A saída do euro: e se o divórcio amigável não for opção?

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14-09-2016
A saída do euro: e se o divórcio
amigável não for opção?
RALPH ORLOWSKI/REUTERS
N
Debate Portugal e a moeda única
José A. Soares da Fonseca
uma entrevista recente,
Joseph Stiglitz, prémio Nobel
da Economia, propôs que,
perante o impasse em que
a zona euro se encontra,
Portugal saia da moeda
única como forma de
resolver os seus problemas
de recessão e desemprego
e, complementarmente,
proceder à reestruturação da dívida
pública, que seria parte do processo
daquilo a que Stiglitz chamou um
“divórcio amigável”.
É difícil não estar de acordo com Stiglitz
quando aponta como limitações congénitas
da zona euro a fixação do limite de 3%
do défice como objectivo fundamental
da política orçamental, e o facto de os
estatutos do BCE centrarem a política
monetária no controlo da inflação. É certo
que o euro serviu para que a Alemanha
rompesse com a estagnação em que a
sua economia se encontrava no final
dos anos 90, porque a moeda única lhe
permitiu aumentar a sua competitividade
relativamente à França, e aumentar as
suas exportações para os países do Sul da
Europa sem ter que desvalorizar o marco.
Não podemos esquecer, no entanto, que
a moeda única também permitiu a países
como Portugal, Grécia e outros obterem
financiamento fácil e a taxas de juro baixas.
Foi esse endividamento, juntamente com os
fundos europeus, que financiou o aumento
do investimento em novas infra-estruturas
sem qualquer paralelo com as décadas
anteriores. A principal consequência
nefasta de tudo isto foi que estes países
se viram, a partir da crise do sub-prime
de 2007 nos EUA, na condição de vítimas
imprudentes, mas não inocentes, de um
novo contexto financeiro internacional que
tornou a dimensão das suas dívidas públicas
incompatível com o recurso normal ao
financiamento nos mercados financeiros. A
diminuição da oferta de fundos no mercado
financeiro internacional, que então
ocorreu, juntamente com as polémicas
descidas abruptas dos ratings destes
países, e os comportamentos especulativos
que as circunstâncias possibilitavam,
conduziram as taxas de juro da dívida
pública de Portugal e da Grécia para níveis
insustentáveis. O recurso aos programas
de assistência financeira tornou-se então
inevitável.
Naturalmente que a reestruturação
da dívida, com alongamento de prazos e
algum perdão parcial, seria benéfica para
Portugal. A situação é mais grave na Grécia,
cujo peso da dívida, bastante mais elevado,
levou a que uma reestruturação tivesse já
sido feita, embora claramente insuficiente
se atendermos
à situação da
economia grega. A
questão é que uma
reestruturação da
dívida deve obter
o consenso dos
credores, caso
contrário os custos
de conflito com
estes, que incluem
a dificuldade no
acesso ao mercado
de capitais, podem
ser superiores
aos benefícios.
Assim, em vez de
proveitosa, uma
reestruturação da
dívida pode tornarse ruinosa ou, pelo
menos, inútil. Há
que ter em conta a
hostilidade alemã à
reestruturação das
dívidas de Portugal
e da Grécia, que
é determinada
pela recusa em
sofrer perdas, mas
que, para além
disso, é um sinal
contra o risco de
um eventual processo de reestruturação
pedido também pela Itália, cujo impacto
nos balanços dos bancos e fundos de
investimento alemães seria muito mais
significativo do que o dos outros dois
países.
E a saída amigável do euro será
possível? Não é fácil se tivermos em
conta que um país que abandone a
moeda única em condições de fragilidade
financeira necessita que os países que
permanecem no euro aceitem conceder-
Ao contrário de
Stiglitz, estou
mais tentado
a dizer que
Portugal está
condenado a
permanecer
no euro, até
que outros,
mais fortes,
porventura
decidam
acabar com a
moeda única
lhe um empréstimo com o qual compra
as reservas cambiais necessárias para
manter a estabilidade da sua moeda.
