III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS COM COMPUTADOR E SEM COMPUTADOR: QUE RELAÇÕES OS ALUNOS ESTABELECEM? Norma Suely Gomes Allevato UNISAL – Campinas/SP UNESP – Rio Claro/SP Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre como os alunos relacionam o que fazem na sala de aula, quando utilizam lápis e papel, com o que fazem no laboratório de informática, quando estão utilizando o computador na resolução de problemas fechados. O conteúdo matemático estudado foi funções. A pesquisa foi desenvolvida seguindo a abordagem qualitativa e a coleta de dados foi feita, essencialmente, por observaçãoparticipante em aula. A proposta didática foi levar os alunos a resolver problemas utilizando o software gráfico Winplot. Problemas, no laboratório, parecidos com os resolvidos em sala de aula, permitiram estabelecer um paralelo entre os procedimentos e conhecimentos que os alunos utilizaram quando estavam sem o computador e quando estavam com ele. Palavras-chave: Resolução de problemas, Computadores, Funções. Abstract The objective of this paper is to present some reflections regarding how students relate what they do in the classroom, using paper and pencil, to what they do in the computer laboratory when using computers to solve close-ended problems. The mathematics topic being studied was functions. The study was developed using a qualitative approach, with the data collection consisting mainly of participant-observation in the classroom. The didactic proposal was to guide the students in solving problems using the graphing software Winplot. Because the problems posed to the students in the laboratory were very similar to those solved in the classroom, it was possible to establish a parallel between procedures and knowledge used by the students when working with the computer and without it. Key words: Problem-solving, Computers, Functions. Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 2 1 - Introdução Este trabalho está inserido em uma pesquisa mais ampla (ALLEVATO, 2005), e tem o objetivo de analisar como os alunos relacionam o que fazem na sala de aula convencional1, quando utilizam lápis e papel, com o que fazem no laboratório de informática, quando estão utilizando o computador na resolução de problemas sobre funções. Inicio com a apresentação do contexto em que os fatos ocorreram, das opções metodológicas, e dos instrumentos utilizados na coleta dos dados. Em seguida apresento um conjunto de dados, já entremeados de análises descritivas. Então os dados serão analisados à luz da literatura referente à utilização dos computadores e à resolução de problemas, no âmbito da Educação Matemática. Termino tecendo algumas considerações finais. 2 - O Contexto e alguns Aspectos Metodológicos A pesquisa que gerou este estudo foi realizada em aula, com alunos da disciplina Matemática, do 1o ano do curso superior de Administração de Empresas. Para participar da pesquisa, o professor da turma dividiu as quatro aulas semanais, realizando duas na sala de aula e duas no laboratório, onde os alunos resolveram problemas sobre funções, utilizando o software Winplot2. Os problemas que o professor propunha aos alunos eram sempre fechados – tanto a situação inicial como o objetivo final (resposta) do problema eram prédeterminados – e envolviam conteúdos básicos de funções. Os propostos no laboratório eram, em geral, semelhantes aos resolvidos com lápis e papel, na sala de aula e, para o professor, tinham objetivos de fixação da aprendizagem e aplicação na área de Negócios. Os coeficientes das funções geravam, por vezes, valores numéricos grandes ou não inteiros, “difíceis” de operar com lápis e papel. Mas os enunciados e as funções eram similares. A metodologia qualitativa adotada para a pesquisa justifica-se, principalmente, pela ênfase no processo, sendo apontada como muito útil e adequada a pesquisas educacionais. Bogdan e Biklen (1994, p.49) justificam: "As estratégias qualitativas patentearam o modo como as expectativas se traduzem nas actividades, procedimentos e interacções diários". Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 3 A coleta de dados foi feita por observação participante, um dos métodos mais utilizados por pesquisadores qualitativos, em que "o pesquisador se torna parte da situação observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar seu cotidiano [...]" (ALVES-MAZZOTTI, 2001, p.166). Na sala convencional, o professor conduzia a aula enquanto eu observava e fazia anotações. Quando ele propunha problemas, os alunos trabalhavam em pequenos grupos, e eu o ajudava a atendê-los, quando solicitavam, assumindo um papel mais participante. Nas aulas no laboratório, também era assim que procedíamos. O registro dos dados foi feito por (1)gravações, que contêm os diálogos realizados entre os alunos e a pesquisadora; (2)documentos, que são as resoluções escritas dos problemas e um trabalho feito, pelos alunos, com o Winplot; e (3)diário de campo, um relato escrito do que o investigador ouvia, via e pensava durante e após a coleta de dados, com idéias, percepções, e reflexões, bem como padrões emergentes dos dados. "As notas de campo são fundamentais para a observação participante"(BOGDAN; BIKLEN,1994, p.150). 3 - Os Dados e uma Análise Inicial Comecemos por um diálogo referente ao seguinte problema3: Suponha que uma companhia de software produz e vende uma planilha a um custo de R$ 25,00 por cópia e que a companhia tem um custo fixo de R$ 10 000,00 por mês, determinar: (a) O custo mensal como uma função (fórmula) do número q de cópias produzidas. (b) O esboço do gráfico da função que você obteve no item (a). (c) O custo quando q = 500. (d) A partir de que quantidade se tem lucro, se o preço de venda for R$50,00 por cópia. PROBLEMA 1 Os alunos me mostravam que já tinham digitado a equação correspondente à função custo Ct = 25q + 10000. E disseram: B: – Já está, a equação. A: – Mas o gráfico não está ali. Apagou tudo; não sei o que é que... Os alunos não entenderam porque o Winplot não mostrava nenhum gráfico, apesar de já terem digitado a equação. A área de gráfico, na tela, se mostrava com o x de -5 até 5, e o y de -4.51531 a 4.51531. Perguntei a eles se sabiam que valores essa função assume: Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 4 B: – O mínimo tinha dado -115. Pe: – E o máximo? É isso [140]? B: – Isso. Pe: – Então vamos pedir para o y ir de... -120... até 140. Porém, o gráfico continuava não aparecendo: Pe: – Ainda não apareceu. Por que? [pausa] Os alunos tinham indicado os valores utilizados em outro problema. Sugeri que olhassem a tabela de valores da função que o Winplot disponibiliza. Procedendo assim, e considerando as restrições para o domínio, os eles chegaram ao gráfico. (Gráfico 1) A dúvida “Por que não aparece o gráfico?” foi freqüente entre os alunos, nesse e em outros problemas. Com lápis e papel, os alunos sempre construíam uma tabela para localizar alguns pontos no plano cartesiano e, assim, esboçar o gráfico. Mas y 11000 y = 25x+10000 10000 9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 com o software, não se lembravam de fazer a tabela à mão e nem de consultar a do x 10 20 30 40 50 GRÁFICO 1 Winplot. O fato é que nem sempre os alunos transferem os procedimentos que utilizam sem o computador, para as situações em que estão com ele, embora, às vezes, essa transferência seja apropriada. A configuração dicotômica, aulas sem computador e aulas com computador, talvez dificulte ou não contribua para que o aluno perceba as relações entre os procedimentos adotados nos dois ambientes. Porém, as dificuldades surgem, muitas vezes, em função do recurso informático que utilizam. Neste caso específico, o software, supostamente, deveria apresentar o gráfico da função a partir, apenas, de sua expressão algébrica, não sendo necessário considerar sua tabela. Vamos analisar o que ocorreu no dia em que o tema da aula era funções racionais. Iniciando, como de costume, na sala de aula, o professor colocou as funções de demanda(qd) e oferta(qo)4 na lousa: Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 5 90 ⎧ ⎪⎪q d = − 6 + p + 5 ⎨ ⎪q o = 2 p + 