O drama da seca e do deserto que tomam os campos que um dia foram verdes Na segunda reportagem da série especial da Rádio ONU - Água: O Mundo e um Recurso Precioso, nossa equipe explora questões como mudanças climáticas, enchentes, secas e desertificação. Daniela Gross e Eleutério Guevane, da Rádio ONU em Nova York * N o Paquistão, um ano atrás: chuvas torrenciais, enchentes, destruição e mortes. “Nossas casas foram invadidas pela lama e pela água. Vi animais mortos por todos os lados. Comecei a gritar e não podia acreditar no que eu estava vendo”, conta a mulher paquistanesa. Hoje, numa outra região, o Chifre da África, a falta da chuva, o solo que seca, as plantações que não se desenvolvem como antes, o deserto que se estende e a sede que mata. “Nossa sobrevivência depende da chuva, e a chuva parou. Todos os animais que tínhamos morreram por causa da seca. Como podemos sobreviver?”, questiona esta somali. De Enchentes à Secas Os perigos relacionados à água podem ser ligados à causas naturais ou provocados pelos seres humanos. De acordo com a ONU Água, agência das Nações Unidas criada especificamente para lidar com os desafios deste recurso, as ameaças na área podem acontecer com o excesso de água, De acordo com a ONU Água, entre os anos de 1991 e 2000, mais de 665 mil pessoas morreram em 2,557 desastres naturais, dos quais, 90% foram relacionados à água como em enchentes, erosões e deslizamento de terras. Por outro lado, os perigos também aparecem através da escassez da água, como nas secas e na perda das zonas úmidas. A estas ameaças, ainda se somam os efeitos da poluição química ou biológica que afetam a qualidade do fluxo do recurso nos ecossistemas. Crise dos Recursos Hídricos O antropólogo, sociólogo e professor da Unicamp, Maurício Waldman, falando à Rádio ONU de São Paulo, explicou que a crise dos recursos hídricos está ligada a diversos fatores que se entrelaçam. “A questão da água tem um o aspecto de oferta natural do líquido, e também tem questões relacionadas aos impactos antropogênicos, decorrem das atividade humanas. Também tem uma série de elementos que fazem uma sinergia com a oferta natural e a esfera econômica, social e histórica”, explicou. Ciclo da Água Para a Convenção da ONU de Combate a Desertifição, a questão da água é um fenômeno social, devido ao potencial de disputas pelo recurso, e também econômico, por causa das características de oferta e demanda do produto. Por outro lado, as mudanças climáticas, que afetam seres humanos e a quantidade de terras sem água suficiente para manter a vida, também fazem da água um fenômeno climático. De acordo com a Convenção da ONU, “o ciclo da água é uma das partes mais sensíveis do planeta e qualquer mudança neste ciclo pode trazer efeitos dramáticos.” Amazonas por causa da seca. Na região leste, nas próximas décadas, uma grande parte da floresta deve virar savana”, contou. Eventos Extremos no Brasil “Em 2009 a Amazônia teve a maior enchente dos últimos anos, e em 2010, a Amazônia teve a maior seca”, ANA Efeitos das Mudanças Climáticas Os maiores efeitos das mudanças climáticas são relacionados à água, que incluem um aumento na frequência e intensidade das enchentes e secas mais severas, de acordo com a Convenção sobre Desertificação. Já a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, reconhece que ainda existem questionamentos no âmbito científico, e que as causas e efeitos das mudanças climáticas ainda não foram completamente explicadas. Porém, a agência da ONU argumenta que o criticismo e as dúvidas relacionadas ao problema, “não diminuem a realidade ou a gravidade das tendências claras do clima global.” Em uma discusso recente sobre o assunto no Conselho de Segurança, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon disse não ser possível “cometer erros” neste cenário. “Os fatos são claros, as mudanças climáticas são reais, e estão se acelerando rapidamente. É um risco para a segurança e a paz internacionais. Eventos climáticos extremos estão crescendo em intensidade e frequência em países ricos e pobres, devastando vidas, infraestrutura, instituições e orçamentos”, alertou. Eventos Hidrológicos Extremos De acordo com a ONU Água, no Século 21, foi registrado um aumento em eventos hidrológicos extremos. Entre os anos de 1991 e 2000, mais de 665 mil pessoas morreram em 2,557 desastres naturais, dos quais, 90% foram relacionados à água. Dados de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Ipcc, indicam que até o ano de 2025, as chuvas aumentarão entre 10% e 40% nas regiões de alta latitude, e diminuirão entre 10% e 30% nas regiões secas de latitude média e semi-áridas de baixa latitude. Um estudo da Agência Nacional de Águas do Brasil, ANA, notou que em 2010, 563 cidades do país sofreram com a ocorrência de cheias, e 521 municípios, a maior parte deles localizados nas regiões semi-áridas e na Amazônia, tiveram que decretar