Uma análise da linguagem utilizada por marcas no Facebook

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EU OU NÓS: UMA ANÁLISE TEÓRICO-EMPÍRICA DA LINGUAGEM
UTILIZADA POR MARCAS NO FACEBOOK
EDINEI SCHIMIEGUEL KNOP1
1
Centro Universitário Estácio de Sá, [email protected]
Resumo: O cenário comunicacional desenhado pelas mídias digitais tem a interatividade como conceito
chave, pois a busca por diferentes formas de participação dos usuários é cada vez mais facilitada pelas
novas tecnologias. Afinal, qual o perfil do consumidor digital? Como são formados os laços sociais, prefácios
de uma interação nas redes sociais? Este artigo pretende discutir a linguagem utilizada por marcas ou
empresas no Facebook, maior rede social do mundo, buscando compreender qual o pronome pessoal (“eu”
ou “nós”) mais indicado a fim de gerar interação, boca a boca on-line e resultados positivos dentro do canal.
A discussão se dá numa dimensão teórica, na exploração de uma comunicação mais individualizada, Human
to Human, one-to-one. Para isso, são debatidos os conceitos de comunicação, linguagem, redes sociais,
marketing digital e capital social. Depois, parte para uma análise empírica de posts publicados no Facebook
à luz da teoria semântico-discursiva de van Dijk e de definições como frame, script, coerências local e global,
macroestrutura e microestrutura. Debate-se, ainda, a intencionalidade de um discurso e o contexto onde ele
está inserido como fatores decisivos para o sucesso ou o fracasso de determinada estratégia.
Palavras chave: Comunicação, Facebook, Análise do Discurso, Linguagem
Abstract: The communication scenario created by digital media has interactivity as a key concept, as the
search for different forms of user participation is increasingly facilitated by new technologies. After all, what
the digital consumer profile? As social ties, prefaces of an interaction on social networks are formed? This
article discusses the language used by brands or companies on Facebook, the largest social network in the
world, trying to understand what the personal pronoun (“I” or “we”) most suitable to generate interaction,
word of mouth and online positive results within the channel. The discussion is a theoretical dimension on
the holding of a more individualized communication, Human to Human, one-to-one. For this, the concepts of
communication are discussed, language, social networks, digital marketing and social capital. Then part to
an empirical analysis of published posts on Facebook in the light of semantic-discursive theory of van Dijk
and settings like frame, script, local and global coherence, macrostructure and microstructure. Debate is
also the intent of a speech and the context where it is inserted as decisive factors for the success or failure of
a particular strategy.
Tags: Communication, Facebook, Discourse Analysis, Language
1. As redes sociais e o novo consumidor
“Eu” ou “nós”, “Envie o seu contato que eu vou encaminhar para o consultor” ou “envie o seu contato que
nós vamos encaminhar para o consultor”, “Eu acho que você vai adorar este conteúdo” ou “nós achamos
que você vai adorar este conteúdo”? Qual desses pronomes pessoais uma marca deve utilizar no
relacionamento com os clientes em uma fanpage do Facebook – a maior rede social do mundo?
1
Mais do que compreender o uso adequado desse pronome, é importante questionar qual a linguagem ideal
(dentro das estratégias de marketing digital) que as empresas podem/devem aplicar para aumentar a
interação com os usuários no canal e, até mesmo, alavancar as vendas.
Como um profissional da área (jornalista e social media), observo que a maioria das empresas presentes no
Facebook adota uma prática mais “formal” de se comunicar e interagir com o público-alvo. Elas publicam
posts ou respondem consumidores se colocando como empresa ou instituição (“a gente” ou “nós”). Mas
não é uma pessoa que está atrás da fanpage, responde e/ou publica esses textos? Os usuários da rede
social e fãs das marcas também têm consciência desse fato. Diante desse cenário, não seria mais adequado
para a empresa publicar conteúdos com enfoque pessoal, de pessoa para pessoa, do eu para você?
Segundo Vaz (2011, p. 505), “a internet é uma grande conversa. […] E conversas são feitas de palavras, de
conteúdo relevante, senão vira monólogo. As empresas deveriam aprender a conversar, não só falar sobre
si mesmas”. Não há um manual ou um conjunto de regras definidas que devem ser seguidas, mas a palavrachave é ser social. “Enquanto você estiver, de alguma forma, contribuindo para a conversação que tem
lugar nas mídias sociais, estará fazendo a coisa certa.” (GUNELIUS, 2012, p. 25).
Hoje, as redes sociais interagem com um novo consumidor, que tem um poder de impacto muito maior do
que décadas atrás. O boca a boca, de um para um, tornou-se boca a boca on-line, de um para muitos. B2B
ou B2C se tornaram Human to Human (H2H), one-to-one. O discurso virou conversa; a audiência,
participação; autoria passou a ser colaboração e público virou comunidade.
Agora vivemos numa era de colaboração. No século XX, os consumidores eram passivos e considerados,
apenas, uma audiência. Atualmente, esses usuários são ativos e participativos nas ações de social business.
As empresas, no século passado, eram instituições que cultivavam uma monocultura, comandavam e
controlavam todas as ações, internalizavam. No século XXI, elas precisam colaborar e estar conectadas,
externalizando suas vertentes, numa cultura de diversidade e um ambiente de descentralização e uso de
novas ferramentas, como Skype1, Twitter2, Whatsapp3, Google Plus4 e Facebook5.
Mas qual o perfil desse novo consumidor? Ele se informa sobre o que os outros acham dos produtos e das
marcas (através das redes sociais e de sites como Reclame Aqui6 e Mercado Livre7), interage, opina,
recomenda, elege algumas marcas e exclui outras. Além disso, esse novo consumidor é fonte de
informação para outras pessoas como ela. Afinal, pessoas não confiam em propaganda. Pessoas confiam
em pessoas! Por isso, também são comuns os grandes formadores de opinião (blogueiros, atores,
jornalistas, entre outros) atuantes nas redes sociais. Eles impactam ainda mais usuários e são requisitados
por empresas para aproveitar essa “conversa” e indicar produtos ou serviços.
Oportunidades e ameaças podem ser levantadas nesse novo contexto. No primeiro caso, as opiniões
positivas podem influenciar positivamente outros consumidores, há novos pontos de contato entre a
empresa e os clientes e essa relação pode gerar insights gratuitos (de comunicação, pesquisa de mercado e
inovação, por exemplo). Do outro lado, entre as ameaças, pode-se destacar que o cliente é o canal e o
controle não está mais nas mãos da empresa, as opiniões negativas também podem influenciar
negativamente outros consumidores e, ainda mais, essas opiniões ficam registradas na rede e se proliferam
em poucos segundos.
