ECONOMIA SOLIDÁRIA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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V Encontro Internacional de Economia Solidária
“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
ECONOMIA SOLIDÁRIA E O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: possibilidades e desafios
Tecnologia e Sustentabilidade
Terezinha Moreira Lima, Universidade Estadual do Maranhão, [email protected]
Resumo:
Reflexões sobre a construção de novas relações de trabalho face aos processos de
reestruturação produtiva, destacando a questão da sustentabilidade de projetos de
desenvolvimento que, a nível local, nem sempre contam com mecanismos e
instrumentos indispensáveis em termos de tecnologia, nem são articulados ao
planejamento macro-econômico resultando em políticas fragmentadas que muito se
assemelham às políticas sociais residuais, focalistas e ocasionais.
Contraditoriamente, as possibilidades de solução existem face aos desafios e
terminam por aparecer a nível local, onde são construídas formas alternativas,
associativas e cooperativas no enfrentamento dos problemas, sobretudo partindo da
iniciativa das classes trabalhadoras. Evidenciam-se possibilidades e desafios do
desenvolvimento sustentável e da economia solidária como instrumentos da gestão
democrática e participativa dos trabalhadores que vêem construindo redes de
solidariedades através de novas formas de organização, onde são respeitados
interesses sociais, coletivos e difusos.
Palavras-chave:
economia
possibilidades, desafios.
solidária,
desenvolvimento,
sustentabilidade,
I. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo contribuir para o debate sobre o
desenvolvimento local e a questão da sustentabilidade, considerando as
transformações ocorridas no mundo do trabalho face aos processos de
mundialização e de globalização, onde as questões ambientais e do trabalho têm
produzido grandes repercussões despertando todo o mundo para as prováveis
conseqüências nefastas da devastação ambiental, da sobrevivência do planeta e
desdobramentos dos processos de trabalho.
Constata-se a dissolução das fronteiras políticas e econômicas construindo-se
mecanismos
favoráveis
ao
desenvolvimento
do
capitalismo
globalizado,
descomprometido com os direitos dos trabalhadores conquistados e regulamentados
em leis, desconsiderando-se as fronteiras ambientais e territoriais lançando, pois,
desafios à questão democrática, particularmente no caso brasileiro, país
profundamente marcado por uma cultura política autoritária e excludente.
É difícil antever as soluções considerando que cada Estado Nação possui
suas contradições, especificidades e lutam por se tornarem também protagonistas
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da história mundial. Contraditoriamente, as possibilidades de solução existem face
aos desafios e terminam por aparecer a nível local, onde são construídas formas
alternativas, associativas e cooperativas no enfrentamento dos problemas,
sobretudo partindo da iniciativa das classes trabalhadoras. É o caso dos
empreendimentos denominados de economia solidária, construídos a partir da
iniciativa dos trabalhadores como alternativa às crises do mundo do trabalho .
Portanto, estão postas as reflexões sobre estas questões tentando-se apontar
para as possibilidades e desafios do desenvolvimento sustentável e da economia
solidária como instrumentos da gestão democrática e participativa dos trabalhadores
que vêem construindo redes de solidariedades através de novas formas de
organização, onde são respeitados os interesses sociais, coletivos, difusos e de
caráter pessoal.
Neste sentido, são fortalecidas identidades na medida em que se pensa e se
coloca em prática a questão do respeito às diferenças e a ênfase na autonomia
política e organizativa dos sujeitos visando a formulação e implementação de
políticas públicas que tenham em vista tanto a criação de condições para o trabalho
auto-gestionário quanto a preservação do meio ambiente e da própria vida.
II. O MITO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E
A ECONOMIA
SOLIDÁRIA
Mais do que em qualquer outra época vive-se hoje a ilusão dos mitos
transfigurados nas idéias e práticas das classes dominantes que atingem com maior
celeridade todos os sentidos dos indivíduos devido, dentre outros fatores, à força
massiva dos meios midiáticos. A propósito, Bourdieu, em1998, discorria sobre o mito
da “mundialização” e da visão neoliberal que se coloca como evidente e sustentada
por um trabalho de doutrinação simbólica do qual participam ativamente
determinados intelectuais e mesmo cidadãos comuns de forma passiva reproduzindo
uma visão de mundo insidiosa e difundida por toda parte. “É assim que, no fim das
contas, o neoliberalismo se apresenta sob as aparências da inevitabilidade” (p. 44).
