Lógica Territorial (LT) e Lógica Local-Global (LLG)

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Os Territórios e o Local
1 - A Lógica Local-Global ............................................................................ 1
1.1 - Crítica à LLG ........................................................................................ 2
2 - A Lógica Territorial ................................................................................. 3
2.1 - Um resumo dos argumentos de LT ...................................................... 4
2.2 - Construindo o discurso de LT .............................................................. 5
3 - LLG e LT no Brasil Contemporâneo ...................................................... 5
1 - A Lógica Local-Global
As considerações que se seguem partem do seguinte enunciado teórico: A lógica
local-global (LLG) expressa a internacionalização do capital na fase atual do processo
de acumulação.
LLG é contemporânea da internacionalização do capital. Não poderia ter
existido antes nem depois, somente durante a internacionalização. É parte integrante
deste processo.
LLG se aplica somente à esfera internacional. Prescinde e não da trata da
soberania nacional. Se fosse aplicável ao âmbito interno dos países poderia prestar-se a
lastrear, por exemplo, um ‘projeto nacional’ de desenvolvimento, o que por esta via não
ocorre.
Sendo uma face da internacionalização, LLG atua em favor da concentração e
centralização do capital, compatível com a dimensão e aprofundamento da acumulação.
O trato com o local e seus elementos intrínsecos poderia sugerir que LLG apóia
a descentralização. Como sua organicidade está a favor da concentração, resulta que
LLG é uma forma escamoteada de veicular a concentração por meio de uma linguagem
de desconcentração.
Em LLG, o local representa o pólo da competição perfeita (configurada pela
competição de dezenas ou centenas de milhares de locais em torno do capital e dos
investimentos); já o global representa o pólo da competição monopolista, já que os
competidores se reduzem a unidades ou dezenas, conforme o caso. Já na relação entre
local e global a competição é oligopsonista quando não monopsonista, enquanto na
relação entre global e local revela-se como oligopolista e monopolista.
LOCAL
← competição perfeita →
↑
oligopólio
monopólio
↑
GLOBAL
LOCAL
↓
oligopsônio
monopsônio
↓
← competição monopolista →
GLOBAL
2
Quanto mais se aprofunda LLG, mais cresce o comércio internacional, mais
crescem alguns países, mais aumenta a concentração em escala mundial.
1.1 - Crítica à LLG
No embate contemporâneo da acumulação, os louros da glória couberam ao
global, o que implica considerar o local como o pólo submetido. A configuração LLG é,
na verdade, uma linguagem pretensamente científica para apaziguar os conflitos e dar
uma mínima alternativa aos excluídos (dominados) da ordem internacional.
O global é fruto do neoliberalismo e o neoliberalismo é, sobretudo, a supremacia
do mercado sobre o estado. O interstício de espaço entre as nações (o espaço ‘internação’ ou o internacional) é o espaço selvagem hobbesiano da liberdade suprema para a
competição, porque nele não há estado nacional. 1
Faz parte da condição de submissão do local afirmar sua desimportância em
termos de atuação isolada, somente assumindo sentido e importância quando referido ao
global, referência essa que importa em submissão. A desimportância é, também,
numérica, já que há uma desproporção numérica entre global (poucos) e local
(muitíssimos). Essa desproporção numérica faz parte da compreensão econômica pela
qual quanto mais escasso, mais importante.
Porém, o que é o global senão um amálgama de alguns locais importantes e, no
limite, apenas um local importantíssimo? Mas isso é negligenciado (escamoteado) em
favor da afirmação da desimportância generalizada do local. Nesse sentido, o global
nada mais é do que a soma de algumas dezenas do local que, dada sua importância e
centralidade, se apresentam como global, sendo local. Dessa forma, a polaridade localglobal poderia ser corretamente descrita como polaridade de (muitíssimos locais)(pouquíssimos locais).
A desimportância do local aparece de corpo inteiro quando se trata do processo
de deslocalização. Por que a deslocalização só é percebida no local? É teoricamente
possível aplicar o estudo da deslocalização ao global? No global não há deslocalização.
O global não se submete ao processo territorialização-desterritorialização. Por
definição, a deslocalização é um processo local, sendo aceito deterministicamente como
inevitável e “normal” ou até “natural”.
