Breves considerações sobre a prática do Serviço Social na área do

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DO
LAZER
Autora: Marina de Carvalho Alecrim Alves
Orientador: Luis Eduardo Acosta
Programa de Pós-Graduação da ESS/UFRJ
Resumo: O presente trabalho tem como tema central a prática
profissional na área do Lazer, com a finalidade de analisar de
maneira histórica as possibilidades e limites da atuação do
Serviço Social neste espaço ocupacional. Dessa maneira, a
partir da pesquisa bibliográfica, apresentamos uma breve
discussão sobre a história do Serviço Social no Lazer e
análises para se pensar o espaço/momento de lazer na sua
potencialidade de controle e adaptação aos valores da
sociedade capitalista, mas também na sua capacidade de ser
um espaço de lutas contra-hegemônicas e de questionamento
desta ordem. Palavras-chaves: Serviço Social; Lazer; Prática
Profissional
Abstract: This study's main objective is the professional practice
concerning Leisure, analysing the historical context and the
possibilities and limitations of the Social Work in the Leisure.
After a bibliographical research we present a brief discussion
about the Social Work history on Leisure and also analyze the
possibilities of using the leisure space/moment in its potential
to control and adapt the capitalist's society values, and also in
its capacity as a place of questioning these values and also to
promote a counter-hegemonic struggle. Keywords:Social Work;
Leisure; Professional Practice.
I-Introdução
Este trabalho é fruto da minha dissertação de mestrado em Serviço Social no
Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ, sob a orientação do
Prof. Dr. Luis Acosta. Neste artigo, apresento parte das minhas reflexões e preocupações
sobre o exercício profissional, no qual tenho como objetivo fazer uma análise da prática do
assistente social na esfera do Lazer, buscando captar suas possibilidades e limitações,
através da pesquisa bibliográfica.
Primeiramente, o interesse por este tema se deu pela minha inserção como
assistente social do Clube da Esquina – por uma sociedade sem manicômios, que por ser
apoiada pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ – IPUB, tem sua equipe formada por
profissionais deste Instituto, como ocorre no meu caso. Mas a vontade de escrever sobre
este tema, se consolidou após a observação de que são raros os trabalhos desenvolvidos
sobre o tema de maneira direta ou indireta.
Considerando que a área do Lazer se apresentou como um dos primeiros espaços
de atuação do Serviço Social e que até hoje muitos profissionais trabalham direta ou
indiretamente neste campo, este trabalho visa contribuir para pensarmos a prática
profissional nesta área.
II-Desenvolvimento
Segundo Iamamoto e Carvalho (2005a,p.309), o processo de surgimento e
desenvolvimento de diversas instituições assistenciais, com caráter estatal, privada ou
mesmo autárquicas, como a LBA, SESC, SENAI, SESI, Fundação Leão XIII, etc., é também
o processo de legitimação e institucionalização do Serviço Social. Com a implementação
destas instituições e da criação de um mercado de trabalho para a profissão por meio
destas, o Serviço Social pôde se consolidar para além das suas origens no seio da Igreja
Católica, passando a ser uma atividade legitimada tanto pelo Estado quanto pelo conjunto
do bloco dominante.
Dentro destas grandes instituições assistenciais, o Serviço Social sofrerá algumas
modificações. Primeiro, sua intervenção não se dá mais através da legitimidade da missão
de apostolado social e passa a ser legitimada por um aparato jurídico e institucional, isto é,
sua legitimidade vem de um mandato institucional. A sua atuação não será mais dispersa e
sem continuidade direcionada para uma pequena parcela pobre da cidade, mas sim uma
prática institucionalizada voltada para atuação com grandes segmentos do proletariado. Em
suma, o Serviço Social mantém sua ação educativa e disciplinadora das classes
subalternas, porém não mais direcionado pela salvação e recristianização, e seus agentes,
agora assalariados, empreendem ações metódicas e burocratizadas, orientadas para o
ajustamento, disciplinamento e para o dissolvimento dos conflitos de classe.
Quando observamos as funções que as instituições assistenciais delegavam aos
assistentes sociais, verificamos uma intenção clara de controle e disciplinamento,
principalmente, do tempo livre dos trabalhadores e com a formação educacional dos filhos
destes.