São impostos, como óbvios, pressupostos criados a partir “de cima”, como o
crescimento máximo, a produtividade e a competitividade como fim das ações
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humanas; faz-se um corte radical entre o econômico e o social e, finalmente, o uso
de eufemismos que servem para substituir a realidade objetiva por palavras e frases
“mais suaves” numa tentativa de atenuar as problemáticas sociais com discursos
mistificadores e alienantes. Bourdieu destaca que há, também, todo um jogo com as
conotações e as associações de palavras como flexibilidade, maleabilidade,
desregulamentação, que tendem a fazer com que a mensagem neoliberal seja uma
mensagem universalista de libertação (Bourdieu, idem, p. 44).
Dentre os mitos citados por Bordieu a globalização “é um mito no sentido forte
do termo, um discurso poderoso, uma ‘idéia-força’, uma idéia que tem força social,
que realiza a crença”. É a arma principal das lutas contra as conquistas do welfare
state e tem por função instaurar uma reestruturação, uma volta a um capitalismo
selvagem, mais racionalizado e cínico. A globalização é antes de tudo um mito
justificador de um mercado financeiro unificador, dominado por países mais ricos.
Isto não significa, entretanto, homogeneização, é a extensão do domínio de um
pequeno número de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras
nacionais. “Daí resulta uma redefinição parcial da divisão do trabalho internacional,
cujas conseqüências atingem os trabalhadores (Bourdieu, idem, p. 48-54).
O poder do mito tem resvalado para outras questões importantes nas
sociedades contemporâneas como o mito do desenvolvimento sustentável em uma
conjuntura com mudanças dramáticas e sem precedentes, onde se verificam
profundas metamorfoses no mundo do trabalho. Além do mais os conflitos em torno
do avanço dos processos de devastação ambiental e da biodiversidade são
desrespeitados, especialmente, pelos países industrializados que possuem o
domínio da biotecnologia e que ainda não despertaram (convenientemente) para os
problemas do aquecimento do planeta.
Desta forma, são muitas as abordagens que ainda pressupõem o
desenvolvimento como o crescimento econômico, a eficiência na lógica do mercado
e a idéia central de que a riqueza dos países é determinada pelo aumento da
produtividade do trabalho, pressupostos que remontam a Adam Smith e sua teoria
sobre A Riqueza das Nações, da mesma forma que as teorias neoliberais
defendidas
por
seus
contemporaneamente.
mentores
como
Friedrich
August
V.
Hayek,
mais
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
Com relação aos problemas enfrentados pelos trabalhadores, a economia
solidária aponta para a constituição de alternativas de geração de trabalho e renda a
partir do labor solidário e auto-gestionário em condições adversas para o
desenvolvimento sustentável. São conceitos ainda em construção e que se
expressam nas práticas dos trabalhadores atingidos pelas recorrentes crises e
processos de reestruturação capitalista. Pode-se considerá-los como mito, uma
crença, idéias força, no sentido contra-hegemônico do termo colocado acima por
Bordieu.
Ou seja, tanto a idéia de desenvolvimento sustentável quanto a de economia
solidária suscitam novos princípios e valores, um contra-discurso, uma contrahegemonia na perspectiva gramsciana, a construção de outros paradigmas que
venham a nortear ações e práticas coletivas para uma nova sociabilidade. Neste
sentido, são muitos os significados do desenvolvimento sustentável e da economia
solidária que se deseja em face da manifesta crise social e ambiental de dimensão
planetária. Verifica-se a formulação de diferentes propostas e concepções de
modelos de desenvolvimento sustentável fundamentadas em diversas matrizes
teóricas com distintos projetos políticos, segundo os interesses em confronto e que
se refletem nas ações e práticas coletivas.
