CAPITALISMO GLOBAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA: DEBATES E DESAFIOS VANESSA MARZANO ARAUJO (1) ; IVIS BENTO DE LIMA (2) . 1.UFLA, LAVRAS, MG, BRASIL; 2.UFSJ, SÃO JOÃO DEL-REI, MG, BRASIL. [email protected] POSTER SOCIOECONOMIA SOLIDARIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL CAPITALISMO GLOBAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA: DEBATES E DESAFIOS Grupo de Pesquisa: Socioeconomia Solidária e Desenvolvimento Local Resumo O presente trabalho tem como objetivo verificar a viabilidade da economia solidária como sendo capaz de trilhar um caminho alternativo ao sistema de produção capitalista, que conforme a história demonstra, tem gerado uma massa crescente de excluídos e até o momento ainda não foi capaz de apresentar uma alternativa viável que possa redistribuir a renda e a riqueza. Para isso serão apresentadas algumas considerações sobre a nova ordem mundial, ou seja, a globalização que é vista como perversa por algumas facções e ainda propulsora de desigualdade social, com isso surge a economia solidária que também é um fenômeno contemporâneo, porém não se coloca à margem da economia de mercado e nem pretende ser um terceiro setor se sobrepondo ao estado e ao mercado, propõe uma organização social do trabalho fundada em laços solidários. Portanto, acredita-se que a economia solidária realmente seja uma alternativa viável para a geração de emprego e renda, buscando satisfazer as necessidades dos indivíduos, eliminando as desigualdades materiais e difundindo os valores da solidariedade humana. Palavras-chave Capitalismo, Globalização, Economia Solidária Abstract The present work has as objective verify the viability of the solidarity economy how to being able to tread an alternative way to the sistem of the capitalist product as according to the history that shows has beget a crescent mass of excluded and until the moment they aren’t able yet to present a viable alternative that can redistribute the recourses and the richness. For that will be presented some considerations about the new world-wide order, or it means, the globalization that is seen as perverse of some factions and still propeller of social inequality, with that arises the solidarity economy wich is a contemporary phenomenon, however it doesn’t place on the margin of the economy of the market and neither pretends to be a third sector superposing to the state and to the market, proposes a social organization of work established in solidarities laces. Therefore, believes that the solidarity economy really is the viable alternative to the generation of employment and recourses, searching to satisfy the necessity of individuals to satisfy the necessity of individuals, eliminating the materials inequality and disseminating the values of human solidarity. Key-words Capitalism, Globalization, Solidarity Economy Introdução A discussão a que este texto se propõe busca mostrar a relevância que a economia solidária vem ganhando num cenário mundial globalizado em que os valores individuais estavam se sobressaindo. É preciso perceber o caráter singular da economia solidária como uma proposta viável de geração de renda, não somente para aquelas pessoas que foram excluídas do sistema capitalista, mas também para as demais pessoas que acreditam que seja possível a criação de uma sociedade mais justa e igualitária em que o ideal de solidariedade seja realmente levado a sério. Primeiramente serão apresentadas algumas considerações sobre a nova ordem mundial, ou seja, a globalização. Apesar dessa globalização se beneficiar da imensa revolução tecnológica, ela tem gerado uma massa de excluídos. Nesse aspecto, o capitalismo se torna globalizante por apresentar um sistema de produção em que a propriedade dos bens de capital e o trabalho estão dissociados e há uma valorização do lucro em detrimento do ser humano. Portanto, esse sistema é perverso e cria uma grande exclusão social. Logo depois, será apresentada uma análise da economia solidária como uma alternativa a esse sistema capitalista globalizante. As experiências da economia solidária vêm mostrar que podem existir outras relações de trabalho em que o ser humano é colocado no centro ao invés da acumulação capitalista e da maximização desenfreada dos lucros. A