As conquistas do proletariado por maior tempo livre advindas da diminuição da
jornada de trabalho, do direito à férias e descanso semanal, provocou como resposta uma
maior preocupação com o tempo livre deste trabalhador que poderia ocasionar desgastes e
com isso uma menor produtividade no tempo de trabalho, além de ser perigoso por propiciar
possibilidade de se aproximar de ideias subversivas que acarretavam em resistência ao
modelo de desenvolvimento imposto.
Considerando que os trabalhadores não sabiam cultivar o lar e facilmente se perdiam
em vícios, em conversas fiadas em bares, em atividades desgastantes e improdutivas no
seu tempo livre e se deixavam levar pelas ideias perigosas do comunismo, duas grandes
instituições são criadas, pelo empresariado, para controlar e solucionar este problema, elas
são o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC).
O Serviço Social vai conquistando espaços nestas instituições nos mais variados
setores. Segundo Iamamoto e Carvalho (2005a, p.277), dentro da estrutura do SESI existia
a Divisão de Serviço Social que tinha por função atuar em todos os setores “promovendo e
facilitando a adaptação das atividades às necessidades dos operários”, no sentido de que
elas sejam usadas na educação e formação social do trabalhador, com a finalidade de
conseguir o melhor rendimento possível dos recursos existentes no SESI.
Em síntese, de acordo com Iamamoto e Carvalho (2005a, p.282),
“A incorporação e a institucionalização do Serviço Social pela
burguesia industrial, como resposta a uma conjuntura marcada pela
liberalização do regime político e pelo crescimento do movimento
operário, aponta para um dos extremos que o compõe: seu
funcionamento declarado e explícito como instrumento políticorepressivo. O objetivo estatutário de ' destruir os elementos
propícios à germinação de ideologias dissolventes', por meio de
mecanismos assistenciais, diante de sua inviabilidade e da crítica
teórica e prática do proletariado, torna-se na tentativa de procurar
contrapor-se àquelas ideologias 'dissolventes' por intermédio de
uma ação política, ideológica e repressiva que se apoia na base
material fornecida pelos equipamentos assistenciais.
Assim, verificamos que nessa conjuntura as ações do Serviço Social na área do
Lazer carregavam um conteúdo político conservador, persuasivo e moralista. A intervenção
profissional estava carregada de valores que buscavam fazer com os indivíduos utilizassem
seu tempo livre para se adequar as relações impostas pelo desenvolvimento do capital, com
intuito de ajustar e disciplinar dentro e fora do tempo de trabalho. Os usuários eram vistos
como desajustados e cabia ao Serviço Social uma prática social com cunho educativo que
fosse capaz de veicular, introduzir e induzir mudanças de comportamento, sem que a
estrutura de classes fosse questionada. Dessa forma, o problema estava no indivíduo e nas
suas formas de conduzir a vida. O assistente social deveria detectar as atitudes dos
usuários que causavam as suas condições precárias de vida, modificar a representação que
os sujeitos faziam de sua situação de vida para com isso mudar a sua atitude em relação à
mesma. Isto significa, estabelecer o conformismo com a ordem vigente e instalar a ideia de
que o problemas sociais são problemas dos indivíduos, levando assim ao afastamento das
ideias comunistas e dos espaços de organização independente da classe, além de repudiar
os modos de vida e cultura dessa população.
Nesse sentido, as práticas do Serviço Social se caracterizavam por sua forma
educativa a qual se baseava teoricamente na inadaptação da sua população-cliente ao
usufruto produtivo e ajustador dos serviços e equipamentos assistenciais. A intervenção dos
assistentes sociais, nos seus diferentes espaços de atuação, constituíam numa prática
social de inculcação ideológica com ações normativas no modo de vida dos sujeitos. Nessa
lógica, o Serviço Social contribuía para a manutenção e reprodução da dominação de classe
através não só da interiorização e estímulo a aceitação desta ordem, mas também pela
constante recriação e inculcação de formas mistificadas que obscureciam a exploração e a
dominação.