É importante ressaltar que o conceito de desenvolvimento sustentável se
originou a partir do discurso desenvolvimentista, consubstanciando-se no informe
denominado “Nuestro Futuro Común”, Relatório Brundtland de 1978, que faz 20
anosi, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
da ONU: onde declara que desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas próprias necessidades” – portanto, garantindo o crescimento
econômico, social e ambientalmente sustentável. Esta noção de sustentabilidade
considera que os recursos naturais não são renováveis e inesgotáveis, portanto
chama a atenção para a dinâmica do sistema capitalista, onde se dá a apropriação
dos recursos da natureza sem atentar para os cuidados necessários em evitar a
escassez
e
manter a
qualidade
do
meio
ambiente.
Também
considera
imprescindíveis mudanças estruturais e profundas nas relações sociais, econômicas,
políticas, territoriais e ecológicas.
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
Como se verifica, é um conceito atual do ponto de vista que atende às
expectativas do momento, em que se que se vivem determinadas circunstâncias e
conjunturas sociais e políticas, tendo sido reiterado por ocasião da Agenda 21 que
afirma a economia como motora do desenvolvimento sustentável e destaca em
vários capítulos a necessidade de um ambiente econômico e internacional que
garanta políticas onde se viabilize a liberalização do comércio, da distribuição ótima
da produção mundial, dentro da lógica e da hegemonia do mercado.
Vários fatores têm despertado as sociedades para a discussão da
sustentabilidade, dentre eles os desastres ambientais como resultados da crescente
e irracional interferência do homem no meio ambiente. Nos anos 1970, por exemplo,
ocorreu a crise do petróleo chamando a atenção do mundo para a questão
ambiental; em 1986 a explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl na
Ucrânia lançou radiação na atmosfera com prejuízos incalculáveis para a
humanidade atingindo cerca de 3,4 milhões de pessoas.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), também conhecida como ECO-92, foi uma tentativa de articular
governos e instituições da sociedade civil de 179 países com o objetivo de promover
em todo o planeta um padrão de desenvolvimento que conciliasse mecanismos de
proteção ambiental, equidade social e eficiência econômica. Tanto para o Relatório
Brundtland, quanto para a Agenda 21 a questão da sustentabilidade é pautada pela
visão econômica, defendendo o crescimento econômico com o progresso técnico
sem limitar, no entanto, o sistema de acumulação capitalista.
Apesar desses esforços progressistas continua o desenvolvimento econômico
sendo a palavra chave da eficiência e das inovações tecnológicas capazes de
garantir o melhor aproveitamento dos recursos naturais, assim como contribuir para
a busca de soluções para os efeitos nocivos das atividades produtivas que trazem
danos ao planeta. Em 2002, dois anos depois de ECO-92, o Brasil criou sua prória
Agenda 21 contemplando a participação do governo, setor produtivo e sociedade
civil quando foram discutidas muitas propostas resumidas nos seguintes eixos
temáticos : Agricultura Sustentavel, Cidades Sustentaveis, Infra Estrutura e
Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades
Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, a partir dos
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
quais seriam formuladas políticas públicas. Entretanto, mais uma vez, as boas
intenções e propostas exequíveis ficaram no papel.
A questão da sustentabilidade volta a ser debatida com a proposição da
economia solidária como política pública tendo em conta as crises no mundo do
trabalho, o aumento do desemprego, a perda de milhares de postos de trabalho, a
flexibilização ou precarização das relações de trabalho no Brasil. É criada a
Secretaria Nacional de Economia Solidária, a SENAES, vinculada ao Ministério de
Trabalho e Emprego, como resposta a esses problemas e com a perspectiva do
desenvolvimento solidário como forma de combate à pobreza através de uma
política participativa. A respeito, Paul Singer, (2004), entende por desenvolvimento
«um processo de fomento de novas forças produtivas e de instauração de novas
relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento
econômico que preserve a natureza e redistribua os frutos do crescimento».