1
É um software que permite conversar com pessoas no mundo inteiro. Milhões de pessoas e empresas usam essa
ferramenta para fazer chamadas com vídeo e chamadas de voz, enviar mensagens de chat e compartilhar arquivos de graça
com outros usuários, através de uma conexão com a internet. Disponível em <https://support.skype.com/pt-br/faq/FA6/oque-e-o-skype>. Acesso em 28 fev. 2015.
2
Twitter é uma rede social e um servidor para microblog que permite enviar e receber atualizações pessoais de outros
contatos, ou de marcas, em textos de até 140 caracteres.
3
Aplicativo que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS, através de uma conexão de internet. Além de
mensagens básicas, os usuários podem criar grupos, enviar mensagens com imagens, vídeos e áudios. Disponível em
<http://www.whatsapp.com/?l=pt_br>. Acesso em 28 fev. 2015.
4
Google Plus (Google+ ou G+) é uma rede social e serviço de identidade criado pelo Google. Integra serviços sociais, como o
Google Profiles, e introduz funcionalidades como Circles, Hangouts e Sparks.
5
Definição disponível na página 4 deste artigo.
6
Acesso a partir do endereço http://www.reclameaqui.com.br/.
7
Acesso a partir do endereço http://www.mercadolivre.com.br/.
2
Afinal, como se relacionar com o esse consumidor nas redes sociais? Por onde começar e quais devem ser
as características das interações? Como o uso da linguagem pode interferir, positiva ou negativamente, na
interação social ou na conversa entre marcas e consumidores nas redes sociais? O uso do pronome “eu”
pode estreitar os laços entre essas duas partes?
Esta pesquisa parte da hipótese de que o uso da linguagem mais individualizada com o usuário pode trazer
mais resultados positivos para uma página no Facebook, principalmente em interações, mas, também, em
dados comerciais (esse segundo caso não será analisado neste artigo). Além disso, contribui positivamente
com a imagem e a credibilidade da marca. Mas essa afirmação será criticamente debatida com a voz de
vários autores e a análise de alguns conteúdos públicos no canal.
Para validar, ou não, essa hipótese e responder aos questionamentos anteriores, desenvolvi uma pesquisa
qualitativa, descritiva e exploratória. Para a efetivação, a principal metodologia aplicada foi a pesquisa e a
revisão bibliográfica de livros, artigos e monografias que discorriam sobre o tema ou alguns dos aspectos
analisados e, ainda, com a intenção de apurar os conceitos e conteúdos relacionados. Em uma fase
empírica, uso como luz ou apoio, referências da teoria semântico-discursiva, para esmiuçar quatro posts
publicados entre setembro 2014 e fevereiro de 2015, por marcas brasileiras atuantes no Facebook. Essa
análise se restringiu a casos em que o texto foi publicado em primeira pessoa do singular (eu) e/ou primeira
pessoa do plural (nós). Também fez parte do estudo, curtidas, compartilhamentos e comentários ou
interações de usuários com o conteúdo. Não foram levados em consideração outros conteúdos anexados à
mensagem (como imagens, vídeos ou links).
Na abordagem empírica, apoio-me em van Dijk (2000), um dos autores que discute a análise semântica. O
autor afirma que não existe um discurso neutro, mas impregnado de intenções do emissor. Para atingir
esse propósito intencional, diversas estratégias de comunicação são aplicadas pelos profissionais. O uso
dessas estratégias será analisado na pesquisa.
Para o autor, o princípio da análise semântico-discursiva está na interpretação das marcas linguísticas
(escritas e não escritas) e a atribuição de significados. Os narradores aplicam estratégias para atingir o mais
rápido possível a interpretação pretendida. Todo discurso tem uma intenção e cada indivíduo um
entendimento diferente na interpretação do texto e na construção de significados. As escolhas das
palavras, formulação das frases têm uma intenção e direcionam o leitor. Mas não é possível prever se a
intenção pretendida será alcançada. Van Dijk (2000) também destaca a ativação da informação que o
indivíduo possui armazenada, chamado de frame. Por exemplo: o estereótipo da corrupção no Brasil já é
um frame armazenado pelas pessoas.
Assim, o objetivo principal deste artigo foi entender qual é a linguagem mais adequada, no tratamento com
o usuário, que o torna mais próximo do cliente e o incentiva a interagir com a marca.
Como justificativa da escolha do tema, destaco que é cada vez mais comum as empresas “frequentarem” o
universo das redes sociais, mas, inúmeras vezes, não saberem como tratar temas ou assuntos com seus
consumidores/fãs. Além disso, por si só, um estudo linguístico também é de extrema importância para a
área científica. Este projeto também deve servir, principalmente, como caminho ou base de outras
reflexões e, até mesmo, das próprias marcas e páginas no Facebook.
É a partir da interação propiciada e incentivada pela rede de relacionamento que, também, justifica-se a
relevância desse estudo, almejando abranger uma descrição de ações estratégicas de marketing nos novos
meios comunicacionais. Por fim, o tema surgiu de uma observação do cotidiano e da vida profissional. Além
disso, durante a revisão bibliográfica do projeto, percebi a necessidade de um estudo sobre a linguagem na
rede social e o nível de originalidade do tema.
2. As tramas de uma linguagem social
Atualmente, não se pode negar a necessidade das empresas em estar presente e ativa nas redes sociais.
Não é um fenômeno que irá desaparecer rapidamente ou, até mesmo, uma moda passageira. Agora, os
usuários/consumidores podem pedir mais informações, esclarecer dúvidas ou reclamar diretamente para
as empresas. E elas precisam conquistar um espaço e participar dessa conversa on-line. De acordo com
3
Suzana Gunelius (2012, p. 18), “isso significa que grandes e pequenos negócios não apenas devem estar
presentes nas mídias sociais, mas também necessitam ter uma estratégia de marketing social bem
definida”. A autora ainda aponta que se a estratégia adotada for adequada para o público-alvo, isso “pode
levar a vendas diretas, à consolidação das marcas e ao marketing ‘boca a boca’” (GUNELIUS, 2012, p. 18).
Além disso, nesses canais, os consumidores podem buscar uma opinião que não é encontrada em
ferramentas tradicionais de buscas da internet. Vaz (2011) chama essa interação de “busca social”. Ele
afirma que essa pesquisa é baseada na credibilidade e na confiança que cada usuário tem com seus
contatos. As redes sociais corroboraram com essa proximidade das pessoas, facilitando a interação
discursiva através de novos suportes. É o próprio marketing boca a boca na internet, com um efeito, por
vezes, maior que o tradicional.