economia solidária pode ser criada, recriada e aperfeiçoada se apresentando das mais diversas formas nos diferentes contextos sócio-econômicoculturais em que ela se encontra inserida. Assim, o presente trabalho tem como objetivo verificar a viabilidade da economia solidária como sendo capaz de trilhar um caminho alternativo ao sistema de produção capitalista que conforme a história demonstra tem gerado uma massa crescente de excluídos e até o momento ainda não foi capaz de apresentar uma alternativa viável que possa redistribuir a renda e a riqueza. O capitalismo que proporcionou as bases para a chamada globalização O início do século XXI pode ser caracterizado por uma intensificação do fluxo de bens, serviços, capitais e pessoas proporcionados principalmente pela chamada globalização que através de uma revolução tecnológica possibilita a intensificação das relações entre agentes separados no espaço e no tempo. Tal globalização também se torna alvo de muitas críticas, devido aos efeitos perversos de que ela também pode ser considerada responsável ao acentuar desigualdades no âmbito sócio-econômico, seja em relação ao norte e ao sul do planeta ou até mesmo dentro das fronteiras dos países, como no caso do Brasil que possui uma das maiores desigualdades na distribuição de renda, apesar de possuir um elevado Produto Interno Bruto – PIB. Com isso, a economia pautada no conhecimento e numa tecnologia em que a competitividade se torna crescente, quem não consegue se adequar ao sistema fica condenado à viver num situação que pode ser caracterizada como marginal, a exemplo dos desempregados de longa duração, dos agricultores de subsistência, das pessoas que se dedicam à atividades informais, entre outros. Toda essa transformação sócio-econômica vem ocorrendo num ritmo acelerado característico de uma sociedade pós-moderna. A globalização também pode ser associada com muitos aspectos do capitalismo que Anthony Giddens (1991:61) conceitua como sendo um “sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade, esta relação formando um eixo principal de um sistema de classes”. Assim, num sistema capitalista, o lucro produzido se traduz na apropriação econômica do tempo de trabalho do indivíduo que Marx denominou de mais-valia. Essa característica capitalista que permite a apropriação da mais-valia pode ser considerada como um dos fatores fundamentais para a crescente desigualdade mundial. Assim, o capitalismo ao longo da sua história tem se voltado para o desenvolvimento das capacidades produtivas que geraram uma grande concentração de renda e tem resultado em uma crescente desigualdade, miséria e exclusão social. O capitalismo se encontra fundamentado no pensamento liberal que tem origem no século XVIII que conforme destacou Paula (2005: 28) “as funções do Estado seriam basicamente três: manter a segurança interna e externa, garantir o cumprimento dos contratos e prestar serviços essenciais de utilidade pública”. Ou seja, o pensamento liberal defende o laissez-faire que pode ser caracterizado pela não-intervenção do Estado na economia e acreditam que o mercado tenha uma “mão invisível” para se autoregular, promovendo iniciativas criadoras, eficiência, justiça e riqueza. Esse é o pensamento liberal clássico que se constitui na base para o desenvolvimento do pensamento neoliberal capitalista que segundo Giddens (1999: 22) “é caracteristicamente indiferente a desigualdades”. A ideologia neoliberal, apesar de ter suas bases doutrinárias nas primeiras décadas do século XX, surgiu com força a partir da década de 1970 e triunfou principalmente durante a década de 1980. Afinal, no início do século XX já existia quem taxasse o New Deal norte-americano, o planejamento econômico inspirado nas políticas intervencionistas de Keynes e o movimento trabalhador como sendo “inimigos” do capitalismo mundial e da liberdade individual. Então, o neoliberalismo pretende ser uma ideologia de crítica teórica e política ao estado intervencionista e de bem-estar social (welfare state) que existia principalmente na Inglaterra e em alguns países europeus. Esse Estado intervencionista ameaçava a destruição da liberdade dos cidadãos e ainda a vitalidade da concorrência. Assim, o espaço para o neoliberalismo foi aberto com a crise econômica que eclodiu na