UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL MICOPLASMOSE E UREAPLASMOSE GENITAL DE BOVINOS: Avaliação histopatológica do trato reprodutor feminino e estudo dos mecanismos de ativação do sistema imune inato. Regiani Nascimento Gagno Pôrto Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Gambarini Meirinhos GOIÂNIA 2008 i REGIANI NASCIMENTO GAGNO PÔRTO MICOPLASMOSE E UREAPLASMOSE GENITAL DE BOVINOS: Avaliação histopatológica do trato reprodutor feminino e estudo dos mecanismos de ativação do sistema imune inato. Tese apresentada para obtenção do grau de Doutor em Ciência Animal junto Veterinária à da Escola de Universidade Federal de Goiás Área de concentração: Patologia, Clínica e Cirurgia Animal Orientador: Profª. Drª. Maria Lúcia Gambarini Meirinhos Comitê de Orientação: Prof. Dr. Benedito Dias de Oliveira Filho Prof. Dr. Luiz Augusto Batista Brito GOIÂNIA 2008 ii OFEREÇO Aos meus pais, ITALCY e FORTUNATO, pelo amor, dedicação e por terem me ensinado os verdadeiros valores da vida. À família Gagno de Moraes, Regina, Rogério, Giovanna e Ivan pelo apoio e incentivo em todos os momentos. DEDICO Ao meu esposo FÁBIO HENRIQUE e aos meus filhos, HENRIQUE e FERNANDO, pelo amor, carinho, apoio e compreensão pelos momentos de ausência. iii “Se as coisas parecem inatingíveis não é motivo para não querê-las Que triste os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas” Mário Quintana iv AGRADECIMENTOS A autora expressa os seus sinceros agradecimentos: A Deus, por todas as graças a mim concedidas; Aos integrantes da banca examinadora; Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo auxílio financeiro concedido, que viabilizou a execução deste trabalho; À Universidade Federal de Goiás, pela oportunidade proporcionada à realização deste curso; À Professora Drª. Maria Lúcia Gambarini Meirinhos pela orientação segura, amizade, apoio e tolerância durante este período; Ao colega de pós-graduação Marco Antônio Viu, pela presteza e auxílio nas análises estatísticas; À Profª. Drª. Maria Auxiliadora Andrade e toda sua equipe pelo apoio, empenho e determinação durante a execução dos exames bacteriológicos; À Profª. Dª. Ana Paula Kipnis, à colega de pós graduação Ediane Batista e aos colegas do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública – IPTSP pela valiosa colaboração no processamento das amostras; À Drª. Maristela Vasconcelos Cardoso e sua equipe do Instituto Bacteriológico de São Paulo pelo isolamento e identificação do Ureaplasma diversum e Mycoplasma spp. A Rogério Moraes Souza pela confecção e tratamento das imagens; v Aos amigos e colegas do Setor de Patologia Animal, Luiz Augusto Batista Brito, Eugênio Gonçalves de Araújo, Ana Paula Iglesias Santin, Moema Pacheco Chediak Matos, Veridiana Maria Brianezi Dignani de Moura, pela amizade, confiança, convivência harmoniosa e auxílio neste trabalho; Ao amigo e colega técnico administrativo, Antônio Souza e Silva, pela amizade, agradável convivência e auxílio na realização do experimento; Aos alunos de graduação Érika, Márcia e Rômulo, pelo auxílio e comprometimento na realização das colheitas de material, confecção das lâminas e exames microbiológicos; Aos demais familiares, pelo apoio e incentivo; Aos docentes e funcionários da Escola de Veterinária – UFG, que direta ou indiretamente colaboraram na realização deste trabalho. vi SUMÁRIO CAPITULO 1 – Considerações gerais................................................................ 01 REFERÊNCIAS................................................................................................... 13 CAPÍTULO 2 – Histopatologia do trato genital de fêmeas bovinas púberes portadoras de ureaplasmose genital .................................................................. 16 RESUMO............................................................................................................ 16 ABSTRACT......................................................................................................... 17 INTRODUCAO.................................................................................................... 18 MATERIAL E METODOS.................................................................................... 28 RESULTADOS E DISCUSSAO.......................................................................... 33 REFERÊNCIAS................................................................................................... 45 CAPÍTULO 3 – Avaliação in vitro da ativação de células mononucleares endometriais, vaginais e no sangue periférico bovino pela produção de óxido nítrico em resposta ao Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e Ureaplasma diversum ...................................................................................... 51 RESUMO............................................................................................................ 51 ABSTRACT......................................................................................................... 52 INTRODUCÃO.................................................................................................... 53 MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................... 63 RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................... 66 REFERÊNCIAS................................................................................................... 75 CAPÍTULO 4 – Considerações finais.................................................................. 81 vii LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 2 FIGURA 1 – Representação do trato reprodutor da fêmea bovina e locais dos fragmentos histológicos....................................................................................... 31 FIGURA 2 – Fotomicrografia de: A – Tuba uterina, fímbria, mostrando vesículas intra-epiteliais (seta) (200X - H&E); B – Fímbria onde se nota curvatura de cílios (seta) (400X - H&E); C – Istmo apresentando projeção do citoplasma de células epiteliais para o lúmen (seta) (400X - H&E); D – Ampola com presença de áreas de destruição de cílios (seta)........................................ 37 FIGURA 3 – Fotomicrografia de: A - Útero mostrando destruição de epitélio glandular com infiltração de linfócitos (seta) (200X - H&E) e B – Útero apresentando edema de submucosa (seta) (200X - H&E); C - Fragmento de Cérvix onde se nota extensa necrose de fibras musculares, de aspecto eosinofílico (seta) (400X - H&E) e D - Útero apresentando infiltrado polimorfonuclear focal na submucosa (seta) (400X – H&E)............................... 40 FIGURA 4 – Fotomicrografia de: A - Fornix mostrando presença de disceratose das células epiteliais (seta) (400X – H&E) e B – Fornix mostrando presença de espongiose (seta), discreta atrofia do epitélio e congestão da lâmina própria (400X – H&E); C – Vulva apresentando infiltrado linfocitário difuso na submucosa - exocitose (seta) (100X – H&E) e D – Vulva mostrando presença de disceratose das células epiteliais (setas). 400 X (H&E)................ 43 CAPÍTULO 3 FIGURA 1 – A – Fotomicrografia de esfregaço oriundo de cultivo de células vaginais e U. diversum mostrando presença de célula epitelial de descamação com agente aderido externamente (seta) (400X - Giemsa) e B – presença de microrganismos de forma filamentosa - Ureaplasma diversum (seta) (400X - Giemsa); C - Esfregaço oriundo de cultivo de células do sangue e M. bovis, mostrando célula mononuclear ativada (seta) (1000X - Giemsa). D - Esfregaço oriundo de cultivo de células endometriais e M. bovigenitalium mostrando célula mononuclear (400X - Giemsa)................................................ 73 viii LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 2 TABELA 1 – Freqüência de animais com diferentes graus de lesão na mucosa vulvovaginal pelo exame macroscópico - Goiânia, 2006......................................... 33 TABELA 2 – Taxa de aproveitamento dos fragmentos obtidos nas diversas porções do trato reprodutor de fêmeas bovinas - Goiânia, 2006............................. 34 TABELA 3 – Freqüência de fragmentos processados e examinados da mucosa da tuba uterina, cérvix, vagina e vulva encontradas em fêmeas bovinas púberes, de acordo com o grau de lesão encontrado - Goiânia,2006.................................... 35 TABELA 4 – Média e Erro Padrão dos escores das lesões nos diversos segmentos do trato reprodutor* de fêmeas bovinas - Goiânia, 2006....................... 36 TABELA 5 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas na tuba uterina de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006.............................................. 37 TABELA 6 - Freqüência de fragmentos processados e examinados da mucosa uterina pelo exame histopatológico, de acordo com o grau de lesão encontrado Goiânia, 2006........................................................................................................... 38 TABELA 7 - Média dos escores das lesões observadas nos cornos uterinos encontrados em fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006...................................... 40 TABELA 8 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas nas porções cervicais de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006.............................. 41 TABELA 9 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas no trato reprodutor inferior de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006............................. 44 CAPÍTULO 3 TABELA 1 - Freqüência de amostras de sangue, vagina e útero com maior produção de NO, em relação aos meios de cultivo celulares – Goiânia, 2007........ 66 TABELA 2 - Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de sangue periférico, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium - Goiânia, 2007................................................................................ 68 TABELA 3 - Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de zaragatoas vaginais, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium – Goiânia, 2007........................................................... 70 TABELA 4 - Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de zaragatoas endometriais, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium - Goiânia, 2007........................................................... 71 ix LISTA DE QUADROS CAPÍTULO 2 Quadro 1 – Classificação das lesões de vulvovaginite granular conforme a severidade............................................................................................................... 28 Quadro 2 – Classificação das lesões histopatológicas uterinas conforme a severidade............................................................................................................... 30 Quadro 3 – Classificação das lesões histopatológicas do trato genital conforme a severidade............................................................................................................... 32 x RESUMO Dois estudos foram desenvolvidos para avaliar a ação dos principais micoplasmas considerados patogênicos ao trato reprodutor dos bovinos. No primeiro estudo foi feita a avaliação das lesões causadas pelo Ureaplasma diversum sobre as mucosas do trato reprodutor de fêmeas bovinas púberes e no segundo, avaliou-se, in vitro, a habilidade do Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium em ativar células mononucleares oriundas do endométrio, mucosa vaginal e sangue periférico de vacas negativas para estes agentes pela verificação da produção de óxido nítrico. No estudo das lesões causadas pelo U. diversum foram avaliadas 177 novilhas púberes, das quais 20 seriam abatidas por motivos econômicos. Nestes animais foi realizado exame clínico geral, avaliação da mucosa vulvovaginal observando-se a presença ou não de lesões e exame bacteriológico. Os animais dos quais se obteve isolamento positivo para U. diversum foram abatidos e tiveram seus sistemas reprodutores colhidos, processados e examinados descrevendo-se as lesões encontradas e classificando-as em escores apropriados. Concluiu-se que os achados histopatológicos do trato reprodutor de fêmeas naturalmente infectadas por este agente são compatíveis com lesões que comprometem o processo reprodutivo em todas as suas fases. Portanto, animais portadores de lesões vulvares e vaginais compatíveis com a infecção pelo U. diversum devem ser precocemente identificados e retirados do rebanho. O estudo sobre a habilidade dos micoplasmas em ativar células do sistema imune inato foi realizado com 33 fêmeas bovinas adultas, hígidas e não gestantes. Colheram-se amostras de células do sangue periférico, endométrio e vagina, as quais foram cultivadas, expostas ao agente e tiveram mensurada a produção de óxido nítrico em cada um dos meios. Conclui-se que estes agentes são capazes de ativar a produção de óxido nítrico em material celular oriundo do endométrio, mucosa vaginal e sangue periférico, sugerindo que este seja um dos mecanismos envolvidos na resposta imediata do trato reprodutor à infecção por estes microrganismos, porém não o mais efetivo. Palavras-Chave: infertilidade, vulvovaginite granular, óxido nítrico, bovinos CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES GERAIS Os sistemas de produção de bovinos são vistos hoje como empresas, e como tal, devem gerar lucros a fim de garantir sua subsistência. Existem muitos fatores que interferem, direta ou indiretamente, sobre os sistemas produtivos, os relacionados à saúde reprodutiva dos rebanhos, bem como as desordens observadas no processo reprodutivo. As desordens reprodutivas são responsáveis por grandes prejuízos econômicos, pois interferem diretamente na taxa de fertilidade dos rebanhos bovinos, reduzindo o número de animais nascidos ao ano, retardando a obtenção de nova gestação e impondo manejo diferenciado para as diversas categorias de animais (CARDOSO et al, 2000a; KUNZ et al., 2004). Para PETIT et al. (2008), muitos problemas reprodutivos são causados por microrganismos que invadem o trato genital provocando lesões, levando à infertilidade e morte embrionária, entre outras manifestações. Nos últimos anos é crescente o relato da ocorrência de infecções por microrganismos diversos, entre os quais se destacam os da família Mycoplasmataceae, em particular dos gêneros Mycoplasma e Ureaplasma, isolados com freqüência do sistema reprodutor dos bovinos (KUNZ et al., 2004). Segundo PETIT et al. (2008), Mycoplasma (M.) spp. e Ureaplasma (U.) diversum existem no trato genital de bovinos com ou sem doença genital. O gênero Mycoplasma apresenta diversas espécies, porém somente duas, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium são consideradas patógenos potenciais para o trato reprodutivo dos bovinos (METTIFOGO, 2000). O Mycoplasma bovis, uma das espécies de maior patogenicidade para bovinos, provoca casos graves de mastite, pneumonia e poliartrite, além de estar relacionado com infertilidade e abortamento experimental. O Mycoplasma bovigenitalium tem sido isolado em casos de vulvite granular, endometrite necrosante, infertilidade, abortamento e mastite em fêmeas, bem como em vesiculite seminal e epididimite em machos (CARDOSO et al., 2000b; THOMAS et al., 2003; VANDEN BUSH & ROSENBUSCH, 2004; PETIT et al., 2008). O Ureaplasma diversum, única espécie do gênero isolada em bovinos, é um patógeno oportunista encontrado nas mucosas e secreções da vulva, vagina 2 e úbere, associado à ocorrência de vulvovaginite granular, salpingite, endometrite, mastite, infertilidade, perda embrionária, abortamento, morte neonatal e no macho leva à vesiculite seminal, balanopostite e epididimite (RAE et al., 1993; CARDOSO et al., 2000b; CHELMONSKA-SOYTA et al., 2001; PETIT et al., 2008). KUNZ et al. (2004), com a finalidade de estudar a síndrome vulvovaginite granular pela identificação dos principais agentes causais e relacionar sua ocorrência com a severidade das lesões na mucosa vulvovaginal, avaliou novilhas da raça Nelore de três diferentes propriedades. O autor verificou a presença de lesões características da colonização da mucosa vaginal pelos microrganismos considerados oportunistas, destacando-se o Mycoplasma bovis e o Ureaplasma diversum sendo que o U. diversum foi o agente isolado em 27 (56,25%) animais, seguido pelo gênero Mycoplasma, presente em 11 (22,29%) novilhas; em amostras de 10 (20,38%) animais ambos os gêneros estiveram presentes. A presença de U. diversum foi relatada em rebanhos do Estado de São Paulo que apresentavam problemas reprodutivos, onde a prevalência variou de 23% a 52,9% (CARDOSO et al., 2000a; CARDOSO et al., 2000b). OLIVEIRA FILHO et al. (2005) em estudo realizado no estado de Alagoas com o objetivo de avaliar a relação entre o U. diversum e lesões de vulvovaginite em fêmeas de aptidão leiteira, relataram que em 93 vacas com histórico de repetição regular de estro após três ou mais inseminações artificiais, colheu-se muco vulvovaginal de 24 (escolhidas aleatoriamente) para processamento bacteriológico, encontrando-se 41,67% das amostras positivas para o referido agente. Seu isolamento esteve positivamente relacionado à presença de lesões na mucosa vulvovaginal, especialmente àquelas de grau 1, o que indica que este agente deve ser considerado como responsável por queda na eficiência reprodutiva, promovendo retorno ao estro, provavelmente em conseqüência de mortalidade embrionária. 