos dados colhidos poderemos identificar demandas com as quais a profissão já atua ou então aquelas que ainda não são de total conhecimento do serviço social, mas que serão apropriadas por nossa categoria profissional. Por fim, retomando a importância da história, ela observa que precisamos considerar que vivenciamos no passado e ainda na atualidade da realidade brasileira o que ela chama de “modernidade tupiniquim”. Esse processo, segundo a autora, pode ser entendido se estudarmos a história de nosso país, na qual observamos a convivência de formas arcaicas e modernas de trabalho fundando o sistema capitalista desde 72 Perspectivas Profissionais em Serviço Social suas protoformas iniciais. No caso, destaca que essa realidade ainda é observada contemporaneamente, visto que temos a combinação de trabalhos formais, regulamentados, não regulamentados, nas áreas industrial e agrícola, embalando a produção econômica de nosso país. Isso resulta, como sabemos, em um desenvolvimento do sistema capitalista totalmente diferenciado do sistema da Europa e dos estados Unidos, por exemplo. No caso, o desenvolvimento capitalista brasileiro não irá apresentar o elevado padrão de outros países e isso resulta em alterações na organização econômica, social e política da sociedade brasileira. Como tal, traz também influências à demanda dos assistentes sociais, com a qual iremos atuar. Dentro desse processo de “modernização tupiniquim”, a autora ainda destaca a necessidade de compreender o papel do estado brasileiro no sentido de proporcionar o desenvolvimento econômico do país. Na verdade, um estado que se propõe mínimo é apenas mínimo para o social, mas máximo para implementar ações para o desenvolvimento do grande capital. O capital, no Brasil: “[...] vem contando com o decisivo apoio do estado via subsídios fiscais, creditícios, e outras formas protecionistas estimuladas com a expansão monopolista, sob a égide do capital financeiro” (IAMAMOTO, 2004, p. 154). Ou seja, uma modernização capitalista que traz no seu bojo a história de um país colonizado sob a ótica da exploração, em que o sistema capitalista trouxe índices precários de desenvolvimento em relação aos demais países e que contou e conta hoje com o estado como o principal agente executor de medidas para a efetivação das pretensões capitalistas. Entender a realidade brasileira pressupõe, essencialmente, conhecer esses e outros processos de nossa realidade e, a partir disso, rever, revisitar a nossa demanda profissional. Demanda que, não é difícil supor, vive e sobrevive com condições precárias e é representada pela: [...] barbárie na reprodução das condições da vida da população trabalhadora, com a qual nos defrontamos cotidianamente em nosso exercício profissional. É a radicalização da miséria, a impossibilidade de obtenção dos meios de vida por parte dos trabalhadores inteiramente despossuídos das condições necessárias para satisfazer suas necessidades vitais, à medida que se verifica, inclusive, um incremento expressivo do setor informal de trabalho e do desemprego (IAMAMOTO, 2004, p. 154). Ou seja, a precarização da vida, da sobrevivência ampliando substancialmente nossa demanda profissional. Assim, prezado aluno, não é tarefa inata. Ou seja, não nascemos sabendo como olhar para todos esses fatores sociais. Mas é algo que é passível de aprendizagem. Todos nós precisamos exercitar essa leitura de realidade, incorporando essa “prática” em nosso cotidiano. Partindo disso, poderemos entender nossa demanda, o projeto societário apresentado por ela e, sobretudo, como mediar esses direitos. Na sequência, concluiremos nossos estudos nessa unidade para que possamos discutir as condições de trabalho, de exercício profissional e as respostas da categoria às demandas. 73 Unidade II Saiba mais Para um aprofundamento de estudos sobre as demandas do serviço social, propomos recorrer ao texto em que há um enfoque na prática empresarial: Demandas do serviço social na área empresarial, de Ana Carolina S. B. de Abreo e Cláudia Renata Fávaro, disponível em: <http:// www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v4n1_demandas.htm> 6 Condições de trabalho e respostas profissionais Prezado aluno, chegamos ao fim dos conteúdos desta unidade. Para concluir nossos estudos, discutiremos agora as condições de trabalho dos assistentes sociais e as respostas profissionais que a categoria confere às demandas trazidas. Para isso, recerremos aos conceitos supra tratados, ou seja, de que precisamos compreender a realidade, em sua totalidade, para que possamos conhecer, de fato, a realidade na qual estamos