década de 1970, houve a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e instituiu o dólar como padrão monetário internacional. Frente à gravidade da crise que se instaurou com o primeiro choque do petróleo ocorrido em 1973 e depois se desdobrou com o segundo choque do petróleo em 1989 os países desenvolvidos efetuaram profundos ajustes macroeconômicos que acabaram resultando em agravamento das tensões sociais e do desemprego. Por conseguinte, a década de 1970 foi marcada por elevada taxa de inflação mundial, variações nos preços externos e queda do crescimento econômico. Com isso, os países industrializados começaram a adotar políticas protecionistas que afetaram as economias exportadas como as da América Latina. Diante desse cenário, o ideário neoliberal ganhou notoriedade e atribuiu aos trabalhadores parte da culpa pela crise, afinal para os neoliberais, o poder do movimento operário era grande, com muitas reivindicações de melhores salários e o movimento sindical era forte, fato que comprometia o processo de acumulação capitalista. Assim, determinaram que a solução estaria em medidas que viabilizassem a estabilidade econômica, a redução dos gastos sociais e a restauração da taxa de desemprego para quebrar o poder dos sindicatos. Mesmo com todo esse receituário, alguns países ainda buscaram solução para a crise com adoção de medidas inspiradas no ideário keynesiano, porém não produziram o efeito esperado, assim, acabaram adotando as políticas neoliberais. Houve o triunfo da corrente de Margareth Thatcher (1979) que possibilitou a primeira ascensão de um grupo neoliberal ao poder nos países de capitalismo avançado. Houve um movimento intelectual para propagar as políticas neoliberais que envolviam economistas, políticos, intelectuais e ainda envolviam centro de pesquisas em universidades e vários think tanks que divulgavam os textos liberais de crítica com críticas às políticas de inspiração keynesiana. Logo depois, Thatcher conseguiu o apoio de Reagan nos Estados Unidos e ampliaram as reformas orientadas para o mercado, aprofundando o processo de privatizações e ainda houve a proibição de greves nos serviços considerados essenciais do Estado. Esse modelo implantado na Inglaterra adotou todas as medidas estabilizadoras monetaristas como a redução da emissão monetária, altas taxas de juros, decréscimo dos impostos sobre ganhos elevados e a eliminação de controles financeiros e também houve grande redução dos gastos sociais, elevação dos níveis de desemprego e adoção de um drástico programa de privatização que foi atingiu as indústrias básicas (eletricidade, petróleo, aço, gás e água). Com esse receituário neoliberal a Inglaterra conseguiu, em plena recessão, reduzir os gastos e aumentar a arrecadação. Para o neoliberalismo, há uma desigualdade natural entre os homens, pois eles se diferenciam física e mentalmente, sobretudo no que diz respeito à capacidade de realização de suas tarefas do dia-a-dia. Então, torna-se fundamental a liberdade econômica e não a igualdade política e dá ao mercado a condição de único fator racional de ordenamento da sociedade, afinal é no mercado em que os preços são livremente definidos pela interação das leis da oferta e da demanda, ou ainda a própria produção, a concorrência e o lucro. Nesse aspecto, são os próprios consumidores que definem a qualidade e a quantidade de que deve ser produzido de acordo com as suas preferências. Portanto, para essa ideologia, a desigualdade natural entre os homens torna-se fator indispensável para gerar estímulos à competição e produção de bens e de riquezas. Esses aspectos dão ao neoliberalismo uma posição profundamente conservadora e ainda eles atribuem à crise social como conseqüência do estado de bem estar social (welfare state). Neste contexto capitalista, as pessoas que não possuem poder de compra são descartadas e ignoradas. Com isso, os índices de desemprego se tornam crescentes e os trabalhadores são reconhecidos como indivíduos que estão a serviço do capital privado para maximizar os lucros de uma pequena parcela da população que detém os meios de produção e acumulação capitalistas. Dentro desse sistema, os direitos dos trabalhadores são reduzidos, e eles dificilmente participam das decisões estratégicas que delineiam a gestão de sua