3 1 Micoplasmas Os micoplasmas são microrganismos pertencentes à classe Mollicutes, ordem Mycoplasmatales, família Mycoplasmataceae, que compreende o gênero Mycoplasma, com 102 espécies conhecidas, e o gênero Ureaplasma com seis espécies. Micoplasmas são pequenos procariontes desprovidos de parede celular, sendo limitados apenas pela membrana citoplasmática (VANDEN BUSH & ROSENBUSCH, 2002, 2004). São incapazes de sintetizar peptideoglicanos e seus precursores, sendo conseqüentemente resistentes às penicilinas e seus análogos. São pleomórficos, variando sua forma de esférica até delgados filamentos ramificados. Geralmente são imóveis, Gram-negativos, coram-se bem pela técnica de Giemsa e requerem esteróis e ácidos graxos para seu crescimento. Suas colônias típicas são pequenas, usualmente menores que um milímetro de diâmetro, apresentando aparência característica de “ovo frito”, consistindo numa zona granular e opaca na região central e outra periférica, plana e translúcida, sendo este aspecto dependente das condições de crescimento. São anaeróbios facultativos, e as condições ótimas para seu isolamento primário são atmosfera composta de 95% N2 + 5% de CO2, temperatura de 36-37º C e pH de 6,0 - 6,5 (CARDOSO et al., 2000b; METTIFOGO, 2000; KUNZ et al., 2004). A virulência dos microrganismos da família Mycoplasmataceae está relacionada a muitos fatores, incluindo interações com o sistema linforreticular, alterações na resposta imune celular e humoral, bem como indução e produção de substâncias citotóxicas como amônia e peroxidase, sendo a habilidade do microrganismo de aderir à célula hospedeira um importante fator de virulência e condição essencial para o estabelecimento da infecção (MILLER et al., 1994; KUNZ et al., 2004). 1.1 Mycoplasma spp. O gênero Mycoplasma apresenta 19 espécies que já foram isoladas de bovinos ocasionando infecções no trato respiratório, urogenital, articulações, glândula mamária e conjuntiva. Apenas duas, Mycoplasma bovis e Mycoplasma 4 bovigenitalium, são considerados patogênicos para o trato reprodutivo (METTIFOGO, 2000; VANDEN BUSH & ROSENBUSCH, 2004). Mycoplasma bovis é hospedeiro-específico e considera-se que a maioria dos rebanhos bovinos está infectado (HAYMAN & HIRST, 2003). É considerada uma das espécies de maior patogenicidade para bovinos, provocando casos graves de mastite em gado leiteiro, pneumonia e poliartrite em bezerros, além de estar relacionado com infertilidade e abortamento experimental. Em novilhas inoculadas com este agente diretamente no útero foi possível observar vários graus de endometrite, salpingite e salpingoperitonite. O agente pode permanecer viável no sêmen de touros por até 18 meses congelado em nitrogênio líquido, mantendo a capacidade de provocar lesões no sistema reprodutor de fêmeas (METTIFOGO, 2000; LYSNYANSKY et al., 2001; NICHOLAS & AYLING, 2003; THOMAS et al, 2003). A despeito de evidências claras de seu potencial patogênico, pouco se sabe sobre os mecanismos de citoaderência e fatores moleculares envolvidos. THOMAS et al. (2003) utilizaram 18 amostras do agente, metabolicamente marcadas, isoladas de diferentes órgãos e examinadas em ensaios de aderência usando quatro diferentes linhagens de células do hospedeiro. Os autores observaram que a taxa de aderência à célula fibroblástica foi significativamente menor do que a aderência às células epiteliais, concluindo que não há correlação entre expressão de proteínas de superfícies variáveis (Vsps) e as taxas de aderência. Isto se deve provavelmente ao grande número de adesinas, variáveis e não-variáveis, na superfície de células de M. bovis. Em estudos conduzidos por KREUSEL et al. (1989), espécies de M. bovis experimentalmente usadas em infecções intraprepuciais foram re-isoladas em sete de oito touros, nos quais se observavam, apesar da ausência de manifestação clínica da doença, lesões inflamatórias leves em dois animais. BIELANSKI et al. (2000), utilizaram, para a fertilização de oócitos bovinos, amostras de sêmen contaminado com células de micoplasmas e submetidas aos protocolos de tratamento recomendados pela Sociedade Internacional de Transferência de Embriões, com o objetivo de avaliar a efetividade em remover a contaminação por esses agentes. Esses autores concluíram que o M. bovis não é removido dos embriões mesmo após 10 5 lavagens e suplementação dos meios com antibióticos, o que prova a viabilidade pós-congelação de ambos os agentes no sêmen e sua capacidade de aderir à membrana do espermatozóide e à zona pelúcida de embriões produzidos in vitro. PETIT et al. (2008), estudando a prevalência de infecções por micoplasmas em gado de leite na Áustria, observaram em 261 esfregaços cervicais, a presença de M. bovis e M. bovigenitalium (0,4% e 3,4% das amostras, respectivamente). No que se refere ao M. bovigenitalium, verificaram correlação entre a quantidade de animais que haviam abortado em um ano e os animais positivos para este agente (12,5%), porém não houve diferença entre o número de animais com endometrite e vaginite e o número de animais saudáveis. De 283 esfregaços vaginais colhidos de fêmeas aparentemente saudáveis, nenhum foi positivo para M. bovis e 2,3% foram positivos para M. bovigenitalium. Ainda neste estudo, os autores colheram soro sanguíneo de um grande número de animais para análise da presença de anticorpos contra M. bovis e M. bovigenitalium. Acima de 10% das amostras foram positivas para M. bovis e acima de 25% para M. bovigenitalium. A ocorrência de anticorpos contra M. bovis não foi correlacionada com endometrite, vaginite ou abortamento. Em relação ao M. bovigenitalium, não houve correlação entre soropositividade e endometrite ou vaginite. Metade dos animais com histórico de abortamento no período de um ano, tinham anticorpos contra M. bovigenitalium e cerca de um terço dos animais sem histórico de abortamento foram soropositivos para este mesmo agente. 1.2 Ureaplasma diversum No gênero Ureaplasma estão incluídas cinco espécies que se diferenciam de acordo com o hospedeiro, características sorológicas e relação entre as bases guanina e citosina (G+C%) presentes no DNA. A única espécie isolada em bovinos é o Ureaplasma diversum, que apresenta três sorotipos classificados em A, B e C, devido às diferenças antigênicas, às quais são atribuídos graus distintos de patogenicidade (CARDOSO et al., 2000b; METTIFOGO, 2000). As células são pleomórficas, ou seja, sua forma varia de acordo com a cepa, a idade da cultura e o método de exame. Embora apresentem 6 fraca coloração pelo método de Gram são considerados microrganismos Gramnegativos, sem parede celular contínua e têm em torno de 330 nm de diâmetro; são imóveis, microaerófilos, sendo condições ótimas para seu crescimento temperaturas ao redor de 37º C e pH de 6,0 a 6,5. Suas colônias geralmente são pequenas, entre 15 e 60 µm de diâmetro, de coloração marrom dourado quando em meios de cultura específicos acrescidos de indicadores, podendo muitas vezes não apresentar o aspecto de “ovo frito” característico de outros membros da classe dos Mollicutes. Para o crescimento requerem esteróis como fonte de lipídios para síntese da membrana e todas as cepas possuem a habilidade de hidrolisar a uréia com produção de amônia por meio da enzima urease, sendo esta uma das principais características do gênero (CARDOSO et al., 2000a; KUNZ et al., 2004). Os ureaplasmas, anteriormente denominados Mycoplasma T devido à morfologia da sua colônia, foram renomeados para Ureaplasma devido à sua habilidade única de catabolizar a uréia (SANDERSON et al., 2000). Existem evidências epidemiológicas e experimentais que comprovam o papel do U. diversum como agente causador de doenças reprodutivas em bovinos, mas a síndrome reprodutiva associada a este agente é multifatorial, pois o mesmo, por si só não é capaz de produzir uma doença, embora os fatores adicionais necessários para o estabelecimento desta síndrome ainda não sejam conhecidos (SANDERSON et al., 2000). O Ureaplasma diversum é um patógeno oportunista do trato genital de bovinos que causa vulvite granular, abortamento e infertilidade. Mortes embrionárias precoces contribuem para redução do desempenho reprodutivo em vacas, entretanto, a patogênese deste processo ainda permanece obscura (CARDOSO et al., 2000a; CHELMONSKA-SOYTA et al., 2001). O U. diversum tem sido associado com abortamentos e infertilidade. Entretanto, culturas positivas também são obtidas de animais sem doença reprodutiva aparente. Isto sugere que o isolamento de U. diversum da vulva e vestíbulo pode ser normal, mas do cérvix e útero significa uma condição patológica (SANDERSON et al., 2000; PETIT et al., 2008). A primeira vez que Ureaplasmas foram isolados do trato reprodutivo de bovinos foi em 1967, na Inglaterra, sendo posteriormente isolados do muco 7 cérvico-vaginal e sêmen de animais aparentemente saudáveis (DOIG et al.,1980). Estes autores, inoculando o agente no útero de 23 novilhas da raça Holstein e na cérvix de três novilhas da mesma raça e necropsiando-as posteriormente, concluíram que algumas cepas de ureaplasma podem ser patogênicas para o trato reprodutivo superior e podem ser consideradas significantes quando isoladas de casos de vulvite granular, endometrite ou salpingite. O primeiro estudo bacteriológico da infecção por U. diversum em bovinos foi conduzido na França em cinco touros e 565 vacas leiteiras. O agente foi isolado em 74% das amostras de sêmen e em 40% das vacas. Estudos sorológicos mostraram a predominância dos sorotipos B e C nos machos, e B nas fêmeas. Porém a relação entre a infecção nas vacas e as lesões de vulvite granular, ou entre a infecção e o desempenho reprodutivo não foi estabelecida (Le GRAND et al., 1995). O U. diversum está associado às doenças reprodutivas, em particular com as lesões granulares da vulva e vagina ou vulvovaginite granular (VVG) (CARDOSO et al, 2000a; SANDERSON et al., 2000). CARDOSO et al. (2000b), pesquisando o agente em muco vulvovaginal de 152 animais com desordens reprodutivas, provenientes de sete fazendas de produção de leite no estado de São Paulo, encontraram freqüência de 38,8% e KUNZ et al. (2004) observaram 56,2% de positividade para o U. diversum em novilhas pré-púberes da raça Nelore, o que sugere o envolvimento deste agente na VVG dos rebanhos brasileiros e possivelmente em outras doenças reprodutivas. O agente pode ser associado à morte embrionária precoce e abortamento no primeiro trimestre. CARDOSO et al. (2000b) citando MAXIE (1986), ressalta que em Ontário, Canadá, o U. diversum é considerado um dos agentes mais importantes envolvidos em abortamentos, sendo responsável por 10% dos casos de abortamento analisados num período de 10 anos. Este microrganismo tem distribuição mundial, tornando o comércio internacional de animais, sêmen industrializado e produtos de transferência de embriões uma fonte potencial de disseminação. Este agente também pode ser introduzido na propriedade pela compra de animais provenientes de rebanhos infectados e ser transmitido para outros animais através de equipamentos 8 contaminados, ou mesmo de animal para animal por meio das secreções (LEÓN et al., 1995; CARDOSO et al., 2000b). A principal forma de transmissão é a venérea, podendo acontecer durante a monta natural, na inseminação artificial ou na transferência de embriões. A transmissão pode ocorrer horizontalmente, pelo contato com urina contaminada de vacas infectadas, ou verticalmente, durante a passagem do feto pela vagina no momento do nascimento (CARDOSO et al., 2000b; KUNZ et al., 2004). SPRECHER et al. (1999) examinaram 100 amostras de sêmen de bovinos de corte observando morfologia espermática, presença de leucócitos no sêmen e presença de potenciais patógenos reprodutivos. A maioria das amostras (94%) continha um ou mais patógenos reprodutivos tais como Haemophilus sommus, Mycoplasma bovigenitalium, Arcanobacterium pyogenes e o Ureaplasma diversum. O U. diversum adere à zona pelúcida do embrião sem alterar sua integridade, sendo freqüentemente encontrado nos fluidos utilizados no processamento de embriões, o que sugere que o embrião pode atuar como vetor mecânico para os microrganismos que seriam introduzidos no útero de animais não contaminados (MILLER et al., 1994) As síndromes clínicas freqüentemente associadas à infecção por U. diversum são a vulvite granular, infertilidade, abortamento e nascimento prematuro. A vulvite granular é caracterizada por hiperemia e desenvolvimento de nódulos de cor cinza, marrons ou avermelhados, com um a dois milímetros de diâmetro, sendo mais proeminentes na porção ventral da mucosa vulvar. Os nódulos aparecem geralmente em um a cinco dias após a infecção, persistindo por vários meses tornando-se pequenos e translúcidos, dificultando por vezes sua visualização, podendo retornar à forma inicial com presença de descarga purulenta nos estros subseqüentes (CARDOSO et al., 2000a; METTIFOGO, 2000). Surtos de infertilidade causada pela infecção pelo U. diversum podem ou não estar associados à evidências clínicas de vulvovaginite, mas quando a fase aguda da doença predomina no rebanho pode-se observar marcada redução de fertilidade, até 20%, e se prolongar por período de até seis meses. A taxa de 9 concepção do rebanho atingido aumenta gradualmente durante este período, mas geralmente permanece de 10% a 15% abaixo dos índices adequados. A repetição de estro, um dos principais sinais observados, ocorre devido à ausência da fertilização, morte do embrião antes do 14º dia, ou em conseqüência de morte embrionária ou fetal entre 40 e 90 dias de gestação (CARDOSO et al., 2000a; METTIFOGO, 2000; KUNZ et al., 2004). Em alguns casos o U. diversum estimula a síntese de prostaglandina (PG) F2 , potente hormônio luteolítico. Em outros casos inibe a síntese da prostaglandina E2, um dos principais hormônios relacionados ao reconhecimento materno da gestação (CHELMONSKA-SOYTA et al., 1994; OLIVEIRA FILHO et al., 2005), contribuindo para a redução do desempenho reprodutivo pelo aumento da mortalidade embrionária. Abortamento, nascimento prematuro ou a morte de bezerros fracos recém-nascidos pode ocorrer após a infecção por este agente, devido à placentite, caracterizada pela presença de fibrose difusa, infiltração acentuada de células mononucleares, presença de focos de necrose, exsudato fibrinoso e mineralização do tecido, ou em conseqüência de pneumonia que acomete o feto, com alveolite difusa caracterizada por degeneração e necrose do epitélio alveolar com intensa infiltração de macrófagos e granulócitos, com maior ocorrência no terço final da gestação (MILLER et al., 1994; METTIFOGO, 2000). Em estudos recentes PETIT et al. (2008), avaliando a prevalência de infecções por micoplasmas em bovinos na Áustria, observaram a presença de U. diversum em 261(11,9%) amostras de esfregaços cervicais. Observaram também que animais com vaginite (8/15 - 53,3%) foram mais propensos a serem positivos para U. diversum que animais sem sinais de vaginite (127/346 - 36,7%). 2. Mecanismos de defesa uterino Segundo ABRAHAMS (2005), durante muito tempo o trato reprodutivo feminino foi visto como um ambiente estéril, livre de microrganismos ou células de defesa. Porém, atualmente sabe-se que este aparelho possui células de defesa, principalmente ligadas ao sistema imune e que este último representa um 10 importante componente do trato reprodutivo, influenciando-o em vários momentos. O mecanismo pelo qual o útero responde aos agentes agressores envolve uma interação entre os componentes da resposta imunológica celular, representada pela fagocitose e morte pelos leucócitos uterinos, resposta humoral por meio de imunoglobulinas e mecanismos físicos. Segundo HUSSAIN (1989), o mecanismo celular da defesa é representado principalmente pelos neutrófilos, sendo que a presença dessas células é a característica mais importante num processo inflamatório agudo, constituindo a primeira linha de defesa do organismo. TIZARD (1985) afirmou que com a alteração da permeabilidade vascular, a saída do fluido reduz a pressão osmótica dos vasos, fato que impulsiona as células brancas de defesa para a periferia do endotélio, favorecendo a migração destas células para os tecidos. Esta migração é composta cronologicamente por marginação vascular, adesão à superfície endotelial e diapedese, que representa a transposição da parede capilar, ou seja, a mobilização dos neutrófilos para o local da lesão. O mecanismo humoral da resposta imune contribui na defesa uterina através das imunoglobulinas. No início do processo inflamatório a permeabilidade do endotélio da circulação local está alterada, permitindo a saída de fluidos do sistema vascular para os tecidos e cavidades. As imunoglobulinas são anticorpos produzidos a partir de determinados antígenos e são constituídas basicamente por proteínas chamadas globulinas (SONCINI, 1988). GALINDO et al. (2004) afirma que o mecanismo físico é representado pela remoção do fluido e partículas do útero através das contrações miometriais, principalmente no período pós-parto imediato. A manutenção das contrações uterinas após a expulsão fetal favorece a eliminação do conteúdo, reduzindo a proliferação de microrganismos inespecíficos, pois nesta fase poderá ocorrer comprometimento da cavidade uterina e conseqüentemente da vida reprodutiva. Para PAISLEY et al. (1986), o mecanismo de defesa uterino durante a fase progesterônica é pouco efetivo porque o pH uterino é baixo, sendo favorável ao crescimento bacteriano; o epitélio uterino é menos permeável, impedindo a estimulação do sistema leucocitário; o aparecimento dos leucócitos na luz uterina 11 é atrasado e a secreção uterina resultante da ação progesterônica não tem efeito desintoxicante. Processos inflamatórios, tais como a endometrite, ocorrem durante o período pós-parto e estão associados primariamente com a contaminação do trato reprodutivo por diferentes microrganismos. Células inflamatórias polimorfonucleares (PMNs) contribuem parcialmente com os mecanismos de defesa contra agentes contaminantes da vagina e do lúmen uterino. O número de leucócitos na luz uterina é relativamente alto durante o metaestro e diestro, porém a atividade funcional não é afetada. As concentrações de anticorpos humorais no trato reprodutivo são estimuladas através da exposição a antígenos locais e a resposta é dependente da localização, sendo que imunoglobulina do tipo G (IgG) predomina no útero. Geralmente a concentração de proteínas imunossupressoras presentes no lúmen uterino