E a construção das marcas na internet, ou mesmo no mundo off-line, passa por inúmeras e sucessivas
interações com o público-alvo. Cada experiência do usuário contribui na construção de uma imagem
positiva ou negativa sobre aquela marca. E essas percepções são cruciais para a empresa, principalmente,
em médio e longo prazos. Além disso, elas saíram do controle da empresa e expandiram seus domínios
para cada ambiente de contato, em todo momento, no mundo inteiro.
“A medida que você construir mais e mais relacionamento pelas mídias sociais, as pessoas
passarão a alimentar expectativas a respeito dos tópicos que você colocará em discussão,
a cada nova oportunidade de conversação. Portanto, é preciso que você consiga envolver
sua plateia de maneira consistente e constantemente. Ofereça às pessoas informações
úteis, que possam ajudá-las ou diverti-las; assim os integrantes de sua plateia desejarão
compartilhá-las com seus próprios contatos através das redes sociais. Os integrantes da
sua plateia, devidamente envolvidos por e com você, irão tornar-se os mais leais
‘defensores’ da sua marca” (GUNELIUS, 2012, p. 40).
Houve uma época em que as pequenas empresas não consideravam a aplicação do marketing on-line. Hoje
em dia, ter um website não se trata de um investimento de baixa prioridade, mas de uma necessidade de
garantir a própria sobrevivência empresarial. O mesmo aconteceu com as redes sociais. Elas deixaram de
carregar um aspecto de “moda passageira” para ser uma das principais estratégicas de marketing de muitas
empresas. “Em pouco tempo, construir relacionamentos com os consumidores passou a ser algo mais
importante do que fazer vendas diretas – tendência que, aliás, foi ditada pelos próprios consumidores,
antes das empresas” (GUNELIUS, 2012, p. 18). Mas, afinal, o que são redes sociais?
2.1
O marketing digital e as redes sociais
Redes sociais estão relacionadas às conexões de cada indivíduo com os demais, que formam uma rede de
interação. Percebe-se, assim, que o Facebook não é uma rede social, mas uma plataforma para isso. Dentro
dele, cada usuário, ou ator, tem sua própria rede de amigos/contatos.
Raquel Recuero (2010) separa as redes sociais na internet em dois modelos: as redes emergentes e as
redes de filiação, que podem ser encontradas em uma mesma rede. Segundo ela, o primeiro caso é
formado pelas interações entre os atores sociais. “Tratam-se das pessoas envolvidas na rede que se analisa.
Como partes do sistema, os atores atuam de forma a moldar as estruturas sociais, através da interação e da
constituição de laços sociais” (RECUERO, 2010, p. 25). As interações podem ser percebidas na troca de
comentários em alguns dos posts do Facebook ou numa conversa de bate papo, por exemplo. Criam-se,
então, laços sociais. Para Recuero (2010, p. 30) os laços “são formados a partir da interação social entre os
atores”. A instituição desses laços também se caracteriza pela intencionalidade em formar ou manter a
interação entre duas pessoas.
“Já as redes de filiação, ou associativas, são vistas mais claramente na Internet do que no ambiente face a
face, isso porque não tem custo para o ator. Por custo entende-se a criação de laços sociais”
(FRESSINGHELLI; OLIVEIRA; SANTOR, 2013, p. 5). Nesse segundo caso, as redes de filiação, de acordo com
Recuero (2010), são aquelas em que é possível forjar a relação através de um grande número de
associativas estáticas entre atores, como a lista de amigos do Facebook que não gera, necessariamente,
laços sociais entre os usuários. Sendo assim, não é essencial interagir para manter aquela conexão, o
próprio sistema fica encarregado disso.
4
“As principais diferenças entre os dois tipos de rede social são expressas pela quantidade de nós e o
número de interações entre eles” (FRESSINGHELLI; OLIVEIRA; SANTOR, 2013, p. 6). No caso da rede de
filiação, há uma quantidade muito maior de nós, mas um nível de conexões menor entre eles.
O marketing digital surge nesse contexto como uma estratégia comercial agressiva e algumas metas:
construir relacionamentos, consolidar marcas, publicidade, promoções e pesquisa de mercado. Para
Martha Gabriel (2010), as estratégias digitais de marketing estão nas plataformas e tecnologias digitais que
envolvem a utilização de um ou mais dos 4P’s do marketing (produto, preço, praça e promoção) para
alcançar os objetivos. Contrapondo essa opinião, Conrado Adolpho (2011) sugere que o marketing digital é
um ciclo de ações que contempla 8P’s (pesquisa, planejamento, produção, publicação, promoção,
propagação, personalização e precisão). De modo geral, o marketing digital abrange qualquer forma de
marketing direto ou indireto que seja usada para criar conhecimento, reconhecimento e todas as ações
praticadas a partir de ferramentas como blogging, microblogging, redes sociais, bookmarking social e
compartilhamento de conteúdo, visando a promoção de uma marca, uma empresa, um produto, uma
pessoa ou uma entidade.
2.2
Facebook, o canal da comunicação
Um dos ambientes em que se percebe uma forte aplicação de estratégias de marketing digital é o
Facebook, um serviço de rede social que permite conversar com amigos, compartilhar mensagens, links,
vídeos e fotografias. Fundado no dia 4 de fevereiro de 2004 pelos americanos Mark Zuckerberg, Dustin
Moskovitz, Chris Hufghes e pelo brasileiro Eduardo Saverin, estudantes da Universidade Harvard, de
Massachusetts (Estados Unidos), oito anos depois se tornou a maior rede social do mundo, com a marca de
1 bilhão de usuários ativos. A ferramenta, gratuita, também permite receber as novidades das páginas
comerciais das quais o usuário simpatizar, como veículos de comunicação ou empresas. A receita é
proveniente de publicidade.
Hoje, o Facebook reúne mais de 1,3 bilhões de usuários8 ao redor do mundo. Destes, 91 milhões acessam a
rede social mensalmente e 62 milhões todos os dias no Brasil. De acordo com o relatório 2014 Brazil Digital
Future in Focus, da comScore9, o brasileiro gasta 29,7 horas de navegação mensais com redes sociais. O
Facebook representa 97,8% do total de horas investidas pelos usuários.
Conforme Vaz (2011), o Facebook é a rede com a maior probabilidade de desenvolver conversas entre as
pessoas. Mas o autor alerta que é preciso tomar cuidado na maneira como as empresas fazem a transição
do mercado social para o econômico. “É importante se lembrar de que o Facebook é um espaço de amigos
e as ações de marketing precisam ser muito bem pensadas para não forçar o mercado econômico no
mercado social. É preciso fazer uma transição suave entre um e outro” (VAZ, 2011, p. 699). Segundo
Gunelius (2012), um conteúdo fantástico é sempre escrito com suas próprias palavras, o que vai tornar a
mensagem pessoal, humanizada.