empresa. A história mostra que cada vez mais, o número das pessoas que conseguem vencer dentro desse sistema é reduzido e por outro lado, o número daqueles que são colocados à margem vêm crescendo em proporções assustadoras, são pessoas que foram privadas de satisfazerem suas necessidades básicas e que compartilham a desesperança de um mundo melhor, mais justo e igualitário onde não só os valores mercantis se sobressaiam mas também valores como o social e o ambiental tenham lugar de destaque na economia mundial. Contudo, esse processo de exclusão social proporcionado pelo capitalismo também encontra resistência que muitas vezes passa pela organização de grupos com pessoas marginalizadas que buscam estabelecer estratégias de atuação econômica, coletiva e popular e tais pessoas vêem na economia solidária, fundamentada em fontes diversas que vão desde as práticas de solidariedade dos povos indígenas de diversos continentes até no cooperativismo uma alternativa viável pelo fato dele se constituir numa associação econômica entre iguais através de princípios não-capitalistas de organização empresarial onde os próprios trabalhadores se tornam donos legítimos dos meios de produção e também são chamados a participarem em condições de igualdade no processo de decisão de sua empresa, independente do montante de sua participação no capital. São práticas fundadas na colaboração solidária, inspiradas em valores culturais e que o ser humano se torna o ponto central dessas práticas e não mais a acumulação privada de riqueza e de capital por um grupo restrito de pessoas. Pode-se afirmar, de acordo com Rodríguez (2002: 336) que o cooperativismo “continua a ser hoje um projeto não concluído de globalização contra-hegemônica, baseado em princípios de solidariedade e democracia participativa”. Neste sentido, numa perspectiva cooperativista não ocorre a apropriação da mais-valia, cada trabalhador tem direito ao retorno financeiro proporcional ao número de horas trabalhadas e não se fala em lucro econômico aos moldes capitalistas, mas sim em sobras que devem ser utilizadas em benefício de todos os seus associados. A Economia Solidária como alternativa ao mundo marcado por desigualdades A economia solidária busca soluções que sejam capazes de minimizarem os efeitos adversos que o capitalismo tem gerado para as pessoas que foram excluídas do sistema, proporcionando a sobrevivência e a melhora da qualidade de vida de muitas pessoas em toda parte do mundo. Alcântara (2003: 33) ressalta que: “A Economia Solidária constitui-se de empreendimentos que, independente da forma e dos nomes que recebem (cooperativas, associações, mutirões, etc), caracterizam-se por ser solidários e autogestionários. São solidários porque dividem os custos do investimento e repartem os lucros. E são autogestionários porque os próprios trabalhadores administram o empreendimento”. É interessante destacar que o termo economia solidária e terceiro setor num primeiro momento podem parecer correlatos, mas eles pertencem a universos diferentes. Economia solidária é uma expressão européia que denota uma problemática histórica ao estar contida na própria origem da idéia de estado social, abrangendo um debate sobre as formas de manifestação da solidariedade na economia, noções historicamente dissociadas. Já o terceiro setor é uma expressão norte-americana mais voltada para os ideais de filantropia. A perspectiva da economia solidária ao buscar novas formas de regulação se opõe às duas maneiras pelas quais havia sendo interpretada: “1) aquela que enxerga estas experiências como modos de reativação de formas de sociabilidade comunitaristas, fortemente marcadas por um caráter autárquico e balizada pelo peso da tradição dos costumes. 