aumenta sob influência do hormônio progesterona e isso inibe a proliferação de linfócitos, tornando o útero mais suscetível à infecção. A relação entre a suscetibilidade uterina, a contaminação de microrganismos e a fase luteal do ciclo estral ainda não está esclarecida (DHALIWAL et al., 2001). Vulvite e vaginite são periodicamente observadas em novilhas e vacas. A infecção vaginal parece ser a mais freqüente em fêmeas jovens, mas pode ser encontrada em animais de qualquer idade. A infecção ocorre tanto de forma aguda quanto de forma crônica, resultando em lesões de um a cinco dias após o contato com o U. diversum. A partir dos sinais característicos da doença, tais como hiperemia, presença de grânulos no epitélio da vulva e vagina, seguidos ou não por descarga vaginal purulenta, os animais apresentam alta sensibilidade epitelial e todas as manifestações freqüentemente envolvidas nas endometrites (CARDOSO et al., 2000b). Segundo VASSELON & DETMERS (2002), a imunidade inata é um sistema antigo e evolutivo que provê os organismos multicelulares com mecanismos de defesa eficazes contra uma grande variedade de patógenos, mesmo sem exposição prévia. Este sistema inclui a habilidade em reconhecer estruturas presentes em grande grupo de microrganismos, a ativação de mecanismos eficazes que destruirão microrganismos encontrados e a ativação e orientação de respostas imunes adaptativas que, através do aumento de número 12 de linfócitos serão destinadas especificamente contra microrganismos persistentes. A família de receptores conhecidos como receptores Toll exercem papel central no início das respostas imune-celulares inatas. Esta família de receptores fornece moléculas de transmembrana que se ligam ao compartimento extracelular onde ocorre o contato e reconhecimento de patógenos bacterianos, e o compartimento intracelular, onde cascatas de eventos conduzem o início das respostas celulares (VASSELON & DETMERS, 2002). ABRAHAMS (2005) descreve 11 receptores do tipo Toll identificados em mamíferos, dos quais 10 são expressos em humanos, TRL-1 ao TRL-10. Receptores do tipo Toll são amplamente expressos em todo o sistema imune, particularmente no inato. Entretanto, estes receptores podem estar presentes em células não integrantes do sistema imune, especialmente aquelas de barreiras biológicas tais como o epitélio presente nas mucosas. Além disso, a expressão desses receptores nas mucosas é importante para o sistema de defesa do hospedeiro contra patógenos externos. Apesar de existirem vários estudos focalizando a expressão dos receptores Toll na mucosa intestinal e respiratória, têm crescido as evidências que a mucosa dos órgãos reprodutivos representam uma importante barreira imunológica. Portanto, a expressão dos receptores Toll no trato reprodutivo das fêmeas provê este sistema com um especializado mecanismo de defesa (ABRAHAMS, 2005). Com o objetivo de avaliar a condição histopatológica do trato genital de fêmeas bovinas púberes naturalmente infectadas com Ureaplasma diversum e avaliar in vitro a possível ativação de células mononucleares presentes em amostras obtidas da mucosa do endométrio e vaginal, assim como do sangue periférico por meio da avaliação da produção de óxido nítrico em resposta ao Mycoplasma bovis, Mycoplasma desenvolveu-se este estudo. bovigenitalium e Ureaplasma diversum, 13 REFERÊNCIAS 1. ABRAHAMS, V.M. Toll-like receptors in the cycling female reproductive tract and during pregnancy. Current Women’s Health Review, Karachi, v. 1, p. 35-42, 2005. 2. BIELANSKI, A.; DEVENISH, J.; PHIPPS-TODD, B. Effect of Mycoplasma bovis and Mycoplasma bovigenitalium in semen on fertilization and association with in vitro produces morula and blastocyst stage embryos. Theriogenology, Stoneham, v. 53, n.6, p. 1213-1223, 2000. 3. CARDOSO, M.V.; BLANCHARD, A.; FERRIS, S.; VERLENGIA, R.; TIMENETSKY, J.; CUNHA, R.A.F.D. Detection of Ureaplasma diversum in cattle using a newly developed PCR-based detection assay. Veterinary Microbiology, Amsterdam, v. 72, n.3-4, p.241-250, 2000a. 4. CARDOSO, M.V.; SCARCELLI, E.; GRASSO, L.M.P.S.; TEIXEIRA, S.R.; GENOVEZ, M.E. Ureaplasma diversum and reproductive disorder in Brazilian cows and heifer; first report. Animal Reproduction Science, Amsterdam, v. 63, n.3-4, p.137-143, 2000b. 5. CHELMONSKA-SOYTA, A.; MILLER, R.B.; RUHNKE, L.; ROSENDAL, S. Activation of murine macrophages and lymphocytes by Ureaplasma diversum. 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Toll receptors: a central element in innate immune responses. Infection and Immunity, Washington, v. 3, p. 1033-1041, 2002. CAPÍTULO 2. HISTOPATOLOGIA DO TRATO GENITAL DE FÊMEAS BOVINAS PÚBERES PORTADORAS DE UREAPLASMOSE GENITAL. RESUMO Com o objetivo de estudar e caracterizar as lesões presentes no trato reprodutor de novilhas naturalmente infectadas por Ureaplasma diversum e portadoras de lesões características da vulvovaginite granular por este agente, fragmentos de tuba uterina, útero, cérvix, vagina e vulva de 20 animais pertencentes a um rebanho comercial foram avaliados. As lesões macroscópicas da mucosa vulvovaginal foram classificadas em graus de Zero, ausência de lesões, até Quatro, com inflamação acentuada e lesões pustulares e/ou necróticas. Na avaliação histopatológica utilizou-se uma classificação de lesões em escores de Zero a Quatro, de acordo com o tipo e quantidade de alterações inflamatórias presentes. Nenhum dos animais examinados apresentou lesão macroscópica vaginal de Grau Zero, no entanto, os diferentes segmentos internos dos tratos reprodutivos não mostraram alterações dignas de nota. Os fragmentos com lesões microscópicas mais severas (Graus 3 e 4) foram aqueles oriundos das tubas uterinas e do útero, os quais apresentaram infiltração leucocitária com destruição do epitélio e/ou necrose. As alterações teciduais verificadas nos fragmentos obtidos da região inferior do trato reprodutivo foram menos severas, porém com características de processos inflamatórios mais agudos, provavelmente pela re-infecção constante. Os resultados mostram que os achados histopatológicos do trato reprodutor de fêmeas naturalmente infectadas por Ureaplasma diversum são compatíveis com lesões que podem comprometer o processo reprodutivo desde o processo de capacitação do espermatozóide para fertilizar o gameta feminino, a implantação do embrião até a manutenção da gestação. Portanto, animais portadores de lesões vulvares e vaginais compatíveis com a infecção por este microrganismo devem ser precocemente identificados no rebanho, pois além de favorecer a redução nas taxas de fertilidade ainda podem tornar-se disseminadores do microrganismo. Palavras-Chave: Histopatologia, Ureaplasma diversum, reprodução, bovinos. 17 CHAPTER II. HISTOPATOLOGY OF THE REPRODUCTIVE TRACT OF PUBERTAL HEIFERS WITH GENITAL UREAPLASMOSIS ABSTRACT In order to study and characterize the lesions present in the reproductive tract of heifers naturally infected with Ureaplasma diversum and granular vulvovaginitis by this agent, fragments of uterine tube, uterus, cervix, vagina and vulva of 20 animals belonging to a commercial herd were evaluated. The macroscopic lesions of the vulvovaginal mucosa were classified in scores of “0”, no injuries, until “4”, with severe inflammation and pustular and/or necrotic lesions. The hystopathological evaluation was performed using a classification of injuries in scores of “0” to “4”, according to the type and quantity of inflammatory present alterations. None of the animals examined showed macroscopic vaginal lesion 0, but the macroscopic evaluation of the different segments of the internal reproductive tract showed no changes. The fragments with more severe microscopic lesions (3 and 4) were those from the uterine tubes and uterus, which showed leukocytes infiltration and destruction and/or necrosis of epithelium. Alterations observed in the lower reproductive tract fragments were mild, but characteristics of more acute inflammatory processes, probably by the constant reinfection. The results show that the histopathological findings of the reproductive tract of females naturally infected with Ureaplasma diversum are consistent with injuries that compromise the reproductive process since the acquisition of the ability of sperm to fertilize and of the oocyte to be fertilized until the pregnancy maintenance. Therefore, animals with vaginal and vulvar lesions consistent with infection by this microorganism should be identified early in the herd, because, besides the reduction in the fertility rates caused by tissue damages, they can contribute to disseminate the microorganism. Key words: Hystopatology, Ureaplasma diversum, reproduction, bovine. 18 1. INTRODUÇÃO O processo reprodutivo é um dos mais importantes fatores que determinam a eficiência do sistema de produção de bovinos. Esta eficiência pode ser traduzida nos lucros gerados por este sistema, sendo o principal objetivo de qualquer sistema de produção a obtenção do maior número de nascimentos de animais saudáveis, no menor período de tempo. Os baixos índices de natalidade de um sistema de produção podem estar relacionados com a fertilidade da fêmea bovina, sendo que o processo inflamatório e a infecção do trato reprodutor atuam como importantes fatores neste acontecimento, pois promovem condições indesejáveis no ambiente uterino e tubárico, dificultando ou mesmo inviabilizando desde a sobrevivência do espermatozóide até o desenvolvimento embrionário (MARTINS et al., 2002). A involução uterina no puerpério, por exemplo, pode ser dificultada pela ação de microrganismos que chegam ao útero pela vagina, processo nem sempre associado às condições de higiene e manejo durante o parto. A detecção da fêmea infértil no rebanho ocorre freqüentemente pela verificação da repetição do estro em intervalos regulares ou não, após o período puberal. Mesmo as fêmeas que concebem mais tardiamente são consideradas inférteis apenas após o primeiro parto, quando a persistência de processos infecciosos uterinos atrasa a nova concepção e pode ser um fator de descarte precoce de fêmeas que seriam potencialmente produtivas no rebanho. Para BELL & ROBERTS (2007), o dano tecidual causado pelo parto ou durante a inseminação artificial, e a imunossupressão têm importante papel no estabelecimento e manutenção de processos infecciosos do sistema reprodutor bovino. BONNET et al. (1991) obtiveram forte associação entre isolamentos positivos para Arcanobacterium pyogenes e lesões teciduais uterinas em material proveniente de vacas entre o 26º e 40º dias após o parto. Já GALINDO et al. (2004) verificaram que vacas repetidoras de estro nem sempre mostravam cultivos de conteúdo uterino positivos para microrganismos potencialmente patogênicos ou oportunistas, mas sempre apresentavam algum dano no endométrio. KUNZ et al. (2004) observaram que mesmo antes da puberdade, fêmeas bovinas podem apresentar cultivos positivos para microrganismos 19 patogênicos ao sistema reprodutor, demonstrando associação entre a presença de microrganismos da família Mycoplasmataceae, principalmente dos gêneros Mycoplasma e Ureaplasma, com taxas de gestação reduzidas em novilhas. Ureaplasmas são membros da classe Mollicutes, oportunistas, que colonizam o trato reprodutor de fêmeas e machos e estão envolvidos na infertilidade de muitas espécies, incluindo humanos e bovinos, distintos dos outros membros dessa classe pela habilidade de hidrolisar a uréia em dióxido de carbono e amônia, e esta se constitui no fator ciliostático dos ureaplasmas. O Ureaplasma diversum é a única espécie do gênero presente em bovinos, causando surtos de vulvovaginite granular, seguido de abortamento e redução da eficiência reprodutiva do rebanho (OLIVEIRA FILHO et al., 2005). Para STALHEIM & GALLAGHER (1977), as lesões observadas nas infecções por ureaplasmas, tanto no trato genital quanto no respiratório se devem, em parte, à elaboração in situ de gás tóxico e de amônia. Apesar de sua simplicidade estrutural e funcional, a forma como micoplasmas e ureaplasmas interagem com seu hospedeiro não está totalmente elucidada, porém estudos recentes demonstraram que a forma de parasitar a célula hospedeira é prioritariamente extra-celular (YOU et al., 2006). A presença do Ureaplasma diversum na vulva representa uma fonte constante de infecção por esse microrganismo, que pode ser carreado até o útero durante o estro. Além disso, a presença deste agente por cerca de sete dias é suficiente para criar um ambiente uterino adverso para o desenvolvimento inicial do embrião (SMITS et al., 1994; METTIFOGO, 2000). No Canadá, onde o U. diversum é responsabilizado por queda na eficiência reprodutiva de bovinos, o primeiro relato de infecção ocorreu em 1975; e a partir de 1978, a vulvite granular causada por Ureaplasma diversum foi considerada um problema clínico de alerta, na medida em que sua disseminação natural associada à vulvite granular foi correlacionada com infertilidade significativa nos rebanhos afetados. Posteriormente demonstrou-se a relação entre o microrganismo e a vesiculite seminal e balanopostite nos touros, reabsorção embrionária, abortamentos, morte neonatal, nascimentos de bezerros fracos, infertilidade e, em alguns casos, conjuntivite (MULIRA et al., 1992; SMITS et al., 1994; METTIFOGO, 2000). 20 Estudos epidemiológicos têm mostrado que a eficiência reprodutiva do rebanho é fortemente influenciada por fatores ambientais, individuais e de manejo (LÓPEZ-GATIUS et al., 2003), e que as taxas de concepção ao primeiro serviço resultam da combinação de uma seqüência de eventos que envolvem desde a fertilização e desenvolvimento inicial do embrião, ainda na tuba uterina, até a evolução subseqüente do embrião para feto, com a implantação e desenvolvimento dos envoltórios fetais (GÁBOR et al., 2008). Para viabilizar cada um destes eventos, o sistema reprodutor atua tanto por meio de hormônios quanto pela renovação e reestruturação tecidual. Para SCOTT (2000), a dinâmica interação do gameta masculino com os fluidos e o epitélio do trato reprodutivo feminino melhora a sobrevivência e regula a função espermática na fêmea, constituindo-se em um componente chave no transporte e capacitação espermática. A tuba uterina possui epitélio cilíndrico simples composto essencialmente por células ciliadas e secretórias não-ciliadas, e na vaca o epitélio pode apresentar-se, em algumas regiões, cilíndrico pseudo-estratificado (BANKS, 1993). As células ciliadas e secretórias da tuba uterina sofrem mudanças estruturais e funcionais sob influência dos hormônios ovarianos, podendo modificar a altura do epitélio (SENGER, 2003). Muitos estudos têm sido desenvolvidos para avaliar o envolvimento do epitélio tubário no processo reprodutivo. LEE & AX (1984) isolaram glicosaminoglicanos, polissacarídeos envolvidos na capacitação espermática, de fluido oriundo de tuba uterina bovina. BERGQUIST et al. (2005) confirmaram que o glicosaminoglicano presente no epitélio da tuba uterina bovina é o hialuronan, predominantemente na região do istmo, local de estocagem espermática, evidenciando a importância da integridade do tecido da tuba uterina. ABUGHRIEN et al. (2000), estudando a organização celular dos três segmentos da tuba uterina de novilhas verificaram diferenças no número de células basais epiteliais entre eles, além de observarem a existência de dois tipos de células que foram caracterizadas, pela imunoistoquímica, como linfócitos e macrófagos. Também em novilhas, ABUGHRIEN & DORE (2000), investigando a ciliogênese em tecido da tuba uterina descreveram maior atividade na formação de tecido ciliar no período inicial do ciclo estral, caracterizado por alterações 21 hormonais tais como variação na concentração de PGF2 , estradiol e progesterona. BAGE et al. (2002) mostraram que novilhas repetidoras de estro apresentam alterações ultraestruturais do epitélio, especialmente em relação às células secretoras, o que pode influenciar o micro-ambiente tubárico durante a fase final de maturação do oócito e o desenvolvimento embrionário precoce. Estudos demonstraram que a região do istmo da fêmea bovina atua como reservatório de espermatozóides, sendo este um processo reversível e dependente da secreção de substâncias específicas pelas células epiteliais locais íntegras (BOSCH & WRIGHT, 2005). Com base no conceito da reconstrução tecidual e da ativação de fatores de crescimento a partir da matriz extracelular, GABLER et al. (2001), estudaram os fatores envolvidos na interação entre o embrião bovino e o epitélio da tuba uterina, indicando que a regulação celular local influencia tanto a fertilização quanto o desenvolvimento embrionário precoce. O epitélio secretor da tuba uterina produz um grande número de glicoproteínas, as quais se ligam ao oócito, ao espermatozóide e ao embrião inicial, e podem coordenar a capacitação espermática (ELLINGTON et al., 1993). GABLER et al. (2003), avaliando a expressão e presença de dois elementos mediadores da fixação de uma célula à outra e da migração celular, a osteopontina, uma glicoproteína fosforilada, e a integrina, um receptor da matriz extracelular, concluíram que a interação entre ambos tem papel funcional importante na fisiologia da tuba uterina normal, e influenciam potencialmente a interação entre os gametas, o embrião e o epitélio local, o qual, então, depende de sua integridade tecidual para cumprir esta função. STALHEIM et al. (1976), estudando o efeito dos ureaplasmas em culturas de células da tuba uterina de bovinos, observaram falhas na atividade dos cílios, representadas principalmente pela diminuição da atividade ciliar acompanhada de lesões epiteliais como descamação das células epiteliais de revestimento, podendo chegar até a exposição da membrana basal, o que pode ocorrer do cérvix até a fímbria, justificando as severas perdas reprodutivas. 