Fundamentos Sócio Históricos - Biblioteca Virtual

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FUNDAMENTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO
ERENILDO JOÃO CARLOS
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PALAVRAS INICIAIS
A educação é uma atividade humana, isto é, histórica e social. Nesse sentido, a
História e a Sociologia, enquanto áreas de conhecimento peculiares, permitem conhecer e
entender, a um só tempo, a particularidade da educação como uma espécie de evento
próprio e sua relação com a organização societária.
A disciplina Fundamentos sócio-históricos da Educação transita entre esses dois
campos disciplinares. A fim de situar a educação no complexo de relações sociais vigentes
em uma dada sociedade, no nosso caso, a capitalista e brasileira, essa disciplina oferece
aos educadores, em geral, e aos professores e pedagogos, em particular, um leque de
ferramentas teórico-metodológicas que potencializam o seu pensar reflexivo e crítico sobre a problemática da educação e seu fazer intencionado, em suas múltiplas formas sociais, a exemplo de seu modo de existência escolar.
Objetivando a formação de um educador comprometido ética e politicamente
com a produção e circulação do conhecimento e com a configuração de um formato de
educação articulado à feitura de relações sociais orientadas pelo pressuposto da cidadania e da democracia, sugerimos cinco referências bibliográficas que poderão servir como
fonte de consulta e de estudo, necessárias ao processo formativo dos alunos do Curso de
Letras.
Para isso, fixamos três objetivos gerais: a) Propiciar ao estudante do Curso de
Letras o acesso e a aquisição de conhecimentos sobre os fundamentos sociais e históricos
da educação; b) Analisar a educação como um acontecimento assentado no tempo, no
espaço e na rede complexa das relações sociais que tecem a história das sociedades
humanas; e c) Problematizar o currículo escolar, enquanto uma produção social e histórica
marcada pelo jogo de interesses ideológicos, políticos e econômicos que pautam as lutas
de diferentes atores e segmentos sociais e as políticas educacionais do Estado brasileiro.
Quanto ao conteúdo programático, a disciplina está organizada em três unidades.
Na primeira, veremos algumas noções preliminares sobre dois assuntos: o problema dos
fundamentos e a emergência da sociedade como objeto de estudo. Na segunda, discutiremos sobre a educação como um fenômeno social particular. Para tanto, estudaremos a
educação como objeto de estudo das ciências sociais e os fundamentos epistemológicos
da educação. Na terceira, adentraremos na relação entre educação, escola e currículo na
sociedade brasileira. Nessa perspectiva, analisaremos a educação escolar como direito
subjetivo, a relação entre linguagem, discurso e escola e, por fim, discutiremos três eixos
articuladores do currículo escolar: o do trabalho, o da cultura e o da cidadania.
Enfim, desejamos que todos vocês possam ler e estudar os textos propostos,
dialogar com os colegas, com o professor e com os tutores, realizar as atividades didáticas,
postas neste material impresso e na página do moodle, a fim de que se apropriem dos
conhecimentos mobilizados e organizados nas fronteiras de nossa disciplina, necessários
ao pensar-fazer pedagógico competente e conseqüente.
UNIDADE I
NOÇÕES PRELIMINARES
O conteúdo dos dois tópicos que compõem a Unidade 1 objetiva situar o estudante
no debate sobre os fundamentos sociais, históricos e epistemológicos que propiciaram o
aparecimento da sociedade como objeto de estudo. Entretanto, vale assinalar que a série
de problemas que levantaremos não deve ser encarada como se estivéssemos estudando
disciplinas como a Sociologia, a História ou, mesmo, a Filosofia das Ciências, o que
exigiria maior rigor e profundidade no trato do assunto.
Não temos tal pretensão. Nosso objetivo é mais singelo. Queremos simplesmente
provocar uma reflexão inicial sobre a noção de fundamentos e sobre o desenvolvimento
da sociedade enquanto objeto das preocupações da ciência. Com efeito, começamos o
nosso curso com uma reflexão e discussão que não têm um fim em si mesmo, ao contrário,
a referência ao assunto é apenas um ponto de partida para discutirmos sobre educação,
pois estudar a educação sem antes entender a própria noção de fundamentos, o conteúdo
concreto e o epistemológico, que propiciaram a constituição da educação, pode acarretar
alguns vazios cognitivos que dificultarão o entendimento desse tema.
No contexto dessa disciplina, a palavra fundamento é um conceito-chave para o
exercício da nossa reflexão, análise, estudo e investigação sobre as coisas, em geral, que
pretendemos conhecer e explicar e, em particular, sobre a educação. Ou seja, para a
compreensão de um dado fenômeno, necessitamos reconhecer sua existência e conhecer
os seus fundamentos, isto é, as condições concretas que possibilitaram o seu aparecimento
e a sua constituição particular.
1. O PROBLEMA DA NOÇÃO DE FUNDAMENTO 1
Neste tópico, refletiremos sobre a importância do termo fundamento como um
conceito-chave para o entendimento do mundo concreto e do pensamento, da realidade
social e histórica e de algumas formas de conhecimento produzido sobre ela, do processo
de socialização do indivíduo, em geral, e da educação, em particular.
Cabe, logo de início, uma breve observação acerca do termo ‘problema’, contido
no enunciado que intitula esse ponto. No contexto de nossa discussão, ele não tem um
caráter negativo. Por isso procurem não vê-lo como sinônimo de dificuldade, de obstáculo,
ou como um conteúdo semântico associado a algo ruim, indesejado, mas sim, como um
ente 2 transformado em objeto do conhecimento.
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É possível que, a primeira vista, suscitar uma conversa sobre o termo “fundamento” seja algo desnecessário quer pela alegação
pragmático-pedagógica de alguns, acerca do pouco tempo disponível que temos para tratar o programa da disciplina, o que exigiria do
professor a seleção de alguns conteúdos, considerados mais relevantes do que outros, assim como sua adequação à carga horária fixada, quer
pela argumentação epistémica de outros sobre a “crise dos fundamentos” e sua impertinência argumentativa e teórica, o que testemunharia
a falta de necessidade de retomar a questão, bastando, portanto, remeter ao estudante à leitura de alguns artigos e livros que tratem sobre
a matéria.
2
“O que é, em qualquer dos significados existenciais de ser. (...) É tudo aquilo de que falamos, aquilo a que, de um modo ou de outro, nos
referimos. (ABBAGNAMO, 1998, P. 334.).
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Quando faço uso do enunciado ‘o problema é um ente transformado em objeto’,
quero dizer que uma coisa é o ente ‘em si’; outra é o ente ‘para mim’. Quando fazemos de
um ente qualquer (ente em si) o foco de nossa atenção, convertemo-lo em um objeto
(ente para mim), isto é, objetivamos o ente, que poderá ser visto como um objeto do
desejo, do conhecimento, do sentimento, do trabalho etc.
O processo de conversão do ente em objeto exige que o indivíduo assuma uma
posição de sujeito que estabelece uma relação de não-indiferença com o ente. Caso
contrário, ele continuará existindo como ente, integrado ao mundo concreto da natureza
ou da história, mas não existirá, para o indivíduo, como objeto de sua consciência.
No caso da conversão do ente em objeto cognoscível, isto é, em objeto do
conhecimento, o processo de modificação da visão de indiferença que se tem ou se tinha
sobre ele, para uma visão não-indiferente, que reconhece sua existência e ocupa-se em
conhecê-la, exige a intencionalidade da consciência, assumindo uma posição reflexiva,
questionadora, ou seja, um estado de espírito que faz do ente um objeto do pensamento:
algo a ser investigado, estudado, analisado, classificado, descrito, interpretado e conhecido.
Assim, é com o olhar da não-indiferença que dirigimos nossa atenção para a
‘noção de fundamento’. Situando-nos no lugar de quem reflete, questiona, de quem se
posiciona intencionalmente frente a ela, desejamos adentrar nas fronteiras do universo
semântico, semiótico, epistêmico e discursivo dessa noção. Com esse intuito, utilizamos
uma história, contada por Sérgio Lessa em seu livro Para compreender a ontologia de
Lukács (2007), como o ponto de partida, como a matéria-prima de nossa conversa.
Como qualquer texto, 3 seja ele escrito ou audiovisual, a narrativa de Ikursk é rica
de possibilidades semânticas, semiológicas e enunciativas. Cada um de nós pode extrair
do seu conteúdo e de sua forma ou produzir, a partir deles, uma variedade de significados,
de sentidos, de discursos, de verdades, de valores, de ideologias etc. Aqui, conforme já o
dissemos, desejamos tão-somente ressaltar alguns aspectos pertinentes à idéia contida no
universo conceitual da palavra fundamento.
Segundo a narrativa, a tribo de Ikursk encontrava-se em uma situação real, concreta, objetiva, não imaginária. Os acontecimentos não são o relato delirante de um guerreiro medroso e covarde nem uma explicação mítica, resultante do consenso enlouquecido firmado entre as lideranças da tribo ou da criatividade de algum membro, como estratégia de explicação dos acontecimentos. Ao contrário, o sentimento de incerteza, de medo
e de ameaça à vida dos membros da tribo era real: “um enorme tigre dente-de-sabre
rondava a aldeia por aquela época, matando as criações e atacando as pessoas”.
Os acontecimentos dramáticos e o estado de insegurança da tribo exigiam uma
resposta imediata: matar o tigre, o que implicava a mobilização de todos os guerreiros e
uma ação coletiva. Embora isso tivesse ocorrido, todas as iniciativas e empreendimentos
pensados e efetivados não tiveram êxito: “vários dos mais bravos dos guerreiros já haviam
se proposto a matá-lo, mas os resultados foram sempre trágicos: seus corpos foram encontrados devorados pelo felino”.
3
4
A propósito da noção de texto, ver: CARLOS, Erenildo João. O texto em questão: re-significação conceitual e implicações pedagógicas.
Revista Conceitos, João Pessoa, v. 5, n.8, p. 61-73, jul./dez. 2002.
Envolto nesse clima de medo coletivo, Ikursk temia ser a próxima vítima. Ele
rejeitava a idéia de ser mais um guerreiro devorado pelo tigre dente-de-sabre. Sua recusa
a caçar era um indício de que não tinha a intenção de se tornar um herói. Seu objetivo era
mais modesto, orgânico, singular e pessoal: continuar vivo. Por isso lhe agradava muito
mais a idéia de que “vale mais um covarde vivo, do que um herói morto”. Em lugar da
honra, cultivava o valor da vida, razão por que se esquivara de procurar o feroz e temido
felino. Nessas condições, não caçar era uma garantia da continuidade da vida.
Essa visão e essa posição colocavam para Ikursk outro problema: como justificar
para o grupo sua não adesão à luta? Se, de um lado, conservar sua vida singular implicava
não caçar, de outro, sua aceitação no grupo exigia uma justificativa razoável que convencesse os chefes da tribo sobre a impossibilidade de sua participação no feito. Possivelmente, por sua posição de caçador, sua resposta ao problema não foi argumentativa, foi
concreta: quebrou o seu machado.
Uma conclusão óbvia para um guerreiro, trabalhador ou caçador: não se luta sem
armas, não se trabalha sem ferramenta, não se caça sem machado. Mas um instrumento
quebrado, como acontece com qualquer outra ferramenta destruída, perdida ou gasta
com o uso e com o tempo, tende sempre a ser substituída por outra que cumpra a mesma
função.
Consciente disso, não bastava quebrar o instrumento existente, era necessário
construir outro, porém sem as qualidades adequadas ao fim proposto, isto é, um machado
que não servisse para caçar: grande e pesado. Foi o que fez: construiu um machado tão
grande e pesado que, além de não servir para caça, demandou um longo tempo, suficiente
para se livrar do feito heróico exigido pelo momento e almejado pelo grupo.
Da mesma maneira que a situação concreta de insegurança vivenciada pela tribo e
a resposta do grupo frente à situação, decidindo caçar e matar o tigre, foram apreendidas
e entendidas de forma singular por Ikursk, também a sua posição desagradou ao grupo,
instaurando-se, no seio da organização societária da tribo, um conflito entre ele e sua
tribo, um problema de relação social: o que fazer para que Ikursk se adequasse às normas
existentes e às decisões coletivas deliberadas pelo grupo?
Certamente, a tribo primitiva estava diante de um problema pertinente às condições objetivas da vida em grupo, do existir em sociedade. Vale dizer que um conjunto de
indivíduos dispersos (ou aglomerados num mesmo espaço), seguindo suas próprias orientações, interesses e desejos, não constitui um agrupamento humano que pode ser designado de grupo, ou, no caso, de tribo. Toda tribo tem suas regras e interesses comuns. A
dissidência ou não cumprimento do que é consenso e tradição, geralmente, implica a
adoção de procedimentos e práticas de reintegração ou de exclusão dos dissidentes.
Por essa razão, a posição de Ikursk não foi vista com bons olhos. Ao constatar a
sua conduta, a tribo decidiu por duas estratégias de ação: uma que visava convencê-lo a
mudar de idéia e posição, e outra que definiria uma punição para ele, caso resolvesse
manter o seu ato de desobediência.
No primeiro caso, Ikursk foi convidado para conversar com o pajé. No diálogo,
o pajé falou da insatisfação da tribo com relação ao seu comportamento. Visando persuadi-lo à mudança de posição, o pajé lançou mão de um mito compartilhado pela tribo: a
lenda de Batolau, segundo a qual, a alma de um guerreiro que se recusasse a ir para a
guerra ficava vagando sem rumo entre as estrelas após a sua morte. Além dessa narrativa
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tradicional, como forma de demonstração da mudança de comportamento, o pajé pediu
que ele queimasse o machado. Depois de ter escutado o pajé, Ikursk saiu silenciosamente
da tenda. No dia seguinte, continuou a feitura do machado, como se a conversa não
tivesse acontecido.
Com esse comportamento, ratificava-se o ato de desobediência de Ikursk, evidenciando a incompatibilidade de sua posição com o padrão vigente de conduta esperado pelo grupo. Em face disso, foi efetivada a estratégia da punição, que consistiu na
realização de uma tarefa típica das mulheres da tribo, a quebra do coco. Comparativamente, quebrar coco parecia ser uma atividade inferior à do guerreiro, pois, além de não
exigir conhecimentos e habilidades socialmente sem prestígio – como a de um pajé ou de
um guerreiro - era desprovida da possibilidade de, no seu exercício, produzir um ato
heróico.
Ora, o que, do ponto de vista da tribo, foi considerado uma punição, visando
corrigir sua conduta indesejada, afirmando a prevalência dos interesses do grupo em relação aos individuais, na ótica de Ikursk, consubstanciava uma espécie de vitória, materializava o sucesso das alternativas que escolheu, isto é, a afirmação de suas necessidades
vitais com relação às sociais. Parece que, na ordem de prioridade de Ikursk, predominava a conservação de sua vida. Pode-se dizer que, para ele, o estar vivo era a condição
fundamental de sua existência social e histórica.
Quero, ainda, chamar a atenção para outro aspecto da narrativa em exame: o fato
óbvio de que não temos consciência de tudo o que acontece em torno de nós e de que os
acontecimentos cotidianos e históricos não são simplesmente conseqüências de nossas
intenções e atos individuais ou coletivos. Nossa existência é muito mais do que a consciência que temos dela. Os acontecimentos históricos são muito mais do que o resultado da
soma de nossa atuação individual. Cada evento, por mais simples que aparente ser, é uma
síntese complexa de múltiplas determinações.
A complexidade da situação vivida coloca, no seu devido lugar, a consciência da
obviedade destes fatos: a série de intenções e de ações tanto da tribo quanto de Ikursk,
visando responder ao problema concreto em que se encontravam, era, de várias maneiras, posta em xeque.
No caso da tribo, pensemos na insegurança gerada pela presença repentina de
um tigre dente-de-sabre matando suas criações e membros; na incerteza da correção das
decisões tomadas provocadas pela falta de êxito na execução dos objetivos traçados
pelo grupo (caça e morte do tigre, perda de guerreiros, impotências dos mitos tradicionais
em convencer os dissidentes); no conflito social produzido pela ruptura do padrão cultural
vigente desencadeada pelo ato de desobediência ao cumprimento das normas e das decisões da tribo (posição singular e individual de Ikursk).
No caso específico de Ikursk, pensemos no imprevisível encontro com o tigre, no
desconhecimento de que o machado, construído para fugir do animal, foi a arma que, de
fato, iria matá-lo e o motivo de sua repreensão e punição tornou-se o motivo de sua
exaltação, honra e glória. Quantas inconsciências e intencionalidades marcam a vida de
Ikursk e de sua tribo! Acerca da casualidade dos acontecimentos relacionados a Ikursk,
Lessa assinala o seguinte:
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1) Ilkursk foi nomeado chefe da tribo, pois ele se revelara, indiscutivelmente, o mais valioso dos guerreiros;
2) O machado foi reconhecido como detentor de poderes, pois apenas
um instrumento com poderes divinos poderia transformar o medroso
Ikursk no mais corajoso dos guerreiros;
3) A partir de então, a posse do machado determinaria quem seria o chefe
da tribo. Foi assim que Ikursk pôde, ao deixar como herança ao seu filho
o machado, tornar o reinado hereditário, inaugurando a dinastia dos
Ikursks.
Depreende-se de tudo o que dissemos que nossa existência individual e social,
nosso cotidiano e história, cultura e formação societária são produzidos por uma série de
acontecimentos, processos, relações, significados, sentidos, símbolos, práticas, normas,
condutas etc. que, na maioria das vezes, escapam a nossa consciência.