A deslocalização é a maior negação que se pode fazer ao local, pois é o local
que dá o sentido de localização das coisas. Aceitar o processo de deslocalização implica
negar ao local as condições de realizar-se como tal, localizando gentes e coisas. De tal
forma que se pergunta: como o local pode ser imanentemente local se o que nele existe
e lhe dá o sentido, que é a localização, é deslocalizável? Se, no limite, tudo é
deslocalizável, o que resta ao local se não a perspectiva der ex-local, de não-local? Em
resumo, desimportância, vazio e abandono. Com isso, o global não só condena, em
potência, o local à insignificância como o ameaça com a permanente perda derivada do
processo de deslocalização.
Centrar a estratégia de desenvolvimento local na endogenia, no capital social e
nos APL configura uma situação na qual o local tem que ir às últimas conseqüências
para realizar o potencial produtivo com seus próprios recursos. Fazendo-o, destina a
“A hegemonia do pensamento neoclássico / neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um
projeto nacional; em planejamento governamental, então, nem se fala...” (da mensagem de Celso Furtado
ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Nassif, Maria Inês. O CDES e o consenso que
não é neoliberal. Valor Econômico, São Paulo, coluna “Política”, 13/07/06, p. A-6.
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produção ao global, alimenta o global. Virtualmente essa é a conseqüência do
desenvolvimento local, já que sua estratégia não estabelece condicionantes (muito
menos restrições) para a esfera da circulação do capital-dinheiro, caso em que o local
poderia reter seus fluxos, porque, de partida, se considera que o sistema financeiro
(bancos, bolsas, corretoras, etc.) é um pressuposto inabalável do global, a ser guiado
exclusivamente pelo mercado. Por isso, LLG aparenta ser um gigantesco processo de
escoamento da riqueza líquida do local ao global, com as previsíveis perspectivas de
concentração e desigualdade.
Para LLG o que decorre da perspectiva da concentração da população mundial
nas cidades e, especialmente, nas cidades médias e grandes, tal como vem ocorrendo?
Para o global, isso parece não ter importância, pelo menos a curto prazo, já que sempre
haverá um grande número de local favorável ao prosseguimento da LLG. Já para os
países, isso tem muita importância, porque o local (dentro deles) não é apenas um ponto
de extração da riqueza produzida a ser endereçada ao global (fora deles). Haverá de
considerar que parte considerável de seus territórios passa a ser constituída de ex-locais,
de locais vazios e de não-locais, desqualificados para a articulação ao global. Passam à
categoria de vazios a serem ocupados, de espaços desumanizados a serem humanizados;
de espaços naturais degradados a serem recuperados e mantidos.
Nesse quadro negativista (desimportância, deslocalização) não incomoda ao
capital (mercado) que o estado nele intervenha com as estratégias do desenvolvimento
local (ação estatal descentralizada), mesmo porque o capital (mercado) já garantiu a
isenção do estado nacional nos aspectos primordiais da acumulação em escala global. 2
Há alguns anos, eu dizia que se a globalização era uma mega-tendência (Naisbit)
de homogeneização, haveria uma contra-mega-tendência (MMO) de heterogeneização,
que no espaço se expressa por meio dos territórios.
2 - A Lógica Territorial
Nesta parte da exposição, a abordagem do territorial está em comparação com
LLG, uma vez que esta traduz, em outras palavras, a forma dominante do atual estágio
de acumulação.
Para iniciar, pergunta-se: Por quais razões o territorial se afasta do local?
Em primeiro lugar, o local se define em relação ao pólo oposto, o global.
Portanto, a definição do local não é, paradoxalmente, endógena; é exógena, reflexo do
global. Pode-se dizer que o local é definido em oposição ao global. O local é o que não
é o global. O local é o endereço do submetido, do dominado, com riscos de, uma vez
desarticulado do global, tornar-se sinonímia do não, da negatividade e do vazio.
Já o território não tem um pólo de contraposição sempre e obrigatoriamente
poderoso. Em princípio, um território se relaciona com outro(s) território(s). Essa
relação não indica, desde já, que seja de submissão; sem dúvida, haverá hierarquias e
precedências, mas consultada uma lista de possibilidades de relações, em que a
polarização do poder não está dada nem conceitual nem materialmente desde o início.