Para o Serviço Social, as demandas dos usuários não eram vistas enquanto direito,
mas como manifestações de carência. Assim, tanto para o Serviço Social quanto para as
instituições assistenciais, o Lazer se configurava enquanto benesse, como parte das
atividades oferecidas pelas instituições, que se constituía em objeto de barganha para
conquistar interesses em prol dos grupos da burguesia industrial e comercial da época.
Através do Lazer era passada ideias de aceitação da ordem estabelecida, se impunha a
forma como se deveria se utilizar o tempo livre, se tentava afastar o operariado das ideias
comunistas, enfim o objetivo era controlar e disciplinar o tempo livre para afastar o perigo do
comunismo e incrementar a produtividade dos trabalhadores. Assim, o tempo fora do
trabalho do operariado era preenchido com atividades que recuperassem sua força física e
mental sem que houvesse qualquer referência aos antagonismos da luta de classes.
O Serviço Social é um dos instrumentos utilizados para ocupação deste tempo
resgatado ao capital, buscando neutralizá-lo e retirar sua possibilidade de relativa autonomia
e liberdade, que será usado sempre que possível para explorar as possibilidades de “lazer
popular”. Nesse momento, o Serviço Social busca sua fundamentação para justificar sua
intervenção no tempo/espaço de lazer nas argumentações conservadoras das corporações
empresariais, tais como encontramos em Mancini (1940 apud IAMAMOTO e CARVALHO,
2005a, p. 288 e 289):
“As férias podem, pois, em certas circunstâncias, tornar-se
contraproducentes. Que fará, realmente, o operário em férias se,
em lugar da associação onde cultive seu espírito, existe o botequim
corrompedor, se a habitação é uma pocilga, se a família o atordoa
com lamúrias, se os vícios são multiformes, acessíveis, vivem em
cada canto acumpliciados para seduzi-lo, narcotizá-lo e deprimi-lo,
se lhe falta ambiente sentido, ideal de vida? (…) As férias devem
possuir um sentido essencialmente reajustador. A receptividade
humana, nesse período, é muito sensível. As férias têm função
social elevada em nossos dias; cabem-lhe proporcionar ao homem,
estreito com a família – tão abalado pela agitação moderna – e a
contemplação de verdades e belezas ignoradas pela dissipação
espiritual comum.
Devido ao estado de disponibilidade em que se encontra o espírito
durante esse período de repouso, torna-se preciso usar de
precaução para que não venha ele a sofrer a danosa influência.”
A preocupação com o Lazer se inicia com as conquistas dos trabalhadores por mais
tempo livre, diante dos “perigos” que cercam este tempo/espaço. O lazer deve ser parte das
estratégias de dominação do capital para que não haja espaço para o trabalhador se tornar
sujeito do seu tempo livre. Inicialmente, a subordinação se dava na órbita das instituições
assistenciais, mas posteriormente, o capital tornará o Lazer uma mercadoria. Dessa forma, o
trabalhador deve se tornar cada vez mais um consumidor passivo desta mercadoria.
Ao analisar o desenvolvimento da profissão no Brasil e refletindo sobre a sua
inserção no processo de reprodução das relações sociais percebemos que a profissão não
se identifica unicamente com o conservadorismo. Porém também não cabe afirmar o oposto,
isto é, que a profissão tem uma dimensão necessariamente revolucionária, transformadora.
A análise da profissão, a partir da sua inserção nas relações sociais da sociedade
capitalista, permite romper com a visão dicotômica e unilateral da profissão nessas relações,
sustentando não um posicionamento conciliatório, mas o caráter contraditório da prática
profissional nas relações sociais. Isso porque como parte da organização desta sociedade, o
Serviço Social não está imune as contradições inerentes ao modo de produção capitalista
sendo a sua intervenção polarizada pelos interesses destas classes. Com isso, como afirma
Iamamoto (2004, p.99 e 100),
“Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos
que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital
como do trabalho, e só pode fortalecer um ou outro pólo pela
mediação de seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de
dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma
atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe
trabalhadora e da reprodução do antagonismo desses interesses
sociais, reforçando as contradições que constituem o motor básico
da história. A partir dessa compreensão é que se pode estabelecer
uma estratégia profissional e política, para fortalecer as metas do
capital ou do trabalho, embora não se possa excluir esses atores do
contexto da prática profissional, visto que as classes só existem
inter-relacionadas. É isso, inclusive, que viabiliza a possibilidade de
o profissional posicionar-se no horizonte dos interesses das classes
trabalhadoras, a serviço de um projeto de classe alternativo àquele
em que é chamado a intervir.”
