A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E DA TEORIA

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A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO E DA TEORIA DO
CAPITAL SOCIAL NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS DA
ATUALIDADE
Jani Alves da Silva - UEM1
Jeinni Kelly Pereira Puziol - UEM
Introdução
O texto em questão analisa algumas diretrizes neoliberais das políticas públicas
educacionais a partir da década de 1970 até os dias atuais. Refere-se a uma abordagem
crítica sobre o processo de configuração dos conceitos e procedimentos da Teoria do
Capital Humano e da Teoria do Capital Social aplicados nas políticas educacionais que
se materializaram no sistema educacional brasileiro por meio das ações do Estado, dos
programas e projetos educacionais, leis e documentos oficiais.
Objetivo
Analisar as diretrizes das políticas educacionais a fim de identificar as influências da
Teoria do Capital Humano e da Teoria do Capital Social nas ações do Estado e nas
propaladas recomendações das agências internacionais para a educação brasileira.
Metodologia
A compreensão do tema proposto – A influência da Teoria do Capital Humano e da
Teoria do Capital Social nas políticas educacionais brasileiras da atualidade – requer
um resgate histórico, político, econômico e social da década de 1970 até a atualidade,
partindo do pressuposto de que as políticas educacionais tomam forma através das ações
governamentais, que atendem as exigências do modo de produção contemporâneo, ou
seja, da organização do capital do sistema produtivo, especificamente no final do século
XX, calcado na égide dos ideais neoliberais.
2
Resultados
As políticas educacionais são um conjunto de ações, decisões e diretrizes sobre o
controle do Estado, que permeiam cada vez mais a economia do país, sendo vistas como
um investimento que trará um retorno financeiro. Höfling (2001, p. 31) auxilia na
compreensão do conceito de políticas, definindo-a como:
[...] o Estado implantando um projeto de governo, através de
programas, de ações voltadas para os setores específicos da sociedade.
[...] E políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de
proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio,
para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das
desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico.
A teoria do Capital Humano e a Teoria do Capital Social, principal foco de estudo, se
encaixam perfeitamente no contexto neoliberal em que estão inseridas as políticas
educacionais, nas quais se tem a priorização do ensino voltado e organizado para o
trabalho, ou seja, para a produção e formação de trabalhadores e/ou de novas medidas
transplantadas no trabalho produtivo da sociedade capitalista. O objetivo é visar apenas
ao desenvolvimento da capacidade profissional na busca do desenvolvimento
sustentável da economia globalizada e à integração da sociedade mediante as
atribuições que seriam de responsabilidade do Estado. “Tornou-se evidente no setor
educacional o desencadeamento e o atendimento das recomendações políticas
neoliberais” (SILVA, 2007, p.3).
No decorrer da década de 1970, ocorreu no Brasil o desencadeamento das políticas de
ajustes estruturais neoliberais na educação. A ideologia neoliberal principiada no
liberalismo clássico econômico2, que resumidamente tem como principais objetivos a
1
Mestre em Educação (PPE/UEM). Professora Assistente do Departamento de Teoria e Prática da
Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]
2
Doutrina que serviu de substrato ideológico às revoluções antiabsolutistas que ocorreram na Europa
(Inglaterra e França, basicamente) ao longo dos séculos XVII e XVIII e à luta pela independência dos
Estados Unidos. Correspondendo aos anseios de poder da burguesia, que consolidava sua força
econômica ante uma aristocracia em decadência amparada no absolutismo monárquico, o liberalismo
defendia: 1) a mais ampla liberdade individual; 2) a democracia representativa com separação e
independência entre três poderes (executivo, legislativo e judiciário); 3) o direito inalienável a
3
desregulamentação e a privatização das atividades econômicas diminuindo a função do
Estado. O neoliberalismo vai mais além, e considera o Estado como improdutivo,
repassando suas incompetências para o capital privado. Apresenta uma visão
extremamente individualista e competitiva. Atrelado a essa ideologia, ou melhor, como
estratégia fomentadora do capitalismo financeiro, tem-se o processo de mundialização
do capital, que implica a abertura das fronteiras aos movimentos do capital internacional
e ao mesmo tempo uma enorme concentração do mesmo, tendo como fomentador
principal a hegemonia norte-americana. Chesnais (1997, p. 46), ao delinear o conceito
de “mundialização do capital”, defende que esse termo:
[...] deva servir para designar o quadro político e institucional que
permitiu a emergência, sob égide dos Estados Unidos, de um modo de
funcionamento específico do capitalismo predominantemente
financeiro e rentista, situado no quadro ou no prolongamento direto do
estágio do imperialismo.