Em segundo lugar, enquanto o local é uni-escalar (e pequeno), o território é
multi-escalar. Há territórios de várias escalas, municipais, estaduais, nacionais,
continentais, o que não ocorre com o local. Nesse caso, o local do local-global
corresponde a uma escala do territorial.
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É tentador traduzir a endogenia como ‘vire-se com o que você tem’.
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Em terceiro lugar, a uni-dimensionalidade do Local é, quase sempre,
monotamente econômica. Já o território, por definição, é multidimensional, com a
multidimensionalidade suscetível de mudança em sua composição e o que mais
contrasta com o local e o global: pode definir-se por fora do mercado (identidade
cultural, religiosa, valores imateriais, etc.), o que é um problema para o capital
(mercado), já que, deste ponto de vista, esta entidade não pode assegurar,
necessariamente, seu domínio sobre o que se passa nos territórios. O que o capital
(mercado) pode fazer nesse caso é a mercantilização do motivo identitário, tentar
transformá-lo em mercadoria para promover sua produção, circulação e capitalização
segundo seus princípios. Isso é tanto mais complicado quanto menos individual e mais
coletivo for o motivo identitário a ser mercantilizado, já que um grau de coletividade
mais elevado do motivo tende a transformar a mercadoria potencial em bem público, o
que não alimenta a acumulação.
Em contraste com a configuração da LLG, a lógica territorial (LT) não aplica ao
território o figurino apertado em que LLG mete o local no eixo local-global. Pode-se
considerar a tentativa de identificar territorial com local como uma pretensão de
‘enquadrar’ o território no esquema dominante. Nesse caso, a perspectiva é redutora,
fazendo com que o território se reduza a uma figura de retórica, liofilizado,
pasteurizado e inerte. LT pode apropriar-se de LLG para fins de análise, crítica e
proposição. Nesse sentido, pode-se dizer que a LT ‘recupera’ o debate local-global sob
outra perspectiva.
Quadro sintético das diferenças entre LLG e LT.
LLG
LOCAL
LT
GLOBAL
- Endogenia
- Mercado
- Capital social
- Capital Financeiro
- Competição perfeita
- Competição monopolista
- Descentralização
- Centralização
- Pólo dominado
- Pólo dominante
- Uni-escalar
- ‘Local especialíssimo’
- Milhares (abundância)
- Pouquíssimos (escassez)
Link local-global: cadeias de negócios
- Formado por Identidade
- Mercado e Estado; política e riqueza
- Substitui polarização por relação
aberta entre dominante e dominado
- Multi-escalar
2.1 - Um resumo dos argumentos de LT
LT se opõe à LLG porque naquela não há local e não havendo local, não se
forma o par local-global.
O território, ao contrário do local, não é uni-escalar; é multi-escalar, podendo,
inclusive ser local (o território de menor escala).
Os territórios se sobrepõem uns aos outros, o que está em oposição ao local, que
são adjacentes. Enquanto a sobreposição é imanente à diversidade dos processos
civilizatórios e sociais, a adjacência é artificial e imposta.
Ao local resta a competição por projetos e recursos; ao território cabe tanto a
competição como a cooperação.
Na LLG, o local é definido por e para o global, que lhe é externo e dominante;
na LT, cada território se estabelece relacionalmente com outro território, com base em
suas identidades.
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Na LLG, o local transfere valores, mas não interage com o global. Na LT, o
território interage com outro território.
A arquitetura de LLG é radial e verticalizada, com os locais situados na periferia
e na base, com G ocupando o lugar central e o cume; já a arquitetura de LT não tem
uma forma fixa definida, embora haja hierarquias.
Em LLG, o global esconde o que de fato é; trata-se de um local especial. Em
LT, não há um território especial de partida, embora haja territórios fortes e fracos,
grandes e pequenos. Assim, em LLG, o local é pequeno e equipotente; em LT, o
território é multi-escalar e com potência variável.
2.2 - Construindo o discurso de LT
A abordagem territorial sugere duas operações: a contextualização em si e o
posicionamento, considerando-se que a contextualização comparada com LLG já está
construída.
A contextualização em si refere-se à conexão ‘para trás’ da categoria território e
de termos derivados, o que implica colocá-la em perspectiva com categorias
relacionadas, como é o caso de ‘espaço’, ‘totalidade’, etc., com o que se forma o núcleo
teórico da argumentação, operação que ajuda a formar a base de compreensão dos
conceitos a operacionalizar.