Mas como os atores sociais e as mensagens pessoais podem interferir no uso da linguagem de marcas no
Facebook? Para abordar a questão da linguagem e da interação no Facebook, é preciso compreender
alguns conceitos mais amplos, como o de comunicação. Não há como pensar as relações humanas sem
pensar na comunicação. Segundo Flusser (2007), a comunicação humana é um processo artificial, não
natural, em que o homem se comunica com outros homens por meio de artifícios. O autor também
defende que o homem se socializa através da linguagem, uma aprendizagem que parece ser natural, mas
da qual não lembramos completamente. Ou seja, esse processo nem sempre é totalmente consciente. “O
objetivo da comunicação humana é nos fazer esquecer desse contexto insignificante em que nos
encontramos – completamente sozinhos e ‘incomunicáveis’ (FLUSSER, 2007, p. 90).
O campo da comunicação é jovem e maleável, articulador dos demais campos. De acordo com Vera Veiga
França (2001, p. 39), “a comunicação tem uma existência sensível, é do domínio do real, trata-se de um
fato concreto do nosso cotidiano, dotado de uma presença quase exaustiva na sociedade contemporânea”.
Para a autora, os homens sempre se comunicaram e se constituíram sobre a base de trocas simbólicas da
8
9
Conforme <https://www.facebook.com/business/a/agencias>. Acesso em 22 fev. 2015.
Disponível em <http://pt.slideshare.net/jacquelinee/2014-brazil-digitalfutureinfocuspt>. Acesso em 28 de mai. 2014.
5
expressividade dos homens. “É óbvio que a comunicação – processo social básico de produção e
partilhamento do sentido através da materialização de formas simbólicas – existiu desde sempre na história
dos homens, e não foi inventada pela imprensa, pela TV, pela Internet” (FRANÇA, 2001, p. 41).
Outro conceito que merece atenção é o de linguagem. Ela pode ser engraçada, informal, com traços de
formalidade, questionadora, intrigante, carregada de regionalismos, sarcástica, com duplo sentido.
Em resumo: palavras nunca estão sozinhas. Qualquer discussão sobre a linguagem, seu sentido e sua
natureza deverá, obrigatoriamente, discutir também as condições reais que ela existe (FARACO; TEZZA,
2005). Segundo os autores, do ponto de vista linguístico, é a ocorrência que determina a gramaticalidade.
Na vida real, quando aprendemos uma palavra, por exemplo, ela nunca estará sozinha, como puro sentido
ou puro significado. Toda palavra está envolta, carregada, com uma entonação, uma intenção, num
conjunto de gestos e traços que nos colocam imediatamente num sistema concreto de significações sociais.
É o contexto de aplicação daquela linguagem.
Quando alguém nos diz algo, nós não interpretamos apenas as informações que são transmitidas pelas
palavras em si, mas do próprio falante. Assim, avaliamos rapidamente toda a situação em que a fala ocorre,
todo o contexto onde ela está inserida. Na redação de conteúdos para as redes sociais, por exemplo, esse
tipo de informação é quase impossível de ser inserida, por isso da importância de analisar cada
morfema/palavra/frase utilizada na produção dos textos. A ordem das palavras é mais um influenciador do
sentido que a mensagem deve passar para o usuário.
Gunelius (2012, p. 34) sugere cinco dicas para criar conteúdos fantásticos nas redes sociais. Segundo ela,
um conteúdo fantástico é (a) escrito com palavras próprias, o que torna a mensagem pessoal, (b) com a
mesma linguagem empregada para se dirigir ao público-alvo, (c) é atualizado e publicado de maneira
constante, (d) é, ainda, isento de retórica corporativa e de jargão profissional, que podem confundir o
público daquela mensagem, e (e) é transparente, honesto, facilmente acessível e confiável.
2.3
A comunicação Human to Human (H2H)
Com o objetivo de separar especificações, segmentos ou audiências ou, simplesmente, segmentar grupos
de pessoas que consomem a mensagem de uma determinada marca ou empresa, foi estabelecido dois
termos ou categorias dentro de estratégia de marketing tradicional: business to business (B2B),
comunicação de empresa para empresa, e business to consumer (B2C), ações da empresa diretamente para
o consumidor final.
Bryan Kramer10, CEO da Pure Matter, descreve que essas duas avenidas estão muito embaralhadas e há
uma grande dificuldade em diferenciá-las. Segundo ele, é preciso pensar como os “consumidores que
somos”, num exercício e se colocar na mentalidade do consumidor em vez de tentar falar com uma
linguagem cheia de acrônicos e palavras grandes para parecer uma marca rebuscada, inteligente ou, até
mesmo, esperta. Ele defende uma comunicação one-to-one, com informações e soluções coletadas a partir
de big data11 oferecendo, assim, experiências mais personalizadas para o usuário.
“On the other hand, social has become a more public and vast medium, where the things
we share skyrocket quickly to a “one-to-many” experience. The dichotomy between
marketing and social has actually flipped… and it’s out of balance. Social and marketing
need to work together to personalize individual conversations, as well as deliver shared
global experiences that crowds of common values can benefit from. This is what our social
and digital mediums have gifted us, and how humans interact and feel more compelled
take action” (KRAMER, 2014).
10
KRAMER, Bryan. There Is No More B2B or B2C: There Is Only Human to Human (H2H), 2014. Disponível em
<http://www.socialmediatoday.com/content/there-no-more-b2b-or-b2c-there-only-human-human-h2h>. Acesso em: 24
fev. 2015.
11
Grandes volumes de dados, analisada e aproveitada em tempo hábil através de ferramentas especialmente preparadas
para lidar com esses conjuntos de dados. A análise de grandes quantidades de dados para a geração de resultados
importantes que, em volumes menores, dificilmente seriam alcançados. Disponível em <http://www.infowester.com/bigdata.php>. Acesso em 28 fev. 2015.
6
Bryan argumenta que os negócios não têm emoção, mas as pessoas sim. Segundo o CEO, as pessoas
querem ser parte de algo maior do que elas mesmas são. Querem sentir algo, fazer parte, entender. Por
isso, a comunicação não deve ser complexa, mas simples e verdadeira, com humildade. É preciso
simplificar, ao máximo, o que está sendo vendido para o consumidor!
Ele ainda enfatiza que as pessoas, como seres humanos, cometem erros. Afinal, é normal/natural dizermos
coisas erradas, envergonhar-se e não perceber consequências de algumas ações realizadas. A ascensão
desenfreada das redes sociais apresentou o lado obscuro do anonimato, tanto para indivíduos, como para
multidões. Para Kramer, o lado mais bonito da humanidade é a empatia, a compreensão e o perdão.