22 SMITS et al. (1994), utilizando amostras de tecido da tuba uterina para infecção experimental com U. diversum, in vitro, verificaram alterações leves na condição histológica. A ausência da atividade ciliar, ou mesmo a diminuição da taxa de vigor das batidas ciliares, interfere na concepção e no desenvolvimento do concepto desde a migração do espermatozóide e do óvulo, capacitação, fertilização, movimentação do embrião pela tuba uterina e implantação no útero. GARG et al. (2004), estudando o efeito da infecção experimental por micoplasmas na mucosa da tuba uterina verificaram que houve perda significativa de cílios, descamação moderada e infiltração de células mononucleares. O útero é um órgão complexo, composto por diferentes tipos celulares, que interagem para favorecer o processo reprodutivo, sendo o papel do endométrio no estabelecimento da gestação bem conhecido. O espermatozóide deve atravessar toda a barreira física e ambiental uterina para alcançar a ampola da tuba, local de fertilização, e o embrião resultante deve encontrar o endométrio em condições favoráveis para sua manutenção. GÁBOR et al. (2008), citando BOYD (1965), dividem a perda gestacional em fatores genéticos e ambientais, incluindo nestes últimos a infecção uterina e desequilíbrio hormonal do meio ambiente uterino. Nos bovinos o epitélio de revestimento uterino é do tipo pseudoestratificado cilíndrico, freqüentemente intercalado por áreas de epitélio cilíndrico e/ou cúbico simples. As glândulas endometriais presentes em grande número, principalmente no estrato profundo, são constituídas por epitélio cilíndrico simples. As células colunares possuem inúmeras microvilosidades, que podem ser do tipo secretor e não-secretor. A porção mais superficial, ou também denominada funcional, sofre um processo degenerativo após a gestação ou estro, e a regeneração ocorre a partir das células do estrato mais profundo. O estrato compacto, logo abaixo da superfície epitelial consiste de tecido conjuntivo frouxo, ricamente vascularizado, com muitos fibrócitos, mastócitos e macrófagos. Em todo endométrio estão presentes glândulas tubulares, exceto nas áreas das carúnculas, que são espessamentos da lâmina própria ricos em fibroblastos e altamente vascularizados (BACHA & WOOD, 1990; MONTEIRO et al., 2003). 23 KRZYMOWSKI & STEFANCZYK-KRZYMOWSKA (2008), reunindo informações de diferentes trabalhos científicos apontam o endométrio como o principal responsável pela regulação hormonal do ciclo estral bovino, por meio da PGF2 e PGE2, eicosanóides secretados por células endometriais, cuja renovação é imprescindível para a manutenção tanto do ambiente favorável ao embrião e especialmente ao espermatozóide, já que esta célula altamente diferenciada é desprovida de um sistema de transcrição e translação ativo e deve sobreviver no trato reprodutivo feminino sem se beneficiar de mecanismos reparadores, como ocorre com outras células (SUAREZ & PACEY, 2006). A constatação de que os ureaplasmas possuem fosfolipases sugere que esta seja uma das formas do microrganismo alterar a síntese de prostaglandinas a partir do ácido araquidônico (WAITES et al., 2005). O útero libera PGE2 e PGI2, levando ao relaxamento da musculatura lisa e dilatação dos vasos sanguíneos e linfáticos. Durante o período precoce gestacional, a sinalização do embrião por meio de citocinas e a produção endometrial de PGE 2 favorecem o aumento da vascularização uterina e previne que ocorram alterações regressivas das células uterinas bem desenvolvidas. Adicionalmente, foi demonstrado que o corpo lúteo de ruminantes é protegido pela PGE 2 de origem tanto embrionária quanto endometrial (KUCHARSKI & JANA, 2005). A PGI2 é secretada prioritariamente pelo endotélio dos microcapilares e exerce importante papel na prevenção da agregação plaquetária (MONCADA, 1982). KIM et al. (1994) verificaram que a infecção experimental de células endometriais bovinas com U. diversum altera o padrão de produção de prostaglandinas (E2 e F2 ) sem modificar a viabilidade dessas células. BONNET et al. (1991) associaram o acúmulo de células mononucleares no endométrio com processos patológicos locais, enquanto BELL & ROBERTS (2007) obtiveram associação positiva entre a falha em conceber e a infecção uterina, em vacas. MARTINS et al. (2002) apontam que as modificações histopatológicas endometriais de vacas inférteis caracterizam-se, predominantemente, por inflamação crônica difusa e degeneração endometrial discreta a moderada. GALINDO et al. (2004) verificaram a predominância de 24 lesões teciduais caracterizadas por infiltrado mononuclear e destruição de tecido glandular no endométrio de vacas inférteis repetidoras de estro. MULIRA et al. (1992) apontam o Ureaplasma diversum como um agente responsável pela ocorrência de endometrite em vacas, mas seu efeito diretamente sobre o tecido endometrial não foi elucidado. A condição de microaerofilia necessária à sobrevivência do agente pode ser um fator limitante de seu efeito sobre o endométrio, sendo que GALE (1987) não obteve cultivos positivos após a infecção experimental do útero de novilhas com U. diversum. A maior parte das informações é proveniente de estudos desenvolvidos com material oriundo de mulheres inférteis e positivas para U. urealyticum, apontando que, mesmo sem lesões endometriais aparentes, a produção de substâncias semelhantes à neuraminidase no útero contaminado prejudica a penetração espermática (CHANG, 1989). Adicionalmente, a presença de ureaplasmas parece ser um fator predisponente para o aparecimento de lesões pré-cancerosas no útero e cérvix de mulheres, com associação positiva com a detecção do vírus (LUKIC et al., 2006). Estudos feitos com mulheres mostraram a associação entre a endometrite após cesareana ou parto prematuro e a ureaplasmose genital. A constatação de que os ureaplasmas podem invadir a cavidade amniótica e iniciar reações inflamatórias severas coloca o microrganismo na lista daqueles capazes de desencadear o abortamento, e, portanto, como um fator de infertilidade (WAITES et al., 2005). O cérvix bovino é muito desenvolvido e funciona como órgão de separação entre o útero e a vagina. O epitélio de revestimento é composto principalmente por células semelhantes às caliciformes, intensamente glandulares, com atividade secretora dependente do estágio do ciclo estral, mostrando muco claro e viscoso durante o estro e denso na gestação, período durante o qual atua como tampão. A lâmina própria é constituída de tecido conjuntivo frouxo, que passa a denso de acordo com o estágio do ciclo. A mucosa epitelial cervical possui contorno extremamente irregular com a presença de criptas, aumentando a superfície de uma área restrita, a qual contém grande número de células produtoras do muco constituído de matriz protéica importante no transporte dos espermatozóides, que também são retidos em número elevado 25 nas criptas cervicais (HEYDON & ADAMS, 1979; BACHA & WOOD, 1990; BUERGUELT, 1997). WORDINGER et al. (1973) comprovaram a presença de epitélio ciliado colunar na mucosa cervical de bovinos, com intensa atividade eosinofílica após o estro. Durante o transporte dos espermatozóides no trato reprodutor feminino, o cérvix atua como regulador do fluxo, tanto pela ação do muco quanto pela presença dos anéis, os quais retêm mecanicamente grande parte dos espermatozóides ejaculados no fundo de saco vaginal. Os estudos de HEYDON & ADAMS (1979) mostraram que as células presentes nas criptas secretam mais sialomucinas, que reduzem a viscosidade do muco, e que estas células são bastante responsivas ao estrógeno. A reação do acrossoma espermático depende da ação dos glicosaminoglicanos presentes nas criptas cervicais (LEE & AX, 1984). BREEVELD-DWARKASING et al. (2002) verificaram grande número de células com receptores ao estrógeno presentes na submucosa cervical de vacas, e FUCHS et al. (2002) descreveram a secreção de PGE2 pelas células cervicais. AHMADI et al. (2006) verificaram que as diferentes fases do ciclo estral de vacas afetam também a migração de neutrófilos e linfócitos para a mucosa cervical, descrevendo maior quantidade dessas células em esfregaços obtidos durante o período de três a quatro dias após o estro, evidenciando a importância da integridade desta região anatômica durante o período pós-coito. A cervicite tem sido associada à ureaplasmose genital, em especial nas mulheres (MONTAGNER et al, 2007). Em vacas, HUSTED (2003) considerou a cervicite como um sinal da presença do Ureaplasma diversum. O fundo de saco vaginal, ou fornix, está em associação com o cérvix e corresponde à região onde este último e o canal vaginal se encontram; além disso, corresponde ao local de deposição do sêmen nos bovinos, quando da monta natural. Sob o ponto de vista histológico possui a mesma constituição que a porção anterior da vagina, mas estudos demonstraram que sua secreção é capaz de iniciar um processo de favorecimento do deslocamento espermático para dentro do cérvix (MULLINS & SAAKE, 1989), especialmente pela ação das sialomucinas, mucinas que contém carboidratos e ácido siálico. 26 A vagina é o órgão copulatório, provida de epitélio colunar na porção anterior e colunar estratificado escamoso na porção posterior, possui glândulas responsáveis por secreções mucosas. Já se demonstrou a associação entre a qualidade do muco vaginal e a colonização por microrganismos potencialmente patogênicos (DOHMEN et al., 1995; LEBLANC et al., 2002), e WILLIAMS et al. (2005) verificaram modificação na viscosidade e odor do muco vaginal durante a fase de resposta de proteína de fase aguda nas infecções uterinas. Para BONDURANT (1999), a secreção vaginal atua em conjunto com a cervical como uma barreira física e química contra a invasão uterina por microrganismos. O estrógeno favorece a proliferação do epitélio vaginal, mas estudos prévios (REZENDE, 2006; FERRAZ, 2007) mostraram que as modificações celulares do epitélio de fêmeas bovinas durante o ciclo estral não ocorrem em compasso com as alterações hormonais, o que pode ser um fator de favorecimento para a colonização local por microrganismos de parasitismo extracelular. A vulva pode ser dividida em vestíbulo, região comum ao trato reprodutor e urinário, e lábios vulvares, onde se encontra o clitóris. Com epitélio escamoso estratificado, a maior parte das glândulas no vestíbulo são bilaterais e secretoras de muco, mas as glândulas da submucosa nas vacas são do tipo túbulo-acinar (BACHA & WOOD, 1990). O primeiro sinal que conduz à suspeita da presença do U. diversum é a observação de lesões granulosas na mucosa vulvovaginal, as quais podem apresentar diferentes graus de severidade. A confirmação é feita pela obtenção de cultivos positivos a partir de muco vulvovaginal, embora cultivos negativos não excluam a presença do agente (KUNZ et al., 2004). LEON et al. (1994) e PETIT et al. (2008) obtiveram cerca de 50% de positividade para U. diversum em amostras de muco vulvovaginal oriundas de animais com vulvovaginite. CARDOSO et al. (2000) reportaram pela primeira vez, no Brasil, o isolamento de U. diversum do muco vulvovaginal de vacas com desordens reprodutivas e ressaltaram a importância do diagnóstico diferencial com outros organismos de ação semelhante. 27 A vulvovaginite também está associada à infecção viral (Herpes vírus), porém KUNZ et al. (2004), estudando animais com lesões de vulvovaginite, não obtiveram isolamentos positivos para Herpesvirus bovino Tipo I, mas 50% das amostras estudadas pelos autores foram positivas para micoplasmas e ureaplasma. Relato semelhante foi feito por OLIVEIRA FILHO et al. (2005), que avaliaram o muco vulvovaginal de vacas leiteiras repetidoras de estro, verificando grande número de amostras positivas para U.diversum associado à presença de diferentes graus de lesões típicas de vulvovaginite, porém não houve isolamento positivo do Herpesvirus Bovino Tipo I. As lesões na mucosa vulvovaginal apresentam-se, em geral, nos primeiros cinco dias após a infecção, e podem aparentar a forma aguda ou crônica, constituindo-se, no entanto, em uma alteração funcional vaginal dolorosa (MULIRA et al., 1992). Em muitas espécies de mamíferos a mucosa vulvovaginal é colonizada normalmente por lactobacilos, os quais favorecem mecanismos de defesa local e reduzem a possibilidade de microrganismos oportunistas ou potencialmente patogênicos provocarem infecções, mas nos bovinos sua presença ou efeito não foi comprovado (OTERO et al., 1999). Mollicutes são microrganismos primariamente associados às mucosas do hospedeiro e fortemente correlacionados com parasitismo de células epiteliais. Embora a aderência e a atividade da urease sejam reconhecidas como fatores de virulência dos ureaplasmas, o mecanismo patogênico permanece obscuro. Assim, considerando a exígua quantidade de informações sobre as modificações teciduais decorrentes da infecção natural por ureaplasma nos bovinos, e que o entendimento do modo de ação do microrganismo passa pela avaliação macro e microscópica das lesões nos diferentes órgãos, este trabalho foi desenvolvido para estudar as alterações teciduais causadas pela presença do Ureaplasma diversum no trato genital de fêmeas púberes naturalmente infectadas, por meio da avaliação histopatológica das tubas uterinas, útero, cérvix, vagina e vulva. 28 2. MATERIAL E MÉTODOS Os animais foram oriundos de uma propriedade rural localizada no Sudoeste Goiano, destinada à produção comercial de bovinos da raça Nelore. Durante os meses de março e abril de 2006, cento e setenta e sete novilhas púberes com idade entre 24 e 30 meses, oriundas de um único lote de manejo foram examinadas. Do total de fêmeas examinadas, somente 20 foram selecionadas e abatidas, de acordo com os resultados do exame bacteriológico, obtendo-se fragmentos do sistema reprodutivo para avaliação. Inicialmente os animais eram contidos em tronco e examinados individualmente. Após exame clínico geral efetuava-se a avaliação da mucosa vulvovaginal, observando-se a presença ou não de lesões, assim como sua aparência e intensidade, categorizando-as em escala variando de grau zero a quatro (Quadro 1), conforme classificação proposta por KUNZ et al. (2004). Quadro 1 – Classificação das lesões de vulvovaginite granular conforme a severidade. Grau de Características lesão 0 Ausência de lesões 1 Mucosa vulvar e/ou vaginal levemente inflamada (hiperemia leve) com presença de poucas vesículas 2 Mucosa vulvar e/ou vaginal moderadamente inflamada (hiperemia moderada) com presença de grande número de vesículas 3 Mucosa vulvar e/ou vaginal apresentando acentuada inflamação (acentuada hiperemia), com presença de grande número de vesículas e lesões hemorrágicas 4 Mucosa vulvar e/ou vaginal severamente inflamada (hiperemia intensa), com presença de lesões pustulares e/ou necróticas Fonte: KUNZ et al. (2004) Após esta avaliação, os animais foram novamente colocados no tronco de contenção e submetidos à colheita de conteúdo vulvovaginal, conforme descrito previamente (KUNZ et al., 2004). Em resumo, após a higienização seca 29 do local, os lábios vulvares eram afastados e uma zaragatoa esterilizada e seca era firmemente friccionada por toda a área de lesão, depositando-se a mesma imediatamente em tubo de ensaio de plástico estéril e tampa de borracha, contendo meio A3XB e mantidas sob refrigeração a 4º C até o processamento laboratorial. Este material foi encaminhado ao Laboratório de Doenças Bacterianas da Reprodução do Instituto Biológico de São Paulo, para o isolamento e identificação de Ureaplasma diversum e Mycoplasma spp. Trinta dias depois, vinte fêmeas das quais se obteve isolamento positivo apenas para U. diversum foram abatidas no frigorífico local. Durante os procedimentos de abate, os sistemas reprodutores foram retirados em uma só peça contendo ovários, tubas uterinas, útero, cérvix, vagina e vulva e acondicionados em sacos plásticos fechados. Após a obtenção de todas as peças, o material foi retirado da sala de abate e manipulado em local limpo para retirada dos fragmentos. Cada conjunto foi higienizado utilizando-se toalhas de papel, procedendo-se a abertura a partir da fímbria, iniciando-se sempre pelo lado direito. Após a avaliação macroscópica procedeu-se a colheita de fragmentos, na seguinte ordem: lados direito e esquerdo da tuba uterina (fímbria, ampola e istmo), lados direito e esquerdo dos cornos uterinos (porção anterior e medial), fragmentos únicos do corpo do útero, cérvix (cranial, medial e vaginal), lados direito e esquerdo do fornix, vagina, clitóris e vulva (lados direito e esquerdo) de acordo com o esquema representado na Figura 1. Os fragmentos foram imediatamente fixados em formol tamponado com pH neutro a 10%, como proposto por STEVENS et al. (1995) e SAR et al. (1996), e após 24 horas, acondicionados em cassetes devidamente identificados e mantidos em formol para posterior processamento histológico. Após completa fixação, os fragmentos foram processados conforme rotina do Laboratório de Histopatologia do Setor de Patologia Animal da EV/UFG, sendo a amostra corada pelo método da Hematoxilina e Eosina (LUNA, 1968). Para a avaliação histológica uterina seguiu-se a classificação sugerida por GALINDO et al. (2004) de acordo com as seguintes alterações inflamatórias e teciduais: infiltração linfocitária, dilatação glandular, fibrose periglandular e destruição epitelial e necrose muscular. De acordo com os achados descritos, o 30 grau de lesão foi estimado em escores variando de grau zero a quatro, apresentados no Quadro 2. Quadro 2 – Classificação das lesões histopatológicas uterinas conforme a severidade. Grau de lesão Características 0 Ausência de alterações inflamatórias 1 Presença de uma alteração inflamatória 2 Presença de duas alterações inflamatórias 3 Presença de três alterações inflamatórias 4 Presença de três ou mais alterações inflamatórias, destruição de epitélio e/ou necrose muscular Fonte: GALINDO et al. (2004) 31 1 Ovário 5 6 2 5 3 4 4 4 3 3 Lúme n 2 2 1 1 Ovário Esquerdo Ovário Direito 7 Colo (ou Cérvix) 8 9 10 10 LEGENDA Trompa (Direita/Esquerda) 1- Fímbria 2- Ampola 3- Istmo 11 Corno (Direito/Esquerdo) 4- Corno Uterino Anterior 5- Corno Uterino Medial 13 13 12 6- Corpo do Útero 7- Cérvix Cranial (Endocérvix) 8- Cérvix Medial 9- Cérvix Vaginal 10-Fornix (Direito/Esquerdo) 11- Vagina 12-Clitóris 13-Vulva (Direita/Esquerda) ROGÉRIO DE MORAES SOUZA / 2008 FIGURA 1 – Representação do trato reprodutor da fêmea bovina e locais dos fragmentos histológicos. 