Todavia, as iniciativas governamentais nessa direção têm frustrado
expectativas em relação ao desenvolvimento sustentável, pois demonstram a
questão da sustentabilidade com medidas locais e circunscritas a determinados
grupos populacionais perdendo de vista os grandes eixos discutidos na Agenda 21
de 2002 no Brasil que contempla a atividade econômica, o meio ambiente, a
redução das desigualdades sociais portanto, garante a participação de todos os
atores institucionais e os sujeitos políticos no processo de desenvolvimento. É o
caso do Decreto nº 6.040 voltado para os povos e comunidades tradicionais:
indígenas e quilombolas voltado especificamente para estes segmentos.
Talvez por conta da pressão dos movimentos sociais foi instituída a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
através do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 compreendendo-se no seu
Art. 3º: I – Povos e Comunidades Tradicionais : grupos culturalmente diferenciados e
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução
cultural,
social,
religiosa,
ancestral
e
econômica,
utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição ; III –
Desenvolvimento Sustentável : o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas
possibilidades para as gerações futuras.
Esta medida limita as potencialidades dos movimentos sociais que discutem
sobre o desenvolvimento sustentável por uma nova sociabilidade, ressaltando o
campo das relações sociais e compreendendo noções construídas no confronto de
atores institucionais e sujeitos políticos que buscam marcar posições, onde a lógica
do mercado ceda lugar aos pressupostos democráticos e socialistas, redesenhandose modos e práticas de controle sobre a distribuição e divisão da riqueza social e a
preservação dos recursos da natureza.
O certo é que mesmo dentro do leque estreito de controle do sistema
capitalista e monopolizador dos meios de produção, responsável pela desigualdade
social e degradação ambiental concebe-se outras idéias fundamentadas em
princípios de eqüidade social, sem perder de vista a crítica à exploração e
subsunção do trabalho ao capital. É o caso do ressurgimento e atualidade de
experiências autogestionárias como formas inovadoras de produção, embora
operando na economia de mercado e estando sujeitas ao humor dos processos
engendrados pelas crises do capitalismo. (LIMA, 2006).
Podem até não se constituirem como alternativas ao modo de produção
capitalista como lembra Quijano, (2002), em suas reflexões, a propósito da análise
marxiana, mas tendem a desempenhar um importante papel de apoio à autoeducação dos trabalhadores para se reapropriarem do controle do seu trabalho
contra o despotismo do capital. Para os defensores da economia solidária,
empreendedores dessa natureza não se confundem com empresas capitalistas e
nem com outro tipo de organização. A globalização solidária da economia já se
constitui, pois, uma nova forma de organizar a economia através da difusão do
consumo solidário, que amplia as relações de produção, comercialização e o
consumo das populações articulando os trabalhadores em empreendimentos
solidários.
Possibilidades e desafios da economia solidária e do desenvolvimento sustentável
O trabalhador coletivo, ora capturado ora excluído da rede produtiva de bens
e serviços, organizado para a acumulação em escala global, ganha novas
possibilidades de resistência e ação a partir dos planos e conflitos locais. Assim,
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apesar dos deslocamentos continuados do capital transnacional e no jogo de forças
atravessadas pelas metamorfoses do mundo do trabalho, onde se desencadeiam
processos de exclusão, subordinação, adaptação e reação vão surgindo arranjos
produtivos locais, sistemas cooperativos de pequenas e médias empresas com
mecanismos de aproveitamento, conhecimentos e competência empreendedoras e
do trabalho no plano local ou regional.
É assim que a classe trabalhadora afetada pela dispersão e fragmentação se
reorganiza criando estratégias alternativas tanto no plano da luta social quando no
que se refere ao horizonte das estratégias de desenvolvimento sustentável,
ressaltando-se a relação entre poder associativo e coletivo do trabalho e a dimensão
territorial e regional. Os projetos de desenvolvimento local partem da dimensão
territorializada das redes sociais com sua potencialidade de aproveitamento da
criatividade do trabalho humano vivo, onde os trabalhadores se articulam com atores
da economia internacionalizada suprindo uma lacuna deixada pelo Estado em
termos da falta de apoio e potencializando as suas iniciativas.