atuando. Saiba mais Recorra ao texto apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (Rio de Janeiro, 2001), que discute a importância das transformações societárias para a nossa prática profissional: Os impactos das transformações societárias para o serviço social: um breve balanço da relação de mercado de trabalho, condições de trabalho dos assistentes sociais e projeto éticopolítico profissional, de Larissa Dahmer Pereira. Disponível em: <http:// www.ts.ucr.ac.cr/eventos/br-cbass-con-10-po.htm> Para essa questão, Iamamoto (2004) nos relembra dos processos já estudados nesta unidade e na unidade I, especificamente destacando que observamos um fenômeno de relevância que se caracteriza pela alteração dos processos de produção e pelo papel assumido pelo estado na contemporaneidade. No caso, observamos que a precarização das relações trabalhistas tem conferido relações laborais ruins, precárias para grande parte da população brasileira e tem, ainda, resultado em um crescente desemprego de parcela significativa da população. Frente a tal situação, observamos a ampliação significativa das expressões da questão social, sendo que esta será, como vimos no objeto de trabalho, nossa demanda profissional. Por outro lado, o estado, principal responsável por atuar no sentido de minimizar essas expressões da questão social, vem, desde a década de 90, se retraindo, ou seja, vem restringindo suas intervenções nessas expressões. 74 Perspectivas Profissionais em Serviço Social Frente a essas mudanças, segundo Iamamoto (2004), observamos alterações na atuação dos assistentes sociais. A primeira observação da autora é que quando as intervenções em política social, junto às expressões da questão social, são reduzidas, espera-se que o mercado de trabalho dos assistentes sociais também seja reduzido. No caso, como a grande quantidade de postos de trabalho está vinculada às ações empreendidas pelo estado, quando este ente reduz suas intervenções, consequentemente o mercado de trabalho também tende a reduzir. Mas esse não é o único condicionante do trabalho do assistente social frente a todas essas mudanças evidenciadas. Aliás, a autora apresenta uma série de fatores que passam a ser observados na prática profissional. Vamos a eles! Ela coloca que, frente à redução de gastos na área das políticas sociais, os assistentes sociais que estão atuando nesses espaços precisam ampliar a seletividade dos atendimentos, sendo nessas ocasiões os responsáveis pelas triagens para avaliar a condição daqueles que poderão ser beneficiados, ou não, pelos serviços que estão sob sua responsabilidade. A autora chega a comentar em seu livro o caso de um profissional que atuava na prefeitura de uma grande cidade e que, para critério de concessão de cesta básica, observava se o requerente estava desempregado. No caso, com a retração dos recursos e a ampliação da demanda pelo benefício, o assistente social passou a selecionar os mais pobres entre os desempregados ou, como Iamamoto (2004) coloca, os mais “pauperizados”. Ela nos fala que dessa forma se torna cada vez mais difícil darmos respostas a nossa demanda de acordo com o compromisso ético-político que fora assumido por toda a categoria profissional. Isso pode resultar em uma prática essencialmente burocratizada e ainda em um “vazio profissional”. No caso, o profissional permanece longos períodos preso à burocracia institucional em decorrência das triagens que precisa realizar. Mas o fato de estabelecer uma prática de tal forma resulta no chamado “vazio profissional”, ou seja, aquela sensação de não ter conseguido atingir as finalidades profissionais a que se propôs. Assim, observamos uma grande dificuldade em conferir respostas profissionais a nossa demanda, uma dificuldade em cumprir os princípios assumidos por nossa categoria profissional e uma dificuldade maior ainda em conviver com essa realidade. “Este quadro tem sido fonte de angústias e questionamentos sobre o nosso papel profissional, diante da dificuldade de criar, recriar e implementar respostas de trabalho, podendo estimular a burocratização e o vazio profissional” (IAMAMOTO, 2004, p. 161). Mas, assim sendo, estaríamos fadados ao fracasso profissional? Não. Iamamoto (2004) nos apresenta algumas alternativas para a superação dessa realidade profissional que tanto asfixia os profissionais. Uma delas seria superar a perspectiva fatalista de que tudo está perdido e nada mais pode ser feito, bem como evitar posturas idealizadas e que percebem a profissão de uma forma romântica, como se não vivenciássemos esses problemas e outros observados em nossa categoria profissional. 