1 ⎪⎩ 5 PROBLEMA 2 e disse que iriam determinar o ponto de equilíbrio5 e esboçar o gráfico. Escrevendo a resolução algébrica na lousa, igualou as equações, qd = qo , e obteve p = 5 e p = −27,5 . Descartando o segundo, porque o preço não poderia ser negativo, determinou o ponto de equilíbrio Pe = (5, q(5)) = q (5,3). Encontrou os pontos de intersecção de 12 A cada curva com os eixos, e esboçou o qo gráfico, destacando a parte onde p, qd e 3 qo são não negativos. (Gráfico 2) O professor fez essa apresentação rapidamente. Os alunos dúvidas 5 B 10 p q estiveram atentos, não fizeram perguntas nem levantaram -5 C 1 0 relevantes. Em -6 GRÁFICO 2 seguida, os alunos fizeram um outro problema semelhante, com as funções: 200 ⎧ ⎪⎪q d = − 4 + p + 20 ⎨ ⎪qo = 3 p + 1 ⎪⎩ 5 PROBLEMA 3 Após o intervalo, agora no laboratório, o professor propôs o problema: Suponha que as leis das lâmpadas fluorescentes fossem dadas por: 100 ⎧ ⎪q d = − 2 + p + 10 ⎨ ⎪q = 0,03 p 2 ⎩ o Pede-se:(a) O ponto de equilíbrio (b) Esboçar os gráficos da oferta e da demanda (c) Dar a análise econômica PROBLEMA 4 Uma vez que o professor já tinha literalmente explicado como fazer um problema semelhante, e os alunos tinham resolvido um segundo problema, igualmente muito parecido era de se esperar que os alunos não encontrassem Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 6 dificuldades no problema 4,configurando-se como um recurso de fixação da aprendizagem. Além disso, dos alunos poderiam tirar proveito das possibilidades que o computador oferece e resolver um número maior de problemas em menor tempo, com maior precisão, melhor apresentação de gráficos, etc. A orientação era a de que fizessem "tudo no computador" e passassem as respostas para o papel, mas a maior parte dos alunos começou a resolver o problema algebricamente para determinar o ponto de equilíbrio. Os alunos podem ter sido induzidos a isto pelo enunciado (em que a primeira solicitação feita é o ponto de equilíbrio) e pelo que tinham feito nos problemas anteriores. Então nós os orientávamos para que, com o software gráfico, fizessem os gráficos das funções primeiro e, a partir deles, o Winplot forneceria o ponto de equilíbrio. Era isso que o professor orientava e queria que fizessem. Os alunos demoraram a resolver o problema, pois não sabiam "por onde começar". Nas resoluções escritas se vê que apagaram as resoluções algébricas do problema, provavelmente, após serem orientados de que este procedimento não era necessário. Passada essa fase, os alunos se põem a esboçar os gráficos, e outra questão se impõem. Como no episódio anterior, ao digitarem a expressão da função, o gráfico não aparecia. O professor tentou orientar a turma toda de uma só vez, para ganhar tempo. Mas cada dupla estava concentrada em seu trabalho e fazia suas próprias tentativas; os alunos não ouviram as orientações. Eu e o professor repetimos várias vezes, para as duplas, que consultassem a tabela da função para ajustar os valores nos eixos cartesianos. Vencida esta etapa, mais um elemento se contrapõe à resolução do problema: onde colocar os parênteses na expressão − 2 + 100 / x + 10 digitada no Winplot para que corresponda à função q d = −2 + Muitos alunos tiveram essa dificuldade. Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância 100 , solicitada no problema? p + 10 III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 7 Segue um dos diálogos. O aluno digitou y = - 2 + 100 / x + 10 e perguntou: D: – Esse aqui, a fórmula não é isso? Tem erro na fórmula? Pe: – Desenhe [o gráfico]! Eu quero y 40 que vocês vejam. 