A mundialização do capital acirra ainda mais as desigualdades, não apenas entre os
países, mas também dentro deles próprios. Toussaint (2002, p. 41) assim se posiciona
acerca das desigualdades de tal processo.
Desde o começo da crise dos anos 70, o mundo conhece significativas
perturbações, que deterioraram progressivamente as condições de vida
da maioria da população do planeta: o desemprego em massa instalouse de modo duradouro, a desigualdade da repartição das riquezas
acentuou-se fortemente e os rendimentos das classes populares
baixaram visivelmente.
Diante desse cenário vislumbram-se as políticas educacionais deliberadas fora de nosso
próprio país, muitas vezes fora de nosso contexto e necessidades reais, expressas nas
desigualdades sociais, na luta de classes, pois estas são pensadas de acordo com a tirania
dos mercados financeiros que visam tão somente ao desenvolvimento econômico em
detrimento do social: “[...] no espectro da ordem capitalista, embrulhadas por um
messianismo reformista, políticas geradas fora do país foram endossadas, como se
domésticas fossem” (NAGEL, 2001, p. 8).
propriedade; 4) a livre iniciativa e a concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os
interesses individuais e coletivos e gerar o progresso social (SANDRONI, 1989, p. 174-175).
4
A década de 1980 serviu como abrigo das desigualdades sociais, vendo o alargamento
das distâncias entre riqueza e pobreza. A presença maciça de órgãos internacionais,
como as agências da ONU (Organização das Nações Unidas): o BM (Banco Mundial), o
FMI (Fundo Monetário Internacional), a UNESCO (Organização da Educação, Ciência,
Cultura e tecnologia) etc., “maquiaram” a revitalização do sistema brasileiro por meio
da contração de um grande número de empréstimos financeiros alimentados a altos
juros, contribuindo sobremaneira para o aumento da dívida externa.
Diante da crise instalada, a reforma do Estado foi propalada como necessária para a
consolidação dos anseios neoliberais e como medida desenfreada para a economia. O
Plano de Reforma do Estado proposto por Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003)
tem como principal estratégia a terceirização dos serviços públicos; o Estado tornou-se
permeável ao capital privado, descentralizou os serviços sociais e a infra-estrutura. A
esse respeito Peroni assevera: “[...] Isso nos permite concluir que o Estado está
querendo passar para a sociedade tarefas que deveriam ser suas, principalmente no
âmbito das políticas sociais” (2003, p. 63).
Na área educacional, o clima de esperança era contagiante, o “fim” oficial do regime
militar e o restabelecimento da democracia traduzida na Nova República foram o marco
da reforma para a educação. A sociedade, imbuída na responsabilidade pela educação,
foi entendida como a salvação do ensino, não se enxergava a desobrigação do Estado
com o sistema educacional. A descentralização exacerbada desse período “[...] foi
aplaudida como libertação do autoritarismo administrativo vivido na ditadura”
(NAGEL, 2001, p. 8).