Quando essas atitudes são lembradas ou ativadas na comunicação de uma página, marca, empresa ou
canal, há uma aproximação com um grupo semelhante. Isso é “human to human”!
Para Camila Porto12, uma das referências em Facebook no Brasil e autora do livro Facebook Marketing
(2014), a utilização de uma linguagem mais humanizada e próxima do usuário é fundamental, mas a
aplicação do pronome “eu” em conteúdos oficiais pode ser arriscado para as marcas. Segundo ela, o
profissional que faz as atualizações e interações com os usuários na rede social precisa representar uma
marca, empresa ou instituição naquele canal. Ela defende o uso desse artifício quando praticado através de
personagens criados pelas marcas, como o pinguim do Ponto Frio ou a “Lu” do Magazine Luiza. Nesses
casos, a voz do personagem precisa ser pessoal e representativa para tal elemento. É uma maneira de
estreitar a comunicação com o usuário sem deixar de ser “institucional”.
A utilização de personagens no Facebook é um artifício utilizado para se aproximar dos consumidores,
clientes ou fãs da marca. Ponto Frio e Magazine Luiza, por exemplo, utilizam uma linguagem lúdica,
envolvente e, muitas vezes, engraçada, com o objetivo de incentivar e potencializar a interação dos
usuários, além de promover vendas e gerar marketing boca a boca gratuito.
Essa estratégia está relacionada ao capital social, feito por pessoas e produzido a partir de relações
interpessoais. Os pilares do capital social são a reciprocidade e a confiança, onde a relação entre os
indivíduos forma um valor coletivo. As pessoas estão nas redes sociais para se conectar e construir
relacionamentos e conexões. Esse processo, com o tempo, leva à confiança, que é a chave para a formação
do capital social. Assim, confere-se que capital social é “um conjunto de recursos de um determinado grupo
que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, ainda que apropriados individualmente, e que
está baseado na reciprocidade” (RECUERO, 2010, p. 50). Essa relação está na interação entre pessoas e
pessoas, ou empresas e pessoas, que na internet, são personificadas, como no caso das duas marcas
citadas. A tentativa de se aproximar do público ou dos clientes tem o objetivo de transformar esse capital
social em capital econômico (FRESSINGHELLI; OLIVEIRA; SANTOR, 2013).
Cada marca tem uma maneira diferente de se comportar diante do público, que varia de acordo com o
perfil do consumidor alvo de cada empresa. Abaixo, coloco alguns exemplos desse tipo de comunicação:
13
Figura 1: Exemplos de posts da fanpage Ponto Frio .
12
13
PORTO, Camila. Entrevista ao autor em 30/10/2014.
Disponível em <https://www.facebook.com/pontofrio>. Acesso em 26 fev. 2015.
7
14
Figura 2: Exemplos de posts da fanpage Magazine Luiza .
2.4
À luz da análise semântico-discursiva de van Dijk
A análise semântico-discursiva tem a missão de contribuir no objetivo de responder/questionar os
apontamentos e a costura de opinião dos autores levantados anteriormente.
O livro “Cognição, discurso e interação” apresenta aspectos históricos e do desenvolvimento nos estudos
do discurso. O modelo apresentado por van Dijk (2000, p. 13) consiste em um “novo caminho no processo
de estabelecer modelos cognitivos de processamento de discurso”. Segundo ele, a proposta é de um
modelo mais dinâmico, de base processual e com uma abordagem chamada de estratégica.
Conforme Dijk (2000, p. 36-37), a definição de análise semântica do discurso é bastante complexa. “No
sentido mais geral, a semântica faz parte de uma teoria semiótica mais ampla sobre comportamento
significativo e simbólico”. O autor também comenta que a semântica não está focada apenas à linguagem
escrita, mas também ao comportamento não-verbal, como gestos, filmes, pinturas, linguagens de
computadores e linguagens de sinais para deficientes auditivos. Chaparro (2008), outro autor que discute o
tema, também aponta a intencionalidade do narrador na produção de um discurso:
Ao relatar, narra-se uma história, com suas complicações e seus sucessos, mas os juízos de
valor estão lá, explícitos, nas falas (escolhidos) dos personagens, às vezes até na
agressividade dos títulos; e implícitos, nas intencionalidades preexistentes das estratégias
autorais e nas intencionalidades adquiridas pelo próprio texto (CHAPARRO, 2008, p. 163,
grifos do autor).
No livro, van Dijk (2000) discorre sobre linguagem natural, isto é, as unidades identificáveis do discurso,
palavras, orações, períodos e parágrafos, por exemplo. Ele explica que “o conceito mais geral para denotar
o objeto específico de uma teoria semântica é o conceito de ‘interpretação’”, que pode ser de vários tipos
(DIJK, 2000, p. 37). Ele distingue a interpretação abstrata (gramática e lógica) e a concreta. “As primeiras
são interpretações do discurso e dos elementos do discurso, por meio de sistemas e de regras desses
sistemas, enquanto que as últimas são interpretações dos usuários da linguagem” (DIJK, 2000, p. 37). De
acordo com van Dijk (2000, p. 37), interpretações são processos de atribuição de significados:
[...] palavras, ou melhor, formas de palavras (morfemas), e sentenças, ou melhor, formas
de sentenças (estruturas sintáticas) são objetos cujas interpretações são fornecidas por
teorias semânticas. O que é atribuído por operações de interpretação são, tipicamente,
objetos semânticos de vários tipos. Um primeiro objeto semântico desse tipo é o
significado. Portanto, a interpretação de um discurso, como é explicitada numa teoria
semântica do discurso, é a atribuição de significado(s) às expressões de um discurso.
Van Dijk (2000, p. 38) também destaca dois princípios da semântica. O primeiro deles é a funcionalidade,
ou seja, o significado das expressões do discurso é uma função dos significados de suas expressões
componentes. Assegurar que as estruturas das expressões sejam interpretadas como estruturas de
14
Disponível em < https://www.facebook.com/magazineluiza>. Acesso em 26 fev. 2015.
8
significados é o segundo princípio apontado. O autor lembra ainda sobre o conhecimento de mundo dos
usuários da linguagem que pode se tornar parte da representação conceitual.
[...] os usuários da linguagem tiveram experiências prévias, como ter lido outros discursos
sobre os mesmos tipos de fatos, e os traços das representações dessas experiências
gradualmente constroem e atualizam modelos da situação na memória episódica. Esses
modelos fornecem o conhecimento e a base referencial para o processo de interpretação.