2) uma ótica liberal (à direita), ou seja, enquanto possibilidade de constituirse como setor à parte (terceiro), vindo justapor-se aos dois outros (Estado e mercado), e buscando corrigir as lacunas deixadas, por estes, nas suas capacidades de satisfazer as necessidades.” (França Filho, 2002: 125) Assim, é preciso compreender que o fenômeno economia solidária não tem a pretensão de se tornar um setor à parte (terceiro), mas ser capaz de interagir com o Estado e com o mercado elaborando arranjos organizacionais particulares que subordinem a lógica mercantil à ação coletiva. Neste sentido, a economia solidária tenta evitar a contradição que ocorre no sistema capitalista em que há uma produtividade crescente, mas tal produtividade não traz benefícios a todos os trabalhadores. Essa contradição gera uma massa de excluídos do consumo, crises recessivas que acabam tendo um efeito global. A economia solidária vem mostrar que o capitalismo não é a única forma de produção. Busca propagar a semente da solidariedade entre as pessoas, possibilitando aos trabalhadores acesso aos benefícios que foram gerados pelo seu próprio trabalho, melhorando a sua qualidade de vida e de seu consumo. Portanto, a economia solidária não apóia a mercantilização das pessoas, do uso intensivo dos recursos naturais que gera contaminação e esgotamento da biodiversidade e propõe uma atividade econômica fundamentada no desenvolvimento local. Assim, a economia solidária, visa atender à necessidade de geração de renda e não foi concebida somente para atender às necessidades das pessoas que já estão excluídas do sistema capitalista, mas também precisa atrair profissionais liberais que tenham uma melhor qualificação. Embora este modelo esteja sendo cada vez mais apropriado por indivíduos desempregados que necessitam de alternativas para sobreviverem atendendo a uma população mais carente com menores níveis de escolaridade. A solidariedade econômica representa o ponto alto do modelo de economia solidária, uma vez que, na maioria das vezes, os indivíduos interessados por esses empreendimentos são constituídos por pessoas que foram excluídas do mercado capitalista e, pelo menos momentaneamente, não apresentam condições que viabilizem seu retorno, mas também por ser constituído de pessoas que não dispõem de recursos financeiros suficientes para optarem por um investimento privado. Com isso, tais pessoas vêem numa solidariedade econômica uma forma de obter renda e recursos para investirem num empreendimento que poderá gerar renda para todos os seus associados. Afinal, as pessoas precisam de renda para sobreviver. Os indivíduos que fazem parte dessas associações de economia solidária são chamados a desvincularem-se da noção capitalista de que somente o salário proporciona uma participação na geração de riqueza. Neste sentido, as cooperativas representam a forma mais dinâmica de concretização desse fato, por representar uma autonomia de fato e de direito e ainda possuírem uma regulamentação própria que lhe permite uma maior liberdade de atuação no mercado capitalista, uma vez que as cooperativas estão inseridas nele. Então, visando potencializar os efeitos gerados por essas cooperativas ou associações de economia solidária, é desejável uma maior aproximação entre tais empreendimentos que proporcione uma maior interação, comunicação e intercâmbio e ainda possibilitando a troca de produtos e serviços entre as pessoas que foram reunidas com os mesmos princípios. A economia solidária deve proporcionar o desenvolvimento de redes de comércio a preços justos, trazendo os benefícios do desenvolvimento produtivo a um número maior de pessoas. Seria o estabelecimento do que ficou conhecido como redes cooperativas que “são uma forma de garantir a sobrevivência de empreendimentos solidários no mercado, uma vez que este é altamente competitivo e já se encontra, em muitas partes saturado ou dominado por empresas com grande poder de investimento.” (Alcântara, 2003: 38). Por conseguinte, o termo rede se adequa perfeitamente aos princípios da economia solidária, ele se originou de diversas áreas do conhecimento, entre elas destaca-se a antropologia e a sociologia, e propõe entre seus princípios a interação, a ajuda mútua e o compartilhamento. Dentro desse ambiente mais flexível, o papel do homem é central para dar agilidade ao fluxo de informações e estabelecer uma reciprocidade generalizada entre os membros da rede tanto em âmbito intraorganizacional quanto no âmbito interorganizacional. Assim, um consumo organizado e consciente exerce pressões que exigirão produtos de qualidade e considerados competitíveis ao mesmo tempo em que são capazes de consolidar e reativar os modos de produção considerados tradicionais que eram baseados nas relações de proximidade, de reciprocidade e de equilíbrio ecológico. Com isso, estabelecendo