32 Para os demais cortes considerou-se a presença de infiltrado celular, o tipo de células infiltradas, a presença de outras alterações inflamatórias, perda e/ou lesão tecidual. De acordo com os achados descritos, o grau de lesão foi estimado em escores variando de 0 a 4, descritos no Quadro 3, adaptado de GALINDO et al. (2004). Quadro 3 – Classificação das lesões histopatológicas do trato genital de fêmeas bovinas conforme a severidade. Grau de lesão Características 0 Ausência de alterações inflamatórias 1 Presença de infiltração linfocitária e/ou neutrofílica 2 Presença de infiltração eosinofílica 3 Infiltração leucocitária e/ou lesão epitelial 4 Presença de alterações inflamatórias generalizadas (edema, hiperemia, infiltração celular, perda de epitélio e/ou necrose muscular) A leitura foi realizada em microscópio óptico (Modelo Jenaval, Carl Zeiss®, Alemanha) e os campos microscópicos fotografados com câmera digital (Digital Still Câmera DSC P-71 Cybershot, SONY®, Manaus, Brasil) acoplada ao microscópio óptico. Os resultados foram analisados pelo U-Test (Mann – Whitney) e Kruskal-Wallis para amostras não – paramétricas, utilizando-se o pacote computacional WINSTAT (2006). 33 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em todas as fêmeas avaliadas foi possível observar algum grau de lesão característica da síndrome vulvovaginite granular, ou seja, hiperemia de mucosas, presença de grânulos de um a dois milímetros de diâmetro, em média, translúcidos, distribuídos em parte ou por toda a região examinada. Em alguns casos foram observadas petéquias e necrose, porém sem descarga vulvar, fato que, segundo DOIG et al. (1979), caracteriza a forma crônica da síndrome. Dos 20 animais abatidos e examinados, um foi descartado por apresentar útero infantil. Nos 19 animais verificou-se a predominância de lesão grau 2, presente em oito (42,10%) fêmeas, seguida pela lesão grau 1, observada em cinco (26,31%) animais. Os graus 3 e 4 estiveram presentes em três (15,78%) animais, cada um (Tabela 1). Durante a avaliação macroscópica não foram verificadas lesões dignas de nota, além daquelas presentes na região vulvovaginal. TABELA 1 – Freqüência de animais com diferentes graus de lesão na mucosa vulvovaginal pelo exame macroscópico - Goiânia, 2006. Grau de lesão Nº de animais (%) 0 - 1 5 (26,32) 2 8 (42,10) 3 3 (15,79) 4 3 (15,79) Total 19 (100,00) De 380 fragmentos histológicos, foram obtidos 294 (77,36%) fragmentos de tecido passíveis de processamento, visto que 86 (22,64%) foram descartados, desde o momento da colheita das amostras, até o processamento das lâminas (Tabela 2), resultando em índice abaixo dos descritos por BONNETT et al. (1991), de 95% e NOGUEIRA et al. (1993), que obtiveram 86,2% de sucesso no preparo das lâminas. 34 TABELA 2 – Taxa de aproveitamento dos fragmentos obtidos nas diversas porções do trato reprodutor de fêmeas bovinas - Goiânia, 2006. Quantidade de Órgão Fragmentos Aproveitados N % direita 04 1,06 esquerda 15 3,95 direita 06 1,58 esquerda 17 4,48 direito 08 2,10 esquerdo 18 4,73 Corno uterino direito 13 3,42 anterior esquerdo 15 3,95 Corno uterino direito 17 4,48 medial esquerdo 16 4,21 Corpo do útero 15 3,95 Cérvix cranial 18 4,73 Cérvix medial 16 4,21 Cérvix vaginal 15 3,95 direito 18 4,73 esquerdo 15 3,95 Vagina 16 4,21 Clitóris 18 4,73 direito 18 4,73 esquerdo 16 4,21 Fragmentos descartados 86 22,64 Total 380 100 Fímbria Ampola Istmo Fornix Vulva lado TABELA 3 – Freqüência de fragmentos processados e examinados da mucosa da tuba uterina, cérvix, vagina e vulva encontradas em fêmeas bovinas púberes, de acordo com o grau de lesão encontrado - Goiânia, 2006. Grau de Nº de animais (%) Fímbria Ampola Istmo lesão Cérvix Cérvix Cérvix cranial medial vaginal Vagina Vulva 0 -- -- -- -- -- -- -- 4 (11,76%) 1 -- -- -- -- -- -- -- -- 2 -- -- 3 (11,54%) -- -- -- -- -- 3 18 (94,74%) 14 (60,87%) -- 2 (11,12%) 4 (25%) 1 (6,66%) 4 (25%) 24 (70,59%) 4 1 (5,26%) 9 (39,13%) 23 (88,46%) 16 (88,88%) 12 (75%) 14 (93,34%) 12 (75%) 6 (17,65%) Total* 19 23 26 18 16 15 16 34 * Total de fragmentos examinados em cada segmento colhido. 36 O exame histopatológico das lesões presentes nos diversos fragmentos do trato reprodutor feminino revelou predomínio do Grau 3 na fímbria (18 / 94,74%), ampola (14 / 60,87%) e vulva (24 / 70,59%) amostras; enquanto nos demais segmentos prevaleceu o Grau 4, sendo: istmo com 23 (88,46%) amostras, cérvix com 16 (88,88%) amostras na porção cranial, 12 (75%) amostras no cérvix medial e 14 (93,34%) amostras no cérvix vaginal, além da vagina com 12 (75%) amostras (Tabela 3). As lesões observadas em todo o trato reprodutor feminino podem ser consideradas severas, pois refletem a presença de alterações inflamatórias generalizadas como edema, hiperemia, infiltração celular, perda de epitélio e/ou necrose muscular. TABELA 4 – Média e Erro Padrão dos escores das lesões nos diversos segmentos do trato reprodutor* de fêmeas bovinas - Goiânia, 2006. Estrutura anatômica N Média (erro padrão) Fímbrias 19 1,45 ±0,25 a Ampolas 23 1,95 ± 0,27 a,b Istmo 26 2,45 ± 0,30 b,c,d Corno uterino anterior 28 4,00 c,d Corno uterino medial 33 4,00 d Corpo do útero 15** 2,90 ± 0,40 c,d Cérvix cranial 18** 3,50 ± 0,28 d Cérvix (medial e vaginal) 31 2,98 ± 0,26 c,d Fornix 33 2,83 ± 0,25 b,c,d Vagina 16** 3,00 ± 0,36 c,d Clitóris 18** 2,95 ± 0,30 b,c,d Vulva 34 2,50 ± 0,21 a,b,c Total 294 * Tuba uterina (fímbria, ampola e istmo – direito / esquerdo), cornos uterinos (porção anterior e medial - direito / esquerdo), fragmentos únicos do corpo do útero, cérvix (cranial, medial e vaginal), fornix ( direito e esquerdo), fragmentos únicos da vagina e clitóris e vulva ( direito / esquerdo). ** Fragmentos com corte único. *** Letras diferentes na mesma coluna significam diferença (p< 0,01) entre si (Kruskal-Wallis). 37 TABELA 5 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas na tuba uterina de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006. Fragmento Direito Fímbrias Esquerdo Direito Ampola Esquerdo Direito Istmo Esquerdo Total N 04 15 06 17 08 18 68 Média (erro padrão) 0,60 ± 0,28 2,30 ± 0,31 1,05 ± 0,37 2,85 ± 0,29 1,60 ± 0,45 3,30 ± 0,30 As Tabelas 4 e 5 apresentam a média e o erro padrão dos escores de lesão nos diversos segmentos do trato reprodutor e de cada fragmento da tuba uterina, respectivamente. A média e erro padrão para os escores de lesão dos segmentos da tuba uterina apresentados nessas Tabelas permitem inferir que o istmo foi o segmento mais atingido pela ação do U. diversum, com diferença para a região da fímbria. Este resultado pode significar que, no processo reprodutivo, quando a fímbria, região que capta o oócito e que é influenciada, principalmente, por ação hormonal, é lesionada pela ação de patógenos pode não significar necessariamente alterações nas taxas de fertilidade. Porém, a integridade do istmo parece ser fundamental para que ocorra a fertilização já que é nesta região que ocorre o armazenamento dos espermatozóides, e onde o gameta masculino efetivamente adquire a habilidade de fertilização, em virtude da secreção de substâncias específicas pelas células epiteliais locais íntegras (SCOTT, 2000; BOSCH & WRIGHT, 2005; GÁBOR et al, 2008). Na avaliação microscópica dos fragmentos de tuba uterina verificaramse, com maior freqüência, descamação do epitélio de revestimento tubário com exposição da membrana basal, formação de grumos no lúmen, áreas onde havia a curvatura dos cílios e outras onde os cílios já estavam ausentes, bem como a projeção do citoplasma de muitas células epiteliais para o lúmen (Figura 2). 38 FIGURA 2 – Fotomicrografia de: A – Tuba uterina, fímbria, mostrando vesículas intraepiteliais (seta) (200X - H&E); B – Fímbria onde se nota curvatura de cílios (seta) (400X - H&E); C - Istmo apresentando projeção do citoplasma de células epiteliais para o lúmen (seta); D – Ampola com presença de áreas de destruição de cílios (seta) (400X - H&E). STALHEIM et al.(1976), verificaram descamação do epitélio com formação de grumos e marginação da cromatina das células da submucosa, curvatura dos cílios, grumos e nódulos irregulares na superfície 10 horas após a exposição ao agente, seguido de ausência dos cílios, citoplasma projetado para o lúmen nas 24 horas seguintes e descamação da maior parte das células epiteliais com exposição da membrana basal após 144 horas, alterações estas semelhantes às observadas neste estudo. GARG et al. (2004) também observaram, na mucosa do trato reprodutor feminino, perda significativa de cílios e descamação moderada, assim como a infiltração de células mononucleares devido à ação de micoplasmas. Segundo STALHEIM & GALLAGHER (1977) é uma característica peculiar aos ureaplasmas 39 cessarem a atividade ciliar e causarem severas lesões epiteliais quando presentes na tuba uterina, sejam estes isolados do trato genital humano ou do trato genital de bovinos. As alterações ultraestruturais do epitélio atingindo células secretoras prejudicam a maturação oocitária e o desenvolvimento embrionário precoce (BAGE et al., 2002). ABUGHRIEN & DORE (2000) associaram a maior atividade ciliar tubária à fase inicial do ciclo estral quando as variações na concentração de PGF2 , estradiol e progesterona são marcadas. Os resultados expostos mostram que o microrganismo foi capaz de lesar as células ciliadas e, em alguns casos, destruir completamente o epitélio, inviabilizando então sua atividade favorecedora na migração dos gametas para o local de fertilização. TABELA 6 - Freqüência de fragmentos processados e examinados da mucosa uterina de fêmeas bovinas pelo exame histopatológico, de acordo com o grau de lesão encontrado - Goiânia, 2006. Grau de Nº de amostras (%) Corno uterino anterior Corno uterino medial Corpo do útero 0 - - - 1 - - - 2 - - 1 (6,66) 3 - - - 4 28 (100%) 33 (100%) 14 (93,34%) Total* 28 33 15 lesão * Total de fragmentos examinados em cada segmento colhido. Nos cornos uterinos e no corpo do útero as lesões verificadas foram severas, sendo a porção medial a mais atingida, mas não houve diferença entre os escores de lesão. As lesões mais observadas foram destruição dos cílios das células epiteliais de revestimento e áreas de ulceração epitelial; destruição de epitélio glandular com infiltração de linfócitos; edema, proliferação de tecido conjuntivo e presença de infiltrado linfocitário neutrofílico e eosinofílico na submucosa, bem como necrose de fibras musculares (Figura 3). Nos bovinos a regulação do ciclo estral é diretamente dependente da integridade do endométrio, 40 uma vez que esta porção é responsável pela regulação hormonal do ciclo estral por meio da PGF2 e PGE2. (KRZYMOWSKI & STEFANCZYK-KRZYMOWSKA, 2008). No presente estudo as lesões endometriais foram classificadas de acordo com o número de alterações inflamatórias presentes. Pelo exposto na Tabela 6, 100% dos fragmentos de cornos uterinos mostraram lesão de Grau 4, ou seja, presença de três ou mais tipos de alterações inflamatórias, além de destruição de epitélio e/ou necrose muscular. Neste sentido, GALINDO et al. (2004) verificaram o predomínio de lesões teciduais com presença de infiltrado mononuclear e destruição de tecido glandular no endométrio de fêmeas inférteis repetidoras de estro, fato associado à positividade para U. diversum por OLIVEIRA FILHO et al. (2005). De acordo com WAITES et al. (2005), o útero inflamado libera PGI2, um potente inibidor da agregação plaquetária e ativador da vasodilatação. Adicionalmete, as fosfolipases provenientes dos ureaplasmas podem alterar a síntese de prostaglandinas a partir do ácido araquidônico. Como a maior fonte de PGI2 é o microcapilar, no endométrio íntegro ela aumenta a irrigação local, favorecendo, provavelmente, a função dos neutrófilos, mas na presença de lesões esta função está prejudicada. Adicionalmente, a proteção exercida pela PGE 2 de origem endometrial sobre o corpo lúteo dessas fêmeas está comprometida, facilitando então a ação luteolítica da PGF2 (MONCADA, 1982; KUCHARSKI & JANA, 2005). Embora KIM et al. (1994) relatem que o U. diversum foi capaz de alterar o padrão de produção de PGE2 e PGF2 sem modificar a viabilidade dessas células, os resultados histopatológicos aqui descritos sugerem que estudos devem ser conduzidos para avaliar o efeito a médio e longo prazo deste agente sobre estas células. 41 FIGURA 3 – Fotomicrografia de: A - Útero mostrando destruição de epitélio glandular com infiltração de linfócitos (seta) (200X - H&E) e B – Útero apresentando edema de submucosa (seta) (200X - H&E); C - Fragmento de Cérvix onde se nota extensa necrose de fibras musculares, de aspecto eosinofílico (seta) (400X - H&E) e D - Útero apresentando infiltrado polimorfonuclear focal na submucosa (seta) (400X – H&E). A Tabela 7 apresenta a média dos escores das lesões verificadas nos cornos uterinos, porções anterior e medial, lados direito e esquerdo. TABELA 7 - Média dos escores das lesões observadas nos cornos uterinos encontrados em fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006. Fragmento Direito Corno Uterino Anterior Esquerdo Direito Corno Uterino Medial Esquerdo Total N 13 15 17 16 61 Média 4,00 4,00 4,00 4,00 42 Quando os resultados referentes aos graus de lesão foram avaliados de acordo com o lado de maior ocorrência, não houve diferença entre os achados. Isto pode estar correlacionado ao fato de que, uma vez dentro do útero, o microrganismo multiplica-se e atua sobre todo o endométrio. Outro ponto a ser considerado é o processo de re-infecção, pois como não possui parede celular a sobrevivência dos ureaplasmas é comprometida pela condição ambiente, especialmente por ser um organismo de crescimento em microaerofilia, condição inexistente no útero. Esta condição foi relatada por GALE (1987), que não obteve isolamentos positivos para Ureaplasma diversum de conteúdo uterino, mesmo após infectar experimentalmente novilhas com este microrganismo. Então, ao ser re-introduzido no útero durante períodos mais favoráveis tais como o estro, quando o cérvix está aberto, ou durante a inseminação artificial, ele procura células íntegras para parasitar, já que a aderência e o parasitismo de células epiteliais são condições essenciais para sua sobrevivência. Assim, seu efeito local ocorre, provavelmente, não por um mecanismo de multiplicação, como outros organismos oportunistas, mas pela re-contaminação constante. A Tabela 8 apresenta a média e o erro padrão dos escores das lesões teciduais observadas nos fragmentos colhidos do cérvix (cérvix cranial, cérvix medial e cérvix vaginal). TABELA 8 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas nas porções cervicais de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006. Fragmento N Média (erro padrão) Cérvix cranial 18 3,50 ± 0,28 Cérvix medial 16 3,00 ± 0,36 Cérvix vaginal 15 2,95 ± 0,39 Total 49 No cérvix verificaram-se lesões igualmente severas (Tabela 8), sem diferença entre os três segmentos (cranial, medial e vaginal). De acordo com os escores utilizados, as alterações variaram desde a presença de infiltração eosinofílica e infiltração leucocitária com lesão epitelial (Graus 2 e 4) até a 43 verificação de edema, hiperemia, infiltração celular, perda de epitélio e/ou necrose muscular. A cervicite está associada à ureaplasmose genital tanto em mulheres quanto em bovinos (MONTAGNER et al., 2007; HUSTED, 2003). O cérvix é uma barreira natural à entrada de diversos patógenos comensais ou mesmo oportunistas freqüentemente encontrados na vulva e vagina, seja pela produção de muco, seja pela presença de seus anéis (WORDINGER et al., 1973). Lesões observadas neste segmento podem alterar o pH do muco, tornando o ambiente adverso à sobrevivência dos espermatozóides. Considerando que o epitélio cervical contém células com grande habilidade glandular, e que o contorno irregular com criptas aumenta a superfície de uma área restrita, e mantém a produção de um muco constituído de matriz protéica importante no transporte dos espermatozóides (BACHA & WOOD, 1990; BUERGUELT, 1997), o comprometimento do tecido local prejudica diretamente o processo de habilitação do espermatozóide para a fertilização, já que estas células têm a responsabilidade de liberar os glicosaminoglicanos envolvidos na reação do acrossoma, a qual deve ocorrer durante a capacitação espermática (LEE & AX, 1984). A atividade eosinofílica do epitélio ciliado colunar na mucosa cervical foi descrita por WORDINGER et al. (1973) e confirmada por BREEVELDDWARKASING et al. (2002). Eosinófilos são células relacionadas à defesa local do hospedeiro, e sua presença como infiltrado pode sinalizar a ativação dos mecanismos de quimiotaxia durante a re-exposição ao agente. A Figura 4 apresenta algumas lesões teciduais observadas no trato reprodutor inferior (fornix, vagina, clitóris e vulva). Na região do fornix observaram-se lesões no epitélio como presença de vacuolização de células epiteliais, espongiose, áreas de destruição de células epiteliais com exposição da membrana basal, focos de infiltrado linfocitário, além de focos de necrose na camada muscular. Na espécie bovina a integridade desta região é importante por ser o local de deposição do sêmen, sendo fundamental para a viabilidade e deslocamento dos espermatozóides. MULLINS & SAAKE (1989) descrevem que esta região favorece o deslocamento espermático em bovinos, especialmente em virtude da secreção das sialomucinas, assim como pela orientação da movimentação espermática em direção ao cérvix. 