E, finalmente, os usuários de uma língua específica podem também gerar opiniões, isto é,
crenças avaliativas sobre objetos particulares ou fatos, baseadas em suas atitudes e
ideologias (DIJK, 2000, p. 40).
Propriedades específicas da semântica do discurso também são abordadas. A coerência do discurso como
estratégias proporcionais é uma delas. Conforme van Dijk (2000), tanto no discurso escrito como no oral, as
frases e as palavras são dispostas uma após a outra numa maneira linear. Isto é, essas proposições seguem
uma organização hierárquica a fim de promover uma sequência ordenada, significante, e que represente
estruturas de fato. Para o autor, as proposições são construídas baseadas no significado das palavras, que é
ativado da memória semântica.
Os narradores da linguagem também aplicam, conforme o autor, estratégias para atingir, o mais rápido
possível, a interpretação pretendida. Por isso, faz-se o uso de vários tipos de informação ao mesmo tempo,
como textual, contextual e cognitiva, como estratégias semânticas do discurso. O autor também cita
estratégias estilísticas, retóricas, de conversação, não-verbais e de produção como ações para atingir mais
rápido e com mais precisão o usuário da linguagem promovendo intenções e a construção de significados.
2.4.1 Coerências global e local
Outros conceitos importantes discutidos por van Dijk (2000, p. 22) são o de coerência global e o de
coerência local no discurso. De acordo com o autor, em um modelo cognitivo de compreensão e produção
de discurso, as informações provêm de vários níveis, como o morfológico, o sintático, o semântico e o
pragmático, que interagem de forma completa.
Segundo ele, os discursos são caracterizados por um significado global ou de uma macroestrutura. Esse
aspecto formaliza o tema ou o tópico do discurso como um todo. A macroestrutura é como um estilo, todo
texto possui. Não se escreve um post do Facebook do mesmo jeito que uma carta ou uma ata, por
exemplo. Cada um desses modelos tem uma macroestrutura diferente. A macroestrutura de um post
aborda questões como linguagem, texto curto, links para outras páginas e/ou interação com o usuário.
Dentro do texto, ainda é identificada a coerência local através da microestrutura, ou seja, a coerência que
se constrói palavra a palavra. São as pequenas escolhas semânticas. As sentenças, frases e parágrafos
precisam estar coerentes. “Partimos da compreensão de palavras para a compreensão de orações nas
quais essas palavras têm várias funções, e daí para sentenças complexas, sequências de sentenças e
estruturas textuais gerais” (DIJK, 2000, p. 22). Então, as partículas menores do texto como palavras, frases e
parágrafos correspondem à coerência local; o texto como um todo, à coerência global.
2.4.2 Frame e Script
Os termos frame e script também merecem atenção nesta reflexão sobre o discurso. Script pode ser
considerado toda informação que o indivíduo possui armazenada, o conhecimento de mundo. Frame
relaciona como o indivíduo apreende a informação. São conceitos que cada pessoa tem, armazenados na
memória. Quando se ativa um frame, torna-se mais simples ou fácil entender determinada situação.
É por causa da ativação do frame armazenado que muitas marcas sempre repetem as mesmas fórmulas na
internet. Por exemplo: o sentido cômico dos memes15 é algo armazenado pelos usuários dentro daquele
ambiente. A construção desse frame demora um certo tempo e todo conteúdo utilizado pelos meios de
comunicação fortalecem esse processo. No Facebook, os profissionais trabalham ativando frames, afinal, a
intenção é falar e escrever de assuntos, termos e conhecimentos que o usuário já conheça.
15
O termo meme é usado para descrever um conceito que se espalha rapidamente via Internet. É um fenômeno em que
uma pessoa, uma imagem, uma frase, um vídeo, etc., alcança muita popularidade entre os usuários.
9
Interpretações são processos de atribuição. Cada indivíduo tem um entendimento específico, é a
construção de significado que ocorre entre emissor e receptor. E o frame faz parte desse procedimento.
Depende daquilo que cada pessoa tem na memória e o que o narrador conseguiu ativar que garantirá essa
interpretação ou não, se vai garantir que uma estratégia de comunicação funcione ou fracasse.
3. Na prática…
A partir dos conceitos abordados anteriormente e à luz de uma análise semântico-discursiva proposta por
van Dijk, serão analisados 4 posts publicados no Facebook, entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015,
nas páginas TecMundo e Brasil Post, que utilizam tanto o pronome “eu” quanto o pronome “nós” para se
comunicar com os fãs/usuários das páginas. É importante salientar que essa análise se restringe ao
conteúdo textual de cada publicação e as métricas de interação (número de curtidas, comentários e
compartilhamentos). Não foram levados em consideração, imagens, links ou vídeos presentes nos posts.
Também cabe destacar que essa análise pode ser influenciada por inúmeros fatores, como os
acontecimentos históricos do momento daquela publicação, o dia e o horário de postagem, o número de
fãs da referida fanpage, o percentual orgânico de alcance do Facebook16, entre outros, que não são levados
em consideração para esta pesquisa.
Ainda é interessante registrar a dificuldade de seleção de conteúdos com uma linha pessoal, com a
utilização do pronome “eu”. Como foi abordado pelos autores na discussão teórica, as
empresas/instituições têm receio em adotar esse tipo de prática. Grande parte do conteúdo é delimitado
pelo pronome “nós” ou até casos em que o texto é dominantemente impessoal, retirando toda a carga de
conversa com o usuário. Durante a pesquisa, essa percepção foi claramente comprovada.
Antes de partir para o primeiro caso, é importante destacar que os conteúdos selecionados, dentro da
estratégia de marketing digital das páginas, não têm o apoio de personagens, como é o caso do “pinguim”
do Ponto Frio e da “Lu”, do Magazine Luiza.
ANÁLISE 1
Página: TecMundo
Data de publicação: 12 de setembro de 2014
Conteúdo: “Eu aposto na moto! E você?!?!”
17
Figura 3: Publicado no TecMundo no dia 12 de setembro de 2014 .
16
17
O alcance orgânico é o número total de pessoas que viram as publicações por meio de uma distribuição não paga.
Disponível em <https://www.facebook.com/tecmundo/posts/709567695787741>. Acesso em 24 fev. 2015.
10
Essa publicação se refere a um vídeo de uma corrida entre um supercarro, um veículo de Fórmula 1 e uma
motocicleta. A estratégia comunicacional para o conteúdo foi buscar a interação do usuário da página
através de uma pergunta. “Supercarro, F-1 ou Motocicleta: qual dos veículos vence a disputa? [vídeo]”, no
link do post, e “E você?!?!”, no corpo da publicação. Essa é uma prática comum para incentivar a
participação dos fãs através de comentários opinativos em determinadas situações.