A partir da Nova República, refletindo sobre os anos de 1990, a formação do homem
esteve condicionada sob a perspectiva neoliberal. As políticas educacionais aderiram
passivamente aos interesses, estratégias, métodos e conteúdos desse sistema. Na visão
de algumas das agências da ONU aqui já mencionadas, “[...] os Estados deveriam
tornar-se um catalisador, um parceiro e facilitador das políticas sociais, ao invés de ser o
promotor direto de tais políticas” (SILVA, 2007, p. 3). Assim também pondera Bresser
Pereira, ministro do MARE (Ministério do Aparelho e Reforma do Estado) no governo
Fernando Henrique Cardoso:
O resultado dessa reforma será um Estado mais eficiente, que
responda a quem de fato deve responder: o cidadão. Logo, será um
5
Estado que estará agindo em parceria com a sociedade e de acordo
com os seus anseios. Será um Estado menos voltado para a proteção e
mais para a promoção da capacidade de competição. Será um Estado
que não utilizará burocratas estatais para executar os serviços sociais e
científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas
não-estatais (PEREIRA, 1997, p. 52).
Por meio da conjuntura neoliberal tem-se uma contradição expressa no aparelho do
Estado, a maior complexidade no que diz respeito à relação educação-neoliberalismo, o
Estado mínimo e máximo. O Estado se comporta como mínimo para as políticas sociais
e como máximo para as atividades do capital financeiro, partindo da lógica de que é
mais importante um governo comprometido com o mercado do capital do que com as
políticas conquistadas no Welfare State3. No que tange a tal contradição, aflorada
principalmente na década de 1990, Peroni (2003) explicita que:
Os projetos de política educacional apontavam para um processo de
centralização, por parte do governo federal, do controle ideológico da
educação, através dos parâmetros curriculares e da avaliação
institucional, e para um processo de descentralização de recursos,
inclusive desobrigando a União do financiamento da educação básica.
(p. 15-16) [...] Estado mínimo para as políticas sociais e de Estado
máximo para o capital (p. 19).
Respondendo às reorganizações e reformas econômicas da década de 1990, tem-se,
portanto, a educação propalada pela égide neoliberal, “sendo vista como alavanca para o
desenvolvimento sustentável da economia” (SILVA, 2007, p. 3). Nessa consonância, a
Teoria do Capital Humano vai permear as diretrizes educacionais do país, negando os
paradigmas do conhecimento e impondo as políticas educacionais de modo
tecnocrático, visualizando somente o desenvolvimento econômico. Ao conceituar essa
teoria, Cattani (2002, p. 51) pontua que:
A Teoria do Capital Humano apresenta-se sob duas perspectivas
articuladas. Na primeira, a melhor capacitação do trabalhador aparece
como fator de aumento de produtividade. (...) Na segunda perspectiva,
a Teoria do Capital Humano destaca as estratégias individuais com
relação aos meios e fins. Cada trabalhador aplicaria um cálculo custobenefício no que diz respeito à constituição do seu “capital pessoal”,
3
No imediato pós-guerra, com a ascensão dos trabalhistas, a expressão Welfare State se aplica a um
conjunto de medidas econômicas (nacionalizações, planificação indicativa) e a um conjunto de reformas
sociais. No curso dos anos 50, a aceitação desse termo se reduziu aos aspectos estritamente sociais
(TOUSAINT, 2002, p. 386).
6
avaliando se o investimento e o esforço empregado na formação
seriam compensados em termos de melhor remuneração pelo
mercado.
[...] é uma derivação da teoria econômica neoclássica e, ao mesmo
tempo, uma atualização do axioma liberal do indivíduo livre, soberano
e racional.
Percebe-se que essa teoria se preocupa tão exclusivamente com a educação como
formadora de força de trabalho, em uma maneira que esse investimento educacional
traga retorno financeiro para o país, colaborando com seu desenvolvimento. É
importante ter em mente que a Teoria do Capital Humano encontra-se totalmente
articulada ao modelo capitalista. Seu caráter de teoria formadora de pensamento foi
formulado com o objetivo de legitimar as desigualdades e as relações de força do
sistema capitalista, pois como já postulavam Marx e Engels (1987, p. 94), “as idéias
dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante”.