É de suma relevância compreender o movimento contraditório da atividade
profissional enquanto atividade socialmente determinada pelas condições históricoconjunturais para apreender o perfil e as possibilidades do Serviço Social atualmente.
O Serviço Social, a partir da década 80, vivencia o auge de seu amadurecimento
teórico e político, que advém da sua aproximação com o marxismo e com as lutas dos
movimentos sociais, bem como se relaciona com o período de redemocratização da
sociedade. Esse amadurecimento, tanto no âmbito político quanto teórico, permite a
profissão romper com seu passado conservador e propor um novo direcionamento político e
social para a profissão. O projeto ético-político, expresso principalmente no Código de Ética
de 1993, nas Diretrizes Curriculares de 96 e na Lei de Regulamentação da profissão de 93,
revela alguns avanços, tais como o reconhecimento do caráter político da intervenção e o
compromisso ético-político com valores emancipatórios. A partir destas mudanças e avanços
logrados desde a década 80, é possível identificar um perfil profissional que se relaciona
com a garantia e universalização de direitos, com o aprofundamento da democracia, com o
empenho na eliminação das variadas formas de preconceito e com a formulação, gestão e
execução de políticas sociais.
No entanto, é preciso esclarecer que não há uma homogeneidade no interior da
profissão, existindo projetos profissionais em disputa. Apontamos aqui os avanços e os
direcionamentos de um projeto profissional específico – ligado a intenção de ruptura1 – que
se coloca ainda como hegemônico. Exemplo dessa hegemonia ainda pode ser percebida
quando verificamos o direcionamento das entidades representativas da profissão – CFESS,
ABEPSS e ENESSO.
A conjuntura brasileira atual revela um cenário pouco promissor no que tange a
garantia de direitos. As políticas sociais estão direcionadas pelo ideário neoliberal, e por isso
se apresentam ainda mais fragmentadas e segmentadas, além de mais focalizadas,
precarizadas
e
com
cunho
privatizante.
O
Estado
se
direciona
para
uma
desresponsabilização do trato da “questão social” e repassa esta responsabilidade para o
mercado, para o chamado “terceiro setor” e para os próprios indivíduos, o que acarreta
numa individualização ainda mais forte dos problemas sociais, acrescentando-se a este
cenário uma criminalização da “questão social”.
O perfil profissional direcionado para garantia de direitos se coloca em choque com a
própria dinâmica da sociedade capitalista, o que nos leva a afirmar que apresentamos um
projeto profissional contra-hegemônico. Além disso, a prática do assistente social encontra
como limite a sua própria inserção na divisão sócio-técnica do trabalho. Com isso,
pretendemos argumentar que não cabe ao profissional de serviço social, dado os limites
apontados, a tarefa exclusiva de garantir direitos e muito menos de transformar uma
sociedade.
A garantia de direitos e a busca por uma construção de uma nova ordem societária
podem sim ser a direção dada a prática e que se revela no direcionamento que damos a
nossa intervenção profissional, mas jamais algo que cabe ao assistente social executar, até
mesmo porque não seria possível. O que se apresenta como possível a este profissional é
sim uma prática profissional que esteja concatenada com o fortalecimento dos interesses da
classe trabalhadora, com a participação social, com a busca incessante pela universalização
dos serviços sociais, enfim com uma prática voltada para um processo de reflexão e ação
coletiva e que questione os tipos de sociabilidade e os valores desta sociedade, enfim uma
1
A perspectiva da intenção de ruptura tem suas bases socio-políticas gestadas com a laicização e
diferenciação da profissão nos marcos da autocracia burguesa no Brasil, num movimento que se contrapõe a
esta autocracia , resgata a teoria marxista e se dispõe romper com o conservadorismo presente na prática e no
âmbito teórico da profissão. Esta perspectiva tem três momentos diferenciados: a sua emersão, a sua
consolidação acadêmica e o seu espraiamento sobre a categoria profissional. Este último momento, ainda é
vivenciado hoje e se expressa no projeto ético-político da profissão, porém cabe sinalizar que esta perspectiva
na sua intenção de romper com o tradicionalismo sofre avanços e retrocessos no terreno da prática profissional,
muitas vezes resultando apenas em intenção mesmo. Sobre a perspectiva da intenção de ruptura dentro do
processo de renovação do Serviço Social, ver Netto (2005).