Esses dois fatos - o das condições reais da existência de algo e o do seu desconhecimento - não devem ser confundidos, pois a ausência da consciência de algo não
significa a sua inexistência. Em outros termos, um determinado ente não existe ou passa a
existir tão somente porque o conhecemos. Ao contrário, somente podemos conhecê-lo
porque ele existe. Assim, pode-se dizer que o que funda a possibilidade do conhecimento
é a existência daquilo que se pretende conhecer. Embora a consciência e a existência
possam se relacionar, não comportam o mesmo significado, não são sinônimos.
Estamos diante de um problema clássico, não somente da filosofia e da ciência,
mas também da existência humana: o problema do fundamento. Vamos, então, pensar um
pouco mais sobre o campo conceitual da palavra fundamento.
Se observarmos detalhadamente a estória de Ikursk, notaremos que a palavra
fundamento se associa a uma idéia central: algo somente acontece em função de certas
condições. Isso significa dizer, em primeiro lugar, que elas precisam estar postas, isto é,
ser anteriores ao evento em questão.
Pensemos em alguns acontecimentos produzidos antes do feito heróico de Ikursk:
a presença de um enorme tigre dente-de-sabre rondando a aldeia, a morte de vários
guerreiros da tribo, a quebra do machado, a advertência sofrida, a punição sofrida etc.
Essa série de ocorrências, além de outras, constituíram o cenário que produziu o ato
principal da história: a morte do tigre. Assim sendo, pode ser dito que um dos atributos do
conceito é a anterioridade das condições necessárias ao surgimento do evento.
Isso quer dizer que nem todos os acontecimentos anteriores ao evento vinculamse diretamente a ele. Em outras palavras, nem tudo o que aconteceu antes da existência de
um ente tem a ver, necessariamente, com a produção de sua existência.
Pensemos em alguns fatos anteriores ao evento da morte do tigre, como por
exemplo, na tradição do mito de Batolau, na divisão matinal das tarefas das mulheres
relativas à quebra do coco, na morte ocasional de guerreiros, durante a atividade da caça,
no uso do machado como arma de caça e ferramenta de trabalho, na prática argumentativa
do pajé, no respeito às normas de conduta da tribo por parte de seus membros etc. Será
que o conhecimento da anterioridade desses fatos nos permite dizer que eles estão atrelados
especificamente ao ato heróico de Ikursk? É evidente que não.
Obviamente, isso significa que somente os fatos anteriores ligados especificamente
à rede complexa dos acontecimentos que viabilizaram o seu surgimento e que integram a
sua constituição devem ser considerados como elementos fundadores de seu aparecimento.
Em resumo, pode-se dizer que o campo conceitual do significante fundamento é
constituído, basicamente, por uma série de três elementos enunciativos: a) condições postas;
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b) anterioridade das condições; e c) feixe determinado de acontecimentos anteriores que
se relacionam com a especificidade do evento. Entenda-se, portanto, por fundamento um
conceito-chave que nos remete a uma série de condições anteriores e específicas, sem as
quais um ente não pode existir.
Uma implicação desse entendimento encontra-se na rejeição de algumas idéias
associadas ao significante ‘fundamento’, como por exemplo: base, causa e princípio. Esses
sentidos são geralmente expressos quando perguntamos aos nossos estudantes do Curso
de Pedagogia e das licenciaturas o que eles entendem por fundamento.
As respostas tendem a apresentar como correlato a idéia de base, de alicerce.
Base ou alicerce nos faz lembrar uma construção: casa, edifício. Quem não conhece a
metáfora bíblica da casa edificada sobre a rocha? Segundo a Bíblia, Jesus dizia que aquele
que escuta a palavra de Deus e a observa assemelha-se a um homem que edificou sua
casa sobre a rocha. Aquele, porém, que a ouve e não a pratica é semelhante ao homem
que constrói sua casa sobre a areia. Quando vem a tempestade, a casa desmorona.
Também é comum o uso da metáfora do edifício para descrever a organização da
sociedade: a economia ou a produção constitui a base da sociedade; a ciência, a filosofia,
a religião, o direito, a ideologia e a educação, por exemplo, a super-estrutura. Seja num
caso ou no outro, o sentido dominante é o de base, alicerce, como algo sólido, firme,
durável. Por isso, qualificado para sustentar algo, construir uma casa, um edifício, uma
sociedade, uma nação, uma empresa, uma fé, uma argumentação, um discurso, um sentido
ou uma verdade.
Por sua vez, a noção de fundamento associada ao sentido de causa contém a idéia
de relação linear e unívoca entre dois ou mais acontecimentos. Sobre isso, Abbagnano
(1998, p. 124) afirma que a causalidade é, “em seu significado mais geral, a conexão entre
duas coisas, em virtude da qual a segunda é univocamente previsível a partir da primeira”.
Acrescenta, ainda:
Historicamente, esta noção assumiu duas formas fundamentais: 1ª A
forma de conexão racional, pela qual a causa é a razão do seu efeito e
este, por isso, é a dedutível dela. Nessa concepção, a ação da causa é
freqüentemente descrita como a de uma força que gera ou produz
indefectivelmente o efeito. 2ª A forma de uma conexão empírica ou
temporal, pela qual o efeito não é dedutível da causa, mas é previsível
com base nela pela constância e uniformidade da relação de sucessão.
Essa concepção elimina a idéia de força da relação causal. A ambas
essas formas são comuns às noções de previsibilidade unívoca, infalível,
do efeito a partir da causa e, portanto, também a de necessidade a relação
causal.
Nota-se que a idéia de causa reduz os fundamentos à unicidade de um aspecto
das condições de existência de um dado ente. Isso faz com que se perca de vista a
diversidade e complexidade de elementos em jogo que integram o feixe de relações
envolvidas na produção do evento e se precarize o conhecimento que se tenha dele.
Por último, outro sentido recorrente é o de fundamento como princípio ou origem.
A recorrência dessa idéia geralmente vem carregada de uma semiótica construída na
experiência cotidiana. Nesse sentido, são comuns alguns exemplos. O nascimento de um
ser vivo qualquer demonstra que isso não aconteceria sem a existência de outros que o
precedem e o fecundaram: os pais. Eles seriam a origem dos filhos, seu princípio.
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Argumentação similar é constatada quando se tenta explicar a origem da vida ou
da natureza. Como, no caso anterior, uma coisa não existe por si mesma. A natureza ou a
vida no planeta tem o seu princípio em Deus. Há, na elaboração da idéia de fundamentos
como princípio, uma presença muito forte do conteúdo religioso, ilustrada através de
metáforas bíblicas, tais como: a mulher originou-se da costela do homem; o homem veio
do pó e ao pó retornará; se toda obra tem um criador, Deus é o arquiteto do universo.
Mas, além da associação como origem, o termo princípio também aciona um
sentido de natureza epistemológica: o de fundamento como axioma, pressuposto,
paradigma ou teoria. Geralmente, esse significado é ilustrado com exemplos da prática
política, ideológica, pedagógica ou científica. Nesse sentido, é comum o uso de expressões
do tipo: fundamentos da prática pedagógica; fundamentos da concepção de mundo socialista
ou neoliberal; fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa etc.
Como se vê, estamos diante de um conceito-chave que nos permite indagar sobre
uma diversidade de coisas e estabelecer uma variedade de significações.
Outra implicação consiste em estabelecermos a distinção e a relação entre dois
tipos de fundamentos: a série de condições concretas, reais, objetivas que possibilitam a
existência de algo, independente de nossa consciência individual, e a série de condições
subjetivas que visam justificar, explicar ou dar sentido a algo existente.
Voltemos à estória de Ikursk e ilustremos a distinção e a relação entre esses dois
tipos de fundamento. A realidade objetivamente posta, seja ela natural ou social, que préexiste e contempla as condições que viabilizam a existência de um dado ente ou evento, é
algo independente da consciência subjetiva do indivíduo e exterior a ela.
Na estória de Ikursk, são exemplos da realidade objetivamente posta: a pedra, o
machado, o tigre, a selva, a morte dos guerreiros, a presença do pajé, a lenda de Batolau,
o padrão de conduta socialmente aceito pelo grupo, a divisão social de trabalho entre
homens e mulheres e as relações hierárquicas existentes na tribo.
Sendo que há, nesse exemplo, duas dimensões da realidade que necessitamos
distinguir: a natural, constituída pela pedra, o tigre, a selva, a morte e os próprios seres
humanos integrantes da tribo; e a social, ilustrada por elementos como o machado, o
guerreiro, o pajé, a divisão de trabalho, a hierarquia social, a lenda de Batolau e as normas
de conduta.
Diferentemente, o movimento do pensamento, que incide sobre a diversidade de
faces e interfaces do complexo do mundo posto e sobre as escolhas que o sujeito faz para
construir justificativas, explicações e sentidos, depende, de um lado, do acúmulo de
experiências, práticas, conhecimentos e crenças produzidos pelo grupo e, de outro, da
apropriação e do uso concreto que os indivíduos singulares fazem desse legado cultural
no contexto das relações sociais em que vivem.
Na perspectiva do grupo, parecem-me emblemáticas as razões que conduziram a
tribo a enviar os guerreiros à selva e o estilo de argumentação utilizado pelo pajé para
convencer Ikursk a lutar.
A procura ao tigre indicava a existência de um saber acumulado que permitia ao
grupo sobreviver por meio de outras vias de obtenção do alimento, além da coleta de
frutos e raízes, ou seja, de que a tribo desenvolvera os saberes e as habilidades necessárias
ao exercício da caça, o que implicava a existência de membros treinados e qualificados
(os guerreiros), de instrumentos adequados (o machado), da ação planejada e coletiva
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(trabalho coletivo), mas também do espírito corajoso e da adoção de uma consciência
(ideologia) alimentada pelo sentido de responsabilidade social.
O aspecto da ideologia, enquanto formadora da consciência individual e coletiva,
ganha visibilidade na figura do pajé, na autoridade que exerce e no uso que fez da lenda de
Batolau, como estratégia argumentativa para convencer Ikursk a “cooperar com o esforço
coletivo para matar o tigre”.
Na tradicional lenda de Batolau, o guerreiro aparece como a figura central. A
mensagem contém um tom de intimidação, ao mesmo tempo em que apresenta uma razão
mística, uma espécie de consolo celeste após a morte: o de ser acolhido pelos deuses em
sua morada eterna. Destino pós-morte que não teriam aqueles membros da tribo que se
negassem a guerrear. Diferentemente, o destino da alma do desertor seria o de ser
abandonado pelos deuses e de ter uma alma sem tribo. Tornar-se-ia uma espécie de
vagabundo celeste: alma que vagaria eternamente entre as estrelas.
De que maneira, então, a interiorização da ideologia da tribo, acionada pela
autoridade do pajé, por meio da tradicional lenda de Batolau, deveria ser demonstrada
por Ikursk ao grupo? Como o pajé verificaria os efeitos da interpelação ideológica sofrida
por Ikursk? Mediante um ato concreto, visível de arrependimento: ‘queimar o machado
que ele estava construindo’. Expectativa que não se realizou, pois, depois de ter ouvido
atentamente o pajé, Ikursk não contra-argumentou, contestando ou fazendo sua defesa,
simplesmente ‘saiu da tenda do pajé sem nada responder e, para a consternação de
todos, no dia seguinte, continuou a trabalhar no seu machado com o mesmo empenho de
antes’. A ideologia não funcionou em sua tarefa de convencimento.
Como vimos, na ótica de Ikursk, o fundamental era manter-se vivo: a conservação
da própria vida predominou sobre o interesse coletivo. Sua decisão implicou em
desobedecer às orientações gerais do grupo e em descobrir alternativas que pudessem
justificar sua posição: quebrar o seu machado, construir outro sem a mínima possibilidade
de uso para a caça, não se intimidar pelo poder de convencimento do pajé, manter-se
firme em seu propósito, demorar o máximo a conclusão de sua obra.
A escolha da luta pela continuidade de sua existência, como membro singular da
tribo, resultou, de um lado, em um relativo domínio da arte de fazer machado e, de outro,
em muita determinação, inteligência e conhecimento sobre as relações sociais vigentes
entre os membros de sua tribo. Caso não dispusesse subjetivamente dessas condições,
possivelmente teria grandes dificuldades para lidar com o conflito societário gerado ou
mesmo não atingido sua meta.
A posição de Ikursk nos permite assinalar dois tipos de conhecimentos constitutivos
das condições subjetivas necessárias à efetiva realização de sua decisão: um sobre a
natureza e outro sobre a sociedade. O primeiro se relacionava às propriedades da pedra
e da madeira, onde conseguir tais matérias-primas etc. Qual a pedra e a madeira mais
adequadas para construir um machado grande e pesado? O segundo consistia na forma
de organização da tribo, suas normas de conduta, estratégias de tratamento de conflitos,
mitos e crenças. Quais as possíveis reações das lideranças da tribo com relação ao seu
ato de desobediência? Que punições poderia receber? Sem esses prévios saberes e
habilidades, parece-me que o plano de Ikursk não poderia ser levado a cabo. Se as
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normas fossem tão rigorosas, provavelmente ele teria sido expulso da tribo, fato que não
ocorreu.
Uma observação que me parece pertinente diz respeito ao fato de que esses dois
tipos de conhecimentos, apropriados e utilizados inteligentemente por Ikursk, faziam parte
do legado da tribo. Assim como ele, todos os demais membros da tribo poderiam acessar
e utilizar esse patrimônio cultural, acumulado e transmitido de uma geração a outra,
necessários à sobrevivência da tribo e à manutenção da ordem social do grupo. Isso
significa dizer que eles não foram inventados pela mente brilhante do desobediente Ikursk.
Com efeito, a consciência de que existe um mundo objetivo, exterior e independente
da nossa subjetividade individual e de que ele pode ser conhecido acompanha o ser humano
durante sua trajetória histórica e existencial. Entretanto, lembra-nos Pinto (1979) que,
somente com a ciência, o conhecimento da realidade natural e social alcança um nível mais
profundo, tanto com relação aos entes investigados quanto ao método a ser utilizado.
No curso de nossa história, podemos observar que o alçar do pensamento humano
ao plano da ciência gerou um ponto de inflexão e ruptura em relação aos fundamentos da
consciência mítica e filosófica sobre o mundo. Isso foi ganhando visibilidade em vários
escritos que emergiram no nascedouro da modernidade, a exemplo do Novo Organum,
de Francis Bacon; do Método, de René Descarte, e do Curso de Filosofia Positiva, de
Auguste Conte, fundamentais para a emergência e consolidação do pensamento científico,
em geral, e para as ciências humanas, em particular.
Sob o ponto de vista da filosofia, sobretudo a de cunho idealista, a discussão
sobre os fundamentos tende a priorizar a consciência, o cogito. Já na ótica da ciência, é
ponto pacífico o reconhecimento de que não se produz conhecimento sobre aquilo que
não existe, isto é, o primado da existência das coisas, de sua realidade é condição sine
qua non do conhecimento.
Não obstante o pêndulo do debate sobre os fundamentos na história da filosofia e
de a ciência tender ora para um lado, ora para o outro, o fato é que a existência precede
a consciência, e o problema do fundamento permanece, inclusive nomeando, até hoje,
disciplinas e departamentos 4 e suscitando, em diferentes campos de conhecimento,
inúmeras discussões sobre sua crise ou pertinência epistemológica.
Para aprofundarmos o assunto tratado, sugerimos a leitura da estória de Ikursk
que aqui analisamos.
UM RESULTADO INESPERADO
Numa tribo primitiva, antes da descoberta dos metais, vivia Ikursk.
Ikursk era, acima de tudo, um medroso.
Um enorme tigre dente-de-sabre rondava a aldeia por aquela época,
matando as criações e atacando as pessoas. Vários dos mais bravos dos
guerreiros já haviam se proposto a matá-lo, mas os resultados foram sempre
trágicos: seus corpos foram encontrados devorados pelo felino.
Com o tigre à solta, entrar na selva era um ato de extrema coragem, e
nosso heróico Ikursk resolveu se proteger de tal eventualidade. Para tanto,
4
Lembremo-nos de algumas disciplinas que integram o currículo deste curso: Fundamentos de Lingüística, Fundamentos Antropofilosóficos
da Educação, Fundamentos Socio-históricos da Educação, Fundamentos Psicológicos da Educação e outras que, embora não tragam no
seu título o significante “fundamento”, demarcam as fronteiras do seu conteúdo com o significado da palavra. A respeito dos departamentos, exemplificamos com o caso do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da UFPB.
11
quebrou seu machado e passou vários dias construindo um outro, enorme, tão
grande e pesado que seria impossível carregá-lo por uma distância maior que
umas poucas dezenas de metros. Tal arma, descomunal no peso e no tamanho,
seria um forte argumento, esperava Ikursk, para que a tribo não o enviasse à
floresta, posto que o herói seria presa fácil à agilidade do tigre.
Quando o machado estava tomando a sua forma final e todos na tribo
se deram conta de que Ikursk decidira não cooperar com o esforço coletivo para
matar o tigre, o pajé chamou-o para uma conversa ao pé da fogueira. Contou a
Ikursk a tradicional lenda de Batolau, o guerreiro que se negou a ir para a guerra
junto com sua tribo, por isso, após a morte, abandonado pelos deuses, ficou
vagando entre as estrelas. O pajé disse a Ikursk que seu comportamento
desagradava aos deuses e que ele deveria queimar o machado que estava
construindo. Ikursk saiu da tenda do pajé sem nada responder e, para
consternação de todos, no dia seguinte, continuou a trabalhar no seu machado
com o mesmo empenho de antes.
De posse do novo machado, com o passar do tempo, Ikursk se sentia
cada vez mais seguro. Durante meses, na divisão matinal das tarefas cotidianas,
coube a Ikursk acompanhar as mulheres aos coqueirais para auxiliar, com o seu
enorme machado, na quebra dos cocos. Assim, dia após dia, a decisão de Ikursk
quebrar seu machado e substituí-lo por um outro, descomunal, alcançou o
resultado almejado: nosso herói não foi enviado à selva.