30 A dupla obteve o gráfico 3: 20 Questionei o aluno quanto ao domínio da função. Ele disse que p = -10 anula o y = -2+ 100/x+10 10 x − 50 − 40 − 30 − 20 − 10 10 20 30 40 − 10 denominador da fração e não poderia ser utilizado nesta função. Solicitei que pensasse na relação entre o domínio da função e seu gráfico, e o aluno percebeu que havia erro: − 20 − 30 − 40 − 50 GRÁFICO 3 D: – É mesmo! O meu está à esquerda e à direita do zero [x=0]. Pe: – Então tem uma coisa na equação que você vai ter que mudar. O que é? [pausa] Pe: – Ele está dividindo o 100, só pelo x; ele não está entendendo que é para dividir pelo x mais 10. D: – Como que eu faço? Pe: – Como é que a gente diz para ele: "não divide só pelo x, divide por tudo que está depois da barra" [de divisão]. D: – Coloco entre parênteses. Agora o aluno digitou y = -2 +100 / (x + 10) e obteve o gráfico correto. (Anexo, Gráfico 4) Neste caso, recorremos ao domínio da função racional. Isso reforçou, nos alunos, as características desse tipo de função, que era o tema daquela aula, e possibilitou que conseguissem corrigir a expressão digitada. Essa dúvida ocorreu em outros momentos e, cada vez, que ela surgia, recorríamos às características e propriedades da função envolvida no problema (quadráticas com coeficientes fracionários, exponenciais, e outras). Também mostramos aos alunos que o software executa as fórmulas digitadas seguindo a hierarquia das operações matemáticas, de acordo com as leis da Álgebra: primeiramente potências e raízes (na ordem que aparecem), depois multiplicações e divisões (também na ordem que aparecem) e, finalmente, Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância 50 III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 8 adições e subtrações (novamente, na ordem que aparecem). Para alterar essa ordem utilizam-se parênteses, colchetes e chaves. Por isso são necessários os parênteses na expressão y = −2 + 100 /( x + 10) digitada para a função do problema 4:. Mas a ausência desse raciocínio persistia nos alunos, em vários problemas. Algumas atividades eram para “funcionar” como exercício de fixação da aprendizagem, mas esta dificuldade as transformou em problemas. Mas não foi só a falta desse raciocínio algébrico, tão utilizado em sala de aula, que causou tais dificuldades. O problema 5 foi resolvido com o Winplot: As funções de demanda e oferta, referentes a uma certa marca de vídeo-cassete, são dadas por e qo = 1250p qd = -0,1p2 + 900 a) Esboce o gráfico das duas funções. b) Determine o ponto de equilíbrio e explique seu significado econômico. c) Para que valores se tem escassez de oferta? Justifique sua resposta. d) Para que valores se tem excedente de oferta? Justifique sua resposta. PROBLEMA 5 Para a função qo = 1250p , os alunos preferiram a forma de potência e muitos nos chamaram para perguntar sobre os parênteses. Alguns "testaram" diferentes alternativas de digitação: começavam por 1250x^1/2, e depois tentavam (1250x)^1/2, ambas sem parênteses no expoente. Eles viram que, como os gráficos eram iguais, as expressões eram equivalentes. Os que perceberam que o gráfico não era o da função qo = 1250p solicitada, perguntavam “por que não está dando certo"? A tabela mostra o que fizeram: Enunciado e forma equivalente Digitado pelos alunos (1250x)^1/2 1250 p = (1250 p ) 1 2 1250x^1/2 O Winplot executou (1250 x )1 = 625 x 2 1250 x1 = 625 x 2 TABELA 1 Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância Forma correta (1250x)^(1/2) III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 9 A forma (1250x)^(1/2), era sempre a última que os alunos tentavam, quando tentavam. (Gráfico 4) y 120 Nesse caso, é preciso atentar para as características da linguagem, quando se utiliza o computador na resolução de problemas. Funções com expoentes, como as do tipo potência e exponencial, com lápis e papel ou na forma de imprensa não 100 y = (1250x)^1/2 80 y = 1250x^1/2 y = 625x 60 40 20 y = (1250x)^(1/2) x apresentam escrita na forma horizontal: x =x 1 2 0.5 1.0 1.5 2.0 −20 . A apresentação horizontal x^(1/2), GRÁFICO 4 no Winplot e em outros softwares, exige os parênteses no expoente pois, na sua falta, as potências são executadas antes das divisões; na escrita com lápis e papel ou impressa eles não são necessários. E os alunos transferiram os padrões de representação algébrica com lápis-e-papel para o “contexto” do computador. Para funções que podem ser escritas horizontalmente, como as racionais: 1 = 1÷ ( x + 1) , a disposição dos parênteses será preservada na linguagem do x +1 computador: 1/(x+1). Finalmente, os dados mostram erros semelhantes a estes em funções exponenciais e em outros tipos de funções trabalhadas por esses alunos (Anexo, Tabela 2, Gráfico 6). 