novos arranjos produtivos que alcancem eficiência social, organizando a produção através de redes de complementariedade responsável e de um comércio que possa ser considerado justo. As práticas de economia solidária, segundo França Filho, são iniciativas socioeconômicas numa forma associativa visando responder a algumas problemáticas locais específicas. Fato que liga a economia solidária à questão de uma exclusão social crescente proporcionada pela crise de um estado-providência e também à falência de mecanismos de regulação econômica. Portanto, cabe à economia solidária, a busca por novas formas de regulação da sociedade. De acordo com França Filho, a economia solidária enquanto modo de regulação apresenta dois traços característicos: “a) hibridação de economias (ou de recursos) permitindo a perenidade dos projetos criados, pois articulam distintas fontes de recursos. Estas são de natureza: não-mercantil: subvenções ou financiamentos a atividades oriundos do poder público (qualquer que seja a instância de governo) – recurso ao Estado; mercantil: venda ou prestação de serviços a particulares (pessoa física ou jurídica) – recurso ao mercado; não-monetária: participação voluntária de indivíduos, ou seja doação sob a forma material ou humana (doação de tempo, etc.) – recurso à uma lógica reciprocitária ou uma lógica da dádiva. b) construção conjunta da oferta e da demanda onde os serviços são concebidos e propostos em função de necessidades sociais reais expressas localmente.” (França Filho, 2002: 125) França Filho afirma que a tarefa da economia solidária não é fácil na medida em que busca um equilíbrio entre lógicas distintas (racionalidade instrumental e racionalidade substantiva) e ainda carece de um maior desenvolvimento de seu arcabouço teórico e estudos empíricos. A economia solidária inspirada em escritos de Karl Polanyi pretende olhar a economia como abrangendo uma pluralidade de princípios do comportamento econômico, a chamada Economia Plural que apresenta quatro grandes princípios: o mercado auto-regulado, a redistribuição, a administração doméstica e a reciprocidade que podem ser resumidos em três formas com rearranjos modernos: “a) uma economia mercantil fundada no princípio do mercado autoregulado: tipo de troca marcada pela impessoalidade e pela equivalência monetária, limitando a relação a um registro puramente utilitarista. (...) b) uma economia não-mercantil fundada na redistribuição: marcada pela verticalização da relação de troca e pelo caráter obrigatório, pois aparece a instância superior (Estado) que se apropria dos recursos a fim de distribuílos; c) uma economia não-monetária fundada na reciprocidade: sistema de relação de trocas orientadas segundo a lógica do dom (ou da dádiva), tal como formulada ou descrita por Marcel Mauss. A dádiva compreende três momentos: aquele de doar, do receber e do devolver.” ( França Filho, 2002: 127) De acordo com a economia plural, os três pólos descritos acima se complementam ao constituírem-se em consumidores e criadores de riquezas quebrando o mito de que o progresso e o desenvolvimento econômico são as únicas fontes de felicidade. É preciso considerar que na prática a economia de mercado depende de um pólo não-mercantil para se tornar próspera, ou seja, depende da infra-estrutura proporcionada pelo poder público, e também de um pólo não-monetário baseado nas relações familiares, associativas, etc. Assim, a economia solidária contribui para a democratização da economia, engajamento da cidadania, integração social e cultural ao estabelecer novos modos de regulação econômica. Um importante desafio que a economia solidária enfrenta se constitui no seu financiamento. Para reverter essa situação há uma busca pela redefinição do papel do dinheiro, assim tem-se uma descentralização responsável das moedas circulantes nacionais e o estímulo ao comércio justo e solidário que pode até mesmo se beneficiarem do uso de moedas comunitárias, isto seria o empoderamento financeiro da comunidade, conseguindo, dessa forma, uma certa imposição de limites às exorbitantes taxas de juros e aos altos lucros auferidos pelas empresas capitalistas, evitando também a atividade especulativa praticada por alguns capitalistas, preservando o direito e a soberania do povo sobre seu próprio