Essa teoria apresenta viés empiricista4 e base teórica positivista5, apresentando um
modelo de análise que não vislumbra a totalidade6 dos fatores, os quais, por sua vez,
determinam as relações sociais. O homem é considerado nessa teoria como capaz de
escolher, livre das pressões externas do sistema capitalista, os melhores caminhos para o
sucesso econômico no intuito de auferir sua renda. Dessa maneira, a Teoria do Capital
Humano torna-se apologética do sistema capitalista, sendo incapaz de explicá-lo.
Para Schultz7 (1973, p. 58), principal representante da Teoria do Capital Humano:
4
Doutrina ou teoria do conhecimento segundo o qual todo conhecimento humano deriva, direta ou
indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. [...] procede da experiência imediata ou
passada, sem estar preocupado com uma doutrina lógica (JAPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 80).
5
[…] o termo “positivismo” designa várias doutrinas filosóficas do séc. XIX, como as de Stuart Mill,
Spencer, Mach e outros, que se caracterizavam pela valorização de um método empiricista e quantitativo,
pela defesa da experiência sensível como fonte principal do conhecimento, pela hostilidade em relação ao
idealismo, pela consideração das ciências empírico-formais como paradigmas de cientificidade e modelos
para as demais ciências (JAPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 217).
6
A totalidade social na teoria marxista é um complexo geral estruturado e historicamente determinado.
Existe nas e através das mediações e transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas
– isto é, as “totalidades parciais” – estão relacionadas entre si, numa série de interrelações e
determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam (BOTTOMORE, 1988, p. 381).
7
Theodore William Schultz (1902-1988), economista norte-americano, obteve o Prêmio Nobel de
Economia em 1979, compartilhado com Arthur Lewis, por sua pesquisa pioneira no desenvolvimento
econômico com atenção particular aos problemas dos países em desenvolvimento. Nascido em Arlington,
estudou na Universidade de Wisconsin. Foi professor de economia agrária nas Universidades de Lowa e
Chicago. Além de sua especialização em economia agrária, trabalhou em economia do trabalho, campo
no qual realizou contribuições importantes relativas à análise do capital humano.
(http://www.eumed.net/cursecon/economistas/schultz.htm - Acesso em: 07/05/2008).
7
[...] entende-se que a educação é uma das fontes principais do
crescimento econômico depois de ajustar-se as diferenças nas
capacidades inatas e características associadas que afetam os
rendimentos, independentemente da educação.
Ainda sobre a educação, Schultz (1974, p. 18) assim conceitua educar:
[...] revelar ou extrair de uma pessoa algo potencial e latente; significa
aperfeiçoar uma pessoa, moral e mentalmente, de maneira a torná-la
suscetível de escolhas individuais e sociais, e capaz de agir em
consonância; significa prepará-la para uma profissão, por meio de
instrução sistemática.
É importante observar que o aumento da produtividade não decorre apenas em função
do aumento da qualificação profissional, destruindo em grande parte a teoria de Schultz.
A automatização do processo produtivo, as novas tecnologias são as principais
responsáveis pelo aumento de renda do sistema capitalista.
Neste sentido, conclui-se que a Teoria do Capital Humano possui uma concepção a histórica do capitalismo, ignorando em sua leitura as relações sociais, considerando o
homem em um ambiente individual, construindo seu referencial sobre uma base
analítica que desconsidera a complexidade e ligação dos fatores sociais, históricos,
políticos e econômicos.
Essa teoria se intitula, por conseguinte, de grande valia para o sistema neoliberal; as
políticas educacionais ficam conhecidas através de sua fundamentação econômica, e
principalmente ligadas às diretrizes internacionais que estarão presentes no país. Pires
(2005, p. 44) posiciona-se sobre a Teoria do Capital Humano:
Dado o poder explicativo desta teoria e a legitimação em que fornece
aos gastos com educação para preparar os indivíduos para a vida
profissional, ela se tornou um dos fundamentos correntes das políticas
educacionais, sob forte incentivo de organismos multilaterais de
fomento, financiamento e assessoramento a governos.