4 – Os dados à luz da literatura Uma característica marcante das aulas em que coletei os dados é que, no laboratório, os problemas tinham o objetivo de aplicar conteúdos já tratados na sala de aula. Para Dante (2000), os problemas de aplicação também estão ligados ao treino de habilidades, porém, com o Winplot, isso não ocorreu. Os alunos vivenciaram outros processos de resolução para os problemas. Mesmo quando precisavam, eles não relacionavam o que faziam no computador com os procedimentos adotados na sala de aula. No caso das opções definidas por Contreras e Carrillo (1998), a que melhor identifica os problemas de minha pesquisa é a tecnológica, definida pelos autores como aquela em que os problemas, em geral, têm processo e solução únicos, e Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 10 são propostos como aplicação da teoria ensinada. Foi a unicidade que me levou a classificar os problemas aqui analisados como fechados. Shimada (1997) e Pehkonen (2003) consideram como fechados os problemas de solução única e nos quais tanto a situação inicial (proposição) como o objetivo final (resposta, meta) são pré-determinados. Incluindo nesses elementos o processo de resolução, considero que um problema pode ser fechado se, além das condições anteriores, ao aluno é indicado um processo único de resolução. E será aberto se dá ao aluno a liberdade de escolha quanto a um desses três elementos. Os problemas que analisei são fechados, pois, não deram aos alunos tais opções de escolha. As fronteiras, aparentemente tão nítidas, entre problemas fechados e abertos, fazem crer que os fechados colocam os alunos em situações de total segurança; que a homogeneidade de procedimentos, e a unicidade dos processos e da solução não dão margem a dúvidas ou desvios do caminho correto de resolução. Porém, os trabalhos citados não consideram o computador nas atividades de resolução de problemas. A inclusão do Winplot colocou os alunos diante de dificuldades em que não mais era suficiente, embora fosse necessário, lançar mão de uma teoria já aprendida ou de um processo pré-definido. Os dados também sugerem que era necessário recorrer às tabelas, considerar a ordem de execução das operações, começar a resolver os problemas pelo gráfico, mas os alunos não faziam isso. Enfim, a segurança e padronização que se poderia esperar não ocorreu. O computador conduz os estudantes a novas formas de pensar, ocorre uma "reorganização do pensamento" (TIKHOMIROV, 1981), em que a atividade intelectual humana é modificada pelo uso do computador. Essa teoria foi explorada em trabalhos, na Educação Matemática (BORBA; VILLARREAL, 2005; VILLARREAL, 1999), que indicam que o computador molda o ser humano ao mesmo tempo em que é moldado por ele. Supondo que a expressão algébrica fosse suficiente para o Winplot apresentar o gráfico da função, os alunos não se lembravam das tabelas, ou seja, seus procedimentos estavam condicionados pelo recurso informático que utilizavam. E as dificuldades que encontraram constituíram os problemas, para aqueles alunos. Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 11 Para Onuchic (1999, p.215) um problema: "[...] é tudo aquilo que não se sabe fazer, mas que se está interessado em resolver" (p.215). E acrescenta: "o problema não é um exercício no qual o aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula ou uma determinada técnica operatória [...]". Os conceitos, as relações, e os princípios que os unificam devem ser compreendidos (ONUCHIC, 1999; ONUCHIC; ALLEVATO, 2005). Devemos ponderar, então, sobre o caráter demasiadamente operacional e repetitivo de alguns problemas. Onuchic (1999), Schoenfeld (1989) e Van de Walle (2001) tratam da ênfase na repetição e no treino. Exercícios podem ser realizados a fim de desenvolver competências necessárias à compreensão de certos conteúdos. O problema é realizá-los de modo que se tornem um fim em si mesmos, e