De acordo com a teoria de van Dijk (2000) é possível perceber, nessa situação, a ativação de um script de
conhecimento no leitor. Quando o profissional de marketing publicando um conteúdo com termos como
“supercarro” e “F-1”, imagina-se que o público/usuário da página tem um conhecimento armazenado que o
faz compreender a mensagem passada pelo emissor. Além disso, no texto do post, quando é colocado o
texto “Eu aposto na moto”, há a ativação do frame de corrida, velocidade, competição. Nos dois casos,
pressupõe-se que o usuário conhece sobre o assunto. Por isso, o conteúdo é curto e objetivo.
Ainda revivendo a discussão teórica desse artigo, também é importante salientar que a linguagem utilizada
nesse post coloca o profissional responsável por ela como um dos atores sociais na interação do canal. A
intenção da proposta, além da interação, foi fortalecer os laços sociais com os fãs/amigos da página.
O que chama a atenção nesse caso é a utilização do pronome pessoal “eu”, na colocação da opinião do
profissional que fez, provavelmente, a redação e a publicação daquele conteúdo. Quando disse “Eu aposto
na moto!”, o profissional buscou, de certa maneira, exemplificar qual era a proposta interativa para aquele
conteúdo. Além disso, o fez participar da enquete e pressupor que não sabia qual era o resultado da
disputa entre os três veículos. Com isso, a publicação alcançou centenas de usuários que declararam uma
opinião para a pergunta sugerida. Além disso, foi contabilizado para esse post um total de 3.735 curtidas e
de 1.870 compartilhamentos, um bom resultado para o contexto da página.
Nessas circunstâncias, comparado a outros posts da página, percebe-se uma alta interação dos usuários,
proveniente, primeiramente, do tema e da maneira como foi colocado o conteúdo, instigador e em
primeira pessoa do singular. Mas, não há como comprovar, com esses dados, que toda a interação foi
gerada a partir da utilização do pronome pessoal “eu”.
ANÁLISE 2
Página: TecMundo
Data de publicação: 30 de dezembro de 2014
Conteúdo: “Nesta matéria, reuniremos os principais acontecimentos, notícias e análises que pintaram aqui
no TecMundo”
18
Figura 4: Publicado no TecMundo no dia 30 de dezembro de 2014 .
18
Disponível em <https://www.facebook.com/tecmundo/posts/767964799948030>. Acesso em 24 fev. 2015.
11
Essa situação exemplifica um caso de uso do pronome na primeira pessoa no plural, em “reuniremos”. O
conteúdo abordado trata dos principais acontecimentos do segmento de tecnologia que foram destaque
durante o ano de 2014 na página/no site. Essa compilação rendeu 230 curtidas, 5 comentários e 23
compartilhamentos, números extremamente baixos para a quantidade de fãs da página (mais de 2 milhões)
e na comparação com a outra publicação analisada neste artigo. Cabe, aqui, discutir quais foram os pontos
que resultaram nesse resultado negativo.
O conteúdo publicado é relevante para a página e para o segmento. Será que a linguagem adotada pode ter
interferido diretamente nesse caso? Alguns pontos para descrever: além da linguagem menos humanizada
e mais formal, com exceção de termos como “pintaram”, não há uma busca pela interação do usuário ou
uma vontade clara de concretizar laços sociais entre os usuários e a marca. A utilização de termos grandes
e com um sentido mais culto, como “reuniremos”, é visto como algo “desinteressante” para o público.
Além disso, segundo a teoria semântico-discursiva, quando se usa “simplesmente tudo” no título do link do
post, a página deixa implícito que o conteúdo e o próprio canal de notícias são um dos mais ou até o mais
completo da internet, afinal, está sendo ofertado “tudo”, gratuitamente, para o usuário. Esse artifício pode
ser encarado como uma estratégia para fortalecer a credibilidade da página e para provocar a visita de
usuários no site do canal de notícias.
Enfim, nessa situação, não foram encontradas iscas consistentes que incentivassem a interação ou outra
ação do usuário. Tornou-se um post tradicional da rede, “frio” e sem espírito humano. Em comparação com
a Análise 1, de um post da mesma página, pode-se concluir que uma linguagem mais próxima, one-to-one,
pode ter um efeito extremamente positivo para a página, criando e alimentando laços sociais.
ANÁLISE 3
Página: Brasil Post
Data de publicação: 22 de fevereiro de 2015
Conteúdo: “Ahhh se eu não estivesse agendando posts no Facebook enquanto como miojo e leio os
comentários… #BombouNaSemana”
19
Figura 5: Publicado em Brasil Post no dia 22 de fevereiro de 2015 .
Agora, o conteúdo analisado foi publicado na página Brasil Post, um site com notícias de vários assuntos.
Esse é mais um caso de utilização do pronome “eu” na mensagem quando é publicado “Ahhh se eu não
estivesse agendando posts no Facebook enquanto como miojo e leio comentários…”. É um caso bastante
interessante, onde o pronome em primeira pessoa atua em três verbos: estar, comer e ler. Além disso, o
texto provoca a imaginação do usuário que cria uma imagem do profissional que está por trás daquele
19
Disponível em <https://www.facebook.com/braspost/posts/977449248931996>. Acesso em 24 fev. 2015.
12
conteúdo. É fácil imaginar a situação desse profissional, comendo macarrão, lendo comentários e
agendando posts. É algo cômico! E, se ele não consegue ler os comentários, também há um entendimento
implícito, intencional, de que eu, o usuário, posso ler todos os comentários. Essa estratégia está muito
alinhada com a opinião da maior parte dos autores citados nesta pesquisa. A linguagem do texto é pessoal,
humanizada, muito próxima do usuário do canal. Além disso, quando se coloca “lendo os comentários”, o
emissor procurou ampliar a interação do post, sugerindo que os comentários do post eram interessantes e
mereciam ser lidos. Além disso, incentiva a publicação de novos comentários pelo público.
Nesse caso, a macroestrutura da matéria não está evidente no texto do post. Quando o usuário lê essa
mensagem, ele não tem informações suficientes para compreender do que se trata aquele conteúdo. Essa
estratégia pode ser encarada como mais uma inca para o usuário acessar o link disponível, gerando mais
visitas da o site e relevância para o texto.
Esse post registrou 179 curtidas, 8 comentários e 13 compartilhamentos, números baixos para a base de fãs
da página, que é de mais de 177 mil curtidores. Mesmo utilizando uma comunicação de acordo com a
teoria “Human to Human”, a publicação obteve uma interação baixa. Esses dados contrariam alguns
aspectos discutidos pelos autores, anteriormente, e acendem um sinal de que nem todos os tipos de
conteúdos, chamadas ou assuntos podem ter um efeito maior através desse tipo de comunicação.
