a crise grega: menos platão, mais aristóteles!1

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A CRISE GREGA: MENOS
PLATÃO, MAIS ARISTÓTELES!1
Ricardo Vélez Rodríguez
Professor da Faculdade Arthur Thomas, Londrina.
Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF. Professor Emérito da
ECEME. [email protected]
Em face da crise do euro, com os gregos querendo desembarcar da
Comunidade Européia, lembro-me do artigo muito pertinente escrito pelo meu amigo
João Carlos Espada (“A Grécia e as infelizes dicotomias continentais”, O Público,
Lisboa, 06/07/15), no qual ele identificava um problema: não foi imaginado pelos
criadores da zona do euro, um mecanismo de desembarque para as Nações que, como
os gregos hoje, não se sentissem à vontade nela.
Ora, faltou esse mecanismo de desembarque. Se houvesse, não estaria
passando a Europa unida por tantos sobressaltos. É claro que eu, como meu amigo
Espada, não tenho simpatias pelo Tsipras nem pelo seu grupo de esquerda radical
Syriza. Baste lembrar que a primeira providência do jovem líder grego depois de eleito,
foi receber o embaixador do arquirrival da Comunidade Europeia, o czar Putin. É botar
gasolina na fogueira.
Passo a refletir sobre a crise do euro à luz dos conceitos filosóficos, sendo fiel à
minha profissão de professor de filosofia. Falta à Comunidade Européia, hoje, mais
flexibilidade na gestão dos conflitos. Resumiria esse imperativo no subtítulo do meu
artigo: Menos Platão, mais Aristóteles.
Lembremos que, diante da crise que os Gregos enfrentavam no século IV AC.,
com Atenas perdendo terreno para a sua rival Esparta, a solução platônica consistiu
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Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, na edição do dia 8 de Julho de 2015, pg. A2.
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em incrementar o modelo educacional ateniense, tirando o ensino das mãos dos
sofistas, estrangeiros em geral, e passando-o às dos atenienses, sob o rígido controle
do governo da Pólis. O modelo ateniense deveria ser incutido nas mentes das novas
gerações pela pedagogia platônica, a Paideia, toda ela a serviço da construção da
máquina do Estado, sob a previdente condução do Rei Filósofo. Ora, esse modelo
funcionava em Atenas e em nenhum outro lugar. Quando Platão tentou sugeri-lo a
Dionísio, tirano de Siracusa, foi posto em prisão e os seus discípulos tiveram de fazer
uma vaquinha para libertar o mestre.
Aristóteles não tinha origem ateniense, era um bárbaro macedônio civilizado,
tendo estudado na Academia platônica. Mas possuía uma visão ampla do mundo e
uma concepção política aberta à diversidade. Viajou pelo Médio Oriente, pelo
Mediterrâneo Oriental e pelo Egito e escreveu a sua obra sobre as constituições do
mundo antigo, tendo identificado 158 formas diversas de governo. Formou nessa
mentalidade aberta o seu pupilo, o jovem Alexandre, que seria o famoso conquistador
do mundo antigo, construtor do primeiro império globalizado da época.
Dessa magnífica obra aristotélica chegou até nós a Constituição de Atenas,
preservada do criminoso incêndio da Biblioteca de Alexandria por zelosos amanuenses
bizantinos, egípcios e árabes, que a trouxeram até nós. Ora, o postulado fundamental
da política em Aristóteles é que há duas condições para conquistar a estabilidade no
seio do Estado: que este se organize a partir das tradições em que a comunidade
acredita e, em segundo lugar, que se estabeleça um regime que traduza a média da
opinião, postulado que passou à posteridade, na Idade Moderna, pela mão, sobretudo
de François Guizot, o primeiro-ministro do reinado de Luís Felipe na França.
A Comunidade do euro foi organizada mais pensando na unanimidade platônica
(herdada por Hegel, que certamente influenciou muito a intelligentsia alemã e a
chanceler atual, Ângela Merkel). Faltou a média da opinião de Aristóteles. Não foram
criados mecanismos que possibilitassem, aos países integrantes, um eventual
desembarque da zona do euro. Era isso o que justamente temia Margareth Thatcher,
quando foi posta em discussão a adoção, pelos parceiros europeus, da moeda única.
Lembremos parte do seu discurso pronunciado no Conselho da Europa, reunido em
Roma em outubro de 1990, no qual a primeira-ministra britânica desaconselhava a
adoção da moeda única pelo seu país.
A senhora Thatcher afirmava que os trabalhistas não teriam problema em
entregar a soberania nacional. O Partido Trabalhista, dizia ela ironicamente, “Talvez
concordasse com a moeda única e com a abolição da libra esterlina. Talvez, sendo
totalmente incompetente na administração da política monetária, ficaria feliz em
delegar toda a responsabilidade a um banco central [europeu], como fez em relação
ao FMI. O fato é que o Partido Trabalhista não tem competência para lidar nem com
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dinheiro nem com a economia” (Papéis de Margaret Thatcher, Documento número
869, 30 outubro de 1990, http://www.margaretthatcher.org/document/108234).
Ora, a Comunidade Européia, na rigidez dos seus princípios organizacionais,
lembra mais Platão e o Bloco Continental imaginado pelo imperador Napoleão
Bonaparte do que uma federação de Estados livremente unidos por um pacto flexível,
costurado à sombra do bom senso aristotélico. Um Banco Central operante pressupõe
mecanismos de união política que hoje estão ausentes da comunidade. Eis o cerne do
problema. A ordem imposta desde fora é problemática. “As baionetas”, aconselhava a
velha raposa Talleyrand a Napoleão, “servem para muitas coisas, menos para sentar
em cima delas”.
Voltando para o bom senso britânico, considero pertinentes as palavras com
que João Carlos Espada conclui o seu artigo: “As instituições sociais não são fabricadas
especificamente por ninguém. Emergem de um longo e complexo processo de
interação descentralizada que não é suscetível de comando central — mesmo que esse
comando central seja exercido pela chamada Razão, ou mesmo pela Razão libertadora
de preconceitos e tradições não racionais (...). Não pretendo com isto concluir que a
criação do euro tenha sido necessariamente um erro. Mas foi seguramente um erro
gigantesco ter criado o euro sem uma cláusula de saída ordeira. E é um erro gigantesco
identificar a moeda única com a União Europeia. A moeda única deve ser apenas uma
opção possível para aqueles países que queiram subscrevê-la”.
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