Adicionalmente, é necessário que o perdão
da dívida que, de acordo com Stiglitz,
deverá fazer parte do processo, tenha uma
dimensão tal que não seja completamente
anulado pela desvalorização da moeda
nacional subsequente à saída do euro.
Mas, se cada banco central nacional tem
uma quota no BCE, não tem direito a
uma parte dos activos deste, quando sai
do euro? Sim, mas, uma vez que na zona
euro não há uma moeda exterior com a
qual os bancos centrais nacionais façam
a liquidação dos pagamentos entre os
países-membros, esses bancos centrais
nacionais dividem-se em dois grupos: os
devedores e os credores. Como o Banco de
Portugal tem sido cronicamente devedor
no Euro-sistema, a saída do euro implica,
naturalmente, o vencimento dessa dívida, o
que corresponde a mais um custo de saída.
Por último, sendo pouco provável que a
Alemanha veja com bons olhos a saída
confortável de um país membro da zona
euro, pelo incentivo à fuga da moeda única
que pode causar em países que venham a
encontra-se em situação semelhantes, as
negociações de saída serão inevitavelmente
muito difíceis.
E depois da saída, o que fazer com a nova
moeda? Se acreditarmos que ter moeda
própria corresponde a uma verdadeira
soberania monetária, estaremos de
acordo com Stiglitz quando afirma que
o país poderá levar a cabo uma política
monetária e uma política orçamental que
ponham o país a crescer. Isto é, o Governo
aumentaria a despesa pública emitindo
dívida que seria comprada pelo banco
central através da criação de moeda. O
problema é que o banco central duma
pequena economia aberta ao exterior tem
muito pouca autonomia para levar a cabo
uma política monetária independente.
Isto porque, neste tipo de economia,
o crescimento significativo da massa
monetária leva facilmente ao aumento de
importações de bens e serviços e à saída
de capitais, das quais resultam subidas das
taxas de juro que afectam negativamente
o investimento. O desemprego gerado
pela redução do investimento e de outra
despesa privada interna, poderia então
anular ou suplantar o emprego entretanto
criado pelo aumento da despesa pública.
A eficácia da política monetária deste
banco central seria ainda menor se o
aumento dos preços das importações,
causado pela desvalorização da moeda
nacional, ocorrida ao longo deste processo,
conduzisse a economia a um círculo vicioso
de inflação e desvalorização, como o que a
economia portuguesa atravessou na década
de oitenta. Por tudo isto, não partilho a
perspectiva de Stiglitz de que começa a
ser claro que, para Portugal, estar dentro
do euro custa mais do que estar fora. Para
mim, é apenas claro que a permanência
no euro tem sido penosa desde o início
da crise da dívida, e sê-lo-á enquanto
este problema perdurar. Mas não tenho
provas de que a saída crie uma situação
mais favorável, e a história do escudo
também não ajuda a criar convicções nesse
sentido. Basta recordar que, poucos anos
passados depois do arranque do período
inflacionista, foi pedida uma intervenção
do FMI, em 1978, seguida de outra em 1983,
ambas acompanhadas de desvalorizações
do escudo. O afluxo de fundos europeus,
a partir de 1986, terá contribuído para
manter alguma estabilidade cambial,
após o fim do período da desvalorização
deslizante, mas não evitou a necessidade
de mais uma desvalorização do escudo em
1992, pouco antes da entrada na segunda
fase da passagem à moeda única. Mesmo
que a saída da moeda única se verifique,
é difícil que o euro fique totalmente
arredado do dia-a-dia da actividade
económica de um país que regresse à
sua moeda nacional. A desconfiança
na estabilidade do valor desta fará com
que, com grande probabilidade, muitos
contratos continuem a ser denominados
em euros. Esta concorrência entre o euro
e a nova moeda nacional implica um risco
cambial interno permanente, que afecta
sobretudo os que tenham rendimentos em
moeda nacional e compromissos a pagar
indexados ao euro.
Assim, ao contrário de Stiglitz, que
afirma que Portugal estará condenado
se não sair do euro, estou mais tentado
a dizer que Portugal está condenado a
permanecer no euro, até que outros, mais
fortes, porventura decidam acabar com a
moeda única.
Professor da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra
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