As últimas décadas do século XX protagonizaram um campo fértil para os acordos
internacionais, nos quais a educação, como já dito, transformou-se em uma fonte de
investimentos. As inúmeras conferências internacionais articularam de maneira decisiva
8
a nova agenda educacional. Tem-se uma globalização das políticas educacionais. Vieira
e Albuquerque (2001, p. 68) apontam que:
[...] são muitas as frentes de articulação e cooperação internacional
que vêm se estabelecendo nos anos recentes. De fato, há uma agenda
que firma num cenário mais amplo, donde o Brasil recebe influências
que se expressam nas tendências de política educacional no País.
Entretanto, chama-se atenção no tocante ao período dessa cooperação internacional –
mecanismo em que o país promove o intercâmbio de conhecimentos visando ao
desenvolvimento econômico com base nos financiamentos – que vem de longa data,
como expresso anteriormente quando mencionada a década de 1970, período de intensa
mundialização do capital. Nesse contexto, é importante recordar os documentos
propostos pelos órgãos internacionais, como a UNESCO, criada em 1945. Essa agência
funciona como um laboratório de idéias e também como uma instância de padronização
para formar acordos universais nos assuntos emergentes. Trabalha no aprimoramento da
educação promovendo agendas, apontamentos e diretrizes a serem seguidas. Desde o
período referido esse órgão já atribuía conceitos clássicos para a economia da educação
de uma maneira evidente. Pires (2005, p. 74) transcreve alguns tópicos principais do
documento Readings in the economics of education proposto pela UNESCO em 1971.
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
VII.
VIII.
IX.
X.
XI.
Perspectivas da educação e do desenvolvimento nos
primórdios do pensamento econômico: artigos históricos.
Educação como prioridade do desenvolvimento.
Desenvolvimento econômico, alfabetização e a pirâmide
educacional.
Função de produção agregada e crescimento não-explicado da
renda nacional.
O objetivo e a medição da formação do capital humano.
Medidas da contribuição do ensino para o crescimento da
renda per capita.
Ensino, experiência a diferencial de renda: algumas
abordagens pioneiras.
Relações entre custo e benefícios do investimento em ensino e
treinamento no trabalho.
O conteúdo e o lócus da educação e sua efetividade
econômica.
Desenvolvimento econômico, estrutura do mercado de
trabalho e a demanda por habilidades humanas.
Recursos para a educação e critérios de decisão.
9
Fica evidente que a UNESCO, já na década de 1970, atribuía à educação um caráter
extremamente economicista. O desenvolvimento econômico é a base que norteia todas
as políticas propaladas por esse órgão. A educação é vista tão somente como formadora
de capital humano.
As políticas recebem, nesse mesmo contexto, um caráter descentralizado, convocando a
comunidade a participar ativamente das transformações na educação, Verifica-se, por
meio do arsenal ideológico neoliberal, a mentalidade individualista simbolizada na
redução do papel do Estado, centralizando a responsabilidade das políticas sociais na
própria sociedade. Schultz (1973) adverte:
A educação, sem dúvida alguma, aumenta a mobilidade de uma
determinada força de trabalho, mas os benefícios em mudar-se de
lugar a fim de conseguir melhores vantagens quanto a oportunidades
de trabalho (emprego) são predominantemente, senão totalmente,
benefícios de ordem privada (p. 176).
Nesse mesmo viés, a Constituição Federal de 1988 propõe:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovido e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, sei preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (C.F. 1988)
Observa-se que a Constituição Federal do Brasil também incorporou os princípios
neoliberais nos quais toda a educação deve visar ao desenvolvimento da pessoa,
exercício da cidadania e a qualificação profissional. O capital humano está presente em
todo o aparato legislativo, os mesmos princípios podem ser vistos na atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96, no artigo abaixo transcrito:
Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB nº.
