O Sr. pronuncia o RONALDO seguinte CUNHA discurso: LIMA (PSDB-PB) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, assomo à tribuna para tratar de matéria da mais legítima preocupação e urgência: o aquecimento global. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU, divulgado em fevereiro, não deixa mais qualquer dúvida de que o aquecimento global dos últimos 250 anos é, de fato, provocado pela atividade humana. As últimas pesquisas mostram que a temperatura média do planeta aumentou 0,74ºC nos últimos cem anos, superando, em muito, as variações naturais do clima no período pré-industrial. O quadro traçado é sombrio. A previsão é de um aumento na temperatura média da Terra de 1,7 a 4,4ºC até o final do século, com aumento de até 40 cm nos níveis dos oceanos, causado pelo derretimento das geleiras e calotas polares e que ameaça terrivelmente os países insulares. Além disso, quebra de safras, fome, epidemias, escassez 2 de água e perda acelerada da biodiversidade compõem um cenário de Dante, inimaginável à minha geração, habituada a um presumível mar sem fim de recursos naturais sempre disponível ao crescimento contínuo da economia mundial. No entanto, a imprevisibilidade climática, principal efeito do aquecimento global, já é evidente, caracterizada que está pelo aumento do número de furacões, inundações, secas extremas e prolongadas e pelos assustadores invernos sem neve em muitas partes do Hemisfério Norte. No Brasil, estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, Embrapa e diversos outros centros de pesquisa mostram, a cada dia, os efeitos do aquecimento global que serão verificados em nosso território. A savanização da Amazônia, que agravará ainda mais as secas no Nordeste, e a imprevisibilidade do regime de chuvas, que afetará o abastecimento de água das cidades e a geração hidrelétrica estão entre as mazelas que teremos de administrar. 3 Entre os planos a serem concebidos e geridos para enfrentar as conseqüências das mudanças climáticas, tendo em vista manter nossa economia e evitar perdas humanas, em especial preocupa-me o que se fará pelo Nordeste. Digo isso porque os cenários até agora construídos para o Brasil prevêem fisionomias tão díspares e impensadas, amazônicas como para a o migração oeste de das São seringueiras Paulo e o desaparecimento da soja do Sul do País, devido à intensificação da seca naquela região. Chamou-me à atenção recente estudo que prevê vegetação de Caatinga em áreas do Sudeste. Foi desenvolvido pelo Departamento de Agrometeorologia da Embrapa, em Minas Gerais, numa das mais antigas estações de medição de temperatura, das poucas do País com séries históricas de 80 anos ininterruptos. O estudo, divulgado em 21 de março último, prevê que uma paisagem típica da caatinga nordestina deve tornar-se comum em 4 vastas áreas do Sudeste do País até o fim do século. A temperatura mínima será aumentada em até 4 graus, o que deverá eliminar o inverno na região. Para o Nordeste, fala-se em aridização ainda maior do Semi-Árido, com o agravamento da desertificação. A desertificação de terras antes férteis e agricultáveis é, para mim, a cena de maior tristeza entre as causadas pela insanidade da ação humana sobre o meio ambiente. O fenômeno já afeta 33% da superfície do Planeta e atinge cerca de 2,6 bilhões de pessoas. Concentra-se, particularmente, na África, na Ásia e na América Latina. A cada ano, 5 milhões de hectares agrícolas e 35 milhões de hectares de pastagens tornam-se improdutivos por causa da desertificação. O processo apresenta poucas chances de reversão e o prejuízo econômico é de US$ 42 bilhões por ano. No Brasil, as áreas susceptíveis à desertificação encontram-se nos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e 5 norte de Minas Gerais. Abrangem 1.201 municípios, numa superfície de mais de 1 milhão de Km² (1.130.790,53 km²). No total, cobrem 16% do território brasileiro. Em 2000, a população residente nessas áreas chegava a mais de 30 milhões de habitantes (31.663.671), o que corresponde a 19% da população brasileira. Com o aquecimento global, a intensificação de secas em municípios do entorno das áreas já desertificadas ou susceptíveis expansão à do desertificação processo no constitui Nordeste. evidência Este da Entorno compreende uma superfície de 207.340 km², distribuídos ao longo de 281 municípios. Sabemos que o Brasil é signatário, desde 1997, da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca e que possuímos já um Plano de Combate, lançado na Conferência Sul-americana de Combate à Desertificação, realizada em 2004, em Fortaleza. 