Algo inesperado, no entanto, aconteceu.
Era um belo final de tarde. O sol se punha no horizonte, e uma brisa
espantava o calor. Ikursk, já cansado, quebrava os últimos cocos do dia quando,
ao levantar o machado, escutou uma respiração e sentiu no cangote um bafo
que não era humano. Seu coração parou, e seu sangue congelou nas veias: era
o terrível tigre que o atacava pelas costas. O pavor tomou conta do seu ser, o
joelho fraquejou, a vista escureceu e um urro horrível, um misto de ai! e mãe!,
que apenas os covardes sabem dar, ecoou pela aldeia.
Nesse transe de pavor, sabendo que iria morrer nas garras do tigre, seu
corpo se contraiu na antecipação da dor, e Ikursk caiu de costas. Sua hora havia
chegado; não, contudo, com o conteúdo mortal que imaginara.
Na contramão espasmódica que terminou por derrubar Ikursk, o
machado, por mero acaso, descreveu uma trajetória que terminou na cabeça do
tigre, matando-o.
O nosso covarde herói, com seu descomunal machado construído
propositadamente para ser o mais inadequado possível para lutar contra o tigre,
realizara a proeza de que nenhum dos mais valentes e habilidosos guerreiros da
tribo fora capaz. O felino estava morto, e sua ameaça, finda. A floresta voltava a
ser um espaço pouco ameaçador, a aldeia poderia viver em paz com as suas
criações.
(LESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Lukács. Ijuí: Editora UNIJUI,
2007. p. 19-21)
REFLEXÃO: Revisitando o conteúdo lido.
12
Considerando a discussão empreendida sobre a noção de fundamentos, leia e reflita
um pouco mais sobre a história de Ikursk. Após isso, redija um pequeno texto que
contemple algum aspecto da estória e a noção de fundamentos. Em seguida,
disponibilize o texto no fórum que abriremos na página do moodle para conversarmos
sobre esse primeiro assunto da disciplina.
2. A SOCIEDADE COMO OBJETO DE ESTUDO
Neste tópico, discutiremos, resumidamente, o aparecimento da sociedade como
objeto de estudo das ciências sociais. Para tanto, faremos um percurso que começará
com as contribuições de Francis Bacon e de Augusto Comte, passando por Emile Durkheim
e Max Weber, e terminando com Karl Marx e Friedrich Engels.
A adoção de caminho e escolha desses estudiosos foi apenas uma alternativa,
uma escolha pessoal dentre outras. Não pretendemos discutir as idéias e investigações de
cada um deles, mas simplesmente assinalar como o legado que deixaram participa do
processo de desenvolvimento do campo de estudo da sociedade.
Ao dialogar com os autores mencionados, destacamos algumas das idéias que
eles enunciaram e selecionamos uma série de fragmentos de textos que escreveram a fim
de que o conteúdo comentado e a discussão empreendida pudessem ser ampliados. É
evidente que o estudo da sociedade não se restringe aos autores escolhidos e, muito
menos, aos enunciados postos em cena neste tópico. Por isso considerem a discussão
apenas como um ponto de partida para outras reflexões, estudos e aprofundamentos.
FRANCIS BACON E O ESPÍRITO CIENTÍFICO
Demarcando as fronteiras de uma nova concepção de mundo, Bacon 5 (1998,
p.13) começa o Livro I com o seguinte aforismo: “o homem, ministro e intérprete da
natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho
da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode saber mais”.
O que diz esse enunciado? Evidentemente, muito. Destaquemos algumas idéias
que ele registra como indícios do desenho do espírito científico emergente. Em primeiro
lugar, o conhecimento humano a respeito da natureza das coisas é resultado da atividade
que o homem realiza sobre ela. Aqui, sinaliza-se o abandono da idéia do conhecimento
como um bem inscrito na alma ou adquirido por meio da revelação de um ser superior.
Desencantam-se o conhecimento e seu processo. Destrona o deus grego, Hermes; erige
o homem como o intérprete da natureza.
Em segundo lugar, abandona a visão do conhecimento como o simples fruto da
experiência empírica. O enunciado registra o descrédito de uma compreensão epistêmica
que assenta o conhecimento como algo similar a uma fruta que se colhe de uma árvore ou
a uma quantidade de água que se pega em um rio, isto é, o conhecimento não é visto como
algo dado pela natureza.
Bacon também rejeita o conhecimento como o produto da genialidade de uma
mente brilhante que, pelo domínio da arte da criatividade imaginativa ou especulativa, faz
com que o indivíduo transite no campo da lógica e da dialética argumentativa, capturando
o movimento do real, sua racionalidade intrínseca e sua configuração concreta. Mero
exercício reflexivo e especulativo, por meio do qual o sujeito contempla suas próprias
idéias no mundo mental do movimento cognitivo do conceito.
5
Sobre a vida e a obra de Bacon, ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_(fil%C3%B3sofo).
13
14
Nada disto: nem experiência empírica, nem puramente intelectiva. O conhecimento
ascende do chão da realidade para o pensamento, por isso é uma construção que se
efetiva mediante a observação rigorosa dos fatos. Contudo, acrescenta no Aforismo II:
“nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos se
cumprem com instrumentos e recursos auxiliares de que dependem com igual medida
tanto o intelecto quanto as mãos”. Ou seja, a observação eficaz dos fatos se faz pela
mediação do uso adequado de instrumentos apropriados que potencializam a mente humana
na apreensão e na compreensão do real.
Pautado nesse horizonte, Bacon chama a atenção para alguns cuidados que se
devem ter com relação à produção do conhecimento. Os cuidados são representados por
meio da metáfora dos ídolos da tribo, da caverna, do foro e do teatro. Segundo ele, os
ídolos impedem a mente humana de interpretar, de conhecer e de falar adequadamente
sobre a realidade existente.
Cada ídolo desenha um campo que abrange uma variedade de possíveis
interferências e obstáculos ao conhecimento acerca do mundo existente. Daí porque
argumenta em torno da urgência de desalojar os ídolos que provêm de alguma disposição
predominante no estudo: excesso, zelo, magnitude ou pequenez dos objetos, predileção,
interesses, competências e habilidades individuais, escolhas pessoais de certos aspectos
em detrimento de outros, entusiasmos, educação, formação e experiência individual.
De modo geral, o cuidado com o intelecto, representado na metáfora em exame,
sinaliza o desejo de constituir um conhecimento que corresponda, o máximo possível, à
objetividade dos fatos estudados. O que justificaria o nível elevado de exigência com o
método e com a precisão do que se pensa e se diz a respeito dos entes investigados.
Certo disso, Bacon não mede esforço no sentido de questionar as interferências
oriundas da falta de consciência ou da própria decisão do indivíduo por não se preocupar
em manter as distâncias necessárias entre o objeto de estudo, os resultados da investigação
e as suas convicções, preferências, escolhas, motivos, interesses e abstrações. Para esse
pensador, os obstáculos epistemológicos oriundos das tendências inerentes ao gênero
humano, à subjetividade do indivíduo, aos acordos e consensos firmados, expressos por
meio de uma linguagem convencionada, e produção de representações teóricas equivocadas
da realidade são impedimentos ao conhecimento dos fatos tal como eles se configuram na
realidade e a produção de afirmativas verdadeiras sobre o mundo existente.
Com efeito, a exortação de Bacon prima pelo cuidado epistemológico, pela precisão
das conclusões, pela produção do conhecimento fundado nos fatos, evitando, assim,
“paralelismo, correspondências e relações onde não existem” (p. 23); ou, ainda, “ter por
verdade o que prefere” (p.2).
A metáfora dos ídolos é, em última instância, uma crítica contundente ao legado
de conhecimento produzido até então e ao modo como foi produzido, indicando que, no
geral, o Novo Organum é uma revisão crítica do saber existente e uma proposta de
superação dos modelos de investigação.
Em outras palavras, é um texto que materializa a emergência de um espírito de
época que erige a existência como primado, ponto de partida e de chegada do
conhecimento, que afirma a possibilidade de a natureza e a sociedade serem conhecidas e
transformadas. Certamente, Bacon disponibiliza para a humanidade um legado que contribui,
profundamente, para a consolidação do espírito científico, isto é, para uma consciência
epistêmica que deseja apreender o mundo objetivo a partir dele próprio, da maneira
como é ou está sendo. Por essa razão, sugerimos a leitura reflexiva dos fragmentos do
Novo Organum que seguem.
NOVO ORGANUM
XLI
Os ídolos da tribo estão fundados na própria natureza humana, na
própria tribo ou espécie humana. É falsa a asserção de que os sentidos do
homem são a medida das coisas. Muito ao contrário, todas as percepções, tanto
dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana e não
com o universo. O intelecto humano é semelhante a um espelho que reflete
desigualmente os raios das coisas e, dessa forma, as distorce e corrompe.
XLII
Os ídolos da caverna são os dos homens enquanto indivíduos. Pois,
cada um – além das aberrações próprias da natureza humana em geral - tem uma
caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido
à natureza própria e singular de cada um; seja devido à educação ou conversação
com os outros; seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se
respeitam e admiram; seja pela diferença de impressões, segundo ocorram em
ânimo, preocupação e predisposto ou em ânimo equânime e tranqüilo; de tal
forma que o espírito humano – tal como se acha disposto em cada um - é coisa
vária, sujeita às múltiplas perturbações, e até certo ponto sujeita ao acaso. Por
isso, bem proclamou Heráclito que os homens buscam em seus pequenos
mundos e não no grande ou universo.
XLIII
Há também os ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso e da
associação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que chamamos
de ídolos do foro devido ao comércio e ao consórcio entre os homens. Com
efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas
pelo vulgo. E as palavras impostas de maneira imprópria e inepta bloqueiam
espontaneamente o intelecto. Nem as definições, nem as explicações com que
os homens doutos se munem e se defendem, em certos domínios, restituem as
coisas ao seu lugar. Ao contrário, as palavras forçam o intelecto e o perturbam
por completo. E os homens são, assim, arrastados a inúmeras e inúteis
controvérsias e fantasias.
XLIV
Há, por fim, ídolos que imigram para o espírito dos homens por meio
das diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da
demonstração. São os ídolos do teatro: por parecer que as filosofias adotadas
ou inventadas são outras tantas fábulas, produzidas e representadas, que figuram
mundos fictícios e teatrais. Não nos referimos apenas as que ora existem ou às
filosofias e sitas dos antigos. Inúmeras fábulas do mesmo teor se podem reunir
e compor, porque as causas dos erros mais diversos são quase sempre as mesmas.
Ademais não pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na sua universalidade,
mas também nos numerosos princípios e axiomas das ciências que entraram em
vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência. Contudo, falaremos
de forma mais ampla e precisa de cada gênero de ídolo, para que o intelecto
humano esteja acautelado.
15
BACON, Aforismo sobre a interpretação da natureza e o reino do homem.
Livro I. In: Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação
da natureza. Nova Atlântida. 4. ed., São Paulo: Nova Cultura, 1988. p. 21-22.
(Coleção Os Pensadores)
AUGUSTE COMTE E O PROGRESSO DO ESPÍRITO HUMANO
Aproximadamente, após dois séculos da divulgação do Novo Organum, escrito
por Bacon, Auguste Comte 6 publica o Curso de Filosofia Positiva, aprofundando e
consolidando o espírito científico emergente, como o fundamento da epistemologia moderna.
Assim como Bacon, Descartes e Galileu, Comte contribuiu, significativamente, para o
desenvolvimento da ciência e do método científico, como o pressuposto necessário da
produção do conhecimento verdadeiro sobre o mundo.
A filosofia positiva, como costumava chamar, representava uma maneira de explicar
a realidade natural e social, assentando-se na observação dos fatos. Diferentemente das
filosofias de cunho teológico ou metafísico, a ciência não se interessava por questões
relativas à investigação das causas primeiras e finais dos acontecimentos, fossem elas de
natureza divina ou natural.
Ao contrário, o foco de preocupação da filosofia positiva centrava-se no
entendimento das condições de existência do fenômeno e na descoberta de sua legalidade
objetiva. A inteligibilidade de um dado evento residia precisamente aí: “analisar com exatidão
as circunstâncias de sua produção e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais
de sucessão e de similitude” (p. 7).
Por isso, a apreensão e a compreensão de um determinado ente exigiam o rigor
da observação, da classificação e da descrição dos elementos constitutivos dessas
condições, da articulação da série de fatos responsáveis pela produção concreta do ente
investigado. Por essas e outras razões, Comte entendia que a filosofia positiva
consubstanciava o estágio de desenvolvimento epistemológico mais avançado atingido
pela espécie humana. Essa visão foi representada na metáfora dos três estados, que
simboliza três modalidades históricas de filosofias ou, conforme denominei anteriormente,
de epistemologias explicitadas no seu Curso de Filosofia Positiva.
Sinteticamente, quero apenas destacar alguns dos enunciados mobilizados por
Comte, contidos no rol de premissas que fundamentam a filosofia positiva. Em primeiro
lugar, vale ressaltar que, diferentemente de Bacon, a crítica feita por Comte ao pensamento
teológico e metafísico não se limitou a desqualificá-los como incapazes de explicar
concretamente os entes e processos do mundo existente. Buscou situá-los nos seus
respectivos momentos históricos, assim como no contexto evolutivo do espírito humano.
Ao contextualizar a epistemologia teológica e a metafísica, inteligentemente, Comte
desautoriza cada uma delas ao dizer que a primeira reflete a fase da infância do espírito
humano; e a segunda, como intermediária, ponto de mediação, de passagem para a
verdadeira e legítima filosofia, isto é, positiva, única em condições objetivas de construir
explicações sobre os fatos por meio da observação dos próprios fatos.
16
6
Sobre a vida e a obra de Comte, ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte.
Em segundo lugar, Comte introduz a idéia de que somente se conhecem os fatos
quando se considera a sua história. Aqui, duas observações são pertinentes. A compreensão
que Comte tem da história firma-se no pressuposto da linearidade e do progresso. A visão
linear e progressiva da história desconhece o retrocesso qualitativo dos fatos e das idéias.
Além disso, ao entender que os fatos perdem sua inteligibilidade fora da história, Comte
acaba por reconhecer, a seu modo, que a história é um dos constituintes das condições de
existência dos fenômenos humanos.
Nesse sentido, o método positivo, ao observar um fato determinado, não deveria
investigá-lo isoladamente, mas sim, verificar a série de outros fatos particulares, anteriores
aos examinados e vinculados a ele, integrados ao feixe de acontecimentos concretos
produtor das condições de sua existência. O exame da anterioridade desses fatos, de
suas conexões e ligações específicas com o ente estudado permite ao investigador explicar
o fenômeno.
Em terceiro lugar, quando Comte estabelece a diferença entre os três tipos de
epistemologia, quando entende que cada uma epistéme somente tem sentido no contexto
geral do desenvolvimento e progresso do espírito humano, ou, ainda, quando pressupõe
que a explicação dos fatos exige a ligação entre diversos fenômenos particulares e alguns
fatos gerais, nota-se que ele recorre às categorias particular e geral como necessárias à
produção do conhecimento acerca do mundo.
Considerando essa perspectiva epistêmica, pode-se dizer que as condições de
existência dos fatos - sejam eles naturais ou sociais - são compostas por meio de uma
rede complexa de acontecimentos, processos e relações particulares e gerais que, não
obstante estejam ligados também a outros eventos, necessariamente estão atrelados,
interligados organicamente àqueles fatos delimitados como objetos de estudo.
Por fim, resta-nos acrescentar que uma contribuição fundamental de Comte para
o desenvolvimento da ciência foi sua compreensão de que a sociedade deveria se constituir
um objeto de estudo. Segundo ele, todos os ramos do conhecimento estariam contemplados
pela filosofia positiva quando, além da matemática, da astronomia, da física, da química e
da fisiologia, fosse introduzido o campo do social. Nesse sentido, argumenta Comte (1991,
p. 9):
Eis a grande, mas evidentemente, única lacuna que se trata de preencher
para constituir a filosofia positiva. Já agora que o espírito humano fundou
a física celeste; a física terrestre, quer mecânica, quer química; a física
orgânica, seja vegetal, seja animal, resta-lhe, para terminar o sistema de
observação, fundar a física social. Tal é hoje em várias direções capitais,
a maior e a mais urgente necessidade de nossa inteligência.
Comte notava que a sociedade era um dos campos ainda não ocupados pela
ciência. Não obstante a ascensão progressiva do espírito científico e de sua consumação
como paradigma epistêmico dominante, as análises sobre a física social estavam impregnadas
pelo espírito filosófico, teológico e metafísico. Isso exigia a inclusão das relações sociais
entre os indivíduos e a sociedade no universo de interesse da ciência. Em outros termos,
Comte defendeu a premissa de que a sociedade deveria ser estudada com o mesmo rigor
dedicado à investigação da natureza.
Vejamos, sinteticamente, o que ele (1991, p. 03-04) diz sobre cada uma delas.
Para explicar convenientemente a verdadeira natureza e o caráter próprio
da filosofia positiva, é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a
17
marcha progressiva do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois
uma concepção qualquer só pode ser bem conhecida por sua história.
Estudando assim o desenvolvimento total da inteligência humana em
suas diversas esferas de atividade, desde o seu primeiro vôo mais simples até
nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental, a que se sujeita
por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solidamente
estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento
de nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes de
um exame do passado. Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções
principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por
três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico
ou abstrato, estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano,
por sua natureza, emprega, sucessivamente, em cada uma de suas investigações,
três modos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo
radicalmente oposto: primeiro, o método teológico, em seguida, o método
metafísico, finalmente, o método positivo. Daí três sortes de filosofias, ou de
sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos, que se excluem
mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana;
a terceira, seu estado fixo e definitivo: a segunda, unicamente destinada a servir
de transição.