Desta maneira, as bases materiais transformadas e os recursos imateriais
revalorizados e recriados colocam em ação dinâmicas produtivas que dependem
diretamente da capacidade de ação dos sujeitos sociais e das instituições políticas
locais. Os novos atores potencialmente presentes no território, entendido como o
espaço produtivo, podem apreender e animar as potencialidades de cooperação e
ação solidária para gerarem novas estratégias de desenvolvimento.
Estas experiências sociais novas apontam para desafios que se colocam
exigindo debates entre governos e sociedade civil no sentido de garantir um
planejamento em bases mais firmes e onde sejam estabelecidas as redes locais. A
dimensão desse novo processo de desenvolvimento, em bases sustentáveis, torna
imprescindível a criação de condições materiais e subjetivas para um novo projeto
nacional articulado com uma estratégia alternativa de manejo das possibilidades
construídas a partir da crise da economia no mundo capitalista.
Portanto, originam-se e são recriados padrões de cooperação do trabalho,
reconhecendo-se o potencial das dinâmicas regional, territorial e local como
instrumento de emancipação capaz de gerar novas alternativas e padrões de
desenvolvimento através das forças do poder associativo e cooperativo e da
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
articulação coletiva. Os diversos empreendimentos, as cooperativas e as
organizações
de
autogestão
emergem
com
novos
padrões,
formatos
de
solidariedade e cooperação produtiva sendo denominadas como economia popular,
economia social, economia de solidariedade e economia solidária.
Tal organização procura se articular e se consolidar através de redes sociais
como mecanismo de superação dos limites territoriais e setoriais, enfrentando,
todavia, muitas dificuldades devido a uma atuação ainda difusa, a limites na
implementação de diretrizes que construam um desenvolvimento sustentável. Este,
por seu lado, ainda depende dos resultados da correlação de forças políticas em
jogo no conjunto da sociedade brasileira e dos compromissos assumidos entre os
atores institucionais e os sujeitos sociais e políticos envolvidos nessas lutas.
O movimento em torno da economia solidária no Brasil vem se consolidando
como formas de lutas dos trabalhadores, com novas práticas norteadas pela
participação coletiva e valores fundados na auto-gestão, democracia, igualitarismo,
cooperação, auto-sustentação e desenvolvimento humano. Lembrando Paul Singer,
(2002), «mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento
de outros modos de produção, porque é incapaz de inserir dentro de si toda
população economicamente ativa».
Um exemplo de experiência autogestionária que tem alcançado êxito está
localizado no município de Catende, a 142 quilômetros de Recife, na zona da mata
de Pernambuco. Além dos números que demonstram o sucesso do empreendimento
a satisfação dos integrantes do projeto mostra o alcance da experiência : « Hoje,
além de um trabalhador, eu me transformei num profissional de conhecimento.
Poder participar de uma coisa tão grande como esta já é muito » (Entrevista a
Soares, 2006)ii. A respeito Paul Singer espera que o exemplo seja seguido e
estimulado : « É preciso vontade política para que outras empresas consigam seguir
os caminhos traçados pela Usina Catende. Empresas do campo, da cidade e
indústrias, com maior ou menor complexidade» (Soares, idem).
De fato, é preciso vontade política de todos : governantes, empresariado,
trabalhadores, enfim, a sociedade brasileira para que estas práticas não aconteçam
de forma fragmentada e a nível tão somente de estrategias de sobrevivência, pois os
limites e fragilidades são desafios por conta da falta de continuidade e de
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
proposições mais gerais que sejam capitaneadas não somente por iniciativa dos
trabalhadores, mas dos governantes e do Estado brasileiro. No caso Catende, na
época dessa entrevista, o síndico e administrador da usina se manifestou lembrando
que enquanto a posse das terras não acontece « a gente tem de administrar sem
muita expectativa de crescimento, já que ainda não somos uma empresa sadia para
competir no mercado. A cada três meses, prestamos contas de nossas atividades à
Justiça, com a esperança de que em breve tenhamos a posse definitiva das terras
com a reforma agrária. De qualquer forma, só estar participando deste momento e
construindo esta história junto a todos os trabalhadores e ter recuperado a dignidade
das famílias já é um fato diferenciado e importante para nosso estado e nosso país »
(SOARES, idem).