prática profissional de enfrentamento das expressões da “questão social” que tenha como
horizonte a superação desta ordem.
Conseguir ir além do entendimento da prática como vontade subjetiva, do
endogenismo da profissão, da naturalização da vida social, do conformismo, do
burocratismo, da imediaticidade, são pré-requisitos para entender a prática profissional na
sua dimensão histórica e política, na sua relação com a totalidade dos processos sociais e
na sua inserção nas relações sociais. Entendimento este que ao desvelar as possibilidades
reais existentes na realidade pode produzir respostas profissionais críticas, criativas e
propositivas que rompam com a prática profissional tarefista, burocrática e desacreditada.
Diante do exposto, pensamos que a intervenção do assistente social na esfera do
Lazer não pode ser pensada de maneira fragmentada. É necessário compreender como o
lazer se coloca na dinâmica da totalidade dos processos sociais e de que maneira o
assistente social pode fortalecer o momento/espaço de lazer na direção social apontada
acima.
Primeiramente, é preciso pensar que o Lazer se torna um espaço consolidado de
intervenção dos assistentes sociais na medida em que este se torna um direito posto na
Constituição de 1988 e passa a ser alvo de políticas sociais, tanto públicas como privadas.
Mas mesmo antes da afirmação do Lazer enquanto direito e da consolidação deste espaço
de intervenção, como sinalizamos anteriormente, o Lazer foi alvo de intervenção de
assistentes sociais, sejam eles contratados pelo Estado ou mesmo pelas empresas, vide a
longa atuação de assistentes sociais no SESC e SESI, como também nas empresas.
A partir da Constituição de 1988, o Lazer passa a fazer parte do rol de direitos
sociais que os cidadãos tem direito e se fortalece as políticas sociais voltadas para o
atendimento deste, agora não mais como benesse, mas como direito e como uma
necessidade social. A resposta a necessidade social por lazer, se fortalece não apenas
enquanto políticas sociais, mas também enquanto um tempo/espaço altamente rentável, isto
é, se fortalece o Lazer enquanto mercadoria2.
Concomitante a este processo do Lazer enquanto direito, ocorre as mudanças no
âmbito teórico e prático da profissão que culminaram num perfil profissional já apontado.
Essa nova inserção do Lazer na sociedade enquanto direito juntamente com o novo perfil da
profissão, abre espaço para entender o Lazer enquanto um tempo/espaço que contém
interesses de classe contraditórios.
O lazer é visto sobre várias perspectivas e sua materialização como política social
não deriva apenas em uma única visão sobre o que é lazer e portanto aponta diferentes
2
Mostrar que o lazer se fortalece enquanto mercadoria na medida em que é reconhecido social e
juridicamente com a Constituição Federal de 88, não anula que anteriormente este já tivesse espaço na
sociedade na sua forma vendável, incluindo ressaltar que este espaço tinha uma longa trajetória, diversificação e
amplidão.
estratégias de implantação dessa política. Assim, verificamos uma gama de projetos,
programas e políticas de Lazer que vai desde a noção de Lazer como ocupação do tempo
livre de jovens e da terceira idade, como potencializador da qualidade de vida3 ou mesmo
como controle do tempo livre.
Dessa forma, é de suma importância que o assistente social ao se tornar o
profissional responsável por formular, gerir e executar políticas, programas e projetos de
lazer, imprima neste espaço/momento valores que identifiquem o lazer como direito social
universal, que possa propiciar aos indivíduos um momento de identificação do particular com
sua genericidade, um enriquecimento do cotidiano, uma socialização que desconstrua o
individualismo e afirme valores emancipatórios e que rompam com a ordem burguesa.