44 FIGURA 4 – Fotomicrografia de: A - Fornix mostrando presença de disceratose das células epiteliais (seta) (400X – H&E) e B – Fornix mostrando presença de espongiose (seta), discreta atrofia do epitélio e congestão da lâmina própria (400X – H&E); C – Vulva apresentando infiltrado linfocitário difuso na submucosa - exocitose (seta) (100X – H&E) e D – Vulva mostrando presença de disceratose das células epiteliais (setas). 400 X (H&E). A Tabela 9 apresenta a média e o erro padrão das lesões observadas no trato reprodutor feminino inferior: lados direito e esquerdo do fornix e vulva e fragmentos únicos da vagina e clitóris. 45 TABELA 9 - Média e Erro Padrão dos escores das lesões observadas no trato reprodutor inferior de fêmeas bovinas púberes - Goiânia, 2006 Fórnix Fragmento Direito Esquerdo N 18 15 16 18 16 18 101 Vagina Vulva Direito Esquerdo Clitóris Total Média (erro padrão) 2,70 ± 0,31 2,95 ± 0,39 3,00 ± 0,36 2,40 ± 0,28 2,60 ± 0,31 2,95 ± 0,30 Os dados expostos na Tabela 9 mostram que a severidade das lesões segue aos outros fragmentos estudados. PETIT et al. (2008) verificaram que das amostras positivas para U. diversum a partir de material vaginal, aproximadamente um terço também foram positivas para material do fornix, o que indica ser esta uma região na qual o agente já encontra condições favoráveis ao seu desenvolvimento. De fato, a média para os escores de lesão nos dois lados foi mais baixa que aquela dos segmentos anteriores (tuba uterina, útero e cérvix), sinalizando maior número de fragmentos com infiltração leucocitária (mais evidente em infecções recentes) do que lesões no epitélio ou necrose tecidual, as quais caracterizam lesões mais antigas. Na vagina, vulva e clitóris verificaram-se lesões graves, compatíveis com as observações macroscópicas. Vulvite e vaginite podem ser periodicamente observadas em novilhas e vacas positivas para Ureaplasma diversum (CARDOSO et al., 2000), resultando em transtornos durante a monta, e agravamento das lesões. As lesões provocadas na mucosa peniana dos machos podem servir como fonte de contaminação de microrganismos, presentes nas lesões granulomatosas, resultando em balanopostite ou mesmo contaminação do sêmen (MILLER et al., 1994). Em conclusão, os resultados aqui descritos mostram que os achados histopatológicos do trato reprodutor de fêmeas naturalmente infectadas por Ureaplasma diversum são compatíveis com lesões que podem comprometer o processo reprodutivo desde o processo de capacitação do espermatozóide para fertilizar o gameta feminino, a implantação do embrião até a manutenção da gestação. Portanto, animais portadores de lesões vulvares e vaginais compatíveis 46 com a infecção por este microrganismo devem ser precocemente identificados no rebanho, pois além de favorecer a redução nas taxas de fertilidade ainda podem tornar-se disseminadores do microrganismo. 4. REFERÊNCIAS 1. ABUGHRIEN, B.M.; DORE, M.A.P. Ciliogenesis in the uterine tube of control and superovulated heifers. Cells Tissues Organs, Basel, v. 166, n. 4, p. 338348, 2000. 2. ABUGHRIEN, B.M.; DORE, M.A.P.; McGEADY, T.A.; FITZPATRICK, E. Intraepithelial leucocytes in the bovine uterine tube. 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AVALIAÇÃO IN VITRO DA ATIVAÇÃO DE CÉLULAS MONONUCLEARES ENDOMETRIAIS, VAGINAIS E NO SANGUE PERIFÉRICO BOVINO PELA PRODUÇÃO DE ÓXIDO NÍTRICO EM RESPOSTA AO Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e Ureaplasma diversum. RESUMO Este estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar in vitro, a habilidade do Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium em ativar células mononucleares oriundas do endométrio, mucosa vaginal e sangue periférico de vacas pela verificação da produção de óxido nítrico (NO). Trinta e três amostras de células da mucosa endometrial e vaginal foram cultivadas para obtenção de 2X106 cel/100 L em meio RPMI, em placas para cultura de tecidos. Após a contagem das células mononucleares no material cultivado, 20 L de solução contendo Mycoplasma bovis (9,95X102UFC/mL), Mycoplasma bovigenitalium (19,25X102 UFC/mL) e Ureaplasma diversum (mínimo de 1X10 UFC/mL), originados da quarta passagem em caldos específicos, foram adicionados às placas, as quais foram mantidas sob incubação a 37º C em tensão de 5% de CO2 por 48 horas. Após este período 50 L do sobrenadante foram retirados e submetidos à reação de Greiss para determinação da produção de NO. A absorbância das amostras foi medida em uma leitora para microplacas, utilizando o comprimento de onda de 540 nanômetros. A confirmação da presença de células mononucleares e dos agentes viáveis após a reação de Greiss foi feita pela avaliação de esfregaços corados pelo Giemsa e do cultivo em ágar Hayflik (M. bovis e M. bovigenitalium) e Agar UB (U.diversum). Todas as amostras celulares produziram NO em resposta aos agentes, sem diferença (p<0,05) entre elas. Sem considerar as reações exacerbadas isoladas, a maior resposta celular observada correspondeu às amostras de sangue periférico e esfregaço vaginal sem exposição aos agentes, e as amostras de conteúdo endometrial desafiadas pelo Mycoplasma bovigenitalium produziram mais NO que aquelas da vagina ou sangue periférico. Em conclusão, verificou-se que os três agentes foram capazes de ativar as células mononucleares e induzir à produção de NO, sugerindo que este seja um caminho de resposta do hospedeiro à primoinfecção por estes agentes, mas provavelmente não é o mais efetivo. Palavras-Chave: Imunidade inata, resposta celular, i-NOS. 53 CHAPTER 3. EVALUATION OF IN VITRO ACTIVATION OF BOVINE ENDOMETRIAL, VAGINAL AND BLOOD MONONUCLEAR CELLS TO PRODUCE NITRIC OXIDE IN RESPONSE TO Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium and Ureaplasma diversum. ABSTRACT The objective of this study was to evaluate, in vitro, the ability of Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis and Mycoplasma bovigenitalium to activate mononuclear cells from the endometrium, vaginal mucosa and peripheral blood of cows for verifying the production of nitric oxide. Thirty three samples of endometrial, vaginal and blood cells were cultivated to obtain 2X106 cel/100 L in RPMI medium, in microplates for tissue culture. After the cell counting 20 L of the broth containing Mycoplasma bovis (9,95X102CFU/mL), Mycoplasma bovigenitalium (19,25X102 CFU/mL) and Ureaplasma diversum (minimum of 1X10 CFU/mL), originated the fourth passage in specific broths were added to the plates, which were kept under incubation at 37º C and 5% CO 2 for 48 hours. After this time 50 L of supernatant was removed and submitted to the Griess reaction to determine the production of nitric oxide. The absorbance of the samples was measured in a microplate reader using the wavelength of 540 nm. The confirmation of the presence of mononuclear cells and viable agents after the Greiss reaction was done through the evaluation of Giemsa stained smears and cultures in agar Hayflik (M. bovis and M. bovigenitalium) and agar UB (U.diversum). All samples produced nitric oxide in response to the agents, with no difference (p <0.05) between them. Without considering the isolated exacerbated reactions, the cellular response to Ureaplasma diversum was lower than to the other agents, and the endometrial samples exposed to Mycoplasma bovigenitalium produced more nitric oxide than those of the vagina or peripheral blood. In conclusion, it was found that the three agents were able to activate mononuclear cells and induce the production of nitric oxide, suggesting that this is a way of response of the host to primoinfection by these agents, but not the most effective. Key words: Innate Immunity, cell response, i-NOS. 54 1. INTRODUÇÃO Os micoplasmas são considerados agentes patogênicos, oportunistas e responsáveis por causar lesões em diversos órgãos, trazendo muitos prejuízos à saúde dos animais. Devido à limitada quantidade de informações no tocante à patogenia desses microrganismos, pouco se sabe sobre a forma como o sistema imune do hospedeiro responde à infecção por eles causada. Microrganismos do gênero Mycoplasma, classe Mollicutes, são as menores e mais simples bactérias que se auto-replicam. Estes microrganismos não apresentam parede celular rígida e são circundados por uma membrana simples chamada membrana plasmática. Bactérias sem parede foram descritas há mais de 100 anos e atualmente existem mais de 190 espécies amplamente distribuídas entre humanos, animais, insetos e plantas. A maioria dos Mollicutes que parasitam humanos e animais são espécies de Mycoplasma e Ureaplasma da família Mycoplasmataceae. Devido ao genoma extremamente pequeno dos micoplasmas (0,58 – 2,20 Mb), estes organismos têm opções limitadas de metabolismo para replicação e sobrevivência (CHAMBAUD et al., 1999; ROTTEM, 2003; YOU et al., 2006). Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium estão diretamente ligados às situações de infertilidade em bovinos, assim como o Ureaplasma diversum (PETIT et al., 2008). Eles estão envolvidos em uma série de eventos que envolvem não apenas o trato reprodutor, e têm sido associados à síndrome do bezerro fraco (weak calf syndrome), desde que bezerros nascidos de vacas positivas para estes agentes apresentam dificuldades respiratórias e podem morrer nas primeiras horas de vida (GIVENS, 2006). Este autor refere-se ao Ureaplasma diversum como o agente do abortamento epizoótico. Até 2004, esses microrganismos constavam da Lista B da Organização Internacional de Epizootias, ou seja, doenças consideradas como um fator sócio-econômico importante e, portanto, de notificação obrigatória. Devido à limitada capacidade de biossíntese, a maioria dos micoplasmas é parasita com especificidade quanto ao hospedeiro e aos tecidos. Depois de entrarem no hospedeiro específico, eles podem se multiplicar e viver por longos períodos de tempo. Estes microrganismos desenvolveram 55 mecanismos necessários para interagir com as respostas imunes do hospedeiro e colonizar outros hospedeiros (ROTTEM, 2003). Alguns pontos permanecem obscuros em relação à ação destes microrganismos nos hospedeiros específicos. Um deles é a permanência na mucosa vaginal, mesmo em animais que não apresentam as lesões tipicamente associadas à vulvovaginite granular (KUNZ et al., 2004). Outro ponto seria a dificuldade na obtenção de mecanismos de imunização (BOOTHBY et al., 1987; MULIRA et al., 1994; BYRNE et al., 2005), assim como do hospedeiro em se livrar do microrganismo mesmo após uma resposta inflamatória sustentada por longo período (KAUF et al., 2007). Adicionalmente, a baixa resposta dos membros da família Mycoplasmatacae aos agentes terapêuticos (AL-MOMANI et al., 2006) dificulta o entendimento de aspectos relacionados à sua patogenia. Por exemplo, os fatores de virulência e os mecanismos de patogenicidade do Mycoplasma bovis não são conhecidos, mas sua habilidade em variar a expressão das proteínas de superfície de membrana (vsp) é muito grande. As vsp estão envolvidas nas variações antigênicas que alteram as características antigênicas de seus componentes de superfície e podem atuar como um fator que eleva a colonização e aderência celular, e assim desviar o mecanismo de defesa imune do hospedeiro (LYSNYANSKY et al., 2001; NICHOLAS & AYLING, 2003). CHAMBAUD et al. (1999) afirmam que existem grandes evidências que sugerem que durante as infecções por micoplasmas, as lipoproteínas de superfície são alvo da resposta imune humoral. A grande imunogenicidade das lipoproteínas comparada a outros antígenos micoplasmáticos é provavelmente causada pela exposição da superfície. Segundo VASSELON & DETMERS (2002), a rápida reação inflamatória que segue a infecção é mediada principalmente por monócitos, neutrófilos e células endoteliais e pode ser reproduzida in vitro na ausência de componentes do sistema imune adaptativo. Produtos bacterianos suscitam o aumento de moléculas de adesão ao endotélio vascular contribuindo para o recrutamento de leucócitos para o foco da infecção e, também, induzem a síntese e liberação de citocinas pró-inflamatórias como o fator de necrose tumoral (TNF), e interleucina 1(IL -1), que ampliam a resposta à infecção. O reconhecimento imune inato age 56 de três formas: induzindo a secreção de citocinas efetoras tais como a IL-12 que controla a diferenciação de células T - CD4; induzindo o aumento de moléculas co-estimulantes em células apresentadoras de antígenos necessárias à ativação de Células T; e induzindo sinais necessários à proliferação de Células B. Assim, a resposta inata aos desafios microbianos controla e instrui respostas imunes adaptativas. A família de receptores conhecidos como receptores do tipo Toll (TLR) exercem papel central no início da resposta imune celular inata. Esta família de receptores fornece proteínas de transmembrana que podem se ligar ao compartimento extracelular, onde ocorre o contato e reconhecimento de patógenos bacterianos, ou ao compartimento intracelular, onde sinalizam o início das respostas celulares (VASSELON & DETMERS, 2002). Os receptores do tipo Toll são expressos constitutivamente pelas células do hospedeiro e estão envolvidos na resposta imediata aos agentes infecciosos, controlando a infecção até que a resposta adquirida se desenvolva. HURST & von LANDENBERG (2008) descrevem os receptores do tipo Toll como proteínas de transmembrana do tipo I que são expressas em várias células do sistema imune tais como células B, macrófagos e tipos específicos de células T. Esta família tem a habilidade de reconhecer vários padrões moleculares associados aos patógenos de diferentes origens tais como bactérias, fungos ou protozoários. Os membros da sub-família dos TLRs incluindo TLR 3, 7, 8 e 9 apresentam localização intracelular no retículo endoplasmático, endossomos e lisossomos nos quais estes receptores reconhecem componentes do ácido nucléico que normalmente são encontrados em bactérias e vírus. Apesar dos micoplasmas serem parasitas de superfície extracelular de hospedeiros e tecidos, algumas espécies podem ocupar ninhos intracelulares (BASEMAN et al., 1995). Eles possuem apenas uma membrana plasmática limitante sem outros sistemas de membrana para proteção. Porém, apesar destes organismos não possuírem parede, eles possuem um grande número de lipoproteínas chamadas proteínas de membrana associadas a lipídios denominadas LAMPs (YOU et al., 2006). Segundo YOU et al. (2006), a resposta imune inata contra agentes infecciosos patogênicos precede a imunidade mediada por células. As células do 57 sistema imune inato reconhecem constituintes dos microrganismos através de receptores específicos, os quais transmitem sinais para dentro da célula. Trabalhos recentes têm demonstrado que, em humanos, receptores do tipo Toll são receptores de superfície de macrófagos para LAMPs, observados nos micoplasmas. Existem pelo menos 10 receptores do tipo Toll em humanos e eles têm demonstrado participação importante na sinalização de padrões moleculares associados aos patógenos, tais como lipopolisacarídeos (LPS), peptidioglicanos e LAMPs (AKIRA et al., 2001; TAKEDA & AKIRA, 2001; VASSELON & DETMERS, 2002). De acordo com VASSELON & DETMERS (2002), TLRs são ativados quimicamente por diversos componentes microbianos. O TLR4 é ativado por lipopolissacarídeos, TLR9 é ativado in vivo e in vitro por DNA bacteriano, TLR3 pode ser ativado por RNA viral (ABRAHAMS, 2005), TLR2 por uma variedade de componentes da parede celular de bactérias Gram-positivas tais como lipoproteínas que podem ser encontradas em bactérias Gram-positivas e Gramnegativas e Mycoplasma spp. , TLR-7 e TLR-10 ainda não estão determinados (ABRAHAMS, 2005), e TLR5 pode ser ativado pela flagelina presente no flagelo bacteriano. Além disso, TLR1 e TLR6 podem se combinar com TLR2 para mediar respostas a alguns produtos microbianos. Tais combinações podem alterar não somente a especificidade de determinado reconhecimento, mas também a natureza e a intensidade dos sinais gerados. Nove TLRs formando homo ou heterodímeros podem resultar em mais de 500 possíveis combinações. TLRs poderiam estar potencialmente associados aos complexos maiores que dímeros, abrindo assim a possibilidade de um grande repertório de combinações. Embora existam muitas evidências de que LAMPs são reconhecidas por TLR 2 e TRL 6, ainda permanece obscuro como os TLR reconhecem seus ligantes. Estudos prévios mostram que LAMPs interagem com TLRs causando indução de citocinas, e que esta via de estimulação foi independente de CD 14 e de lipopolisacarídeos ligados a proteínas (YOU et al., 2006). A ligação de TLR com produtos microbianos resulta na resposta imune inflamatória caracterizada pela produção de citocinas e fatores antimicrobianos. Além disso, através da regulação de moléculas co-estimulantes, receptores do 58 tipo Toll podem facilitar o desenvolvimento de respostas imuno-adaptativas (ABRAHAMS, 2005). Segundo ABRAHAMS (2005), o trato reprodutivo feminino, durante muitos anos, foi visto como um ambiente estéril, livre de microrganismos ou células imunes. Atualmente se sabe que o sistema imune representa um importante componente do trato reprodutivo, influenciando muitas funções biológicas. Além disso, o trato reprodutivo inferior é colonizado por microrganismos comensais que eventualmente podem ascender ao trato reprodutivo superior. Um dos mecanismos de proteção destes órgãos é o processo de reconhecimento realizado pelos receptores do tipo Toll. O óxido nítrico (NO) constitui uma das menores e mais simples moléculas biossintetizadas (MORRIS & BILLIAR, 1994). Trata-se de um derivado do aminoácido L-arginina pela atividade enzimática de três dioxigenases, denominadas óxido nítrico-sintetases (NOS). Dois isômeros dessa enzima são expressos na forma constitutiva (c-NOS) em células endoteliais, nos neurônios, músculos esqueléticos e miométrio (BUHIMSCHI et al, 2000). O terceiro isômero induzido (i-NOS) é identificado nas células do sistema