6 Juntamente com a Argentina, o Peru, a Venezuela, o Chile, a República Dominicana e Honduras, o Brasil comprometeu-se em unir esforços para reduzir os impactos econômicos, sociais e ambientais que a desertificação tem causado à América Latina e ao Caribe. Com a Declaração de Fortaleza sobre Cooperação Regional, esses países decidiram compartilhar políticas, trocar experiências e estimular a participação social nos processos decisórios de ações direcionadas ao combate à desertificação. Em setembro, realizar-se-á em Madri a próxima Conferência das Partes, onde, provavelmente, serão assumidos mais e mais compromissos. O grande obstáculo para a consolidação das políticas nascidas no âmbito desta Convenção é a falta de recursos financeiros, como de resto, os senhores dirão, ocorre com as iniciativas globais concernentes a questões ambientais e sociais. Ocorre, Senhores., que a desertificação se alastra em regiões de clima seco, em terras já praticamente inservíveis 7 e, portanto, de menor interesse econômico. Atinge milhões de pessoas pobres, excluídas do mercado mundial, a quem tem sido dirigidas ações de assistência e não de mudanças estruturais que lhes dêem a dignidade de caminhar com as próprias pernas. Essa população, dizem os vários relatórios mundiais, é a mais vulnerável aos descalabros climáticos, cuja intensificação se anuncia. Em tempos de aquecimento global, temos de ultrapassar os salamaleques diplomáticos e ter propostas concretas, tanto para pactos globais, como para planos nacionais de contingência, suficientes para o enfrentamento das calamidades econômicas e sociais pressagiadas. No contexto global, começamos a ver boas reações, ainda que tardias, que apontam para uma mudança de rumos na dinâmica política e econômica, necessária ao enfrentamento deste que é o maior desafio com que a humanidade já se deparou. A recém-anunciada decisão da União Européia de reduzir a emissão de gases de efeito 8 estufa em 20% até 2020, apesar de circunscrita àquele bloco regional, deve pautar as futuras decisões no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas e nas metas do Protocolo de Kyoto. Também a transformação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA em agência especializada da ONU, como propõe a França, é urgente e merece todo o nosso apoio. O Brasil precisa tomar a dianteira nas negociações e assumir compromissos dignos de seu inigualável patamar de riqueza natural. No âmbito doméstico, tenho visto muito alarde em torno do tema das mudanças climáticas, mas pouca disposição em tratá-lo com seriedade. Não vejo o governo se mexendo. Muito pelo contrário, vejo a continuidade da euforia pelo crescimento econômico totalmente desvinculada do debate sobre o aquecimento global e suas conseqüências. Será muito difícil fazer uma conta tão elementar? 9 Não parece óbvio que os cenários construídos pelos cientistas terão impactos sobre as obras e os investimentos planejados e sobre as metas de crescimento desejadas? Onde está o Plano do Brasil para o Enfrentamento do Aquecimento Global? É certo que estamos à frente no uso de energias renováveis e temos condições de estimular o uso mundial de biocombustíveis, mas está claro que devemos tomar o devido cuidado para não prejudicar a produção de alimentos e a preservação dos ecossistemas. Isso não se fará automaticamente, pela livre orientação do mercado, mas, ao contrário, demandará políticas públicas firmes e orientadoras. Não devemos nos esquecer que nossa riqueza natural ainda preservada é o que justamente faz a diferença e nos fortalece diante do quadro global de esgotamento e escassez de recursos e serviços ambientais. A precisa convivência e colaboração entre áreas agricultáveis, com solos conservados, e áreas florestadas, com proteção da 10 biodiversidade e dos recursos hídricos, é o arranjo de que necessitamos para manter nosso diferencial no quadro geral das nações. No contexto das políticas a serem erigidas, especial atenção deve se dar ao Nordeste brasileiro, para que não presenciemos um trágico quadro de mortes e de ecomigração num futuro não muito distante. Para deter um futuro assim, gostaria de lembrar um passado de dor e de descaso a ferir a memória do Brasil, para que nunca mais se repita. Cito trechos de excelente artigo de Casimiro Neto, publicado na Revista Plenarium, desta Casa, intitulado Seca: miséria e morte no Sertão. Fala, o autor, entre outras, da maior seca do século XIX, que devastou as províncias do Nordeste, estancou suas fontes de produção e propiciou uma epidemia de varíola assustadora que contagiou quase um terço da população. 11 Diz ainda o autor: “Com o fim da seca, no final de 1879 e início de 1880, começaram os balanços das perdas humanas. Só em Fortaleza foram registrados oficialmente 67 mil óbitos, não sendo exagero estimar, no mínimo, mais 3 mil mortos não computados, pois muito foram enterrados em cemitérios clandestinos ou cremados. No total os números alcançaram 3 milhões de retirantes na região afetada pela grande seca, com 600 mil mortos somente nos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, o que corresponde a 4% da população brasileira à época. Quanto aos gastos governamentais para as províncias flageladas pela seca entre 1876 e 1880, é forçoso reconhecer que foram altos. O principal problema, no entanto, foi o atraso na tomada de decisões ante o flagelo, por volta de junho de 1877. A inoperância do gabinete conservador de Duque de Caxias, a ausência do Imperador D. Pedro II, em longa viagem ao exterior, e o predomínio dos interesses das províncias cafeeiras no seio do governo 12 acabaram por diminuir a importância das notícias que chegavam do Nordeste”. No século XIX, Senhores, não dispúnhamos da informação sofisticada que nos fornecem os centros de pesquisa e excelência do Brasil e do mundo. Peço a esta Casa, aos meus Pares, discernimento e cautela ao tratarmos cada ato legislativo e administrativo, tendo em conta suas relações com o aquecimento global e as mudanças climáticas. Temos responsabilidades, senhores, não deixemos de cumpri-las. Muito obrigado. 2007_1674_Ronaldo Cunha Lima_013