Este profissional tem como possibilidade, que pode não se efetivar em realidade
devido as adversidades da conjuntura neoliberal das últimas décadas e do próprio limite da
intervenção profissional posto pela divisão sócio-técnica do trabalho, propiciar a
democratização da cultura e do conhecimento que nesta sociedade permanece acessível a
poucos.
É possível também a potencialização da participação popular, que no Brasil tem uma
história de negação em prol de relações sociais autoritárias e excludentes, na qual os
sujeitos tenham direito a voz e voto e construam de maneira coletiva as políticas de Lazer. O
assistente social deve priorizar esta participação em todos os processos seja na formulação
ou na execução das políticas e tentar identificar alternativas independes de lazer já
existentes no universo dos usuários, como parte do seu modo de viver, de sua cultura.
As políticas de Lazer com cunho universalista, assim como as alternativas de lazer
independentes das classes subalternas, encontram como limites a utilização do espaço
urbano, que ,como aponta Arantes,
“embora se saiba que as cidades modernas sempre estiveram
associadas à divisão social do trabalho e à acumulação capitalista,
que a exploração da propriedade do solo não seja um fato novo
(Lefebvre op.cit), havendo, portanto, uma relação direta entre a
configuração espacial e urbana e a produção e a reprodução do
capital, a novidade no atual estágio do capitalismo é que as cidades
passaram elas mesmas a serem geridas e consumidas como
mercadoria.” (ARANTES apud GOMES, 2005, p.5)
Diante deste cenário, torna-se mais uma vez fundamental fomentar a participação
3
Na atual conjuntura, em que o modelo de acumulação flexível operou mudanças nos processos de
trabalho, os programas de qualidade de vida nas empresas se configuram como uma das estratégias do capital
associada a programas de Qualidade Total, “ que se relacionam com o desenvolvimento da cultura e modo de
ser do trabalhador, envolvendo valores, relações sociais, comportamentos, o denominado clima organizacional e
suas condições objetivas” (FREIRE, 2008, p. 184), que tem por objetivo incrementar a produtividade através da
criação de falsos consensos. O lazer aparece dentro desse discurso da qualidade de vida, inserido em
programas ambientais-terapêuticos que podem contribuir para a saúde. Assim, se configura como ações de
Lazer manipuladas para os interesses do capital, que visa ganhar a subjetividade dos trabalhadores para atender
aos seus interesses.
popular tanto para incentivar a luta pela democratização dos espaços da cidade quanto para
desconstruir a lógica privatista e mercantilizante dos espaços urbanos. A desconstrução
desse modelo de gerência da cidade intervém diretamente nas políticas de lazer, pois
possibilita também a desconstrução do Lazer enquanto mercadoria e pode possibilitar a
utilização deste espaço/momento de maneira coletiva. Portanto, podemos afirmar que o
Direito ao Lazer se relaciona diretamente com o Direito à Cidade, e se apresenta como um
espaço/momento que se relaciona com uma totalidade histórica que é perpassado por
interesses contraditórios, se colocando como mais um espaço de luta.
As possibilidades de atuação do assistente social na área do Lazer se apresenta
também na sua relação com a democratização do conhecimento e da produção artística e
cultural produzida historicamente pela humanidade, que nesta sociedade ainda se
concretiza para poucos. Assim, como pode potencializar espaços em que os usuários sejam
os criadores do conhecimento, da cultura e da arte. Nestas possibilidades, se coloca a
potencial traçado por Heller (1994) de nestes momentos o sujeito elevar a sua
particularidade a genericidade e se suspender da cotidianidade.