No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas
investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de
todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos,
apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes
sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica
todas as anomalias aparentes do universo.
No estado metafísico, o espírito humano, que no fundo nada mais é do
que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são
substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações
personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como
capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja
experiência consiste, então, em determinar para cada um uma entidade
correspondente.
Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a
impossibilidade de se obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o
destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para
preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do
raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis
de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus
termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os
diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso
da ciência tende cada vez mais a diminuir.
O sistema teológico chegou a mais alta perfeição de que suscetível
quando substituiu, pela ação providencial de um ser único, o jogo variado de
numerosas divindades independentes, que primitivamente tinha sido imaginado.
Do mesmo modo, o último termo do sistema metafísico consiste em conceber,
em lugar de diferentes entidades particulares, uma única grande entidade geral,
a natureza, considerada como fonte exclusiva de todos os fenômenos.
Paralelamente, a perfeição do sistema positivo à qual este tende sem cessar,
apesar de ser muito provável que nunca deva atingí-la, seria poder representar
todos os diversos fenômenos observáveis como casos particulares de um único
fato geral, como a gravitação o exemplifica.
18
EMILE DURKHEIM E O ESTUDO DOS FATOS SOCIAIS 7
A emergência da sociedade, como campo de estudo, isto é, de investigação pautada
no rigor metodológico da ciência, exigia, a um só tempo, o seu reconhecimento como uma
espécie de disciplina, distinta das existentes e voltada para estudos sobre a natureza, e a
necessidade de definição do que de fato seria o objeto específico desse novo ramo da
ciência, inaugurado e denominado por Comte de Física Social.
Vimos que, desde Bacon e Comte, a filosofia positiva entendia que o conhecimento
verdadeiro é construído a partir da observação rigorosa dos fatos. Seguindo os passos
dos seus antecessores, pautando-se no legado secular do Novo Organum e do Curso de
Filosofia Positiva, Emile Durkheim assumiu a tarefa de contribuir para a formulação dos
fundamentos metodológicos dessa nova ciência.
Para ele, um dos passos centrais da constituição do campo de estudo sobre a
sociedade consistia em determinar, com clareza e precisão, o objeto específico da Física
Social, isto é, da Sociologia ou ciência da sociedade. Em outros termos, se a regra
fundamental da ciência positiva era a de observar rigorosamente os fatos a fim de descrevêlos, classificá-los e conhecê-los, no caso da sociedade, qual seria o fato a ser observado?
O que seria descrito e classificado?
Perguntas como essas faziam com que Durkheim pensasse sobre a natureza desse
novo fato, o social. Portanto, definir o fato social seria a tarefa principal de uma reflexão
metodológica, seria a regra primordial do método sociológico.
Durkhiem elaborou uma argumentação que, logo de saída, procura desconstruir
uma perspectiva subjetivista - e até mesmo intersubjetiva - do conceito de fato social.
Esse entendimento é expresso por meio de sua rejeição ao interesse social como o critério
em torno do qual o significado de fato social teria uma precisão conceitual. Ele indaga: O
que estaria fora do interesse da sociedade? Nada. Esse critério seria tão abrangente, tão
genérico que abarcaria uma série de acontecimentos e ações ligadas a campos de estudos
diversos, como o da biologia e o da psicologia. Para Durkheim, esse critério não seria
pertinente, pois sua imprecisão, com efeito, geraria tanto a impossibilidade de se observar
um fato determinado na sociedade quanto a perda da identidade do próprio campo de
estudo da sociologia.
Ora, se não são os aspectos sociais vinculados à subjetividade do indivíduo nem
a intersubjetividade do grupo, o que define o fato social? Quais seriam, ao fim e ao cabo,
as características indispensáveis à sua existência? Mantendo-se alinhado ao espírito científico
e à tradição de sua época, Durkheim acaba por priorizar dois aspectos como fundantes
do fato social, a saber: a exterioridade e a coercividade.
Um fato é, em última instância, uma coisa, isto é, algo que existe independente da
consciência do indivíduo e exterior a ela. Nesse sentido, são exemplos de coisas tanto o
sol, a lua, as estrelas, o planeta, o mar, o vento, a luz, o tempo, o movimento, as plantas e
os animas quanto as crenças, os costumes, a linguagem, a educação, a economia, a religião
etc. Um e outro são coisas. Por isso, estão para além das vontades e dos desejos individuais.
7
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Durkheim
19
A objetividade da forma e do conteúdo social confere à sociedade uma existência
tão concreta e indiscutível que seria comparada à da própria natureza. Natureza e
sociedade, nesse sentido, seriam fenômenos da mesma ordem: existem independentemente
do assentimento, do consentimento e das consciências singulares e coletivas.
Ora, se o fato social é uma coisa, isto é, existe de forma distinta da existência do
indivíduo, ele pode ser observado e conhecido. A coisa é, para o observador, algo que
não é ele. A coisa é algo exterior a ele, outro ser. Por isso, o fato social é visto como uma
coisa. Em função disso, pode-se dizer que os papéis sociais, as crenças religiosas, os
códigos morais, os signos sociais, as moedas não podem ser confundidos com os indivíduos
que exercem os papéis sociais e fazem uso das produções culturais de uma dada sociedade.
Além da exterioridade, outra característica fundante do fato social é a coercividade.
Esse aspecto é facilmente identificado quando recusamos fazer algo que fuja dos parâmetros
estabelecidos socialmente. O que acontece? Sentimos a força da sociedade sobre nós. A
impositividade que o social exerce sobre o indivíduo, nesses termos, não tem um sentido
de negatividade, a exemplo da violência.
Se eu levo meu filho para ir ao cinema ou ao campo de futebol, compro um saco
de pipoca e uma coca-cola para consumirmos durante o tempo do filme, ou do jogo,
certamente ele não considerará esse acontecimento algo ruim, negativo. Ao contrário, se
sentirá feliz. Entretanto, as ações de ir ao cinema ou ao campo de futebol, de comer
pipoca ou de tomar coca-cola são tipos de ação que, independente do assentimento
individual ou coletivo, exercem sobre mim, sobre o meu filho e todos de uma dada sociedade
uma força determinada em função de sua aceitação e realização.
Portanto, os fatos sociais são “maneiras de agir, de pensar e de sentir que
apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais”, assim
como de exercer “uma força imperativa e coercitiva” sobre o indivíduo “em virtude da
qual se impõem a ele, quer ele queira, quer não” (Durkheim, 1999, p. 3). É essa série de
fatos que devem receber, para Durkheim, o adjetivo de social e constituir o objeto empíricoconceitual da Sociologia.
O QUE É UM FATO SOCIAL?
20
Antes de procurar qual método convém ao estudo dos fatos sociais,
importa saber quais fatos chamamos assim.
A questão é ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação
sem muita precisão. Ela é empregada correntemente para designar mais ou menos
todos os fenômenos que se dão no interior da sociedade, por menos que
apresentem, com uma certa generalidade, algum interesse social. Mas, dessa
maneira, não há, por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam ser
chamados sociais. Todo indivíduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade
tem todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente. Portanto,
se esses fatos fossem sociais, a sociologia não teria objeto próprio, e seu domínio
se confundiria com o da biologia e da psicologia.
Mas, na realidade, há em toda sociedade um grupo determinado de
fenômenos que se distinguem por caracteres definidos daqueles que as outras
ciências da natureza estudam.
Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão,
quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão
definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Ainda que eles
estejam de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente
a realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas
os recebi pela educação. Aliás, quantas vezes não nos ocorre ignorarmos o
detalhe das obrigações que nos incumbem e precisarmos, para conhecê-las,
consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, as crenças
e as práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente prontas ao
nascer; se elas existiam antes dele, é que existem fora dele. O sistema de signos
de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que
emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em
minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha profissão, etc.
funcionam independentemente do uso que faço deles. Que se tomem um a um
todos os membros de que é composta a sociedade; o que precede poderá ser
repetido a propósito de cada um deles. Eis aí, portanto, maneiras de agir, de
pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora
das consciências individuais.
Esses tipos de conduta ou de pensamento não apenas são exteriores
ao indivíduo, como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva
em virtude da qual se impõem a ele, quer ele queira, quer não. Certamente,
quando me conformo voluntariamente a ela, essa coerção não se faz ou pouco
se faz sentir, sendo inútil. Nem por isso ela deixa de ser um caráter intrínseco
desses fatos, e a prova disso é que ela se afirma tão logo tento resistir. Se tento
violar as regras do direito, elas reagem contra mim para impedir meu ato, se
estiver em tempo, ou para anulá-lo e restabelecê-lo em sua forma normal, se tiver
sido efetuado e for reparável, ou para fazer com que eu o expie, se não puder ser
reparado de outro modo. Em se tratando de máximas puramente morais, a
consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que
exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe. Em
outros casos, a coerção é menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me
submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os
costumes observados em meu país e em minha classe, o riso que provoco, o
afastamento em relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os
mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Ademais, a coerção, mesmo
sendo apenas indireta, continua sendo eficaz. Não sou obrigado a falar francês
com meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível
agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa
fracassaria miseravelmente. Industrial, nada me proíbe de trabalhar com
procedimentos e métodos do século passado; mas, se o fizer, é certo que me
arruinarei. Ainda que, de fato, eu possa libertar-me dessas regras e violá-las
com sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E
ainda que elas sejam finalmente vencidas, demonstram suficientemente sua
força coercitiva pela resistência que opõem. Não há inovador, mesmo afortunado,
cujos empreendimentos não venham a deparar com oposições desse tipo. Eis,
portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais:
consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e
que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se
impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos
orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os
fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e
através dela. Esses fatos constituem, portanto, uma espécie nova, e é eles que
deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Essa qualificação lhes
convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem
ter outro senão a sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um
dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas,
literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a eles só que ela
21
convém; pois a palavra social só tem sentido definido com a condição de designar
unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de
fatos já constituídos e denominados. Eles são, portanto, o domínio próprio da
sociologia.
DURKHEIM, Émile. O que é fato social In: ______. As regras no método
sociológico. São Paulo. Martins Fontes, 1999. p. 01-04.
MAX WEBER 8 E AÇÃO SOCIAL
Weber coloca o indivíduo e sua subjetividade no centro do objeto de estudo da
sociedade. Segundo ele, somente entendemos os acontecimentos sociais, quando
compreendemos os motivos pelos quais os indivíduos agem. Porém, isso não é tudo. Há,
nesse processo, outro elemento, tão importante quanto o sentido da ação: aquele em
função de quem o sujeito orienta sua ação.
O motivo do sujeito e quem ele toma como referência são as duas características
fundamentais do objeto de estudo. Diferentemente de Durkheim, que tomou como
pressuposto da definição desse objeto a coisa, daí porque chamou de fato social, Weber
toma como ponto de partida o indivíduo, definindo, portanto, o objeto de investigação da
sociedade como sendo a ação social.
Nem uma outra ação ou contato devem ser considerados como social. Social é,
nessa ótica, um adjetivo restrito, exclusivo das ações, cujo sentido se orienta em função
de terceiros.
Quanto aos sujeitos em função dos quais agimos, Weber ressalta que eles podem
fazer parte ou não do nosso cotidiano e da nossa história atual. A determinação do tempo,
do espaço e do contexto da referência não é o aspecto central considerado por Weber na
formulação de seu conceito de ação social. Não importa qual o lugar da história onde
encontramos o indivíduo em função do qual orientamos nossa ação. O importante é que
ele exista ou tenha existido. É ele, em detrimento do contexto em que se situa ou se situou,
o fundamento da ação. É em função de um terceiro que agimos.
Quanto ao sentido social da ação, Weber defende que ela pode ser de natureza
racional e irracional. Cada uma se subdivide em dois gêneros: a racional, que se refere a
fins e a valores; e a irracional, à emoção e à tradição.
Um desdobramento do conceito de ação social e de sua tipologia encontra-se na
análise das relações de dominação existentes no contexto social. Aqui, Weber também se
diferencia de Durkheim, pois, enquanto este não entendia a conformação do indivíduo aos
padrões sociais vigentes, como um processo cultural e político ruim, uma vez que há,
segundo ele, necessidade de todo indivíduo adaptar-se à ordem vigente, imposta pela
natureza coercitiva dos fatos sociais, Weber, por sua vez, considerava que certos tipos de
relações sociais são, indiscutivelmente, pautados no horizonte da dominação, em que um
sujeito busca intencionalmente controlar o outro.
Nesse caso, estamos diante do exercício do poder de um sobre o outro, ou de um
grupo sobre o outro, o que se caracteriza não por uma objetividade difusa e universal, que
atinge a todos indistintamente, mas por uma ação subjetiva determinada, realizada por um
22
8
http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber.
ou mais indivíduos, ou por uma ação intersubjetivamente coletiva, deflagrada
deliberadamente por grupos ou classes que se encontrem no controle legítimo da sociedade.
A legitimidade do exercício do poder encontra-se na probabilidade de um número
determinado de indivíduos se submeterem a um conjunto de regras e normas determinadas,
por conta de se encontrarem razoavelmente motivados para aceitá-las e realizá-las.
Os motivos que justificariam o estado de obediência de um indivíduo a outro, ou
de um grupo a outro, seriam os que mencionamos anteriormente: racionais, associados a
fins e a valores; e irracionais, relativos a emoções e tradições. Em função deles, Weber
(1994, p. 141) identifica três tipos puros de dominação legítima:
1. de caráter racional: baseada na crença na legitimidade das ordens
construídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas
ordens, estão nomeados para exercer a dominação (dominação legal), ou
2. de caráter tradicional: baseada na crença cotidiana na santidade das
tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em
virtude dessas tradições, representam a autoridade (dominação
tradicional), ou, por fim,
3. de caráter carismático: baseada na veneração extraordinária da
santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das
ordens, por esta, reveladas ou criadas (dominação carismática).
Se, do ponto de vista conceitual, a referência e o motivo da ação social são
características necessárias à construção epistemológica do objeto sobre o qual os estudos
e as investigações sociais devem se debruçar, do ponto de vista concreto, tanto a referência
quanto o sentido somente ganham inteligibilidade quando situados no contexto social e
histórico que lhe é peculiar, a exemplo dos tipos de dominação.
Pensemos na dominação de caráter racional. Esse tipo está diretamente relacionado
a uma organização societária centrada no princípio da impessoalidade, o que predomina
nas sociedades modernas, regidas, sobretudo, pelo poder do Estado democrático e de
direito. O caráter pessoal da obediência, cujo teor caracteriza a dominação tradicional e
carismática, é dissolvido no cenário da divisão política das competências e atribuições. Se
consultarmos a nossa Constituição Federal de 1988, notaremos que ela distribui uma
série de responsabilidades e prerrogativas a diferentes e diversos sujeitos e instituições.
De modo que tanto o sujeito quanto as instituições somente podem fazer aquilo que está
no âmbito de sua competência, não se confundindo, portanto, aquele que exerce a função
(pessoa) com a função exercida (impessoal).
Se considerarmos um movimento social, um partido político ou uma instituição
religiosa, notaremos que a dominação centra-se, sobretudo, no carisma do líder. Do ponto
de vista histórico, a dominação tradicional e a carismática são tipos de dominação que
predominaram nas organizações societárias da antiguidade e da Idade Média. Na
antiguidade, lembremo-nos do encantamento produzido por Platão, Aristóteles e Sócrates.
Na Idade Média, pela liderança dos santos da Igreja.
Do exposto, pode-se observar que o legado weberiano contribui para a
compreensão de que a sociedade e sua história são feitas pela ação intencional de um
indivíduo sobre outro e que o conteúdo do sentido que leva o indivíduo a agir somente
pode ser razoavelmente entendido quando relacionamos o referido sentido a seu contexto
histórico específico. Nesse sentido, a ação social será entendida quando investigamos
sobre a subjetividade e a história do sentido que orienta a ação do indivíduo.
23
Com efeito, diferentemente de Durkheim, Weber entende que a relação social é
definida como sendo eminentemente relações entre indivíduos, e não, entre indivíduo e
coisa. Esse fenômeno social acontece mesmo quando entramos em contato com as coisas.
As coisas, isto é, os bens e serviços, são tão-somente meios pelos quais os indivíduos se
relacionam.
CONCEITO DE AÇÃO SOCIAL
24
A ação social (incluindo omissão ou tolerância) orienta-se pelo
comportamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro
(vingança por ataques anteriores, defesa contra ataques presentes ou medidas
de defesa para enfrentar ataques futuros). Os “outros” podem ser indivíduos e
conhecidos ou uma multiplicidade indeterminada de pessoas completamente
desconhecidas (“dinheiro”, por exemplo, significa um bem destinado à troca,
que o agente aceita no ato de troca porque sua ação está orientada pela
experiência de que muitos outros, porém desconhecidos e em número
indeterminado, estarão dispostos a aceitá-lo também, por sua parte, num ato de
troca futuro).
Nem todo tipo de ação – também de ação externa – é “ação social” no
sentido aqui adotado. A ação externa, por exemplo, não o é, quando se orienta
exclusivamente pela expectativa de determinado comportamento de objetos
materiais. Não o é, por exemplo, o comportamento religioso, quando nada mais
é do que contemplação, oração solitária etc. A atividade econômica (de um
indivíduo) unicamente o é na medida em que também leva em consideração o
comportamento de terceiros. De maneira muito geral e formal isso já acontece,
portanto, quando ela tem em vista a aceitação por terceiro do próprio poder
efetivo de disposição sobre bens econômicos. De um ponto de vista material
quando, por exemplo, durante o consumo, também leva em consideração os
futuros desejos de terceiros, orientando-se por estes entre outros fatores, as
próprias medidas para “poupar”. Ou quando, na produção, faz dos futuros
desejos de terceiros a base de sua própria orientação etc.