9.394/96)
Em razão dos postulados da Teoria do Capital Humano e de seu caráter neoliberal é que
tem-se como complemento a Teoria do Capital Social, a qual defende a articulação entre
a esfera de poder estatal e a esfera privada. Nesse viés, a sociedade civil deve trabalhar
10
em parceria com o Estado no intuito de resgatar as solidariedades, as “posturas mais
harmônicas, flexíveis, dialógicas e cooperativas” (NEVES, 2005, p. 52). Essa teoria foi
proposta inicialmente por Robert Putnam8, que a entende como:
[...] diz respeito a características da organização social, como
confiança, normas e sistemas, que contribuíam para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando ações coordenadas. (...) O capital
social facilita a cooperação espontânea (PUTNAM, 1993, 177).
Tal teoria está pautada justamente no desempenho institucional, calcado no contexto
democrático, em que a sociedade e a história condicionam o seu desenvolvimento. O
capital social adquire um caráter extremamente cívico, ou seja, os cidadãos em sua vida
pública são chamados para o envolvimento com as políticas sociais, dentre elas as
educacionais, participando de sua formulação, gestão e implementação.
Um outro autor que também defende o Capital Social e a passagem da responsabilidade
para a terceira via9 é Anthony Giddens10, para o qual:
[...] em muitos países o Estado, nacional e local, tornou-se demasiado
grande e pesado. A ineficiência e o desperdício que as instituições do
Estado frequentemente exibem proporcionam um terreno fértil para o
crescimento no neoliberalismo e diminuem a reputação de toda a
esfera pública. Enquanto as empresas privadas reduziram seus
quadros, adotando hierarquias horizontalizadas e buscando aumentar
sua capacidade de resposta às necessidades do cliente, as limitações
das instituições do Estado burocrático se destacam por fazer o
contrário (GIDDENS, 2001, p. 63).
Ao analisar o modo como se configuram as políticas na era da mundialização, percebese que atrelada à Teoria do Capital Humano e à Teoria do Capital Social encontra-se, na
8
David Robert Putnam (1941) é cientista político e professor da Universidade de Harvard, conhecida por
seus escritos sobre participação cívica, sociedade civil e do capital social, conceito de que ele é
provavelmente o principal expoente.
9
[...] a expressão “terceira via” não é, de forma alguma, nova. No passado, grupos políticos de diversas
tendências utilizaram-na, inclusive alguns de extrema-direita. No entanto, os social-democratas foram os
que mais freqüentemente recorreram a ela. Durante a Guerra Fria, muitos viam a própria socialdemocracia como a terceira via, por um lado distinta do liberalismo de mercado norte-americano e por
outro, diversa do comunismo soviético. A expressão caiu em desuso durante algum tempo, antes de ser
ressuscitada nos diálogos políticos dos últimos anos (GIDDDENS, 2001, p. 11).
10
Sociólogo britânico, reitor da London School of Economics (maior centro formulador do pensamento
liberal europeu); assessor direto de Tony Blair, um dos mais importantes articuladores políticos do novo
trabalhismo inglês e da Cúpula [Mundial] da Governança Progressiva.
11
análise atual das políticas modernas, a expressão de três perversões, como destacam
Fitoussi e Rosanvallon (1997, p. 9):
A questão social é demasiadas vezes abordada em termos que
combinam três perversões fundamentais da política moderna: a
confusão entre política e bons sentimento, o gosto pela políticaespetáculo e a simplificação dos problemas.
Na visão de tais autores, as políticas aderem a um caráter de compaixão, as
perversidades de certas políticas sociais não são abordadas e nem discutidas. A políticaespetáculo tenta exigir generosidade e boa vontade. E a simplificação dos problemas
funciona como um complemento das duas práticas supracitadas, “a sociedade mostra-se
doravante menos legível, mais difícil de decodificar” (FITOUSSI; ROSANVALLON,
1997, p. 11).