percam o sentido. Os alunos que pensaram sobre os "parênteses" realizaram valiosas reflexões e tiveram que "pensar matematicamente" e "dar sentido" ao que faziam. Alguns, porém, considerando o computador como uma autoridade, "acataram" a solução apresentada e não pensaram no que estavam fazendo. O fato de digitarem a expressão de várias maneiras, com e sem parênteses, colocando-os em lugares diferentes, e compararem os gráficos, refere-se à experimentação, procedimento bastante utilizado na presença do computador. Em virtude do rápido feedback, e das possibilidades de visualização de gráficos, os alunos testam seus resultados e conjecturas continuamente (BORBA; PENTEADO, 2001; VILLARREAL, 1999). A transferência dos padrões de notação algébrica para o computador, nos remete às considerações de Pierce e Stacey (2001, 2002) como: possíveis "confusões" entre a notação matemática convencional e a sintaxe do software, e o problema de reconhecer quando o computador está errado. As autoras chamam de "insight algébrico" a parte do sentido simbólico necessário para encontrar uma solução para um problema e que, provavelmente, é afetado quando se faz Matemática utilizando tecnologia CAS6. Estou relacionando este aspecto à utilização do software gráfico Winplot. O insight algébrico inclui a expectativa algébrica que envolve, entre outros elementos, o reconhecimento de convenções, por exemplo, das diferenças entre a linguagem matemática escrita à mão e a sintaxe dos CAS. Ele pode ser percebido nos dados apresentados, quando os alunos "confundiram" a linguagem Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 12 algébrica com a linguagem do software. Outro elemento é a identificação de características-chave, resultante da coordenação entre representações múltiplas de funções. Neste trabalho, ele aparece nos gráficos apresentados pelos alunos para o problema 5: as funções com raiz quadrada são partes de parábolas e não poderiam ser representadas por retas. Esses elementos permitem aos alunos controlar e monitorar os resultados apresentados pelo computador em atividades de resolução de problemas, mostrando-se essenciais a esse contexto. (PIERCE; STACEY, 2001, 2002) Os episódios e aspectos aqui analisados refletem uma experiência inicial de utilização de software em aula. Com relação ao professor, isto se reflete na transferência de alguns problemas de sala de aula para o laboratório. Em experiências iniciais, como esta, os professores transferem suas práticas já cristalizadas para o novo contexto (BORBA; PENTEADO, 2001). Também os aspectos analisados nas atividades dos alunos, são típicos de quem está se familiarizando com as mídias. Eles devem, porém, ser considerados por constituírem barreiras à resolução dos problemas. Não ficaram dúvidas, no entanto, de que a experiência possibilitou aos alunos criar novas relações, e ampliar as compreensões sobre os conteúdos estudados. 5 - Considerações Finais Este estudo retrata a realidade de sala de aula, trazendo circunstâncias em que se vêem alunos e professores nos momentos de transição, em que se tenta implementar inovações às práticas. No tocante à inserção das tecnologias informáticas no ensino, muito se tem falado da necessidade de propor, aos alunos, atividades especialmente preparadas para este contexto. A proposição de problemas abertos é a mais recente corrente no tocante à resolução de problemas, e as tecnologias informáticas têm sido apontadas como favoráveis à exploração de conteúdos e idéias matemáticas a partir deste tipo de problemas. Esta configuração seria a ideal. Porém, ela nem sempre corresponde à realidade. Embora a resolução de problemas seja uma constante no dia-a-dia de pesquisadores, professores e alunos de Matemática, muitos não têm refletido sobre os objetivos, as formas e as implicações de sua implementação; estenda-se Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 13 isto às tecnologias informáticas no ensino. Este trabalho pretende apoiar esta reflexão. 