imune, a exemplo dos macrofágos e outras células ativadas por citocinas (MARLETTA, 1988; MONCADA et al., 1991; FLORA FILHO & ZILBERSTEIN, 2000). Até meados da década de 1980, o NO era considerado apenas membro de uma família de poluentes ambientais indesejáveis e carcinógenos potenciais (DUSSE et al., 2003). MONCADA et al. (1991) afirmam que este radical livre gasoso participa de vários processos fisiológicos e patológicos no organismo, tais como regular a pressão sangüínea, suprimir a atividade dos macrófagos, inibir a adesão de leucócitos ao endotélio vascular e promover a apoptose. Segundo ARCHER (1993), o NO pode ser um oxidante ou um redutor, dependendo do meio em que ele está, e é rapidamente destruído pelo oxigênio, sendo que sua oxidação produz nitrito (NO2-) e nitrato (NO3-) (KIECHLE & MALINSKI, 1993). A produção de NO ocorre de duas formas. A forma constitucional que é cálcio/calmodulina dependente e produz pequenas quantidades constantes de NO e a forma indutível citoplasmática, que é cálcio independente e produz grandes 59 quantidades de NO após a ativação celular (PALACIOS-CALLENDER et al., 2007). Segundo DUSSE et al (2003), até o final da década de 70, acreditavase que óxidos de nitrogênio inorgânicos eram produzidos somente por bactérias e que em mamíferos estes compostos derivavam somente da dieta. Posteriormente foi demonstrada a produção de nitrato (NO3-) em camundongos isentos de germes e um estudo do balanço metabólico comprovou a biossíntese de NO3- em homens saudáveis. As observações de que altas concentrações de nitrato eram um achado constante em crianças com diarréia aguda de etiologias diversas sugeriram, pela primeira vez, uma associação entre a produção de NO3- e o sistema imunológico (HEGESH & SHILOAH, 1982). As observações de que animais portadores da deficiência de macrófagos apresentavam baixa excreção de NO3- reforçaram a relação entre o sistema imunológico e a produção de nitrato (SNYDER & BREDT, 1992). O NO é o principal mediador citotóxico de células imunes efetoras ativadas e constitui a mais importante molécula reguladora do sistema imune (HIBBS, et al., 1987; MARLETTA, 1988). No tocante às infecções bacterianas, a síntese de NO se mostrou importante no controle de infecções de uma variedade de bactérias intracelulares, incluindo o Mycobacterium tuberculosis (JUNGI et al, 1999). A detecção do NO em amostras biológicas representa um desafio, em função da ínfima concentração e da meia-vida extremamente curta deste composto, cerca de 4 a 6 segundos no plasma e 10 a 60 segundos nos tecidos (ARCHER, 1993; KIECHLE & MALINSKI, 1993). A habilidade de macrófagos expostos aos componentes bacterianos expressarem óxido nítrico sintetase (iNOS) e gerar NO é considerada uma importante via efetora no combate aos patógenos intracelulares, mas isto também implica numa seqüela imunopatológica ( JUNGI et al. , 1999). O NO resultante da ativação da i-NOS possui ação citotóxica e citostática, promovendo a destruição de microrganismos, parasitas e células tumorais. A citotoxidade do NO resulta da sua ação direta ou da sua reação com outros compostos liberados durante o processo inflamatório (DUSSE et al, 2003). 60 Em processos infecciosos, células ativadas como macrófagos, neutrófilos e células endoteliais secretam simultaneamente NO e intermediários reativos do oxigênio, sendo a ação citotóxica indireta do NO decorrente de sua reação com esses intermediários do oxigênio. A célula produtora de NO e sua vizinhança não estão a salvo da toxicidade dessa molécula, podendo até mesmo ser destruídas (DUSSE et al, 2003). CERQUEIRA & YOSHIDA (2002) ressaltam que lipopolissacarideos (LPS) ou endotoxinas bacterianas, junto com citocinas, como fator de necrose tumoral (TNF- ), IL-1 ou IF- , induzem a síntese de iNOS, de 2 a 4 horas após a exposição ao agente. A iNOS requer síntese protéica para sua expressão e sua atividade persiste por mais de 24 horas (ADAMS & REN, 1996). Segundo KIECHLE & MALINSKI (1993), a indução da iNOS é responsável pelas propriedades citotóxicas do NO. KMONÍČKOVÁ et al. (2007), estudando a relação entre macrófagos, secreção de citocinas por estas células e por mononucleares oriundos de sangue periférico e a produção de NO in vitro verificaram correlação significativa entre estes parâmetros. JUNGI et al (1999), estudando a atividade de várias bactérias e componentes bacterianos em induzir a síntese de NO pelos macrófagos derivados de monócitos e o efeito da co-estimulação de IFN- quando co- administrado a vários componentes bacterianos, concluíram que macrófagos bovinos expostos a interferon- recombinante bovino (rboIFN- ) adquirem mecanismos através dos quais reagem melhor a componentes bacterianos distintos do LPS induzindo a síntese de NO. PELTIER et al. (2005) foram capazes de caracterizar um fator estimulante de macrófagos relacionado ao Mycoplasma hominis, envolvido na infertilidade humana e no desencadeamento do parto prematuro, associando-o mais aos receptores Toll que à liberação de NO. JUNGI et al (1999), estudando a indução da síntese de NO através da exposição às bactérias Gram-negativas, observaram que apesar de se saber que lipopolissacarídeos e bactérias que expressam LPS induzem a síntese de NO em macrófagos bovinos, a proporção de fluido associado à indução de iNOS foi variada, sendo maior para E. coli e menor para M. bovis. Para se distinguir entre os efeitos mediados por LPS e outros componentes, determinou-se o efeito da polymixina –B na indução da síntese de NO por LPS. A atividade de 61 sobrenadantes solúveis bacterianos foi inibida em maior medida do que as próprias bactérias, sugerindo que a atividade indutora de NO se deve em parte a constituintes não-LPS. Segundo SUTCLIFFE & RUSSELL (1995) uma propriedade comum aos micoplasmas e às bactérias Gram negativas é a presença de uma membrana que constitui a camada ultra-periférica de seu envelope celular, ou seja, a camada exterior pode ser revestida com uma cápsula polissacarídica. Entretanto, como o envelope dos micoplasmas carece da parede celular e membrana externa, esta é consideravelmente menos complexa do que a das bactérias Gram negativas. Ambos tipos de envelope contém grande quantidade de lipoproteínas, mas nos micoplasmas estas moléculas estão ancoradas num folheto exterior à membrana plasmática. A presença de grandes quantidades de lipopolissacarideos (LPS) na membrana externa é uma propriedade distinta das bactérias Gram – negativas; entretanto, a membrana plasmática de algumas espécies de micoplasmas também contém lipoglicanos, os quais, embora claramente distintos dos LPS, compartilham com LPS uma membrana lipídica âncora e uma estrutura repetitiva de oligossacarídeos. Adicionalmente, nos micoplasmas algumas lipoproteínas são antígenos variáveis, atravessam ambas as fases e variações de seqüências. Variabilidade na seqüência baseada na presença de motivos repetitivos é, portanto, outra propriedade compartilhada pelos LPS e lipoproteínas, em adição ao seu papel na modulação da atividade do sistema imune do hospedeiro (CHAMBAUD et al.,1999). O termo modulina bacteriana tem sido proposto para descrever agrupamentos de moléculas que induzem a síntese de citocinas com conseqüências patológicas. LPS é uma das modulinas mais estudada, mas existem mais 16 classes de componentes celulares que podem se listados como capazes de estimular a produção de citocinas. Micoplasmas produzem pelo menos três classes de modulinas; lipoproteínas e lipídios e, somente no M. arthritidis, um polipeptídeo super-antigênico (COLE et al., 1996; HENDERSON et al., 1996). Estudos feitos com micoplasmas causadores de síndromes respiratórias em humanos mostraram que a produção parece ser sustentada pelos lipopeptídeos presentes neste microrganismo (MÜHLRADT et al., 1997). 62 Muitos estudos têm mostrado que lipoproteínas estimulam monócitos e induzem a secreção de citocinas pro-inflamatórias, como fator de necrose tumoral (TNF- ), interleucina 6 (IL-6) e IL (1). O sinergismo entre lipoproteínas e LPS in vivo na indução de choque letal e na produção de citocinas pro-inflamatórias sugerem que as lipoproteínas e os LPS ativam macrófagos por diferentes vias, talvez como resultado de diferentes interações com distintos membros da família dos TLR. Os TLRs conservados detectam um espectro de produtos microbianos que incluem não somente LPS e lipoproteínas mas também peptideoglicanos e ácido lipoteicoico (BRENNER et al., 1997; CHAMBAUD et al.,1999). Os lipoglicanos dos micoplasmas podem induzir a morte de determinados tipos celulares, provavelmente pela mediação do NO, em um mecanismo dose dependente (CHELMONSKA-SOYTA et al. 1994). Estes autores, avaliando a habilidade do Ureaplasma diversum em induzir a produção de NO por células mononucleares de camundongos verificaram que a produção ocorreu de forma dose dependente. CHELMONSKA-SOYTA et al. (2001), utilizando cultivos de células do sangue periférico de bovinos e avaliando a produção de NO não verificaram diferenças entre os valores para as células ativadas pelo Ureaplasma diversum (1,38 nM/mL) e aquelas não ativadas (1,34 nM/mL). Para ROSENDAL et al. (1995) muitas das espécies patogênicas de micoplasmas possuem atividade imunomodulatória tais como ativação do complemento, ativação da mitose linfocitária e supressão da função dos macrófagos e neutrófilos. Embora a elevada quantidade de NO disponibilizada ocorra, provavelmente, para proteger o hospedeiro da infecção, seu efeito supressor sobre a proliferação de linfócitos e os danos provocados sobre as células do hospedeiro conferem ao NO uma dualidade entre proteção e destruição inerente a outros componentes da resposta imune (MacMICKING et al, 1997). De fato, dados de GALINDO et al. (2004) mostram quão danificado o endométrio de vacas repetidoras de estro pode se apresentar, independente da patogenicidade do microrganismo isolado. 63 ROSSELLI et al. (1998) apontam o NO como um elemento regulador fisiológico do trato reprodutor de mamíferos, envolvido na remodelação tecidual e presente tanto no endométrio quanto na mucosa cervical e vaginal. ULBRICH et al. (2006) verificaram que o epitélio da tuba uterina bovina é capaz de sintetizar as duas formas do NO (constitucional e indutível), estimulado pela progesterona mas não pelo estradiol, indicando que o NO endógeno está estreitamente relacionado com a função da tuba uterina. Quanto ao endométrio, WOCLAWEK-POTOCKA et al. (2004) mostraram que células endometriais de vacas são capazes de produzir NO durante a fase pré-ovulatória, mas ROBERTO da COSTA et al. (2007) verificaram que as células do epitélio endometrial de éguas são capazes de produzir NO tanto sob ação progesterônica quanto estrogênica, mostrando seu envolvimento na fase proliferativa, a qual caracteriza, nos mamíferos, a fase durante a qual os mecanismos de defesa naturais do útero estão ativados. No entanto, a interface entre a produção de NO por células mononucleares e a imunidade inata parece estar estreitamente relacionada à sua contribuição no controle da replicação ou na morte de microrganismos de parasitismo intracelular (BOGDAN et al., 2001). Recentemente PORTO et al. (2008) evidenciaram a extensa destruição tecidual presente em amostras oriundas do trato reprodutor de vacas naturalmente infectadas por Ureaplasma diversum, o que pode estar relacionado com este efeito destrutivo, mas este, como a maior parte dos micoplasmas e ureaplasmas, é um agente de ação extracelular. Paradoxalmente, as dificuldades encontradas no tratamento das micoplasmoses genitais em bovinos, a facilidade de re-infecção, assim como no desenvolvimento de vacinas que sejam efetivas na proteção contra esses agentes leva os pesquisadores a acreditarem haver ainda elementos desconhecidos envolvidos na patogenia desses microrganismos. Durante um processo inflamatório do trato reprodutor feminino causado por micoplasmas ou pelo Ureaplasma diversum as alterações histopatológicas mais comuns são caracterizadas pelo infiltrado de neutrófilos e células mononucleares, o que sugere a estimulação da resposta celular e de mediadores inflamatórios. Para ARAI et al. (1990), um fenômeno que pode contribuir na patogenia das doenças causadas por micoplasmas é sua capacidade mitogênica 64 sobre os linfócitos, sua habilidade em induzir a blastogênese e a produção de citocinas. Com base nas evidências de que o óxido nítrico mantém significativa associação com a destruição tecidual mediada pelos processos inflamatórios, e de que os membros da família Mycoplasmatacae com afinidade pelo trato reprodutor dos bovinos são capazes de promover reações locais severas, sem, no entanto, exercer parasitimo intracelular, foi questionado se o Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e o Ureaplasma diversum seriam capazes de ativar células mononucleares bovinas e assim, desencadear alguma resposta sinalizadora do reconhecimento deles no trato reprodutor. Com o objetivo de avaliar, in vitro, a habilidade do Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium em ativar células mononucleares oriundas do endométrio, mucosa vaginal e sangue periférico de vacas negativas para estes agentes, por meio da verificação da produção de NO, contribuindo assim para o entendimento da patogenia destes agentes, é que se desenvolveu este trabalho. 2. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi desenvolvido no Setor de Reprodução Animal do Departamento de Produção Animal da Escola de Veterinária, e no Laboratório de Imunologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás, no período de agosto a novembro de 2007. Para se avaliar a ativação de células mononucleares endometriais, vaginais e no sangue periférico pela produção de óxido nítrico em resposta à exposição ao Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e Ureaplasma diversum foram colhidas amostras de material celular endometrial, vaginal e sangue total de 33 fêmeas bovinas adultas, hígidas, não gestantes, oriundas de um único lote de manejo. A colheita do material celular endometrial foi realizada conforme descrito por GALINDO et al. (2004), com auxílio de uma escova ginecológica descartável, de uso humano, acoplada a uma haste plástica flexível. Para evitar o contato da escova com as mucosas vaginal e cervical, a mesma era acomodada 65 no interior de uma bainha francesa utilizada para inseminação artificial, protegida por camisa sanitária. Este conjunto era introduzido pelo canal cervical até o corpo do útero e, após o rompimento da camisa sanitária, já no corpo do útero, efetuava-se pressão através do reto, pressionando-se a parede uterina contra a escova ginecológica, ao mesmo tempo em que eram feitos movimentos de rotação desta, permitindo o contato com o endométrio e a colheita de células. As amostras eram então colocadas em frascos plásticos devidamente identificados e contendo 4mL de solução tampão fosfato estéril e acondicionadas em gelo. A colheita do material celular vaginal também foi realizada com auxílio de escova ginecológica descartável de uso humano. Para evitar a contaminação da escova efetuou-se a higienização seca da região vulvar externa com papel toalha descartável. Enquanto um auxiliar da equipe mantinha os lábios vulvares do animal abertos, outro colhia esfregaços da região vaginal, pela fricção da escova ginecológica na referida mucosa. Os esfregaços foram imediatamente introduzidos em frasco plástico contendo 4mL de solução tampão fosfato estéril e acondicionados em gelo. Após a obtenção de amostras de material celular endometrial e vaginal, colheu-se uma amostra de 10 mL de sangue de cada animal, por meio da punção da veia coccígea com auxílio de agulhas descartáveis 40 X 12 mm, depositandose o sangue em tubos de ensaio de vidro esterilizados com tampa de borracha e heparina, e mantidos sob refrigeração. Imediatamente após o término das colheitas, todos os tubos foram levados ao Laboratório de Imunologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG para processamento. A contagem das células foi realizada em câmara de Neubauer, para obtenção da concentração de 2 x106 células/100 L de meio constituído por uma mistura de sais enriquecidos com aminoácidos, vitaminas e outros componentes essenciais para o crescimento celular (meio RPMI) e cultivada por 48 horas em placa de cultura de tecido, esterilizadas, com 96 poços e capacidade de 50 L cada. Após a adição de 20 µl do caldo Hayflick da quarta passagem da cepa ATCC (American Type Cell Culture) 25523 (Donetta) de Mycoplasma bovis, cepa ATCC 19852 de Mycoplasma bovigenitalium e do caldo UB da quarta passagem da cepa ATCC 49783 do Ureaplasma diversum à placa de cultura de tecidos com células mononucleares, fez-se incubação por 48 horas, a 37º C, em uma tensão 66 de 5,0% de CO2. Na fase final, 50µl do sobrenadante da cultura de células foram removidos e colocados em outra placa, acrescentando-se 50µl do reagente de Griess, e após o período de repouso por dez minutos à temperatura ambiente, procedeu-se a determinação da concentração de NO utilizando o leitor automático de microplacas (ORGANON, Reader 2001, USA) com um filtro 540 nanômetros. O grupo-controle negativo constou de suspensão celular sem presença de microrganismos. Os resultados foram expressos em nanomols (nM) a partir de uma curva-padrão estabelecida em cada ensaio, constituída de concentrações nanomolares conhecidas de óxido nítrico. Para verificação da presença de células mononucleares e dos microrganismos no material endometrial, vaginal e sanguíneo, foram feitos esfregaços a partir da cultura de células (grupo controle negativo) e da cultura de células expostas ao Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e Ureaplasma diversum, obtendo-se as alíquotas diretamente da placa de cultura de tecido. Retirou-se uma gota do sedimento presente nos poços da placa e depositou-se em lâminas de vidro, confeccionando-se esfregaços. Posteriormente, foram fixados em metanol por cerca de 5 minutos, sendo submetidos posteriormente à técnica de coloração pela Solução de Giemsa (3 gotas em 1 mL de água destilada), permanecendo nesse corante por 3 minutos, e armazenadas para posterior avaliação em microscópio ótico, seguindo o proposto por CORREA & CORREA (1992). A avaliação foi feita em microscópio ótico binocular, com aumento de 400X, percorrendo-se a lâmina em zigue-zague, tomando-se campos microscópicos das regiões de maior concentração celular, observando-se as células de descamação, leucócitos e presença de microrganismos, segundo descrito por GALINDO et al. (2004). Da mesma forma, para comprovação da concentração de microrganismos pós-ensaio, alíquotas foram aleatoriamente retiradas das placas imediatamente após a leitura da absorbância. Estas alíquotas foram cultivadas nos caldos Hayflik e UB por 18 horas, semeadas em agar Hayflik e UB e cultivadas por 48 a 72 horas, efetuando-se a contagem das unidades formadoras de colônia em estereomicroscópio. 