Nem todo tipo de contato entre pessoas tem caráter social, senão apenas
um comportamento que, quanto ao sentido, se orienta pelo comportamento de
outra pessoa. Um choque entre dois ciclistas é um simples acontecimento do
mesmo caráter de um fenômeno natural. Ao contrário, já constituiriam “ações
sociais”, mas tentativas de desvio de ambos e o xingamento ou a pancadaria ou
a discussão pacífica após o choque.
(...)
A ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de modo
racional referente a fins por expectativas quanto ao comportamento de objetos
do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como
“condições” ou “meios” para alcançar fins próprios. Ponderados e perseguidos
racionalmente, como sucesso; de modo racional referente a valores: pela crença
consciente do valor - ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua
interpretação – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal,
independente do resultado. 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por
afetos ou estados emocionais atuais, 4) de modo tradicional: por costume
arraigado.
(...)
Por “relação” social entendemos o comportamento reciprocamente
referido quanto ao seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e
que se orienta por essa referência. A relação social consiste, portanto, completa
e exclusivamente, na probabilidade de que aja socialmente numa forma indicável
(pelo sentido), não importando, por enquanto, em que se baseia essa
probabilidade.
WEBER, Max. Ação social. In: Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. V. 1. 3. ed. Brasília: Editora da UNB, 1994. p.13-16.
KARL MARX E FRIEDRICH ENGEL E A CENTRALIDADE DO TRABALHO
Embora contemporâneos de Durkheim e de Weber e, portanto, partícipes do
espírito científico da época, Marx e Engels 9 assentaram suas investigações sobre o mundo
dos homens num fundamento social, histórico e, conseqüentemente, epistemológico diferente
da perspectiva durkheimiana e da weberiana. Uma das principais contribuições desses
estudiosos foi a defesa intransigente da centralidade do trabalho como atividade humana
fundadora da sociedade.
Os seres vivos, em geral, sofrem, obrigatoriamente, o enquadramento das condições
postas pelo ambiente natural. Eles não criam os meios necessários a sua subsistência,
limitam-se, simplesmente, à situação objetiva de estar no mundo, ajustando-se a ele,
subtraindo dele a matéria-prima orgânica que funcionará como meio de reprodução de
sua espécie.
O homem age de outra maneira: dimensiona a natureza em função de suas
necessidades vitais, transformando-a segundo a perspectiva da reprodução da vida singular
do indivíduo, do grupo e da espécie. Graças ao trabalho, portanto, o homem se faz homem,
modifica a natureza, cria as condições de sua existência.
Uma das especificidades da relação entre o homem e a natureza encontra-se no
uso de instrumentos produzidos com fins determinados: o arco, a flecha, o machado, o
arado, a pólvora, a arma de fogo, o relógio, a máquina a vapor etc. A produção e a
invenção de ferramentas ampliaram a capacidade humana de alterar a natureza e o curso
da própria história humana. Para cada necessidade sentida, para cada matéria a ser
transformada ou conhecida, um instrumento foi produzido, de acordo com as condições
de desenvolvimento atingidas.
No processo de trabalho, a necessidade orgânica que acionou a atividade produtiva
dos homens em função do seu atendimento é a mesma que engendrou a reflexão sobre a
condição humana e a busca das alternativas possíveis para solucionar os problemas
emergentes do ato de viver. Com efeito, a intervenção sobre a natureza exigia o movimento
concomitante da produção de instrumento e da elaboração do conhecimento, vinculando
inexoravelmente um ao outro. O conhecimento é uma das forças produtivas fundamentais
da transformação da natureza. Graças a ele, os instrumentos são produzidos, a natureza é
transformada e as necessidades atendidas.
Além disso, para Marx, a transformação da natureza implica, de um lado, a divisão
social do trabalho, que inicialmente ocorre a partir do sexo, da idade, da experiência, da
habilidade e, posteriormente, pelos critérios de especialização. Isso faz do trabalho uma
atividade eminentemente social, resultando daí o entendimento de que o trabalho não é
individual, solitário. Ele é sempre coletivo e social, quer no seu sentido imediato, quando
um indivíduo singular realiza uma tarefa particular, quer no seu sentido temporal, quando o
9
http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx.
25
26
que se faz no presente somente é possível graças ao desenvolvimento das ações singulares
e coletivas das gerações passadas, criadoras das condições que viabilizam a atividade
atual.
De outro lado, o ato do trabalho gera um excedente que, nas sociedades primitivas,
era usufruído por todos, e nas de classe, apropriado e acumulado por uma minoria. A
apropriação privada do excedente da produção coletiva criou as condições do
aparecimento da propriedade privada e, conseqüentemente, do surgimento das sociedades
de classes e da desigualdade entre os homens, entre a cidade e o campo, entre os países.
Em cada fase da história da humanidade, isto é, na Antiguidade, na Idade Média
e na Modernidade, e do desenvolvimento das forças produtivas, encontram-se tipos de
classes sociais diferentes: escravos e senhores, servos e amos, operários e burgueses.
Para cada forma histórica de trabalho, um par de classes fundamental correspondente:
trabalho escravo, trabalho servil e trabalho assalariado.
Atualmente, vivemos sob a égide do trabalho assalariado. Nossa economia
capitalista funda-se sobre a dualidade: burguesia e proletariado. Uma dualidade ontológica
do sistema, que se traduz no estabelecimento de relações de exploração econômica e de
dominação cultural e política específica ao sistema. Graças a esse processo, o capital é
reproduzido, e o trabalho é alienado.
A reprodução das relações de produção e, conseqüentemente, das condições
culturais e políticas da exploração requer a presença do Estado como mediador dos
interesses do capital. Nesse contexto, o Estado, o poder que possui e os aparelhos mediante
os quais ele exerce o seu poder tornam-se espaços de luta e de conflito. A conquista do
Estado é garantia da manutenção dos interesses de classes, seja no sentido do capital,
seja do trabalho.
Tendo em vista esse processo geral de constituição da sociedade, a história humana
seria construída por meio do trabalho e, conseguintemente, por meios das lutas entre os
grupos e as classes que disputam a propriedade dos meios de produção, o usufruto da
riqueza e o controle político de sua reprodução. A luta pela superação da desigualdade,
da exploração e da dominação política marca a história e move a produção de novas
paisagens sociais.
Excedente, apropriação privada, propriedade privada e classes sociais: eis uma
série de desdobramentos da atividade do homem. Uma coisa que queremos ressaltar,
aqui, com o destaque desses aspectos da visão marxiana, é que a história humana é feita
pelos próprios homens. Em outros termos, a tese de que o homem é sujeito significa que
é por meio de sua atividade concreta que a natureza é transformada, que os instrumentos
são produzidos, que o conhecimento é elaborado, que a sociedade é constituída, que a
história é feita.
Nesse sentido, uma das premissas do pensamento marxista é de que não existe
história sem homem e homem sem história, de que os acontecimentos sociais são produtos
da atividade humana e de que os conhecimentos, elaborados segundo necessidades e
possibilidades concretas, são eminentemente sociais e históricos. Portanto, história,
sociedade, cultura e conhecimento não são dados pela natureza.
A complexidade da sociedade exige uma investigação acurada sobre o mundo do
trabalho, da cultura e da política, pois cada um dos acontecimentos produzidos em seu
seio é uma “síntese de múltiplas determinações”. Embora cada campo tenha uma
particularidade e complexidade própria, sua existência singular relaciona-se à do outro
campo. Embora haja uma determinação recíproca entre trabalho, cultura e política, é o
trabalho que é concebido como o complexo social fundador da sociabilidade humana.
Por isso, atribui-se a ele um peso maior, uma prioridade ontológica com relação aos
demais. Metodologicamente falando, isso significa dizer que o trabalho e as classes sociais
são conceitos epistemológicos chaves para o entender e a explicação do modo de existência
das relações sociais de uma determinada sociedade.
A fim de ilustrar a tese da centralidade do trabalho e de seus desdobramentos, ou
seja, da apropriação privada do excedente da produção coletiva, da origem das classes
sociais e da luta empreendida entre os que desejam se tornar o grupo ou classe dominante,
como motor da história e constituinte da organização das sociedades humanas, vejamos
um fragmento do Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels em 1848.
BURGUESES E PROLETÁRIOS
A história de todas as sociedades que já existiram é a história de lutas
de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de
corporação e assalariado; resumindo, opressor e oprimido estiveram em
constante oposição um ao outro, mantiveram sem ininterrupção uma luta por
vezes aberta - uma luta que todas as vezes terminou com uma transformação
revolucionária ou com a ruína das classes em disputa.
Nos primeiros tempos da história, por quase toda parte, encontramos
uma disputa complexa da sociedade, em várias classes, uma variada gradação
de níveis sociais. Na Roma antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos.
Na Idade Média, senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados,
aprendizes, servos. Em quase todas estas classes, mais uma vez gradações
secundárias.
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade
feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas classes,
novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das antigas.
Nossa época - a época da burguesia – distingue-se, contudo, por ter
simplificado os antagonismos de classe. A sociedade se divide cada vez mais
em dois grandes campos inimigos, em duas classes que se opõem frontalmente:
a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média, surgiram os burgueses privilegiados das
primeiras cidades; a partir destas primeiras cidades burguesas, desenvolveramse os primeiros elementos da burguesia.
O descobrimento da América, a circunavegação da África prepararam
o terreno para a recém-surgida burguesia. As Índias Orientais e os mercados
chineses, a colonização da América, o comércio com as colônias, o aumento dos
meios de troca e das mercadorias em geral deu [Sic] ao comércio, à navegação,
à indústria um impulso nunca antes conhecido e, desse modo, um
desenvolvimento rápido ao elemento revolucionário na sociedade feudal
esfacelada.
O sistema feudal ou corporativo, sob o qual a produção industrial era
monopolizada por corporações fechadas, já não bastava mais para a demanda
em crescimento dos novos mercados. O sistema de manufatura veio ocupar
este posto. Os chefes de corporação foram afastados pela classe média
manufatureira; a divisão do trabalho entre os vários grupos corporativos
desapareceu frente à divisão de trabalho em cada oficina.
27
Nesse meio termo, os mercados continuaram sempre a crescer, a
demanda sempre a aumentar. A manufatura já não era suficiente. Em conseqüência
disso, o vapor e as máquinas revolucionaram a produção industrial. O lugar da
manufatura foi tomado pela indústria gigantesca moderna; o lugar da classe
média industrial, pelos milionários da indústria, líderes de todo o exército
industrial, os burgueses modernos.
A indústria moderna estabeleceu o mercado mundial, para o qual a
descoberta da América havia aberto caminho. Este mercado desenvolveu
enormemente o comércio, a navegação, a comunicação por terra. Este
crescimento afetou novamente a extensão da indústria; e na mesma medida em
que a indústria, o comércio, a navegação e as estradas de ferro se estendiam, a
burguesia se desenvolvia, aumentava o seu capital e deixava para trás todas as
classes provenientes da Idade Média.
Vemos, portanto, como a burguesia moderna é, ela mesma, produto de
um longo curso de desenvolvimento, de uma série de revoluções nos modos de
produção e de troca.
Cada passo do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado por
um avanço político correspondente. Uma classe oprimida sob a autoridade da
nobreza feudal, uma associação autogovernada na comuna medieval. Aqui,
uma república urbana independente (como na Itália e na Alemanha), ali, “terceiro
estado” da monarquia sujeito a imposto (como na França). Depois, no período
da manufatura propriamente dita, servindo seja à monarquia semifeudal ou à
monarquia absoluta, como um contraponto à nobreza, e, na verdade, pedra
fundamental das grandes monarquias em geral. A burguesia, afinal, com o
estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou, para
si própria, no Estado representativo moderno, autoridade política exclusiva. O
poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os
assuntos comuns de toda a burguesia.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Burgueses e proletários. In: O manifesto
comunista. 8. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 09-12
SISTEMATIZAÇÃO: Organize sua leitura.
Leia atentamente o tópico “A sociedade como objeto de estudo” e os respectivos
textos complementares referentes a cada estudioso. Depois, elabore: a) um glossário
que registre o significado de dois conceitos utilizados por cada um deles; e b) um
questionário de perguntas e respostas sobre dois pontos que você considerou
relevantes em cada um dos textos complementares. Concluída a tarefa, coloque o
resultado do seu trabalho na página do moodle.
28
UNIDADE II
A EDUCAÇÃO COMO FENÔMENO SOCIAL PARTICULAR
Nesta Unidade de Estudo, faremos uma abordagem sobre dois pontos: a
conceituação do fenômeno educativo e os fundamentos epistemológicos da educação.
É indiscutível que a educação sempre esteve presente em todas as sociedades
humanas. Ao longo da história, sempre houve quem refletisse, debatesse e dissesse algo
sobre ela. Entretanto, somente com o aparecimento das ciências ditas humanas, é que,
gradativamente, ela foi se tornando um objeto da observação sistemática e da análise
científica de certos estudiosos.
Se considerarmos, como dizia Comte, o desenvolvimento do espírito humano,
entenderemos por que grande parte do que foi escrito e dito sobre a educação tenha sido
feito sob a égide de uma perspectiva argumentativa de orientação filosófica e místicoreligiosa. Com efeito, a indagação filosófica e a religiosa são anteriores à investigação
científica. Provavelmente, isso explique por que o conteúdo do universo das produções
realizadas no âmbito desse horizonte liga o fenômeno educativo a uma série de significados
e sentidos subjetivos, morais e idealistas.
Com a Modernidade, e, mais precisamente, com o advento da ciência, uma das
primeiras tarefas dos pesquisadores da educação foi a de desmistificá-la, ou seja, analisála, enquanto um acontecimento situado na ordem do mundo dos homens, sujeito ao acaso
e à estrutura social, aos embates e aos conflitos de interesses, ao jogo, enfim, às relações
sociais vigentes em uma dada sociedade. Isso exigiu deles o esforço em dois aspectos: na
identificação da educação como um fenômeno social e histórico e na sua formulação
conceitual, como uma atividade específica do gênero humano que nomeia e explica um
fenômeno particular, inconfundível com outros existentes no universo de eventos produzidos
socialmente.
Partindo desse entendimento, conversaremos sobre essas duas dimensões da
problemática da educação. A fim de complementar a discussão, foi selecionada uma série
de fragmentos de textos de vários estudiosos, com o intuito de contribuir para a formulação
da idéia da educação como um objeto de estudo particular.
1. CONCEITUANDO A EDUCAÇÃO 10
A palavra educação é definida como uma prática corriqueira dos indivíduos, em
geral, e dos que militam no campo educacional: ensino e pesquisa, por exemplo. A
cotidianidade e regularidade desse evento e a prática do ensino e da pesquisa sobre
educação sinalizam que o termo tem uma referência concreta, ou seja, a significante educação
nomeia um dado acontecimento do mundo social.
Se a palavra “educação” evoca uma série de idéias a respeito de um referente
determinado, conclui-se que ela não deve ser usada aleatoriamente para representar
qualquer evento, atividade ou prática social. Ao contrário, ela tem uma particularidade
semântica porque se relaciona precisamente a um aspecto singular da realidade social.
10
Esse tópico é a transcrição de um fragmento do artigo que escrevi (Carlos, 2006).
29
Há, portanto, nesse caso, uma correlação particular entre palavras, idéias e coisas:
um signo determinado. Ao considerarmos isso, ou seja, o entrelaçamento entre o significante
“educação” e seu referente, uma faceta social particular, pomos em funcionamento a
linguagem de uma certa maneira, que rompe, em certa medida, com um modo de usar a
língua: o polissêmico.
Para ilustrar, pensemos no termo manga. Esse vocábulo incorpora vários
significados: uma espécie de fruta (Lívia chupou a manga que estava na mesa.); uma parte
da camisa (a manga da blusa de Lívia está suja) ou o ato de zombar (Luan manga de Lívia
sempre que ela cai.). Observe-se que, nesse caso, a palavra ‘manga’ não está vinculada a
apenas um referente. Sua semântica varia de acordo com o contexto em que é empregada.
Como se vê, a perspectiva polissêmica da palavra permite-nos brincar com os
signos, vinculando/desvinculando dos significantes seus significados e referentes
convencionais. Permite, até mesmo, eliminar os próprios referentes, isto é, fazer das palavras
algo que exista sem as coisas, uma espécie de simulacro.
Podemos proceder da mesma maneira com a palavra ‘educação’? Quando
vinculamos um significante determinado a um referente determinado, não. Nessa perspectiva,
ao usarmos a palavra ‘educação’, transitamos numa região que faz a linguagem funcionar
de uma certa maneira: o da referencialidade. Fazendo uso dessa função, a ciência concebe
e emprega os termos enquanto conceitos: palavras ou série de palavras que servem para
designar e explicar distintos aspectos da realidade social e natural.
Pensemos nas palavras ‘marte’ e ‘rotação’. ‘Marte’ nomeia apenas um planeta.
‘Rotação’ designa e explica, unicamente, um tipo de movimento. Aqui, cabem duas
observações. Primeiro: diferentemente de ‘manga’, ‘terra’ e ‘rotação’ nomeiam unicamente
um aspecto da realidade. Nesse caso, ocorre uma associação singular entre um significante
específico e um referente determinado. Portanto, ao pronunciarmos ou escrevermos ‘marte’
ou ‘rotação’, não pensamos em qualquer planeta ou movimento.
Segunda observação: diferentemente de ‘terra’, a palavra ‘rotação’ designa um
dado movimento do real e explica-o como sendo o movimento que a terra faz em torno
de si mesma. Nesse caso, não acontece tão-somente a associação designativa entre um
significante e um referente; há, também, um significado explicativo de um determinado
movimento. Seria um grande equívoco, portanto, dizermos que o movimento da terra em
torno do sol chama-se ‘rotação’.