Os organismos multilaterais, como o Banco Mundial, também demonstram um enorme
apreço por tal teoria. Em um de seus documentos sobre o capital social, ¿Qué es el
Capital Social? (2002) tal exaltação pode ser constatada:
El capital social se refiere a lãs instituciones, relaciones y normas que
conforman la calidad y cantidad de las interacciones sociales de uma
sociedad. Numerosos estúdios demuestran que la cahesión social es
um factor crítico para que las sociedades properen económicamente y
para que el desarrollo sea sostenible. El capital social nos es solo la
suma de las instituciones que configuran una sociedad, sino que es
asimismo la matéria que las matinen juntas. (BANCO MUNDIAL,
2002)11
No mesmo documento:
Las escuelas son más efectivas cuando los padres y los ciudadanos
locales se involucran em sus actividades. Los maestros están más
comprometidos, los estudiantes alcanzan mejores resultados em los
exames y usan mejor las instalaciones de las escuelas en aquellas
comunidades en las cuales los padres y ciudadanos se interessan em el
bienestar educativo de los niños. (BANCO MUNDIAL, 2002)12
11
“O capital social se refere às instituições, relações e normas que configuram a qualidade e a quantidade
das interações sociais de uma sociedade. Numerosos estudos demonstram que a coesão social é um fator
crítico para que as sociedades prosperem economicamente e para que o desenvolvimento seja sustentável.
O capital social não é somente a soma das instituições que configuram uma sociedade, mas sim a matéria
que as mantêm juntas”.
12
“As escolas são mais efetivas quando os pais e os cidadãos locais se envolvem em suas atividade. Os
professores tornam-se mais comprometidos, os estudantes atingem melhores resultados nas avaliações e
12
Fica claro que as políticas educacionais, ao adotarem a Teoria do Capital Social,
descomprometem a ação do Estado, porque procuram envolver cada vez mais os
cidadãos nas atividades sociais, apregoam que uma maior integração entre a
comunidade melhora substancialmente a educação. O projeto Amigos da Escola13 é um
exemplo dessa descentralização. Tal projeto visa a contribuir com o fortalecimento da
escola pública de educação básica por meio de trabalho voluntário e ação solidária.
O Banco Mundial, por meio de suas políticas e empréstimos, promove a priorização da
liberdade para o mercado atendendo ao interesse do capital. O BM funciona, conforme
Leher (1998), como o “Ministério Mundial da Educação”, exportando políticas
educacionais que interessam somente aos países desenvolvidos, como os países do G714,
em detrimento das nossas condições e necessidades reais.
O giro neoliberal fez nascer um conjunto coerente e homogêneo de
receitas, aproximadamente as mesmas para o Norte e para o Sul. [...]
No Norte, trata-se de soltar certos ferrolhos institucionais e aplainar as
conquistas sociais [...] No Sul, é a intervenção do Estado sob todas as
suas formas [...] que exige uma política anti-social (TOUSSAINT, p.
197, 2002).
Nessa perspectiva, a educação adquire um caráter estratégico no qual procura amenizar
as contradições do sistema capitalista a fim de promover a inclusão e a reprodução da
força de trabalho que engorda diretamente o capital.
A UNESCO merece destaque nessa conjuntura, uma vez que “seu principal enfoque (...)
está no aprimoramento da educação mundial por meio de acompanhamento técnico,
estabelecimento de parâmetros e normas, projetos e redes de comunicação” (SILVA,
usam-se melhor as instalações escolares naquelas comunidades em que os pais e cidadãos se interessam
pelo bem-estar educativo das crianças”.
13
Amigos da Escola é um projeto criado pela Rede Globo (TV Globo e emissoras afiliadas) no ano 2000,
que tem o objetivo de contribuir com o fortalecimento da escola pública de educação básica por meio do
trabalho voluntário e da ação solidária, e implementado em parceria com o Faça Parte, Conselho Nacional
dos Secretários de Educação (CONSED), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME), além de instituições e empresas comprometidas com a educação de qualidade para todos.