75 Unidade II Partindo disso, a autora coloca ainda que a mudança na relação do estado com a questão social não é um objetivo apenas do serviço social, apenas de nossa categoria profissional. No caso, ela recomenda que realizemos uniões junto a outros segmentos, categorias que partilhem dos princípios ético-políticos que são defendidos por nossa categoria profissional como um todo. Assim, a construção de respostas às demandas que nos têm sido postas passa pela compreensão da realidade como um condicionante e não como um impeditivo de nossas ações. E pressupõe ainda o estabelecimento de outras parcerias com categorias, segmentos, usuários que partilham dos mesmos princípios que são defendidos pelos assistentes sociais. Em suma, esperamos que você tenha conseguido ampliar seus conhecimentos sobre os assuntos tratados, mas queremos mais do que isso, esperamos a reflexão crítica sobre a importância que essa profissão assume na contemporaneidade e sobre como uma prática competente é sinônimo de posicionamento, de atitude. No final dessa unidade, você encontrará os exercícios para avaliar a aprendizagem até então proporcionada. Nos despedimos, no entanto, com um texto para sua reflexão: O momento que vivemos é um momento pleno de desafios. Mais do que nunca é preciso ter coragem, é preciso ter esperanças para enfrentar o presente. É preciso resistir e sonhar. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia-a-dia nos horizontes de novos tempos mais humanos, mais justos, mais solidários (IAMAMOTO, 2004, p. 17). Resumo Nessa unidade, demos prosseguimento aos estudos empreendidos, orientando a análise para você compreender as demandas de nossa categoria, bem como as respostas conferidas por nossa profissão a elas. Nos termos propostos, estudamos as premissas que são postas pela autora se desejarmos, de fato, compreender as nossas demandas, dentre as quais observamos a importância da produção social, da história e das relações sociais nesse processo. Segundo nosso estudo, essas seriam as premissas que deveriam ser consideradas para realizar uma análise tanto da demanda como das formas de enfrentamento por nós identificadas nesse processo. Também estudamos a importância dos “temas que estão ocultos” em nossa profissão, sendo destacados como tais a ausência de reflexão sobre 76 Perspectivas Profissionais em Serviço Social a sociedade civil; a escassez de análises sobre a realidade da zona rural; a ausência de análises que privilegiem aspectos da economia e da política, dentre outros. Observamos, derivando dessas colocações, que esses são temas que precisam ser mais apropriados por nossa profissão. A partir dessas colocações, conseguimos ainda discutir a importância do projeto ético-político de nossa profissão para dar respostas as nossas demandas de maneira competente e de forma a efetivar os direitos sociais da população usuária. Discutimos ainda as mudanças que são processadas em nosso espaço de trabalho, visto que observamos uma ampliação das expressões da questão social e um retraimento do estado no trato conferido a elas. Verificamos que, com isso, há uma ampliação dos espaços de trabalho na iniciativa privada e uma mudança na prática do assistente social nos serviços mantidos pela esfera estatal. Nos termos acima, os assistentes precisam constantemente rever sua prática profissional, de modo a dar respostas positivas a sua população. Em síntese, podemos concluir que Iamamoto (2004) nos apresenta a realidade de nossa atuação profissional, indicando todos os aspectos nocivos que se apresentam em nosso cotidiano. Porém, também observamos que a autora indica todas as pistas e orientações que são necessárias para a superação das deficiências com as quais iremos conviver. Exercícios Questão 1 (FADESP - 2011). Os debates em torno das demandas contemporâneas postas ao assistente social nos colocam a reflexão de que, sob a perspectiva crítica, há o rompimento com atividades burocráticas que reduzem sua intervenção a mero emprego. Hoje, a exigência impõe ao profissional ser propositivo, e não só executivo. Isso quer dizer que o assistente social: A) Deve ser um profissional que proponha ações eficientes e eficazes frente às situações que impõem riscos sociais aos usuários. B) É um profissional que tem como base o conhecimento técnico-operativo, a fim de intervir de forma inteligente na realidade dos indivíduos. C) Deve desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade, a fim de construir propostas criativas de efetivação de direitos sociais a partir de demandas do cotidiano. D) Assegura, através de seu contato com a população, propostas individuais que sirvam de base para as transformações societárias e sirvam de motivação para o rompimento de práticas tradicionais. 