Os conceitos detêm a propriedade sígnica de designar e a de explicar os objetos
referidos. Conceito não pode ser uma espécie de palavra-simulacro. Educação é uma
palavra-conceito. Ela designa e explica uma determinada faceta da realidade social: a
atividade intencional, deliberada e sistemática que os indivíduos realizam uns sobre os
outros, tendo em vista a formação de uma conduta e consciência determinada.
Uma maneira de esclarecer o caráter específico da atividade educativa encontrase na comparação com o conceito de socialização. Segundo Johnson (1997, p.212),
socialização é “o processo através do qual indivíduos são preparados para participar de
sistemas sociais” e [...] “que ocorre à medida que as pessoas adquirem novos papéis e se
ajustam à perda de outros mais antigos”. Portanto, o conceito diz respeito ao conjunto de
atividades sociais que visam inserir o indivíduo em um determinado grupo ou organização
societária, de modo a tornar-se partícipe do seu padrão cultural vigente.
30
Sabemos que a aprendizagem desse conjunto de normas, valores, conhecimentos,
práticas, concepções de mundo, costumes, rituais, crenças, interesses e necessidades
societários resulta, em parte, da convivência existente entre os indivíduos, das trocas casuais
e não planejadas que efetuam no curso do cotidiano e de sua história social e biográfica.
Em última instância, a socialização configura-se como um processo genérico de
aprendizagem e de subjetivação dos indivíduos.
Diferentemente, a educação é um conceito que enfoca uma esfera da socialização,
ou seja, um modo particular de inserção do indivíduo numa dada formação social. Portanto,
se a socialização pode ser casual, não intencional, não sistemática, a educação não. Ao
fim e ao cabo, a palavra ‘educação’ faz referência a uma série particular de atividades,
práticas ou ações que visam socializar metodicamente os indivíduos, o que requer,
necessariamente, intencionalidade, deliberação e sistematicidade, além de um modelo de
homem socialmente desejado, portador de uma consciência e uma conduta específica.
Assim, a educação acontece na escola, no lar, no partido, no sindicato, na fábrica,
no templo, atingindo crianças, adolescentes, jovens, adultos ou pessoas portadoras de
deficiência. Independente do seu formato, ou seja, do tipo de sujeito a ser constituído, do
conteúdo a ser socializado, do procedimento a ser adotado, do lugar e do tempo de seu
acontecimento, a atividade educativa será sempre uma socialização metódica. 11
REFLEXÃO: Repensando o senso comum.
Pergunte para um pai, um professor e um amigo o que é educação. Anote as respostas.
Depois compare cada uma delas com o que foi discutido nesse tópico e na aula que
foi gravada sobre esse assunto. Agora redija um pequeno texto sobre tudo isso e
envie para o ambiente Moodle.
2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO
Estudamos, na Unidade I, que os fundamentos podem ser, basicamente, de duas
naturezas: as condições concretas que viabilizam a existência de algo e as razões que
justificam, explicam ou conferem sentido a um dado fenômeno. Neste tópico, objetivamos
adentrar na segunda ordem de entendimento dos fundamentos.
Para tanto, lançamos mão da contribuição propiciada pelas investigações de alguns
estudiosos da educação, precisamente, Émile Durkheim, Karl Mannheim, Louis Althusser,
Pierri Bourdieu e Paulo Freire. Teceremos algumas considerações gerais sobre parte de
seu legado, que serão complementadas pela transcrição de alguns textos sobre a produção
deles, assim como a leitura de algum material bibliográfico disponível no mercado, que
poderá ser adquirido por aqueles que se interessarem em aprofundar o assunto.
11
Durkheim usou essa expressão na seguinte formulação: “a educação consiste numa socialização metódica das novas gerações” (p. 41).
Consultar: DURKHEIM, Émile. Aeducação, sua natureza e função. In: Educação e sociologia. Trad. Lourenço Filho. 9. ed., São
Paulo: Edições Melhoramentos, 1973. p. 33-58.
31
É comum encontrarmos o legado de conhecimento produzido pelos autores com
quem dialogamos transitando em diversos campos das ciências sociais. No entanto, a
literatura, em geral, sobretudo no campo da educação, tende a localizá-los, majoritariamente,
no campo da Sociologia da Educação. O fato é que seus escritos e pesquisas formam um
acervo de conhecimentos que, em si mesmo, é rico de possibilidades analíticas e epistêmicas
e, por isso mesmo, objeto do desejo de apropriação de diferentes campos disciplinares.
Uma análise da produção dos autores supra citados permite que identifiquemos
pontos comuns, assim como aspectos heterogêneos que, na maioria das vezes, advêm do
modo como situam a relação no contexto das relações sociais capitalistas. Em se tratando
de pesquisas e análises de cunho predominantemente social e histórico, é evidente que, a
depender da faceta da educação estudada, dos procedimentos teórico-metodológicos
adotados e dos objetivos de pesquisa pretendidos, os resultados e as conclusões de seus
estudos tendam a ressaltar este ou aquele aspecto do objeto investigado.
Em linhas gerais, todos eles partem de um mesmo pressuposto: o de que a educação
é um fenômeno social e histórico. Ou seja, ela tem uma existência concreta, objetiva no
seio da realidade cotidiana, das relações societárias vigentes e da história presente ou
passada da humanidade.
EMILE DURKHEIM
Emile Durkheim, por exemplo, defendia a tese de que a educação varia com o
espaço e com o tempo e que, em cada sociedade, ela realiza um universo de interesses,
visões de mundo, habilidades, competências requeridos, desejados e considerados
necessários à própria existência do indivíduo, quanto da sociedade em geral.
Na sua relação com a sociedade, a educação é vista como um processo metódico
de formação das novas gerações pelas gerações mais velhas, segundo a ordem considerada
legítima e vigente. Segundo suas palavras, “não há povo em que não exista certo número
de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças,
indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam” (Durkheim, 1977, p.
40). A educação, nessa visão, é um meio de conservação da cultura existente, de sua
história, tradição, trabalho, música, arte, ciência, religião etc.
Enquanto tal, a educação tem uma existência objetiva, exterior à consciência
individual, atuando sobre o indivíduo, formando sua subjetividade, de forma coercitiva e
abrangente. Ela é, em última análise, um fato social. Daí porque ninguém pode escapar da
educação. Tal modo de existir pode ser observado ao longo da história, em todas as
sociedades humanas da Antiguidade e da Modernidade, a exemplo de Atenas, Roma e
Grécia ou Inglaterra, França e Estados Unidos.
Esse modo de conceber, de investigar e fazer educação é considerado conservador,
pois acentua um papel social da educação relacionado única e exclusivamente com a
manutenção da ordem social, da tradição e dos interesses vigentes em determinada
sociedade. O educando é descrito como objeto, metodicamente submetido ao contexto
social e histórico. O educador é posicionado como sujeito, que age sobre o educando
segundo o que é determinado pelo meio em que vive. O conteúdo da educação é o que foi
construído pelas gerações passadas como legado cultural.
32
A EDUCAÇÃO, SUA NATUREZA E FUNÇÃO
(...)
§ 2 - Definição da educação
Para definir a educação será preciso, pois, considerar os sistemas
educativos que ora existem, ou tenham existido, compará-los e apreender deles
os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que
procuramos.
Nas considerações do parágrafo anterior, já assinalamos dois desses
caracteres. Para que haja educação, faz-se mister que haja, em face de uma
geração de adultos, uma geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes;
e que uma ação seja exercida pela primeira, sobre a segunda. Seria necessário
definir, agora, a natureza específica dessa influência de uma sobre outra geração.
Não existe sociedade na qual o sistema de educação não apresente o
duplo aspecto: o de, ao mesmo tempo, apresentar-se como uno e múltiplo.
Vejamos como ele é múltiplo. Em certo sentido há tantas espécies de
educação, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existirem. É
ela formada de castas? A educação varia de uma casta a outra; a dos patrícios
não era a dos plebeus; a dos brâmanes não era a dos sudras. Da mesma forma,
na Idade Média, que diferença de cultura entre o pajem, instruído em todos os
segredos da cavalaria, e o vilão, que ia aprender na escola da paróquia, quando
aprendia. Parcas noções de cálculo, canto e gramática! Ainda hoje não vemos
que a educação varia com as classes sociais e com as regiões? A da cidade não
é a do campo, a do burguês não é a do operário. Dir-se-ia que essa organização
não é moralmente justificável, e que não se pode enxergar nela senão um defeito
remanescente de outras épocas, destinado a desaparecer...
Mas qualquer que seja a importância destes sistemas especiais de
educação, não constituem eles toda a educação. Pode-se dizer até que eles não
se bastam a si mesmos; por toda parte, onde sejam observados, não divergem
uns dos outros, senão a partir de certo ponto, para além do qual todos se
confundem. Repousam assim numa base comum. Não há povo em que não
exista certo número de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve
inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a
que pertençam. Mesmo onde a sociedade esteja dividida em castas fechadas,
há sempre uma religião comum a todas, e, por conseguinte, princípios de cultura
religiosa fundamentais, que serão os mesmos para toda a gente...
(...)
A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela
prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência.
Mais adiante, veremos como ao indivíduo, de modo direto, interessará submeterse a essas exigências.
Por ora, chegamos à fórmula seguinte:
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações
que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto
suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais
e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio
especial a que a criança, particularmente, se destine.
DURKHEIM, Emile. Educação, sua natureza e função. In: Educação e sociologia:
com um estudo da obra de Durkheim, pelo prof. Paul Fauconnet. Trad. Lourenço
Filho. 9. ed., São Paulo: Edições Melhoramento. p. 38-41
KARL MANHEIMM
33
Ao estudar as organizações e transformações históricas das sociedades modernas,
Karl Mannheim conclui que a educação é um tipo de técnica social. “Por técnicas sociais
refiro-me a todos os métodos de influenciar o comportamento humano de maneira que este
se enquadre nos padrões vigentes de interação e organização sociais”, esclarece o autor
(1964, p. 88).
Sob esse ponto de vista, a educação seria uma ferramenta de controle social, de
ajustamento do indivíduo no complexo contexto societário, em geral, e nos diversos
agrupamentos particulares, constitutivos da sociedade, a exemplo da fábrica, do exército,
da família, da igreja, do partido, do sindicato etc. Nota-se, aqui, como em Durkheim, o
caráter conservador da educação no que tange à ordem social dominante.
Além disso, defende que as transformações ocorridas da organização societária
capitalista – como o processo de democratização, a forte presença da comunidade na
definição das políticas públicas e o desenvolvimento científico e tecnológico - ampliaram o
universo conceitual e a atuação social da educação. Esse processo foi registrado em seu
livro Introdução à Sociologia da Educação, onde afirma, dentre outras coisas, o seguinte
(1974, p. 52):
Hoje sabemos que o método precisa variar de acordo com os assuntos,
de acordo com as situações da aprendizagem, de acordo com a espécie
de estudantes e de acordo com a profundidade de compreensão que se
trata de conseguir. Além de tudo isso, tivemos de enfrentar recentemente
o fato de que o próprio currículo precisa ser reavaliado e remobilizado,
conforme mudam os tempos e se dissolvem as barreiras dos assuntos.
O entendimento da educação como uma tecnologia social, que incide sobre o
comportamento do indivíduo, elimina da educação sua dimensão revolucionária e
transformadora. Na relação educação-sociedade, a educação não teria outra função a
não ser a de afirmar a ordem vigente, quer controlando a subjetividade do indivíduo,
conformando-a aos padrões desejados socialmente, quer qualificando-o profissional e
intelectualmente para dirigir a sociedade, aperfeiçoando-a e perpetuando sua lógica e
modo de existência.
1.
34
A EDUCAÇÃO COMO TÉCNICA SOCIAL
(...)
Por técnicas sociais refiro-me a todos os métodos de influenciar o
comportamento humano de maneira que este se enquadre nos padrões vigentes
de interação e organização sociais. A existência de técnicas sociais é
particularmente evidente no exército, cuja eficiência repousa, principalmente,
sobre a organização, o treinamento e a disciplina rígidos, e sobre formas
específicas de auto-controle e obediência. Não apenas no exército, mas também
na chamada vida civil, as pessoas têm de ser condicionadas e educadas para
ajustarem-se aos padrões dominantes de vida social. O trabalho nas fábricas
requer treinamento especializado em habilidades, comportamentos e hábitos;
uma forma de disciplina e hierarquia; uma divisão bem definida do trabalho; e
controle das inter-relações das pessoas com suas tarefas. O padrão dominante
pode ser democrático ou autoritário; a educação serve a ambos os sistemas. Ao
mesmo tempo, ela é apenas uma das técnicas sociais destinadas à criação do
tipo desejado de cidadão (...)
A educação não molda o homem em abstrato, mas em uma dada sociedade e para
ela.
2.
3.
4.
5.
6.
A unidade educacional fundamental nunca é o indivíduo, mas o grupo, que pode
variar em extensão, objetivo e função.Com isso variarão os padrões predominantes
de ação, aos quais terão de conformar-se os membros desses grupos.
Os objetivos educacionais da sociedade não podem ser adequadamente
entendidos quando separados das situações que cada época é obrigada a enfrentar
e da ordem social para a qual eles são formulados.
Para o sociólogo, códigos e normas não constituem fins em si mesmos, mas
sempre a expressão de uma interação entre o ajustamento individual e grupal. O
fato de as normas não serem absolutas, mas alterarem-se com a mudança da
ordem social e auxiliarem na solução dos problemas com que a sociedade se
defronta, não pode ser percebido a partir da experiência do indivíduo isolado.
Para este, elas parecem decretos absolutos e inalteráveis, e sem essa crença em
sua estabilidade elas não podem operar. Sua verdadeira natureza e função na
sociedade, como uma forma de adaptação coletiva, revela-se apenas se
acompanharmos a sua história através de muitas gerações, sempre as relacionando
com a mudança do background social.
Esses objetivos educacionais, em seu contexto social, são transmitidos à nova
geração, juntamente com as técnicas educacionais vigentes. As técnicas
educacionais, por sua vez, não se desenvolvem isoladamente, mas sempre como
parte do desenvolvimento geral das “técnicas sociais”. Assim, a educação apenas
será corretamente compreendida se a consideramos como uma das técnicas que
influenciam o comportamento humano e como um meio de controle social. A
menor mudança nessas técnicas e controles mais gerais reflete-se na educação
em sentido restrito - ou seja, a processada no interior da escola.
Quanto mais consideramos a educação do ponto de vista de nossa recente
experiência, como apenas um dos muitos modos de influenciar o comportamento
humano, mais evidente se torna que mesmo a técnica educacional mais eficiente
está condenada a falhar, a menos que esteja associada às demais formas de
controle social.
(...)
MANNHEIM, Karl. A educação como técnica social. In: PEREIRA, Luís,
FORACCHI, Marialice M. Educação e sociedade: leituras de sociologia da
educação. São Paulo: Nacional, 1964. p. 88-90.
LOUIS ALTHUSSER
Mantendo-se situado na mesma fronteira de entendimento, quanto à concreta
relação entre educação e sociedade, Louis Althusser difere dos estudos de Durkheim e de
Mannheim em vários pontos. É, precisamente, na diferença de sua análise que encontramos
sua contribuição para a compreensão objetiva da relação educação-sociedade no contexto
sócio-histórico da sociedade.
Em síntese, pode-se dizer que a tese central defendida por Althusser é a de que a
educação participa, ao seu modo, da reprodução das relações de produção do capitalismo.
O que significa, em última análise, seu envolvimento com a reprodução das condições que
viabilizam a produção do capital e, conseqüentemente, a exploração do trabalho.
De que forma a educação contribuiria para a reprodução do capital e do sistema
capitalista? Resumidamente, de duas maneiras: por meio da formação da mão qualificada
para o mercado de trabalho e por meio da submissão do operário à ideologia burguesa.
Duas maneiras que são, na verdade, duas facetas distintas de um mesmo movimento
histórico.
35
A realização efetiva disso depende da conquista do poder do Estado, fato que
permitirá o controle político dos aparelhos repressor e ideológico e de sua orientação no
sentido de afirmar a dupla responsabilidade social da educação burguesa. Em suma, é por
meio dos aparelhos que o Estado exerce o seu poder: a força e a violência física por meio
do repressor; o convencimento e a produção do consenso, por meio do ideológico. Nesse
ínterim, a escola é considerada como o aparelho ideológico dominante do Estado.
Observa-se, portanto, que, para Althusser, a educação escolar tem uma função
social negativa explícita, pois é por meio dela que a ideologia liberal é disseminada no seio
das classes trabalhadoras e incorporada por elas como se fosse sua. Isso gera um estado
de alienação e contradição profunda: o trabalhador aprende a pensar e a se sentir como
burguês, a defender seus interesses, a lutar por eles, a conceber o mundo segundo sua
ótica e posição, sendo, todavia, objetivamente trabalhador.
O QUE SÃO APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO (AIE)?
Eles não se confundem com o aparelho (repressivo) do Estado.
Lembremos que, na teoria marxista, o Aparelho de Estado (AE) compreende: o
governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc, que
constituem o que chamaremos a partir de agora de Aparelho Repressivo do
Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em questão “funciona
através da violência” - ao menos em situações limites (pois a repressão
administrativa, por exemplo, pode revestir-se de formas não físicas).