A intervenção do assistente social nesses espaços pode ter um cunho educativo,
trazendo à tona reflexões sobre o cotidiano e suas relações de opressão (gênero, relações
de classe, etc); sobre as políticas sociais, econômicas; sobre a indústria cultural e do Lazer,
enfim sobre a vida social dos sujeitos neste tipo de sociedade. Essas atividades de cunho
educativo, se relacionam com o que Mascarenhas (2002) chama de propostas de lazereducação e podem responder as seguintes demandas:
“proporcionar meios e condições aos sujeitos envolvidos para que
possam se sentir capazes de refletir, em meio ao conjunto de
atividades a serem realizadas, sobre suas atuais condições de vida
e sobre a sociedade local, nacional e mundial em seus diversos
aspectos; possibilitar ao grupo a apreensão dos conteúdos do lazer
como experiências/manifestações de uma cultura e como possível
instrumento de ligação com sua realidade objetiva; incentivar a
participação criativa para a tomada decisões que correspondam à
necessidade de organização, fortalecimento e conscientização do
grupo; garantir a reflexão sobre o significado das regras e valores
necessários à convivência coletiva, estimulando o reconhecimento
do grupo enquanto um espaço de construção e afirmação de
identidades. (MASCARENHAS, 2002, p. 74)
Cabe destacar, que o trabalho com grupos sociais não é uma atribuição privativa do
assistente social, podendo ser realizada por outros profissionais, mas, principalmente, junto
a outros profissionais. A articulação com outros profissionais que partilhem da mesma
direção social é de suma relevância para criar uma correlação de forças favorável a
recriação e superação das atuais propostas de lazer.
III- Conclusão
Pensamos ser possível que a intervenção do assistente social contribua para um
enriquecimento da percepção do cotidiano pelos sujeitos, na medida em que se direcione
para uma prática que relacione o singular ao universal e que ao situar os fenômenos
historicamente e incentivar a participação popular, suscite também a busca pela construção
de projetos coletivos e contra-hegemônicos de sociedade.
As possibilidades apontadas encontram como mais um de seus limites para se
efetivar, o fato de que o lazer nesta sociedade está marcado pela lógica mercantilizante e
engendra a alienação própria das relações de produção capitalista. Nessa perspectiva, o
lazer se apresenta na sua feição reificada que busca atender os ditames da Indústria
Cultural tanto na sua produção quanto no seu consumo. Portanto, a inserção do assistente
social neste tempo/espaço deve pressupor um questionamento de sua forma e manifestação
contemporânea, buscando desvendar alternativas possíveis e já existentes.
Temos como desafio desvendar alternativas e possibilidades no cenário atual de
barbarização da vida social e da exponenciação da “questão social” e construir propostas
que façam frente à “questão social” e que fortaleçam os sujeitos que a vivenciam. A
afirmação de uma prática profissional propositiva requer um comprometimento com a
atualização permanente, que se esforce em decifrar o movimento societário, apreender a
“questão social” e como os sujeitos a vivenciam; requer um profissional que seja também
pesquisador “que invista em sua formação intelectual e cultural e no acompanhamento
histórico-conjuntural dos processos sociais para deles extrair potenciais propostas de
trabalho.” (IAMAMOTO, 2005b, p. 145).
A pesquisa se apresenta como um recurso fundamental na busca por alternativas
profissionais e que a profissão ainda não reconheceu como um dos seus principais objetos
de pesquisa a vida cotidiana, o cotidiano. Na vida cotidiana se revelam as formas que os
sujeitos vivenciam a “questão social”, suas formas de resistências, organização, contestação
e negação desta ordem; no cotidiano as relações de produção e reprodução se afirmam e se
concretizam.
A realidade aponta um caminho árduo e espinhoso para a concretização de uma
prática profissional que caminhe na direção social contra-hegemônica a esta sociedade.
Mas, apesar de o lazer afirmar a lógica alienante e fetichista do capitalismo, ele também
representa um espaço/momento de reflexão e ação contra-hegemônica. Sendo assim, a
intervenção da profissão nesta esfera tem como possibilidade o fortalecimento das ações
contra-hegemônicas. Para tanto, cabe ao assistente social compreender, na sua totalidade e
em sua relação histórica4, os limites e possibilidades da prática profissional no lazer para
4
Afinal, como aponta Iamamoto (2005b, p.150 e 151), “desvendar a prática profissional supõe inseri-la
traçar com clareza e com as devidas mediações as estratégias de ação que irão direcionar a
sua prática.
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no quadro das relações sociais fundamentais da sociedade, ou seja, entendê-la no jogo tenso das relações entre
as classes sociais, suas frações e das relações destas com o Estado brasileiro.”
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