1 Sala de aula em que os recursos auxiliares, à disposição do professor, são somente a lousa e o giz. Doravante será designada apenas como "sala de aula", a fim de evitar repetições. 2 Software gráfico, gratuito, voltado ao estudo de funções de uma e duas variáveis, derivadas, integrais e outros temas. Disponível em http://math.exeter.edu/rparris/winplot.html. 3 Convenções: A, B, C... para denotar cada aluno; Pr para o professor e Pe para o pesquisador; [texto] no caso de inclusão de comentário; [pausa] para intervalos de silêncio em que os alunos refletiam sobre uma pergunta do pesquisador ou vice-versa. 4 No mercado competitivo, a quantidade de um certo produto que o consumidor procura (quantidade de demanda) depende do preço unitário de venda desse produto. Uma função de demanda expressa a relação entre o preço por unidade (p) e a quantidade demandada (qd). Há, também, uma relação entre o preço por unidade de um produto (p) e sua disponibilidade (qo) no mercado. Esta relação é chamada de função de oferta. 5 No equilíbrio de mercado a quantidade produzida é igual à quantidade demandada, então denominada quantidade de equilíbrio. O preço correspondente é chamado preço de equilíbrio. O ponto de equilíbrio, portanto, corresponde à interseção do gráfico da oferta com o da demanda. 6 CAS (computer algebra sistem) - Sistemas de computação algébrica que permitem cálculos com expressões simbólicas ou, como são também chamadas expressões algébricas. 6 - Referências ALLEVATO, N. S. G. Associando o Computador à Resolução de Problemas Fechados: Análise de uma Experiência. 2005. 370 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2005. ALVES-MAZZOTTI, A. J. O Método nas Ciências Sociais. In: ALVESMAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas Ciências Naturais e Sociais. São Paulo: Pioneira, 2001. p.109-188. BOGDAN, R; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto Editora, 1994. 336p. BORBA, M. C.; PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 104p. BORBA, M. C.; VILLARREAL, E. M. 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Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 1999. 7 - Legendas 7.1 - Lista de problemas PROBLEMA 1:Problema envolvendo função afim, resolvido no laboratório.(p.3) PROBLEMA 2:Primeiro problema da aula sobre função racional.(p.4) PROBLEMA 3:Segundo problema da aula sobre função racional.(p.5) PROBLEMA 4:Terceiro problema da aula sobre função racional.(p.5) PROBLEMA 5:Problema envolvendo funções quadrática e raiz quadrada, resolvido no laboratório.(p.8) 7.2 - Lista de tabelas TABELA 1:Tabela explicativa dos procedimentos dos alunos para a função q o = 1250p (p.8) 7.3 - Lista de gráficos GRÁFICO 1:Gráfico correspondente à função CT=25q+10000, obtido no Winplot. (p.4) GRÁFICO 2:Gráfico correspondente às funções q d = − 6 + 90 p+5 e qo = 2 p + 1, 5 esboçado na lousa, pelo professor. (p.5) GRÁFICO 3:Gráfico correspondente à expressão y = −2 + 100 / x + 10 digitada pelos alunos, obtido no Winplot. (p.6) GRÁFICO 4:Correspondente às expressões digitadas, pelos alunos, para a função q o = 1250p (p.8) Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Águas de Lindóia - São Paulo 11 a 14 de outubro de 2006 15 Anexo Gráficos construídos pelos alunos com a utilização do Winplot y 40 30 y=-2+100/(x+10) 20 10 x − 50 − 40 − 30 − 20 − 10 10 20 30 40 − 10 − 20 − 30 − 40 − 50 GRÁFICO 5 – Correspondente à função 100 qd = −2 + p + 10 Enunciado e forma equivalente Digitado pelos alunos O Winplot executou Forma correta 2x 2^x 2x 2^x 22x 2^2x 22x=4x 2^(2x) 23x 2^3x 23x=8x 2^(3x) 24x 2^4x 24x=16x 2^(4x) TABELA 2 - Tabela explicativa dos procedimentos dos alunos para funções exponenciais. 10.0 y 10.0 y = 2^ 4x 9.0 y = 2^(4x ) 9.0 y = 2^ 3x 8.0 y = 2^(3x ) y = 2^ 2x 7.0 y 8.0 y = 2^(2x ) 7.0 6.0 y = 2^x 5.0 6.0 y = 2^ x 4.0 5.0 3.0 4.0 2.0 3.0 1.0 − 1.0 x 1.0 − 1.0 − 2.0 − 3.0 2.0 2.0 3. 1.0 x 0 − 1.0 − 4.0 1.0 2.0 − 1.0 0 Sem os parênteses Com os parênteses GRÁFICO 6- Correspondentes às funções exponenciais. Anais do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática G06 - Educação Matemática novas tecnologias e educação à distância 3.0