Designamos pelo nome de Aparelhos Ideológicos do Estado um certo
número de realidades que apresentam-se [Sic]ao observador imediato sob a
forma de instituições distintas e especializadas. Propomos uma lista empírica
que deverá necessariamente ser examinada em detalhe, posta a prova, retificada
e remanejada. Com toda a reserva que esta existência acarreta podemos, pelo
momento, considerar como Aparelhos Ideológicos do Estado as seguintes
instituições (a ordem de enumeração não tem nenhum significado especial):
AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas)
AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e privadas)
AIE familiar
AIE jurídico
AIE político (o sistema político, os diferentes partidos)
AIE sindical
AIE de informação (a imprensa, o rádio, a televisão, etc.)
AIE cultural (Letras, Belas Artes, esporte, etc.)
Nós afirmamos: os AIE não se confundem com os Aparelhos
(repressivo) de Estado. Em que consiste a diferença?
No primeiro momento, podemos observar que existe um Aparelho
(repressivo) do Estado, existe uma pluralidade de Aparelhos Ideológicos do
Estado. Supondo a sua existência, a unidade que constitui esta pluralidade de
AIE não é imediatamente visível.
Num segundo momento, podemos constatar que enquanto que o
Aparelho (repressor) do Estado, unificado, pertence inteiramente ao domínio
público, a maior parte dos Aparelhos Ideológicos do Estado (em sua aparente
dispersão) remete ao domínio privado. As igrejas, os partidos, os sindicatos, as
famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, as empresas culturais etc, etc,
são privados.
(...)
36
Mas vamos ao essencial. O que distingue os AIE do Aparelho
(repressivo) do Estado é a seguinte diferença fundamental: o Aparelho
Repressivo do Estado “funciona através da violência” ao passo que os Aparelhos
Ideológicos do Estado “funcionam através da Ideologia”.
ALTHUSER, Louis. O que são os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE)? In:
______ Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os Aparelhos Ideológicos
de Estado. 9. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.p. 67-69.
PIERRE BOURDIEU
Bourdieu adota os mesmos parâmetros de estudo de Althusser, a saber: a dualidade
de classes do capitalismo, o caráter reprodutor da educação, a ação pedagógica como
meio de exercício do poder; a centralidade da luta entre as classes etc. Entretanto, ao
invés de focar sua investigação na ideologia, como fizera Althusser, ele se ocupa em pesquisar
a materialidade das relações de dominação no âmbito da cultura e das relações de
comunicação.
Para o autor, as relações sociais são pautadas pelos interesses dos grupos e das
classes dominantes, quer dizer, em função da ótica dos detentores do poder econômico e
político, constituído pela propriedade do capital e pelo controle do Estado. Os grupos e
as classes dominantes, econômica e politicamente, são os que dominam culturalmente a
sociedade. São eles que difundem e impõem à maioria da população o universo simbólico
e os significados correlatos, revestidos da legitimidade garantida pelo exercício da violência
simbólica.
A violência simbólica acontece por meio da ação pedagógica, realizada através
da autoridade pedagógica responsável por desenvolver o trabalho pedagógico de uma
instituição de ensino particular. Ação pedagógica, trabalho pedagógico e instituição de
ensino são aspectos necessários ao exercício legítimo da violência simbólica. Entretanto, a
efetivação dessa prática somente acontece graças a condições sociais determinadas,
assentadas no domínio econômico e político, e ao estabelecimento de uma relação de
comunicação, que viabilize a circulação do universo simbólico tido como legítimo.
Ao fim e ao cabo, o que pretende o trabalho pedagógico realizado? A formação
de um habitus, isto é, “um sistema de esquema de percepção, de pensamento, de
apreciação e de ação” que seja durável (permanente), transferível (diverso) e exaustível
(profundo). É por meio da constituição do habitus no indivíduo que a cultura dos grupos
e das classes dominantes torna-se a cultura dominante da sociedade e em que a reprodução
das condições de produção acontece.
Nota-se, portanto, que a ação pedagógica, enquanto violência simbólica, acontece
por meio de dois mecanismos: o da imposição da cultura dos grupos e classes dominantes
sobre os grupos e classes dominadas; e o da dissimulação das relações de força, que
viabiliza a inculcação arbitrária da cultura. A dissimulação desse processo e a imposição
geram a alienação, condição cultural necessária à exploração de uma classe sobre a outra.
Com Althusser e Bourdieu, aprendemos a relacionar criticamente a educação com
a ideologia e as classes sociais, com o poder e a cultura, com o trabalho e a comunicação,
com a luta e o conflito, com o Estado e seus aparelhos, com a sociedade política e civil.
37
Entretanto, o pêndulo da educação tendeu mais para a reprodução da ordem vigente do
estatus quo, da concepção de mundo dos grupos e das classes dominantes.
É bem verdade que, conforme dissemos em momentos anteriores, o resultado e
as conclusões que ambos formularam atrelam-se aos procedimentos teórico-metodológicos
que utilizaram. Mediados por essas ferramentas, capturaram faces e interfaces da educação
e de sua relação com a sociedade capitalista, as quais evidenciam nada mais do que isso:
faces e interfaces da educação, não a sua totalidade. Com efeito, assim como não devemos
reduzir a educação às descobertas empreendidas por Durkheim e Mannheim, também
não devemos restringi-la aos achados de Althusser e de Bourdieu. Cada um, a seu modo,
conferiu visibilidade a certas dimensões sociais e históricas da educação.
FUNDAMENTOS DE UMA TEORIA DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
38
0. Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor
significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força
que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente
simbólica, a essas relações de força.
(...)
1. Do duplo arbitrário da ação pedagógica
1. Toda ação pedagógica (AP) é obviamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural.
(...)
2. Da autoridade pedagógica
2. Enquanto poder de violência simbólica se exercendo numa relação de
comunicação que não pode produzir seu efeito próprio, isto é, propriamente
simbólico, do mesmo modo que o poder arbitrário que torna possível a imposição
não aparece jamais em sua verdade inteira (no sentido da proposição 1.1), e
enquanto inculcação de um arbitrário cultural realizando-se numa relação de
comunicação pedagógica que não pode produzir seu efeito próprio, isto é,
propriamente pedagógico, do mesmo modo que o arbitrário do conteúdo
inculcado não aparece jamais em sua verdade inteira (no sentido da proposição
1.2), a AP implica necessariamente como condição social de exercício a autoridade
pedagógica (AuP) e a autonomia relativa da instância encarregada de exercê-la.
(...)
3. Do trabalho Pedagógico
3. Enquanto posição arbitrária de um arbitrário cultural que supõe a AuP, isto é,
uma delegação de autoridade (prop. 1 e 2), a qual implica que a instância
pedagógica reproduza os princípios do arbitrário cultura, imposto por um grupo
ou uma classe como digno de ser reproduzido, tanto por sua existência quanto
pelo fato de delegar a uma instância a autoridade indispensável para reproduzilo (por prop. 2.3 e 2.3.1), a AP implica o trabalho pedagógico (TP) como trabalho
de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável;
isto é, um hábitus como produto da interiorização dos princípios de um arbitrário
cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da AP e por isso de perpetuar
nas práticas os princípios do arbitrário cultural interiorizado.
(...)
4. Do sistema de ensino
4. Todo sistema de ensino institucionalizado (SE) deve as características
específicas de sua cultura e de seu funcionamento ao fato de que lhe é preciso
produzir e reproduzir, pelos meios próprios da instituição, as condições
institucionais cuja existência e persistência (auto-reprodução da instituição)
são necessárias tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto
à realização de sua função de reprodução de um arbitrário cultural do qual ele
não é o produtor (reprodução cultural) e cuja reprodução contribui à reprodução
das relações entre os grupos ou as classes (reprodução social).
(...)
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. Fundamentos de uma teoria da
violência simbólica. In: A reprodução. Trad. Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1982. p. 15-75.
PAULO FREIRE
Situado nesse campo de reflexão, análise, investigação e atuação, encontra-se o
educador, filósofo, pesquisador e militante brasileiro Paulo Freire. A riqueza de seu legado
deslocou o nosso olhar e pensar para a dimensão humanizadora e libertadora da educação.
Sem perder de vista a construção do conhecimento propiciado por seus antecessores, o
que é retratado na crítica empreendida à educação registrada no seu livro Pedagogia do
Oprimido, ele ressalta o lado construtivo da educação e sua possibilidade humanizadora.
Embora ali, em outros escritos, sem medir palavras e esforços, tenha feito uma
análise acurada e contundente do modo tradicional e liberal de educar, denominado de
educação bancária, também e com a mesma intensidade, dedicou-se ao estudo e à prática
de um modo de educação que cumprisse a função social e política de elevar o homem
oprimido à sua condição ontológica de ser humano em processo de humanização. Seus
escritos estão grávidos da esperança na educação. Não uma esperança alienada e
apaixonada, típicas dos idealistas e utópicos, otimistas e entusiastas que, movidos por um
subjetivismo exacerbado, acabam dando exclusividade às faces e interfaces positivas da
educação. Freire não atribui à educação um poder que ela, objetivamente, não tem por si
só.
Com efeito, uma das peculiaridades da educação é a de reproduzir a cultura, quer
enquanto acervo das produções humanas quer enquanto arbítrio de um grupo e classe
particular. Entretanto, a reprodução é contraditória, isto é, ela tanto pode manter o legado
quanto transformá-lo; tanto pode priorizar a ideologia e a cultura das classes dominantes,
seus interesses e concepção de mundo quando os das classes dominadas.
A educação não é, em si mesma, boa ou má. Sendo social e histórica, ela é política,
cultural e economicamente contraditória. E mais: é uma prática que pode ser empregada
em função dos processos sociais de luta, de libertação e transformação das relações
sociais de exploração e dominação existentes na sociedade. Nesse sentido, a educação
tanto pode contribuir para a conservação ou reprodução dos padrões culturais vigentes
quanto se dispor a serviço da humanização do homem e da construção de relações sociais
eticamente fundadas.
Em resumo, Freire primava, a um só tempo, pela crítica e pelo anúncio; pelo
embate à educação bancária e pela defesa da educação problematizadora; pela luta contra
a alienação e pela luta a favor da conscientização do povo. Enfim, esse caráter de não
existir fora do jogo das relações sociais e da história particular de cada agrupamento
humano desdobra-se no entendimento freireano de que a educação tem uma função social
39
determinada e uma maneira particular de contribuir para o desenvolvimento histórico da
humanidade.
EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO
A consciência crítica “é a representação das coisas e dos fatos como
se dão na existência empírica, nas suas correlações causais e circunstanciais”.
“A consciência ingênua pelo contrário se crê superior aos fatos, dominando-os
de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar.”
A consciência mágica, por outro lado, não chega a acreditar-se “superior
aos fatos, dominando-os de fora”, nem “se julga livre para entendê-los como
lhe agradar”. Simplesmente os capta, emprestando-lhes um poder superior, que
a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeter-se com docilidade.
É próprio desta consciência o fatalismo, que leva ao cruzamento dos braços, à
impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica
vencido o homem.
Por isso é que é próprio da consciência crítica a sua integração com a
realidade, enquanto que a ingênua o próprio é sua superposição à realidade. (...)
para a consciência fanática, cuja patologia da ingenuidade leva ao irracional, o
próprio é a acomodação, ao ajustamento, à adaptação.
Acontece, porém, que a toda compreensão de algo corresponde, cedo
ou tarde, uma ação. Captado um desafio, compreendido, admitidas as hipóteses
de resposta, o homem age. A natureza da ação corresponde à natureza da
compreensão. Se a compreensão é crítica, a ação também o será. Se é mágica, a
compreensão, mágica será a ação.
O que teríamos de fazer, uma sociedade em transição como a nossa,
inserida no processo de democratização fundamental, com o povo em grande
parte emergindo, era tentar uma educação que fosse capaz de colaborar com ele
na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. Educação que lhe
pusesse à disposição, meios com os quais fosse capaz de superar a captação
mágica ou ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica...
FREIRE, Paulo. Educação e conscientização. In: Educação como prática da
liberdade. 29. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. p. 109-130.
REFLEXÃO: Repensando nossa história escolar.
Após ter lido sobre as contribuições dos autores estudados, volte ao seu passado,
relembre sua história escolar: a maneira de ensinar, o conteúdo abordado, a relação
professor-aluno, os textos utilizados, a organização escolar, as festas etc. Escolha
um ou dois estudiosos e analise a relação entre a escola e a sociedade, contida na
sua experiência escolar. Escreva um pequeno texto e disponibilize no seu diário
virtual.
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UNIDADE III
EDUCAÇÃO, ESCOLA E CURRÍCULO NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Educação, escola e currículo são três aspectos que se relacionam, mas não se
confundem. Vimos, na unidade anterior, que a educação é uma prática social intencional,
deliberada e sistematizada, que visa atuar sobre o indivíduo e formar sua consciência e
conduta. Assinalamos também que, nessa perspectiva, a educação pode ser realizada por
diversos sujeitos em diferentes lugares e de várias maneiras. Isso significa dizer, de um
lado, que a escola representa apenas uma das muitas formas de se fazer educação; de
outro, que o currículo também é uma das múltiplas maneiras de organizá-la.
Não foi à toa que Brandão (1988) abriu o seu livro, “O que é educação?”, com
um tópico que traz o seguinte título: “Educação? Educações: aprender com o índio”. O
enunciado contido nesse título problematiza a idéia da impossibilidade da existência de um
só tipo de educação, quer a dos homens brancos, quer a da escola.
O fato é que a educação é um fenômeno humano, isto é, social e histórico. Por
isso mesmo é que ninguém escapa dela, e sua presença se faz sentir em lugares e tempos
diferentes, sendo exercida por sujeitos distintos, orientados por estratégias e fins diversos.
Nessa linha de raciocínio, a escola, enquanto espaço educativo, é uma invenção
tardia da humanidade. Conforme nos lembra Brandão (idem, p. 35),
Da maneira como existe entre nós, a educação surge na Grécia e vai a
Roma, ao longo de muitos séculos da história de espartanos, atenienses
e romanos. Deles deriva todo o nosso sistema de ensino e, sobre a
educação que havia em Atenas, até mesmo as sociedades capitalistas
mais tecnologicamente avançadas têm feito poucas inovações. Talvez
estejam, portanto, entre os seus inventos e escolas, algumas das
respostas as nossas perguntas.
Esse modo de fazer educação não somente permaneceu como ganhou uma
dimensão central na história presente das sociedades capitalistas. Sobre isso, defende
Althusser (2003, p.80) que ela superou os espaços sociais de aprendizagem familiares e
religiosos, tornando-se o aparelho ideológico do Estado dominante.
Certamente, muitas destas Virtudes (modéstia, resignação, submissão
de uma parte, cinismo, desprezo, segurança, altivez, grandeza, o falar
bem, habilidades) se aprendem também nas Famílias, na Igreja, no Exército,
nos Belos Livros, nos filmes, e mesmo nos estádios. Porém nenhum
aparelho ideológico do estado dispõe durante tantos anos da audiência
obrigatória (por menos que isso signifique gratuita...), 5 a 6 dias num
total de 7, numa média de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da
formação social capitalista.
1. A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO DIREITO SUBJETIVO
O enunciado da educação como direito de todo cidadão brasileiro foi uma das
conseqüências da Proclamação da República, em 1889. Com a derrocada do Império, o
Estado brasileiro foi erguido sobre dois novos pilares: o do direito e o da democracia.
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Graças a eles, a educação deixou de ser privilégio de alguns e concessão do Rei, passando
a ser um bem público.
Entretanto, a garantia da universalização da escola implicou sua obrigatoriedade e
gratuidade, o que somente poderia ser efetivado pela força jurídico-constitucional e política
do Estado, fazendo da educação um direito público subjetivo do cidadão e um dever do
Estado, e a organização de uma matriz curricular nacional que pudesse, a um só tempo,
incluir o conjunto de conhecimentos, valores, competências e concepções liberais, quanto
atingir toda a extensão nacional.
As Constituições republicanas foram, gradativamente, incluindo a educação como
um dos princípios fundamentais dos direitos humanos, o que forçou o Estado, a partir de
fins da década de 1930, a organizar um sistema nacional de ensino, inicialmente, com a
promulgação das Leis Orgânicas do Ensino Comercial, Secundário, Primário e Agrícola
e, posteriormente, com a formulação das Leis de Diretrizes Básicas da Educação Nacional
(1960, 1970, 1996).
Na história da educação brasileira, esse processo de reconhecimento e de garantia
jurídico-política do Estado foi uma conquista gradativa, que exigiu grande mobilização da
sociedade civil. Um dos registros da luta a favor da educação como direito e da organização
nacional de um sistema de ensino foi, sem dúvida, o Manifesto dos Pioneiros da Escola
Nova de 1932.
O Manifesto foi um documento escrito por vários intelectuais, políticos,
governantes, educadores da época. Ele foi o registro público da insatisfação coletiva com
relação à situação da educação escolar instalada após a Proclamação da República, em
1989: falta de um sistema escolar, ausência de formação profissional do educador, de
fundamentação teórica da prática pedagógica, de continuidade das ações dos governos,
enfim, da consciência nacional dos fins sociais da educação no que tange ao
desenvolvimento do indivíduo e da Nação. As questões tratadas no Manifesto continuam
atuais.
TÍTULO III
Do direito à educação e do dever de educar
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante
a
garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive, para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com
necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis
anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características
e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindose aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
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VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação
e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e
quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento
do processo de ensino-aprendizagem.
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo
qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização
sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério
Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
§ 1º Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com
a assistência da União:
I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os
jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;
II - fazer-lhes a chamada pública;
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro
lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando
em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades
constitucionais e legais.
§ 3º Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade
para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição
Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o
oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de
responsabilidade.
§ 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público
criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino,
independentemente da escolarização anterior.
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a
partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental.
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema
de ensino;
II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da
Constituição Federal.
BRASIL. LDB n. 9394/96
REFLEXÃO: Correlacionando as premissas legais e a realidade local.
Observe a situação da qualidade de ensino e da estrutura física das escolas públicas
do município em que você mora e compare com o que determina a LDB de 1996.