mercado. Nesse contexto, França Filho (2002: 128) propõe quatro formas principais de manifestação da economia solidária do ponto de vista organizacional, a saber: o comércio justo; a finança solidária; a economia sem dinheiro e também as empresas sociais. O fenômeno denominado de comércio justo tem a finalidade de construir uma solidariedade internacional nas relações comerciais entre países do norte (consumidores) e os países do sul (produtores). Outra preocupação desse comércio justo é a sensibilização da opinião pública para as condições de injustiça que foram estabelecidas pelas regras do comércio internacional. Assim, essas organizações buscam para se constituírem em seus parceiros comerciais, organizações de pequenos produtores que compõem cooperativas e então, se torna possível a viabilização das transações de compra e venda desses parceiros, os objetos dessas transações geralmente abrangem produtos artesanais ou agrícolas à um preço que seja considerado justo para o pequeno produtor e também buscam eliminarem ao máximo os chamados “atravessadores”. A finança solidária também pode ser chamada de microcrédito, poupança solidária, microfinança, finança de proximidade, entre outros e visa, através dessas iniciativas, possibilitar o acesso ao crédito às pessoas excluídas do sistema bancário e que através do financiamento obtido possam ter condições de criarem seus próprios empregos. Para manter a ética na aplicação do dinheiro obtido através desses projetos, há uma seleção daqueles que apresentam uma finalidade social e, sobretudo, na maioria das vezes, ainda existe uma preocupação de se realizar um acompanhamento durante a execução do projeto. A economia sem dinheiro se constitui em iniciativas locais que tentam estabelecer alternativas comerciais diferentes das praticadas pelo mercado capitalista através de uma articulação em redes. Destacam-se duas experiências: a primeira é o sistema de troca local formado por uma associação de pessoas que trocam bens ou serviços, utilizando-se uma moeda fictícia; a segunda é a rede de troca recíproca de saberes onde se troca diretamente um saber pelo outro sem utilização de uma moeda. As empresas sociais se constituem em organizações privadas, mas que ao desenvolverem suas atividades comerciais apresentam finalidade social e não se curvam ao interesse capitalista de maximização de lucros, mas sim à satisfação de alguns objetivos econômicos e sociais como a busca por soluções aos problemas sociais, a exemplo do desemprego. Embora essas organizações possam se beneficiar de subsídios concedidos pelo Estado, elas não são organizações públicas porque possuem autonomia. Ainda são abertas a quem se interessar, aceitando em sua estrutura trabalhadores, usuários e voluntários. Através dessas manifestações de organizações fundamentadas na solidariedade, as oportunidades de trabalho são potencializadas por uma rede de agentes que se apóiam e se complementam, construindo uma vantagem cooperativa em substituição de uma eficiência sistêmica das velhas práticas da competição e da maximização da lucratividade individual. Com isso, cada agente econômico contribui não somente para o seu progresso, mas também para o progresso da rede cooperativista, resultando em melhoria da qualidade de todos os envolvidos nesse processo. Contribui de diversas formas para um projeto de desenvolvimento destinado a promover as pessoas através de um acesso aos recursos e ferramentas para distribuir as riquezas trazendo suficiência como resposta às necessidades dos sujeitos. A economia solidária se encontra inserida dentro da discussão sobre novas formas organizacionais que possam se constituir em alternativas viáveis para a superação do enraizado modelo burocrático, uma vez que apresenta o conceito de autogestão que visa um exercício coletivo do poder com inspiração em uma sociedade sem classes, tal como propunha Marx. Neste sentido, se constitui em uma gestão social com participação de uma sociedade autogestionária que fosse capaz de implementar uma transformação completa da sociedade no conjunto de seus aspectos econômico, político e social baseada numa racionalidade substantiva e em detrimento de uma racionalidade instrumental que domina uma economia atrelada ao lucro, à exploração e a dominação. Assim, as