Já o posicionamento está representado pela conexão ‘para frente’ da categoria
território, levando em conta os desdobramentos conceituais e operativos que podem
desaguar na ação coletiva e na política pública, que se beneficiarão do uso das
categorias territoriais.
Dessa forma, ficam definidos 4 blocos, a saber: Contexto, Bloco Temático
Central e posicionamento dividido em futuro imediato e futuro remoto.
Conexões teóricas
- Espaço
- Totalidade
- Determinação
- Forma-Conteúdo
- Etc.
Contextualização em si ←
Família léxica determinante
- Território
- Base territorial
- Unidade territorial
- Conformação territorial
- Território usado
- Etc.
BLOCO CENTRAL
Futuro imediato
- Ação Coletiva
- Política Pública
→ Posicionamento
3 - LLG e LT no Brasil Contemporâneo
As considerações que se seguem levam em conta o seguinte enunciado histórico
concreto: A modernidade vivida pelo País é condicionada e retrô.
Condicionada porque o mercado, a abertura e o predomínio do capital financeiro
ocupam posição central em discurso e prática. Retrô porque as conquistas do País
parecem levá-lo ao passado. São indicativos da modernidade retrô: a) a conquista da
auto-suficiência na produção do petróleo; b) a ênfase na sindicalização; c) a volta do
bacharelismo; d) a recuperação da ética pela política; e) o saudosismo gerencial.
Considerando que:
1) As fontes fósseis de energia começam a entrar em esgotamento;
2) Os mercados são livres e o comércio internacional funciona sem crises;
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3) A soberania, que marcava a produção de nafta, está desgastada;
4) A grande novidade da produção de energia é a biomassa, na qual o País
apresenta vantagem comparativa;
Pergunta-se: Qual é o significado da auto-suficiência de petróleo? Lembrando
que a auto-suficiência era um sonho do pós-guerra, contemporâneo do processo de
descolonização e da afirmação da soberania, mercados fechados, essa meta parece ser
um indicador da modernidade retrô.
O governo do PT, que representa a modernidade em termos de aparelhamento
partidário, tem usado os programas sociais para reforçar a sindicalização. O que
representa a intensificação da sindicalização numa época em que os sindicatos perdem
poder com o fim do fordismo, com a produção flexível e a banalização do processo
produtivo? Uma república sindical? Isso é modernidade retrô.
A redemocratização representou, realmente, a recuperação dos valores políticos
da democracia representativa clássica, mas, também, a volta ao culto do bacharelismo
como parte dessa restauração de valores políticos. Os bacharéis do Direito foram os
únicos profissionais a gravar o exercício de sua profissão na Constituição Federal como
condição fundamental dos processos em que atuam. Ademais, estabeleceram um
processo de controle sobre o Judiciário que lhes permite, com aplauso, esconder o
empreguismo sob o processo de modernização. Redemocratizado o País e modernizado
o Poder Judiciário, os problemas continuam pendentes de serem resolvidos: pobres sem
acesso à justiça; as máximas autoridades da República seguem impunes; o processo
judicial continua uma lástima, medieval e lento; a corrupção não cessa de manifestar-se,
inclusive na Justiça; os juízes sentem-se estar acima dos cidadãos. Mais uma
modernidade retrô.
Redemocratizamo-nos; fizemos a (longa) transição política e econômica para
pensar e discutir Política com P maiúscula e suas contribuições para a vida do cidadão,
porém terminamos voltando à discussão dos pressupostos da Política, como
honestidade. O que deveria ser um pressuposto passou a estar na ordem do dia da
discussão política. Como isso, adiamos, outra vez, a discussão do País e de seus
projetos. Outra modernidade retrô.
Vem constituindo uma insistência obsessiva dos governantes mirar-se em GV e
JK como padrões de governo a serem recuperados. Estes governantes foram estadistas
de seu tempo. Espera-se que os governantes de hoje também sejam estadistas de seu
tempo, isto é, de hoje, e não de um passado remoto. Não se trata, portanto, de imitar
ninguém, mas de superar os do passado. Mais um signo da modernidade retrô.
Se a modernização dos militares foi conservadora, a de hoje é, pela influência
externa, condicionada; pelo processo interno, retrô.
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