É importante considerar que, de acordo com estimativas da SENAES/MTE
são mais de 28 mil empreendimentos de economia solidária no Brasil, que
empregam cerca de 30% da força de trabalho no país. Trata-se de um grande
desafio possibilitar que essas experiências passem do nível de resistência e de
formulação de estratégias de sobrevivência, a nível local, para ocupar os espaços de
construção do desenvolvimento sustentável que inclua as dimensões social,
econômica, ecológica, demográfica, espacial ou territorial e a cultural. São variáveis
que se relacionam, se articulam, se imbrincam não devendo ser ignoradas. Significa
retomar a concepção do planejamento participativo, nas políticas públicas e nas
formas de ação e de intervenção do Estado e da sociedade civil, em todas as
instâncias políticas e de tomada de decisões, em todos os níveis.
A propósito, em entrevista realizada com um dos coordenadores da
Associação em Áreas de Assentamentos no Estado do Maranhão - ASSEMAiii, é
ressaltado o conceito de desenvolvimento sustentável a partir de suas práticas
associativas e cooperativas defendendo a economia solidária e a agroecologia tanto
no que se refere à geração de trabalho e renda, quanto no tocante à defesa do uso
racional dos recursos naturais, sem agressão à natureza e sem utilização de
agrotóxicos. Esta organização trabalha com 21 áreas de assentamento distribuídas
em 07 municípios : Lago do Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis, São Luis
Gonzaga, Pedreiras, Lima Campos e Peritoró. Atua, também, com a organização de
associações e cooperativas, desenvolvendo atividades voltadas para a eqüidade de
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V Encontro Internacional de Economia Solidária
“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
gênero, inserção de jovens nos sindicatos de trabalhadores rurais e nos movimentos
sociais.
Com relação aos desafios enfrentados, o entrevistado destacou: «a
implantação de um projeto de pecuária que pense na classe baixa (...) que inclua o
respeito à natureza (...) a campanha pelo setor privado a favor de sementes híbridas
e transgênicas atrapalha o desenvolvimento sustentável. É mais uma vez a lógica do
lucro imediato e a utilização de química (...) As linhas de crédito não têm uma
política voltada para projetos com princípios agroecológicos e sim de lucro imediato.
A aceitação dos nossos agricultores em passar do modelo convencional para uma
proposta alternativa de agricultura orgânica é outro desafio«.
A I Conferência Nacional de Economia Solidária (Conaes), promovida pelos
ministérios do Trabalho e Emprego (MTE), do Desenvolvimento Social e do Combate
à Fome (MDS) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), realizada de 26 a 29 de junho
de 2006, cujo tema auspicioso «A Economia Solidária como Estratégia e Política de
Desenvolvimento» perspectivava grandes possibilidades e desafios rumo à
consolidação dessa vontade política. Em seu documento baseiv defende a economia
solidária como uma política de desenvolvimento que demanda ações transversais
com políticas nas diferentes áreas : educação, saúde, trabalho, habitação,
desenvolvimento econômico, tecnologia, crédito e financiamento, dentre outras. O
documento
destaca
características
importantes
do
Desenvolvimento
Sócioeconômico Sustentável tais como : econômico, social, político, cultural, ético,
ecológico, pedagógico, metodológico, gênero, ritmo e território, o que garantiria essa
transversalidade de todas as políticas públicas.
Os desafios apontados no documento, tais como - capilarização e
fortalecimento do movimento de economia solidária ; redes de produção,
comercialização e consumo ; finanças solidárias ; marco legal para a economia
solidária ; educação ; democratização do conhecimento e tecnologia ; comunicação
e relações internacionais – não terão resolução se não fizerem parte do
planejamento participativo nas diversas instâncias governamentais, onde estejam
presentes todos os ministérios responsáveis pela implementação das políticas
públicas e de desenvolvimento no país, assim como as organizações dos
trabalhadores e dos movimentos sociais.