67 Os resultados foram tabulados e submetidos à análise de variância, com nível de significância estabelecido em 5% (p<0,05). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Todos os cultivos celulares, expostos ou não aos agentes patogênicos mostraram produção de NO pela Reação de Griess. A Tabela 1 traz as freqüências de amostras de sangue periférico, vagina e útero com maior produção de NO em relação aos meios de cultivo celulares. Durante a realização dos exames verificou-se que não havia amostras de sangue periférico de seis animais (18,18%), um animal sem amostras de esfregaço vaginal (3,03%) e nove animais sem amostra de esfregaço uterino (27,27%). TABELA 1 – Freqüência de amostras de sangue, vagina e útero com maior produção de NO em relação aos meios de cultivo celulares Goiânia, 2007 Cultivos celulares* Meio UD MB MBv Total Sangue N 11 5 5 6 27 % 33,34 15,15 15,15 18,18 81,82 Amostras Vagina N % 10 30,31 7 21,21 7 21,21 8 24,24 32 96,97 Útero N 7 5 3 9 24 % 21,21 15,15 9,10 27,27 72,73 *Meio: Somente cultivo celular; UD: cultivo celular + Ureaplasma diversum; MB: cultivo celular + Mycoplasma bovis; MBv: cultivo celular + Mycoplasma bovigenitalium. Não houve diferença entre a produção de NO nas amostras de cultivos celulares de sangue periférico, vagina e útero submetidas ou não ao desafio com os três agentes estudados. Nas amostras de sangue periférico verificou-se maior produção de óxido nítrico no grupo controle representado pelo cultivo celular sem exposição a nenhum dos agentes (33,34%), seguido pelo cultivo celular exposto ao M. bovigenitalium (18,18%). 68 Nas amostras de esfregaço vaginal também observou-se maior produção de NO quando havia somente células vaginais sem exposição a nenhum agente (30,31%), seguido pelo cultivo celular exposto ao M. bovigenitalium (24,24%). Já nos cultivos de células endometriais a maior produção de NO foi verificada nos cultivos celulares expostos ao M. bovigenitalium (27,27%), seguido pelo grupo controle (21,21%). As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam os resultados relativos à produção de NO em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de sangue periférico, vagina e endométrio, expostos aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium para todas as amostras, respectivamente. 69 TABELA 2 – Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de sangue periférico, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium – Goiânia, 2007. ANIMAL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 Meio 3,95 4,52 5,79 8,15 4,81 2,92 11,67 2,92 19,37 5,04 4,87 4,33 5,62 4,33 3,72 5,27 4,35 4,12 19,37 4,00 11,22 --3,98 --2,18 22,12 --4,53 19,82 0,35 SANGUE (nM/mL) UD 4,29 4,24 4,52 3,89 4,52 4,05 10,26 4,05 2,56 6,02 6,14 2,77 4,81 2,77 3,89 4,87 8,50 4,52 2,56 4,70 5,90 --4,25 --5,55 5,99 --4,71 14,14 0,81 MB 5,16 4,70 4,52 3,72 7,17 4,68 9,26 4,68 2,63 5,45 4,52 3,06 4,41 3,06 3,95 17,84 4,75 5,16 2,63 4,24 3,78 --2,53 --1,47 5,19 --4,80 2,98 0,53 MBv 4,41 4,87 4,75 6,48 6,14 7,29 5,60 7,29 3,76 5,12 4,47 2,85 4,64 2,85 4,06 7,17 4,58 4,52 3,76 4,12 2,80 --2,08 --17,42 7,94 --3,44 1,65 2,08 *Meio: Somente cultivo celular; UD: cultivo celular + Ureaplasma diversum; MB: cultivo celular + Mycoplasma bovis; MBv: cultivo celular + Mycoplasma bovigenitalium Os macrófagos podem ser induzidos a liberar NO por uma variedade de estímulos, tais como produtos de bactérias e citocinas, e alguns micoplasmas 70 são capazes de efetuar esta indução. A produção de NO parece permitir ao macrófagos sustentar a atividade citostática e citotóxica contra bactérias, vírus, protozoários, helmintos, e ao mesmo tempo, permite ao macrófago produzir outras substâncias que favorecem o combate aos agressores (BOGDAN, 2001). JUNGI et al. (1999) sugerem que somente os macrófagos bovinos, e não os monócitos, são capazes de expressar altos níveis de iNOS mediante a exposição a constituintes bacterianos, o que explicaria as baixas concentrações de NO encontradas nas amostras de sangue periférico no presente experimento. Ainda, estes mesmos autores afirmam que a ativação de monócitos e macrófagos bovinos produzem óxido nítrico de forma dependente da iNOS, demonstrando, in vitro, que a regulação de iNOS dependente de citocinas em macrófagos bovinos é distinta, e que monócitos adquirem a habilidade de responder a estímulos bacterianos através da síntese de NO durante a diferenciação para macrófagos. Os mesmos autores verificaram que a indução à produção de NO foi menor para Mycoplasma bovis quando comparada a outros agentes como a E. coli, por exemplo. 71 TABELA 3 – Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de zaragatoas vaginais, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium – Goiânia, 2007. ANIMAL Meio 1 3,69 2 5,45 3 3,20 4 3,80 5 3,95 6 7,35 7 5,10 8 5,16 9 5,10 10 5,16 11 16,48 12 4,40 13 3,62 14 14,64 15 7,44 16 5,16 17 3,80 18 14,57 19 14,57 20 5,18 21 4,80 22 0,08 23 4,98 24 0,81 25 22,30 26 46,25 27 -28 1,08 29 4,22 30 0,26 31 2,89 32 0,08 33 17,31 *Meio: Somente cultivo celular; VAGINA (nM/mL) UD MB MBv 2,92 2,85 3,90 4,24 8,27 4,64 3,48 2,99 3,13 3,80 3,69 13,27 4,29 13,74 4,58 3,89 11,61 8,15 9,10 5,74 5,63 3,95 4,47 4,46 9,10 5,74 5,63 4,16 4,27 3,80 4,68 2,99 11,96 3,98 8,35 2,92 2,85 4,05 2,56 2,63 3,76 3,20 3,62 4,33 2,99 4,16 4,27 3,80 3,80 3,69 13,27 3,13 4,19 3,48 3,13 4,19 3,48 8,92 8,64 13,51 4,80 5,34 2,80 0,26 0,26 0,53 14,59 10,87 8,97 0,17 0,17 1,90 8,79 19,31 7,52 48,06 46,52 19,31 ---1,54 0,44 1,44 4,93 6,08 6,12 1,53 0,26 0,44 0,85 0,59 0,32 0,15 0,08 0,26 12,60 25,48 8,06 UD: cultivo celular + Ureaplasma diversum; MB: cultivo celular + Mycoplasma bovis; MBv: cultivo celular + Mycoplasma bovigenitalium A produção de NO é uma ação genuinamente originada nas células do sistema imune (BOGDAN, 2001). No presente estudo verificou-se grande variação na produção de NO, medida como nitrato, que foi mais elevada, na maior parte das amostras, nos cultivos celulares obtidos de material vaginal. Isto pode 72 estar relacionado ao modo de obtenção das células, com maior quantidade no material colhido da mucosa vaginal, ou mesmo à rapidez de resposta das células mononucleares presentes na mucosa vaginal, já que esta seria a primeira e principal via de acesso dos microrganismos no trato reprodutor feminino. TABELA 4 – Produção de óxido nítrico, em nM/mL, em cultura de células mononucleares oriundas de amostras de zaragatoas endometriais, expostas aos cultivos bacteriológicos de Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium – Goiânia, 2007. ANIMAL 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 *Meio: ÚTERO (nM/mL) Meio UD MB MBv 3,27 2,99 3,06 3,13 2,99 14,15 5,32 12,80 --------6,31 5,79 4,47 5,27 ----4,27 4,33 4,10 6,16 ----4,24 4,58 9,13 4,58 ----10,12 3,27 2,99 3,62 10,47 18,95 4,19 7,79 --------7,65 9,55 3,41 52,64 ----2,92 2,49 3,06 2,70 ----2,14 2,42 2,56 20,29 3,62 30,32 2,92 5,25 0,63 0,72 1,08 0,81 1,99 0,26 0,26 0,81 52,25 19,82 32,49 9,54 1,65 1,21 0,68 3,69 3,78 0,94 0,85 0,59 0,63 0,53 1,99 36,81 1,83 1,38 1,21 4,49 0,44 0,44 0,44 0,53 1,12 2,18 1,21 1,03 4,89 1,80 1,44 3,44 2,09 1,21 1,30 7,14 5,80 40,62 7,88 10,97 1,03 2,18 2,62 14,06 Somente cultivo celular; UD: cultivo celular + Ureaplasma diversum; MB: cultivo celular + Mycoplasma bovis; MBv: cultivo celular + Mycoplasma bovigenitalium 73 Considerando que as células epiteliais uterinas também têm a habilidade de produzir NO, como comprovado por ROSSELLI et al. (1998) e WOCLAWEK-POTOCKA et al. (2004), é possível que parte do NO detectado nas amostras de endométrio tenha origem nas células epiteliais presentes, e não apenas nas células mononucleares. Não existem relatos na literatura especializada utilizando amostras de endométrio e mucosa vaginal colhidas diretamente de fêmeas bovinas, sem nenhum tratamento pré-exposição aos microrganismos. Com amostras oriundas da espécie bovina, existem apenas os relatos feitos por CHELMONSKA-SOYTA et al.,(1994 e 2001), testando o U. diversum em cultivos de macrófagos de peritônio de camundongos e em cultivos de células mononucleares de sangue periférico de bovinos, respectivamente. Os valores descritos neste estudo estão mais elevados que aqueles relatados por CHELMONSKA-SOYTA et al.,(1994), testando apenas o U. diversum, (0,46 a 0,96 nM/mL) em cultivos de macrófagos de camundongos, mas os autores ressaltaram que as células mononucleares bovinas deveriam ser testadas. Quando utilizaram cultivos de células mononucleares de sangue periférico, CHELMONSKA-SOYTA et al. (2001) não verificaram diferenças entre os valores para as células ativadas ou não pelo Ureaplasma diversum, dado compatível com aqueles aqui apresentados. A produção de óxido nítrico observada em todos os cultivos celulares, desafiados ou não, mostrou-se irregular com valores variando de 0,35 a 19,82 nM/mL em cultivos com células do sangue periférico; 0,08 a 48,06 nM/mL em cultivos com células vaginais e 0,26 a 52,64 nM/mL em cultivos com células endometriais. Esses resultados sugerem que as concentrações maiores são decorrentes da produção inespecífica oriunda de células não integrantes do sistema imune. A avaliação citológica dos esfregaços corados confirmou a presença dos microrganismos e de células epiteliais (Figura 1). Pode-se observar a presença de microrganismos variando sua forma de esférica até delgados filamentos ramificados, conforme descrito por CARDOSO (2003), células de descamação epitelial vaginal e uterina, presença de hemácias e leucócitos nas amostras de sangue periférico. 74 FIGURA 1 – A – Fotomicrografia de esfregaço oriundo de cultivo de células vaginais e U. diversum mostrando presença de célula epitelial de descamação com agente aderido externamente (seta) (400X - Giemsa) e B – presença de microrganismos de forma filamentosa - Ureaplasma diversum (seta) (400X - Giemsa); C - Esfregaço oriundo de cultivo de células do sangue e M. bovis, mostrando célula mononuclear ativada (seta) (1000X - Giemsa). D - Esfregaço oriundo de cultivo de células endometriais e M. bovigenitalium mostrando célula mononuclear (400X - Giemsa). Nas amostras cultivadas após a leitura das placas verificou-se a concentração de 8,44X103 UFC/mL (Unidades Formadoras de Colônias) de Mycoplasma bovis; 10,04X103 UFC/mL de Mycoplasma bovigenitalium e 1,04X103 UFC/mL de Ureaplasma diversum. A obtenção de cultivos positivos para os três microrganismos nas alíquotas retiradas após a leitura da produção de NO, em concentrações mais elevadas que aquelas inoculadas pode indicar que, embora os agentes tenham ativado as células para produção de NO, o efeito citotóxico do NO, como relatado por HIBBS, et al, (1987) e MARLETTA (1988) não foi efetivo sobre estes organismos, pois mantiveram sua replicação. 75 Tem sido descrito que lipoproteínas de micoplasmas estimulam respostas imunes do hospedeiro. Entretanto, infecções por micoplasmas não são necessariamente associadas com uma resposta inflamatória forte e alguns micoplasmas colonizam o trato respiratório e urogenital sem sintomas clínicos aparentes, sugerindo que tenham desenvolvido mecanismos de supressão da síntese das citocinas pró–inflamatórias (ROTTEM, 2003), as quais induzem a síntese de NO (CERQUEIRA & YOSHIDA, 2002). Estes mecanismos podem ser responsáveis por desregular a resposta imune imediata, prejudicando o reconhecimento do agressor por parte do hospedeiro. LI et al. (2000) descrevem que a produção de NO por macrófagos induzida pelo U. urealyticum não utiliza a via das citocinas. Coerente com esta idéia foi demonstrado que proteínas associadas a lipídios, incluindo lipoproteínas de M. fermentans também induzem a produção de IL-10, mas não IL-12 em monócitos humanos recém-isolados. IL-10 entre outras citocinas suprimem respostas inflamatórias. Seria, portanto, aparente que a intensidade das reações inflamatórias decorrentes de infecções por micoplasmas seja determinada por uma reação cruzada entre citocinas (CHAMBAUD et al.,1999). ROSENDAL et al. (1995) discutem que o mecanismo pelo qual os micoplasmas desencadeiam respostas mediadas pelas citocinas seja diferente daquele mediado pelos lipopolissacarídeos, já que micoplasmas não possuem este elemento associado à membrana. Além disso, deve se discutir a ação predominantemente parácrina do NO. Em condições normais, microrganismos de parasitismo intracelular induzem a produção de NO pelas células mononucleares, predominantemente pelos macrófagos, e o NO liberado atua sobre as células vizinhas, levando-as à morte, e desta forma, matando os organismos internos. O fato de micoplasmas e ureaplasmas atuarem mais efetivamente em um mecanismo extracelular pode prejudicar o reconhecimento do agressor por parte do hospedeiro, resultando em menores quantidades de NO liberadas nos ensaios in vitro. Neste contexto, seria fundamental a participação dos receptores Toll reconhecendo micoplasmas ou parte deles e gerando uma resposta por meio de células do sistema imune do hospedeiro. O receptor do tipo Toll humano 2 (TLR2) foi determinado como um receptor de superfície de macrófagos para LPS e 76 lipoproteínas, assim, é possível que outros membros da família dos receptores do tipo Toll tenham uma função similar sendo capazes de deflagrar a resposta imune frente aos micoplasmas e ureplasmas. Depois da ativação de TLR pelo LPS, o sinal é transmitido através da membrana plasmática, resultando na ativação de fatores nucleares e a regulação de genes responsivos (CHAMBAUD et al.,1999). Os resultados apresentados mostram que o Ureaplasma diversum, Mycoplasma bovis e Mycoplasma bovigenitalium são capazes de ativar a produção de óxido nítrico em material celular oriundo do endométrio, mucosa vaginal e sangue periférico de vacas, sugerindo que este seja um dos mecanismos envolvidos na resposta imediata do trato reprodutor à infecção por estes agentes, desencadeada pelo sistema imune inato de defesa, mas não o mais efetivo. 4. REFERÊNCIAS 1. ABRAHAMS, V.M. Toll-like receptors in the cycling female reproductive tract and during pregnancy. Current Women’s Health Review, Karachi, v. 1, p. 35-42, 2005. 2. ADAMS, J.S.; REN, S.Y. Autoregulation of 1,25-Dihydroxyvitamin D syntheses in macrophage mitochondria by nitric oxide. Endocrinology, Baltimore, v. 137, n. 10, 1996. 3. AKIRA, S.; TAKEDA, K.; KAISHO, T. Toll-like receptors: critical proteins linking innate and acquired immunity. Nature Immunology, Nova York, v. 2, p. 675-680, 2001. 4. 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Contudo, isto requer um sólido conhecimento da biologia e patogenia destes agentes pois são conhecidos como as menores bactérias capazes de autoreplicação, de caráter oportunista e que necessitam parasitar células do hospedeiro na dependência de nutrientes pré-existentes, pois faltam a eles muitas das vias metabólicas associadas à produção de energia e à síntese de componentes celulares. A forma como os micoplasmas evoluem e adquirem patogenicidade, incluindo a adesão celular e a forma como conseguem passar desapercebidos pelas células fagocíticas, bem como seus mecanismos de fuga do sistema imune inato é intrigante. Nos bovinos a presença do Mycoplasma bovis, do Mycoplasma bovigenitalium e do Ureaplasma diversum no rebanho está estreitamente relacionada com queda na eficiência reprodutiva, repetição de estro, abortamento e nascimento de bezerros fracos. O primeiro estudo apresentado avaliou o efeito tecidual da infecção natural pelo Ureaplasma diversum, utilizando fragmentos de tuba uterina, útero, cervix, fornix, vagina e vulva de novilhas que não eram consideradas inférteis no rebanho de origem, com base na hipótese de que a presença ou a severidade das lesões ficassem circunscritas à mucosa vulvovaginal. Os resultados mostraram que todos os segmentos do trato reprodutor feminino são afetados, com lesões histopatológicas compatíveis com o comprometimento do processo reprodutivo desde a capacitação do gameta masculino para a fertilização e do gameta feminino para ser fertilizado até a manutenção da gestação. No segundo trabalho avaliou-se, in vitro, a habilidade de células mononucleares uterinas, vaginais e sanguíneas de vacas em responder à 83 infecção por Mycoplasma bovis, Mycoplasma bovigenitalium e Ureaplasma diversum com base na hipótese de que o primeiro caminho de resposta do sistema imune inato a estes agentes seria a apresentação do antígeno pelas células mononucleares, sinalizada pela produção de óxido nítrico. Os resultados mostraram que os agentes foram capazes de ativar a produção de óxido nítrico, porém de forma irregular, sugerindo que este seja um dos mecanismos envolvidos na resposta imediata do trato reprodutor à infecção por estes agentes, desencadeada pelo sistema inato de defesa, mas não o mais efetivo. Os dados aqui apresentados mostram a necessidade de mais estudos, inclusive testando cepas de campo, teoricamente com maior virulência que cepas ATCC, utilizando cultivos celulares.