situação de emergência por causa da estiagem e das secas. Para o especialista em recursos hídricos da ANA, Alexandre Lima, que falou à Rádio ONU de Brasília, estes eventos são anormais. “Em 2009 a Amazônia teve a maior enchente dos últimos anos, e em 2010, a Amazônia teve a maior seca. Em dois anos seguidos ocorreram eventos extremos e opostos. Estes eventos são fora da normalidade e são totalmente fora do nosso controle”, disse. Distribuição Desigual A especialista em infraestrutura da sede do Banco Mundial no Brasil, Juliana Garrido, disse à Rádio ONU de Brasília, que um dos problemas no país, é que apesar de ter 20% da água fresca do mundo, o Brasil sofre com uma distribuição desigual do recurso. Fora isso, eventos extremos estão trazendo impactos Secas pelo Mundo Secas na Amazonia Em discurso durante o Fórum Mundial de 2008, Ban Kimoon notou como todas as regiões estão sendo afetadas. Ele citou como exemplo os Himalaias, onde “o derretimento das geleiras está colocando em risco o fornecimento de água para centenas de milhares de pessoas.” O Secretário-Geral também usou a Amazônia para descrever o problema. “Numa visita ao Brasil, tive que cancelar uma viagem por um afluente do rio econômicos e sociais. “No nordeste nós temos secas muito grandes, e no sul, uma certa tendência a chuvas. Só que recentemente, este quadro está chegando aos extremos, como no caso de Pernambuco, que atualmente tem chuvas para as quais não existia um planejamento para recebê-las, e secas em regiões do Rio Grande do Sul, onde também não eram comuns”, comentou. Neste ano, várias secas atingiram partes da Europa, onde segundo dados da Organização Mundial de Metereologia, em certas áreas do continente, as chuvas entre janeiro e maio, ficaram 40% abaixo do normal Neste ano, várias secas atingiram partes da Europa, onde segundo dados da Organização Mundial de Metereologia, OMM, em certas áreas do continente, as chuvas entre janeiro e maio, ficaram 40% abaixo do normal. Já na China, secas na região central deixaram 315 mil pessoas com falta d’água para beber. No continente africano, onde 60% das terras são áridas de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnuma, a região conhecida como Chifre da África sofre a pior seca Países Africanos de Língua Portuguesa Região conhecida como Chifre da África sofre a pior seca dos últimos 60 anos dos últimos 60 anos. Na Somália, Para pessoas como esta onde 3,7 milhões de pessoas já “Nós sofremos com a seca, somali, a ajuda é vital. foram afetadas, a ONU declarou fome e sede. Perdemos todos “Nós sofremos com a seca, os nossos animais. Nossas situação de fome em duas partes fome e sede. Perdemos do sul do país. A coordenadora de fazendas secaram, sofremos todos os nossos animais. e tivemos que deixar as nosassuntos humanitários, Elizabeth Nossas fazendas secaram, Byrs, falou sobre os números alar- sas casas por causa da situsofremos e tivemos que ação. Precisamos de comida, mantes. deixar as nossas casas por de ajuda”, mulher somali causa da situação. PrecisaCrise no Chifre da África mos de comida, de ajuda”, relata. “Por causa da falta de chuva “Por causa da falta de chuva a a situação da seca está ainda situação da seca está ainda pior, Regiões mais pior, e em alguns locais, nós e em alguns locais, nós não vimos Vulneráveis não vimos nenhum chuva. nenhum chuva. Mais de 10 milhões Mais de 10 milhões de pesde pessoas precisam de assistên- soas precisam de assistência Para a FAO, existem um cia de emergência e a situação de consenso crescente de de emergência e a situação de crise alimentar é muito crise alimentar é muito séria....Na que a África e o sul da Ásia séria”, coordenadora de asSomália, uma em cada três crianestão entre as áreas mais suntos humanitários, Elizaças já sofrem com a desnutrição, e suscetíveis e vulneráveis beth Byrs nós vimos um aumento de mais de aos efeitos das mudanças 30% de casos de pessoas afetaclimáticas. Ambas as áreas De acordo com a OMS, a falta das pela seca desde o início de têm populações densas e dágua e o deslocamento da 2011.” pobres, com acesso limipopulação, que foge da seca O Escritório de Assistência Hutado aos recursos básicos em busca de sobrevivência, manitária da ONU, Ocha, e outras de água e terra. O país de aumenta o risco por conagências da organização estão língua portuguesa, no oeste taminação de cólera, febre na região com programas de da África, Guiné-Bissau, tifóide, diarreia e infecções emergência a auxílio.De acordo por exemplo, tem uma das respiratórias com a OMS, a falta dágua e o piores infraestruturas de deslocamento da população, que Na Somália, onde 3,7 milhões água e serviços sanitários foge da seca em busca de sobredo mundo. Os dados são de pessoas já foram afetavivência, aumenta o risco por con- das, a ONU declarou situação do Atlas da Água produzido de fome em duas partes do taminação de cólera, febre tifóide, pelo Pnuma. sul do país