O projeto incentiva a participação de voluntários (inclusive alunos, professores, diretores e funcionários)
no desenvolvimento de ações educacionais - complementares, e nunca em substituição, às atividades
curriculares/educação formal - e de cidadania em benefício dos alunos, da própria escola e seus
profissionais e da comunidade (http://amigosdaescola.globo.com/ - Acesso em 03.05.08).
14
Os sete países mais industrializados do mundo. Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, GrãBretanha, Itália, Japão (TOUSSAINT, p. 374, 2002).
13
2006, p. 67). Um de seus principais projetos é a Educação para Todos, que considera a
educação:
[...] a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para
assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um
meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades
e economias do século XXI. (UNESCO, 2000, p.1)
As orientações da UNESCO divulgam claramente seu caráter neoliberal que adota as
teorias do capital humano e social, evidenciando as individualidades, a função
econômica da educação e a retirada de responsabilidade do Estado para com as
atividades sociais, deixando em grande parte essa incumbência para o capital privado.
[...] delegar autonomia, poder e recursos das instâncias regionais e
municipais é uma urgente necessidade, na medida em que viabiliza
maior participação da comunidade nos assuntos escolares,
aproximando a administração à sociedade civil (UNESCO; OREALC,
p. 100).
Suas declarações junto aos documentos que direcionam muitas das políticas
proporcionam ainda mais subsídios para afirmar suas reais perspectivas junto à
educação, atribuindo de forma clara o valor econômico da educação proposto por
Schultz (1971) e a descentralização das obrigações do Estado quanto às política sociais,
potencializando as políticas econômicas que detêm papel importante no aumento do
capital. Neves (2005, p. 82) expõe que as políticas de descentralização divulgadas pelas
agências internacionais enquanto representantes do projeto do neoliberalismo da
Terceira Via são fatores essenciais para o aprofundamento da mundialização do capital,
a harmonia social a fim de manter uma realização cada vez mais intensa das estratégias
de conformação social.
Conclusão
O Estado, em parceria com os órgãos internacionais e com a adoção da teoria do Capital
Humano e do Capital Social, que dão formato às políticas educacionais, refletem a
complexidade da lógica neoliberal. Reduz o ser humano a um estoque de capital
destinado a autenticar a lógica mercantil capitalista, no intuito de ajudar a consolidar a
14
sua inerente exploração humana. Constitui-se em apologia de concepção burguesa da
sociedade e das relações estabelecidas pelo homem, primando pela economia da
educação que qualifica mão-de-obra e fornece lucro. Legitima as desigualdades sociais
e fita os recursos públicos com caráter exclusivo de elevação da lucratividade do capital.
As políticas educacionais, portanto, respondem em sua totalidade aos anseios do sistema
produtivo, a economia da educação adquire caráter operacional com finalidades
estritamente quantitativas. As políticas são fragmentadas, emergenciais e setoriais. E
são adaptadas a pagar as contas das crises do capital financeiro.
Sendo assim, ousa-se pontuar que, para as políticas educacionais adquirirem uma outra
perspectiva, além da acumulação do capital e da potencializarão do desenvolvimento
econômico, se faz necessária uma mudança na base econômica, uma evolução de
formas e regras, e conseqüentemente um abandono às chamadas teoria do capital
humano e social para que possam ser implementadas novas bases teóricas, uma vez que
tais bases asseguram a consistência dos objetivos e meios para definição das políticas
educacionais. Enfim, enquanto o Estado estiver condicionado à lógica mínima para as
atividades sociais, e máxima para as atividades do capital, sob incentivo dos organismos
multilaterais que ludibriam o caráter nacional da política educacional, promovendo uma
homogeneização de valores, métodos e princípios, a educação vai continuar sendo
afrontada como requisito fundamental apenas para o desenvolvimento econômico em
detrimento da perspectiva humanista.
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