ANÁLISE 4
Página: Brasil Post
Data de publicação: 28 de fevereiro de 2015
Conteúdo: “Veja bem, não somos nós que estamos falando: é a ciência! #BombouNaSemana
#DiaDaRessaca”
20
Figura 6: Post do Brasil Post publicado no dia 28 de fevereiro de 2015 .
Esse conteúdo, ao contrário do anterior, tem uma proposta mais “institucional” e utiliza o pronome pessoal
“nós” para a formulação da frase “Veja bem, não somos nós que estamos falando: é a ciência”. Nesse
conteúdo, é bem evidente a tentativa de colocar um grupo de atores sociais (a empresa, a instituição, o
grupo de colaboradores) para dar mais peso à afirmação.
No total, essa publicação gerou 277 curtidas, 14 comentários e 48 compartilhamentos, valores levemente
mais altos que o exemplo anterior, com a linguagem mais humanizada. Considerando curtidas, comentários
e compartilhamentos como métricas dessa análise, mais uma vez, é possível perceber que, pura e
simplesmente, uma linguagem mais humanizada não é garantia de melhores resultados para a página.
20
Disponível em <https://www.facebook.com/braspost/posts/980752691934985>. Acesso em 28 fev. 2015.
13
A partir da teria do discurso, de van Dijk (2000), também é possível levantar alguns pontos: a frase utilizada
no post carrega um pressuposto de que os usuários irão questionar a informação que está sendo noticiada
(“Maconha é 114 vezes mais segura que álcool, conclui estudo”). Assim, o conteúdo da publicação tem a
função de alertar sobre a origem daquela informação, fruto de um estudo da ciência. A utilização do
morfema negativo “não” para negar a autoridade do conteúdo e, logo em seguida, o verbo “é”, associado à
ciência, contribuem nessa proposta. Essa, também, é uma estratégia de prevenção adotada pelo
profissional e diferencia o conteúdo de outras publicações.
Por fim, na comparação entre os dois posts, fica evidente uma premissa de que a comunicação Human to
Human (H2H) pode não ser tão eficaz para determinadas páginas ou empresas como debatida. Esses
resultados serão reunidos nas considerações finais deste artigo, nos parágrafos a seguir.
4. Considerações finais, o fim do início
O homem, enquanto ser social, tem uma necessidade inerente de se comunicar, através das várias formas
de linguagem. Com a evolução das tecnologias comunicacionais, principalmente o surgimento da internet,
uma alteração significativa na forma como as pessoas interagem dentro de um contexto social foi
possibilitada. As redes sociais proporcionaram o rompimento de barreiras linguísticas, temporais e
geográficas, obstáculos que, antes, eram significantes no resultado do processo comunicacional.
E, nesse contexto, não há como pensar em estratégias de marketing digital sem levar em consideração as
redes sociais e, atualmente, a maior delas – o Facebook. Ao costurar diversas opiniões de autores que
discutem sobre marketing digital, comunicação, linguagem, redes sociais e discurso, percebi uma
homogeneidade de argumentos e conceitos que dão credibilidade sobre uma proposta one-to-one de
comunicação entre marcas e usuários/consumidores no Facebook. Sem essa interação comunicacional
entre os personagens, entre um “eu” e um “outro”, não existiria diálogo e a comunicação teria apenas um
sentido único.
A teoria Human to Human (H2H) se norteia na proposta inicial e mais básica das redes sociais como um
todo – a conversa/a relação entre as pessoas. Assim, seria mais do que natural adotar esse diálogo, uma
estratégia extremamente próxima do usuário, para ser a base da linguagem utilizada pelas marcas no
Facebook. Mas, durante a pesquisa, notei claramente que são raras as situações em que o pronome
pessoal “eu” é dominante no conteúdo. Como argumentou Camila Porto, primeiro, a linguagem utilizada
pelas empresas na produção de textos se refere a uma instituição, uma empresa como um todo, com toda
a sua carga de valor e colaboradores; segundo, e que está relacionado com o primeiro ponto, as
empresas/os profissionais da área têm receio em utilizar uma linguagem extremamente pessoal para se
comunicar com os usuários e, talvez, gerar uma “confusão” entre o ambiente e o consumidor.
A criação de personagens é uma estratégia que abraça uma linguagem mais humanizada e,
consequentemente, é mais próxima dos clientes. As fanpage Magazine Luiza e Ponto Frio são dois
exemplos que utilizam esse tipo de comunicação com mais recorrência. Os resultados comerciais desse tipo
de atitude podem ser explorados em outra pesquisa acadêmica.
Durante a análise de posts do Brasil Post e do TecMundo também percebi que esse tipo de comunicação,
na prática, não tem uma influência muito forte sobre os resultados daquele conteúdo. Há vários outros
fatores, com pesos iguais ou até maiores, que contribuem, ou não, para os resultados de uma publicação.
Assim, também é importante ressaltar as dificuldades encontradas para medir e comparar conteúdos nas
redes sociais. As métricas de comparação foram o número de curtidas, comentários e compartilhamentos,
mas, há de se registrar, que esses dados são fortemente influenciados por fatores externos e pontuais,
como a data de publicação do post, o horário, os acontecimentos do momento (Trending Topics, se fosse
no Twitter) e muitos outros. Ou seja, tornou-se difícil definir uma resposta exata para os questionamentos
propostos nesta pesquisa.
Além disso, abordando a questão linguística dos conteúdos, ficou clara a necessidade de abordagem do
contexto na hora de analisar o sentido ou a natureza dos textos. Nenhum deles tem um significado puro ou
está dissociado de uma intenção por parte do emissor.
14
Também é importante salientar que, na interpretação dos conteúdos pelo usuário, há uma carga
referencial anterior, de outros textos, produções audiovisuais e experiências como um todo, específica de
cada pessoa, que tem uma forte influência sobre o entendimento e o resultados previstos.
Por fim, toda a análise acendeu uma premissa de que o retorno de uma comunicação one-to-one pode ser
fictícia ou pode chegar somente após um longo período de investimentos estratégicos nessa teoria. A
escolha dos posts para esse estudo foi o primeiro sinal de que a pesquisa poderia não ter um resultado
concretizado. Os resultados poucos expressivos do uso desse tipo de linguagem não garantem o sucesso
desse tipo de ação nem o contrário, total rejeição da estratégia. É preciso de tempo e profundidade de
estudo muito maiores, com uma amostra de posts bem mais consciente, material inacessível atualmente.
Essa continuação é motivadora e, academicamente, instigante.
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