77 Unidade II E) Como não possui condições dignas de desenvolver sua ação institucional para a efetivação de seu trabalho, torna-se um profissional criativo e inovador. Reposta correta: alternativa C. Análise das alternativas: A) Alternativa incorreta. Justificativa: Está incorreta porque, ao discutir sobre o perfil do profissional propositivo frente às situações precárias de vida que afetam grande parcela de nossa população bem como as condições de trabalho dos assistentes sociais, não é feita menção à importância de ações eficientes e eficazes. Nesse texto, apesar de não ser feita referência direta a Iamamoto (2004), é possível perceber que a concepção em questão foi extraída do texto da autora e, por isso, podemos dizer que o profissional propositivo não é aquele que foca sua intervenção sobre os aspectos da eficiência e da eficácia. B) Alternativa incorreta. Justificativa: Está incorreta a assertiva porque, apesar de Iamamoto (2004) destacar a importância de um profissional que seja versado no instrumental técnico-operativo, não apresenta esse conhecimento técnico como uma alternativa à burocratização do trabalho. C) Alternativa correta. Justificativa: Está correta, visto que, de acordo com Iamamoto (2004), o profissional propositivo é aquele que, por meio de sua leitura da realidade, de sua compreensão da realidade consegue construir respostas ou propostas criativas, de modo que possa dessa forma efetivar os direitos sociais de uma determinada população ou, como ela sempre coloca, os direitos da população mais pauperizada de nossa sociedade e com a qual atuamos. D) Alternativa incorreta. Justificativa: Está incorreta porque o profissional propositivo busca construir propostas que atendam a uma coletividade e não a questões individuais, como a assertiva coloca. Assim, são construídas propostas coletivas e não propostas individuais. No caso, a colocação da autora corresponde aos princípios postos pela categoria profissional, sendo que toda categoria apoia o projeto coletivo. 78 Perspectivas Profissionais em Serviço Social E) Alternativa incorreta. Justificativa: Está incorreta porque Iamamoto (2004) coloca que muitos profissionais, frente às condições postas, não conseguem desenvolver ações criativas e tampouco conferir respostas à população atendida; para ela, muitos profissionais vivenciam cotidianamente o vazio profissional e o burocratismo. De tal forma, não são todos os profissionais que vivenciam situações ruins de trabalho que conseguem alterar suas posturas profissionais. A assertiva também está incorreta porque, ao discorrer sobre as atitudes do profissional propositivo, Iamamoto (2000) elenca outros aspectos, conforme sinalizamos. Questão 2 (UFRB Assistente Social 2011). Sobre os conteúdos até então tratados, julgue os itens a seguir atribuindo a eles os valores Verdadeiro ou Falso. I) Segundo Iamamoto, os assistentes sociais atuam, nos vários espaços de trabalho, no planejamento e execução de políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social, habitação, meio ambiente, entre outras, movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da população, sem a necessidade de considerar o Projeto Ético-Político do Serviço Social ( ). II) A produção e a reprodução das relações sociais não constituem preocupações para os profissionais de serviço social, no que se refere à construção de relações mais igualitárias ( ). III) A profissão tem olhado menos para a sociedade e mais para o estado, levando a crer na hipótese de que as reflexões sobre o fazer profissional têm priorizado a análise da intervenção do estado, via políticas sociais públicas, enquanto o olhar para a sociedade, para o movimento das classes sociais, tem sido relegado a uma posição relativamente secundária no debate do serviço social ( ). IV) No processo de reestruturação produtiva e com o estado Mínimo, a questão social toma novos contornos, e o estado lança mão da filantropização, do compartilhamento com a sociedade civil por meio de parcerias mantidas com as organizações não governamentais ( ). V) A competência profissional deve proporcionar que o assistente social, em sua atuação profissional, apresente soluções para as demandas profissionais que lhe são apresentadas ( ). A sequência correta com relação aos valores atribuídos está expressa em: A) V, V, V, V, V B) V, F, V, V, V C) F, F, V, F, V D) F, F, V, V, V E) F, F, V, V, F Resolução desta questão na Plataforma. 79