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
III. CONCLUSÃO
Torna-se imprescindível identificar e reconhecer as dificuldades envolvidas
nas escolhas que impactam os processos de desenvolvimento desde a instância
nacional, regional, estadual e municipal, ou dito de outra forma: desde o espaço
micro ao macro-estrutural relacionado aos circuitos da mundialização do capital e
aos processos de globalização parece se constituir um grande passo na produção
de informações tendo em vista a formulação de projetos de desenvolvimento
regional e local. É, pois, fundamental, a preocupação com o resgate do conceito de
região, renovando-se e atualizando-se
esse debate em termos de potencializar
ações voltadas para a solução de grandes problemas que afligem o país,
historicamente, e, particularmente, as regiões, estados e municípios desse grande
território.
Significa um enorme desafio considerar a nova configuração das estruturas
produtivas associadas às transformações sociais, econômicas e políticas, chamar a
atenção para o papel desempenhado pelas instituições e organizações da sociedade
civil na delimitação dos territórios no mundo contemporâneo e atentar para fatores
econômicos e principalmente históricos e culturais visto ser impossível resolver a
questão da sustentabilidade sem considerar as decisões a nível internacional em
relação à sobrevivência humana.
O Brasil, país sensível às mudanças e estratégias da economia mundial, à
dinâmica do capital produtivo e financeiro, deve estar aberto e sensível aos
movimentos de resistência dos trabalhadores contra a exploração capitalista e à
construção de uma lógica contra a ofensiva neoliberal, promovendo transformações
que alterem as estruturas desiguais e reconhecendo as experiências que se
multiplicam, cuja relevância é incalculável para a garantia dos recursos não
renováveis, da diversidade biológica contra a devastação e a deterioração
ambiental.
Que o desenvolvimento sustentável e local se constitua efetivamente em uma
estratégia politica para o desenvolvimento do país visando não só metas
macroeconômicas com vistas a estabilidade e excelência da produtividade, mas
também, e principalmente, metas sócio econômicas voltadas para a preservação dos
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recursos naturais, a redistribuição da riqueza social e a diminuição das
desigualdades sociais. Transformar, portanto, a economia solidária em política
pública, revolucionando não só as estruturas locais, o surgimento de uma rede que
abrigue todas as cadeias produtivas, desde a sua origem e o encadeamento de
todas as fases, aproveitando as experiências já existentes, sob pena de virar mais
um mito ou clichê dos comentaristas de ocasião.
REFERÊNCIAS
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SINGER, Paul. Desenvolvimento : significado e estratégia. Texto para discussão.
Brasília : MTE/SENAES, maio de 2004.
NOTAS
i
Aniversario del primer informe que introdujo el concepto de desarrollo sostenible. El
informe Brundtland, como también se lo conoce, analizó la situación del mundo en ese
momento y concluyó que la protección ambiental había dejado de ser una tarea nacional o
regional para convertirse en un problema global. Disponível: http://www.un.org/spanish, 09
de mayo, 2007.
ii
SOARES, Goretti Entrevista. Harmonia conquistada. Aos 11 anos, experiência de
autogestão de usina de cana-de-açúcar, em Pernambuco, garante sobrevivência a mais de três
mil famílias e promove educação e pesquisa. In: IPEA/PNUD Revista Desafios do
Desenvolvimento. Disponível: http://desafios.org.br/edições/27/artigo, 2006.
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“O Discurso e a Prática da Economia Solidária”
iii
«Desenvolvimento sustentável : do conceito à prática». Disponível :
http://imirante.globo.com/oestadoma. Consulta feita no dia 10/11/06. Entrevista com
Raimundo Ermínio Neto, coordenador da Associação em Áreas de Assentamento no Estado
do Maranhão (ASSEMA), organização que trabalha com projetos de desenvolvimento
sustentável em alguns municípios maranhenses, principalmente com cooperativas e
associações de trabalhadores rurais.
iv
Documento base da I Conferência Nacional de Economia Solidária: “Políticas Públicas para o
Desenvolvimento Econômico-Solidário do Brasil”, s/d.
Disponível: http://www.mtb.gov.br/ecosolidaria/conf_default.asp
Download