diarreia e infecções respiratórias. Já Angola, apesar de ter uma quantidade abundante do recurso, apresenta um baixo acesso de água potável, especialmente nas áreas rurais. Já em Moçambique, dados do Unicef mostram que somente 29% da população têm acesso à água tratada nas zonas rurais. O país, também vem sofrendo com eventos climáticos extremos. Entre 2000 e 2009, Moçambique sofreu seis períodos de secas que afetaram 3,2 milhões de pessoas. Durante estes anos, o país também passou por 15 enchentes, que impactaram 6 milhões de pessoas. RÁDIO ONU: http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/ Capacidade Tecnológica e Humana O diretor da ONU Água e também diretor do Instituto para a Água, Meio Ambiente e Saúde das Nações Unidas, Zafar Adeel, explicou à Rádio ONU, de Toronto, que o continente africano tem variações grandes em termos dos recursos de água, com concentrações em algumas áreas e escassez em outras, como na região do sul e norte da África, e na área do Mediterrâneo. Porém, além da falta natural do recurso, um dos problemas no continente é a questão de capacidade em lidar com a crise da água. “A nossa impressão geral, é que muitos países da região não têm capacidade tecnológica e humana, porque ocorre muito desperdício da chuva, e ainda mais importante, não existe capacidade institucional suficiente, quer dizer, instituições na região que foquem na questão da água e que sejam capazes de encontrar soluções regionais”, comentou. De acordo com a FAO, dois terços das terras do continente africano são classificadas como áridas ou desertas e a desertificação já afeta um quarto da população mundial. Processo de Desertificação As secas nas últimas três décadas e a degradação das terras nas margens do deserto também estão aumentando a preocupação com o processo de desertificação. De acordo com a FAO, dois terços das terras do continente africano são classificadas como áridas ou desertas e a desertificação já afeta um quarto da população mundial. O doutor em biologia e colaborador do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Ibrahima Anne, falou à Rádio ONU de Porto, que ele mesmo já acompanhou o processo no país dele. “Uma grande parte da África fica em uma área desértica, ou semi-árida, tanto no norte quando no sul, e agora, o que está acontecendo é o processo de desertificação. Em muitos países como o meu, na Mauritânia, onde fazemos muitos esforços para lutar contra a deser- tificação com programas como o de reflorestamento, tudo isso tem haver com o fato que as águas, tanto em quantidade como também em qualidade, estão diminuindo”, contou. Gerenciamento dos Recursos Naturais Para Ibrahima Anne, a desertificação também está diretamente ligada à questão de gerenciamento dos recursos naturais. “Há muitos países, mesmo os que têm água na África, que não geram os seus recursos, deixam poluídos pelas novas indústrias e uma agricultura mal pensada, e também ficam com o mesmo problema”, alertou. A ligação entre a desertificação e do gerenciamento da água também é feita pelo professor de Física e Alterações Climáticas da Universidade de Lisboa, Filipe Duarte Santos, que falou à Rádio ONU, da capital portuguesa. “A relação com a pobreza existe, com a utilização do solo Para a FAO, a África e o sul da Ásia estão entre as áreas mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas de forma sustentável, atividades de pecuária intensivas, monoculturas e sistemas de irrigação não sustentáveis”, explicou. Técnicas de Minimização foram férteis, homens como este, em Madagáscar, tentam entender o que está acontecendo. Estações Trocadas “O verão era verão, o inverno era inverno e a primavera Filipe Duarte, lembra que era primavera. Mas agora, o existem técnicas capazes de minimizar “Existiam 400 pessoas mo- verão é como a primavera, e o o problema. rando aqui. Nós tinhamos inverno é mais “Uma das coisuma estação de polícia, escola, igreja, centro de como verão”, as que é muito saúde e a prefeitura....nós importante é descreveu. não podemos parar as du Enquanto construir barnas, elas são como ondas do caminha enreiras, ou seja, oceano” tre dunas, ele cordões de mostra alguvegetação de mas ruínas, últimos vestígios arbustos, árvores e florestas de uma vila que foi tomada nas fronteiras com os deserpela areia que ninguém contos para travar o progresso”, segue barrar. disse. Enquanto o deserto continua “Existiam 400 pessoas moinvadindo áreas que um dia já rando aqui. Nós tinhamos uma estação de polícia, escola, igreja, centro de saúde e a prefeitura....nós não podemos parar as dunas, elas são como ondas do oceano”, comparou. *Edição: Mônica Villela Grayley. *Assistência de Produção: Leda Letra e Luisa Leme. Na próxima parte: a água, a agricultura, e a insegurança alimentar, que ameaça deixar milhares de pessoas sem terem o que comer. Uma Produção da Rádio ONU http://www.unmultimedia. org/radio/portuguese/