organizações autogestionárias apresentam como característica: controle exercido pelos trabalhadores; eliminação da hierarquia entre os cargos, da separação entre a concepção e a execução do trabalho; descentralização e participação direta dos associados nas decisões e valorização dos associados. Através desses princípios se espera uma preocupação em garantir o ideal de coletividade sobre os interesses individuais. A economia solidária apresenta como valores centrais o trabalho, o saber e a criatividade humana, não se limita aos benefícios materiais de um empreendimento, mas sim aos critérios conhecidos eficiência social que abrange os índices de melhoria da qualidade de vida, proporcionando justiça social e felicidade aos seus membros. Portanto, a economia solidária é um poderoso instrumento de combate à exclusão social, representando uma alternativa viável para a geração de trabalho e renda, eliminando as desigualdades materiais e difundindo os valores da solidariedade humana. Considerações Finais Após refletir sobre os aspectos abordados no presente texto, acredita-se que a economia solidária realmente seja uma alternativa viável para a geração de emprego e renda, buscando satisfazer as necessidades dos indivíduos, eliminando as desigualdades materiais e difundindo os valores da solidariedade humana. Assim, a economia solidária contribui para a construção de um estado democraticamente forte em que se respeita os direitos do ser humano através da construção de uma justiça social que o capitalismo e as políticas neoliberais ainda não se mostraram dispostos a apoiar. Com um Estado democraticamente forte, empoderado e transparente, se torna possível também o estabelecimento de políticas públicas que contribua para a criação de uma democracia mais participativa e uma sociedade civil mais organizada que contribuam não só para o crescimento das variáveis macroeconômicas como o Produto Interno Bruto, mas também para o desenvolvimento econômico e melhoria dos indicadores sociais. A economia solidária propõe a participação social não apenas nos lucros (melhor seria chamá-lo de sobras) do empreendimento como também o trabalhador tem a propriedade e o controle dos meios de produção. Esse fato determinante distingue as organizações de economia solidária formal e informal das organizações capitalistas, ou seja, pretende-se uma superação da exploração capitalista do trabalho humano. É importante destacar que a gestão cooperativa também chamada de autogestão ou ainda gestão democrática da organização por todos os sócios em que cada indivíduo tem direito a um voto, independente da sua participação na formação do capital social da organização. Então, essa forma democrática de gerir a organização tem se difundido mais intensamente na medida em que o capitalismo globalizado tem gerado uma precarização do trabalho assalariado, precarização das relações de trabalho e ainda uma grande massa de desempregados. Assim, faz-se mister a construção de uma economia em que os valores humanos se tornam centrais, sendo o objetivo maior da cadeia produtiva, sendo promovidos a sujeitos dotados de criatividade em que há o respeito pela diversidade, solidariedade e complementariedade em detrimento da competição e do egocentrismo. Além disso, busca-se estabelecer o respeito pela natureza, pela construção de um desenvolvimento sustentável em que a sociedade esteja consciente de seus direitos e deveres com justiça, fraternidade e paz entre os cidadãos. Consequentemente, apesar de a economia solidária ter nascido, na grande parte dos casos, de uma parcela de excluídos do sistema capitalista que necessitava encontrar uma outra forma digna para sobreviver, ela vem mostrar que existe alternativa de construção de uma outra sociedade em que um mundo mais igualitário seja possível, então, a barreira do sonho em que este mundo possa ser construído, será ultrapassada e se transformará numa realidade concreta. Referências Bibliográficas ALCÂNTARA, Fernanda Henrique Cupertino. “Institucionalismo, Racionalidade e Solidariedade em Cooperativas Populares”. In: Heckert, Sônia Maria Rocha (Org). Cooperativismo Popular: reflexões e perspectivas. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2003. 222 p. 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