Elabore um comentário e disponibilize no fórum a ser criado na página do moodle
sobre esse assunto.
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2. EIXOS ARTICULADORES DO CURRÍCULO ESCOLAR: TRABALHO,
CULTURA E CIDADANIA
A proliferação e a capilarização da escola e, conseqüentemente, de sua força
cultural, no cenário das sociedades atuais, como a brasileira, tornaram-se fundamentais
para a reprodução das relações de produção capitalista e para a formação social do
indivíduo que lhe é necessária. Isso significa dizer, em última instância, que a escola capitalista
tem a responsabilidade de criar as condições de aprendizagem que propiciem a inserção
do indivíduo singular no mundo do trabalho, da cultura e da cidadania liberal.
Atualmente, o Estado brasileiro universalizou o ensino fundamental. Tem trabalhado
no mesmo sentido, com relação ao ensino médio, e tem feito vários esforços a fim de
ampliar o acesso das classes populares à universidade. Entretanto, o grande desafio
encontra-se na oferta de um ensino público de qualidade.
Pensar a qualidade do ensino público implica investimento na formação e
profissionalização do educador, na criação de planos de cargos e salários dignos e de
condições de trabalho favoráveis, na democratização da gestão pedagógica e no
envolvimento dos pais e da comunidade na produção do projeto político-pedagógico da
escola, assim como a organização de um currículo escolar compatível com as condições
sociais e históricas da população brasileira.
Ao defender a organização curricular da escola centrada na função social da
transmissão do conhecimento sistematizado, Saviani, em seu clássico livro, “Pedagogia
histórico-crítica”, denuncia o uso inadequado da escola como um lugar onde se faz de
tudo, menos ensinar, fenômeno que descaracteriza o trabalho escolar. Argumenta o autor
(2005, p.16):
Não é demais lembrarmos que esse fenômeno pode ser facilmente
observado no dia-a-dia das escolas. Dou apenas um exemplo: o ano
eletivo começa na segunda quinzena de fevereiro e já em março temos a
Semana da Revolução; em seguida a Semana Santa; depois, a Semana
das Mães, as Festas Juninas, a Semana do Soldado, Semana do Folclore,
Semana da Pátria, Jogos da Primavera, Semana da Criança, Semana do
Índio, Semana da Asa etc., e nesse momento já estamos em novembro. O
ano letivo encerra-se e estamos diante da seguinte constatação: fez-se
de tudo na escola; encontrou-se tempo para toda espécie de
comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de
transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados. Isso quer
dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto é, a
transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado.
44
Evidente que Saviani não quis dizer que o conteúdo social das comemorações
não tenha valor cultural e que sejam insignificantes do ponto de vista social e histórico. Ao
contrário, sua denúncia revela a substituição do saber elaborado pela comemoração simples
e pura, pelo espetáculo e entretenimento, negando, assim, aos estudantes, o acesso e a
apropriação dos conhecimentos sistematizados sobre esses assuntos, o que impediria o
entendimento crítico e uma participação mais consciente e significativa no evento.
Embora Saviani tenha direcionado sua crítica ao fazer cotidiano dos professores,
pedagogos e gestores escolares, a problemática do currículo, até fins dos anos 80, ainda
não tinha adquirido a relevância devida pelos estudiosos brasileiros da educação. Essa foi
uma idéia enunciada por Silva (1992), em seu livro “O que produz e o que reproduz em
educação: ensaios de sociologia da educação”, mais precisamente no tópico em que tratou
sobre “Currículo, conhecimento e democracia: as lições e as dúvidas de duas décadas”.
Entretanto, em conformidade com as observações feitas por Saviani e apesar da
inicial irrelevância dos estudos curriculares, como assinalou Silva, a maior parte dos
problemas escolares está relacionada ao currículo. Nessa linha, afirma Silva (idem, p. 76):
Apesar do pouco prestígio da área de currículo dentro do campo
intelectual mais amplo da educação, a maior parte das questões
educacionais pode ser traduzida numa discussão sobre criação, seleção
e organização do conhecimento escolar, isto é, sobre currículo, o mesmo
podendo-se dizer sobre a maior parte dos conflitos concretos em torno
da organização do sistema escolar. No fundo, o que se discute sempre
são questões relacionadas ao conteúdo e à forma do currículo escolar,
mesmo quando a discussão parece estar muito distante dessa esfera de
preocupações, quando se trata, por exemplo, do papel do Estado na
educação.
A partir dos estudiosos da educação, em geral, como Saviani, e dos de currículo,
em particular, como Silva, podemos inferir que a qualidade do ensino vincula-se à melhoria
do currículo escolar. O que consideramos, em linhas gerais, que está relacionado à
organização do currículo em torno de três grandes eixos: o do trabalho, o do poder e o da
cultura.
As diretrizes curriculares nacionais atuais do ensino fundamental e médio, por
exemplo, sugerem que os conhecimentos e as competências, desenvolvidos nos indivíduos
pela escola, ao longo do processo de escolarização, sejam sedimentados em função desses
eixos.
Da Economia, aprendemos que o trabalho é atividade geradora da riqueza social;
da Antropologia, que o homem produz o mundo da cultura, e a cultura faz o homem; das
ciências políticas, que as relações sociais estabelecidas entre os indivíduos e destes com o
grupo e/ou a sociedade, são mediadas pelo exercício do poder. Portanto, em função do
acúmulo do conhecimento propiciado por esses e outros campos de conhecimento, parecenos razoável o entendimento de que o trabalho, a cultura e o poder são constituintes das
condições de existência das sociedades.
Com efeito, se perdemos de vista essas três dimensões da realidade humana, seja
por questões de interesses ideológicos e políticos ou teórico-metodológicos, acabaremos
por olhar a educação, a escola e o currículo de maneira descontextualizada, distante das
necessidades e dos interesses concretos dos indivíduos, grupos, do país e de sua história.
A fim de aprofundar essa questão, leiam o texto abaixo.
TRABALHO
A categoria “trabalho” é aqui entendida como um modo de sustentação
e autopreservação do gênero humano, que se expressa nas transformações
impostas pelo homem à natureza e às formações sociais e culturais historicamente
construídas.
Trata-se de conceito fundamental para a compreensão da formação e
do fazer histórico da humanidade em toda a sua diversidade.
Entende-se o trabalho na sua diversidade social, econômica, política e
cultural, pois o trabalho não se refere somente às formas de produzir formalmente
e historicamente aceitas nas diversas sociedades históricas, tais como a
escravidão, a servidão e o trabalho assalariado, mas também ao trabalho
45
relacionado à esfera doméstica, à prática comunitária, às manifestações artísticas
e intelectuais, à participação nas instâncias de representação políticas,
trabalhistas, comunitárias e religiosas. Essas diferentes formas de produzir e
organizar a vida individual e coletiva intercambiam-se com diversas perspectivas
ou abordagens. Dentre elas podem-se destacar as de gênero (a participação das
mulheres e dos homens nas relações entre trabalho formal, informal e doméstico);
de parentesco ou de comunidade (posição dos membros na hierarquia da família
e da comunidade relacionados a sua ocupação profi ssional); de geração (as
transformações históricas na relação entre o trabalho formalmente aceito em
uma sociedade e o trabalho infantil, além do trabalho como formação educativa
nas dimensões professor/aluno, mestre/aprendiz, entre outras); e de poder
(tensões e conflitos entre os diferentes agentes sociais, profissionais e políticos).
PODER
O poder pode ser entendido como o complexo de relações entre os
sujeitos históricos nas diversas formações sociais e nas relações entre as
sociedades. Articula-se com todos os conceitos presentes neste documento,
pois as relações de poder permeiam o processo de construção do conhecimento
histórico e são um dos fatores de significação que delimitam o que seria a
consciência histórica, que marca os diversos modos da apreensão e da
construção do mundo historicamente constituído e suas respectivas
interpretações. Além disso, o exercício do poder encontra-se presente nos usos
sociais que se fazem da História tanto para legitimar poderes quanto para execrar
o passado de inimigos políticos, sociais ou de qualquer outra natureza.
As relações de poder são exercidas nas diversas instâncias das
sociedades históricas, como as do mundo do trabalho e as das instituições,
como, por exemplo, as escolas, as prisões, as fábricas, os hospitais, as famílias,
as comunidades, os Estados nacionais, as Igrejas e os organismos internacionais
políticos, econômicos e culturais, os quais se transformam na sua relação com
as formações sociais historicamente constituídas. É na inter-relação entre essas
instituições (sociais, políticas, étnicas e religiosas) e nas relações de dominação,
hegemonia, dependência, convencimento, submissão, resistência, convivência,
autonomia e independência entre elas que se torna possível a compreensão de
suas construções políticas como algo próprio da formação histórica do ser
humano. Não se pode esquecer também o processo de invenção das tradições,
que expressa muito bem as articulações entre mudanças e permanências no
campo das relações políticas.
Nesse aspecto, o conceito de poder facilita o entendimento da
construção histórica do conceito de cidadania e do processo de constituição
da participação política nas mais diversas instituições marcadas por consensos,
tensões e conflitos revelados em toda a sua historicidade.
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CULTURA
A ampliação do conceito de cultura, fruto da aproximação das
disciplinas História e Antropologia, enriquece o âmbito das análises,
caminhando, de forma positiva, para a abertura do campo científico da História
Cultural. O recurso à Filosofia, por sua vez, enriquece e amplia o conceito,
especialmente no que se refere à idéia de cultura como formação advinda da
“paidéia” (ligada à educação) e da cultura humanista, renascentista e iluminista.
Na articulação dessas abordagens (histórica, antropológica e filosófica), o
conceito de cultura pode alcançar maior abrangência e significado.
A cultura não é apenas o conjunto das manifestações artísticas e
materiais. É também constituída pelas formas de organização do trabalho, da
casa, da família, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiões, das festas.
As diversidades étnicas, sexuais, religiosas, de gerações e de classes constroem
representações que constituem as culturas e que se expressam em conflitos de
interpretações e de posicionamentos na disputa por seu lugar no imaginário
social das sociedades, dos grupos sociais e de povos.
A cultura, que confere identidade aos grupos sociais, não pode ser
considerada produto puro ou estável. As culturas são híbridas e resultam de
trocas e de relações entre os grupos humanos. Dessa forma, podem impor
padrões uns sobre os outros, ou também receber influências, constituindo
processos de apropriações de significados e práticas que contém elementos de
acomodação–resistência. Daí a importância dos estudos dos grupos e culturas
que compõem a História do Brasil, no âmbito das relações interétnicas.
O estudo da África e das culturas afro-brasileiras, assim como o olhar
atento às culturas indígenas, darão consistência à compreensão da diversidade
e da unidade que fazem da História do Brasil o complexo cultural que lhe dá vida
e sentido.
Ciências humanas e suas tecnologias/Secretaria de Educação Básica. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. p. 75-78.
(Orientações curriculares para o ensino médio; volume 3)
SISTEMATIZAÇÃO: Organize sua leitura.
Elabore: a) um glossário que registre o significado dos conceitos trabalho, cultura e
poder; e b) um questionário de cinco perguntas e respostas sobre esse ponto.
Concluída a tarefa, coloque o resultado do seu trabalho na página do moodle.
3. LINGUAGEM, DISCURSO E ESCOLA
Os termos dispostos neste tópico - o da linguagem, o do discurso e o da escola podem suscitar inúmeras reflexões, debates e estudos, seja no que diz respeito à
singularidade de cada um, seja no que concerne às relações que se podem estabelecer
entre eles. Aqui, desejamos tão somente assinalar, resumidamente, três aspectos contidos
no enunciado: a) o da linguagem, como fenômeno humano mediador das relações entre os
indivíduos; o do discurso, como dimensão operativa da linguagem; e o da escola, como
espaço de apropriação e desenvolvimento crítico e competente do uso social da linguagem.
Embora a linguagem não tenha uma materialidade tal como a de uma pedra, sua
existência é tão concreta quanto a dela. Conceber o mundo sem sua presença seria
semelhante a ver um quadrado sem lados ou um gato sem rabo. Pensar a linguagem dessa
maneira pode nos conduzir a formular um problema sem resposta. Para tal raciocínio
irreal, somente resta apelar para a imaginação.
É óbvio que o mundo dos homens é um mundo objetivamente simbólico. A
linguagem é um fato social. Sua materialidade se constitui de uma série de signos, por meio
dos quais se realizam várias atividades culturais: nomear, classificar, descrever, explicar,
registrar, expressar-se etc. Ela funciona como uma espécie de ponto de mediação entre
47
os homens e outros homens, e entre os homens e as coisas: organização do conhecimento,
registro da memória histórica e comunicação entre os indivíduos.
Uma conseqüência desse entendimento ocorre pelo reconhecimento de que não
se deve restringir o sentido da linguagem apenas à série de signos lingüísticos: a palavra
escrita ou falada. Lembremo-nos que os gestos, a pintura, o desenho, a escultura, a dança,
o cinema, o teatro, o charge, a música etc são formas de linguagem. Portanto, a palavra,
a imagem e o som formam uma trilogia que abarca uma variedade de tipos simbólicos.
Outra conseqüência consiste em que devemos estabelecer a distinção entre
linguagem e discurso. Se o ser da linguagem é o signo, o do discurso é uma série determinada
de signos em funcionamento. A mobilização de um feixe de signos em função do uso social
requerido em contextos distintos processa a transformação da linguagem em discurso.
Pensemos, por exemplo, no signo lingüístico, na língua como um modo de sua
existência e no discurso como uma maneira de experiência da existência. A depender do
modo como se pratica a língua, podem-se produzir diferentes gêneros discursivos. Se a
língua é empregada para expressar o conhecimento que organizamos sobre a realidade
concreta, estamos diante de um discurso filosófico ou científico; se ela é acessada para
comunicar sentimentos, sonhos e aspirações, o discurso produzido poderá ser do tipo
literário ou utópico. Se, de outro lado, o signo lingüístico é mobilizado para reivindicar ou
defender direitos públicos subjetivos, sobre a educação escolar de qualidade, por exemplo,
o discurso elaborado será de cunho político. Por fim, se a língua é usada para codificar
normas de conduta para o indivíduo ou uma formação social determinada, aciona-se um
gênero discursivo que poderá ser de natureza jurídica ou moral.
Por fim, queremos destacar que uma compreensão de linguagem como a que
ventilamos aqui exige a organização de uma escola que seja capaz tanto de alfabetizar e
de letrar o educando quanto de propiciar-lhe o desenvolvimento da competência analítica
e produtiva dos gêneros discursivos historicamente acumulados. Isto é, a escola deve ser
um espaço de aprendizagem consciente, crítico e criativo da linguagem, em suas múltiplas
formas de existência.
Entretanto, conforme assinalaram Saviani e Silva, o alcance desse objetivo está
associado à especificidade histórica da educação escolar: a de ensinar a língua enquanto
uma mediação da apropriação do conhecimento sistematizado. A apropriação inadequada
da língua poderá fazer com que o educando não tenha um desempenho satisfatório na
aprendizagem do conteúdo de diversas disciplinas escolares, a exemplo da matemática,
da história, da geografia, da biologia etc.
Do exposto, pode-se observar que a apropriação do signo lingüístico, em particular,
e da linguagem, de forma geral, apresenta-se, objetivamente, como uma mediação necessária
ao desenvolvimento do indivíduo e do país. Sem a construção social e histórica dessa
mediação, a inserção efetiva do indivíduo no mundo do trabalho, da cultura e da política
será extremamente prejudicada. Portanto, a linguagem é um dos aspectos fundantes da
sociabilidade humana.
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UMA CRISE NO ENSINO DA LÍNGUA
É significativo verificar que o fenômeno que se tem designado “crise
da linguagem”, definida como o uso inadequado e deficiente da língua materna
e como uma decadência de seu ensino e aprendizagem, tenha surgido, em
todos os países em que tem sido denunciado, contemporaneamente à aceleração
do processo de democratização do ensino. As razões dessa contemporaneidade
são de fácil compreensão, à luz das teorias apresentadas nos capítulos
anteriores.
O processo de democratização do ensino, respostas às reivindicações
das camadas populares por mais amplas dificuldades educacionais, concretizouse em crescimento quantitativo e diversificação do alunado. A escola, que até
então se destinava apenas às camadas socialmente mais favorecidas, foi dessa
forma, conquistadas pelas camadas populares. Ora, exatamente porque,
historicamente, sua destinação eram as classes favorecidas, a escola sempre
privilegiou - e, a despeito da democratização do ensino, continua a privilegiar
– a cultura e a linguagem dessas classes, (...) são diferentes da cultura e da
linguagem das classes desfavorecidas. Não se tendo reformulado para seus
novos objetivos e sua nova função, a escola é que vem gerando o conflito, a
crise , que é resultado de transformações quantitativas – maior número de
alunos – e, sobretudo, qualitativas – distâncias cultural e lingüística entre os
alunos a que ela tradicionalmente vinha servindo e os novos alunos que
conquistaram o direito de também serem por ela servidos. A escola não se
reorganizou, diante dessas transformações que nela vem ocorrendo; nesse
sentido, a “crise da linguagem” é, na verdade, uma crise da instituição escolar.
Assim o problema que se coloca para a escola, em relação à linguagem,
é o de definir o que pode ela fazer, diante o conflito lingüístico que nela se cria,
pela diferença existente entre a linguagem das camadas populares, as quais
conquistam cada vez mais, o direito de escolarização, e a linguagem que é
instrumento e objetivo dessa escola, que é a linguagem das classes dominantes.
SOARES, Magda. Uma crise no ensino da língua. In: Linguagem e escola: uma
perspectiva social. São Paulo: Editora Ática, 1999. p. 68-69.
REFLEXÃO: Analisando o sentido do texto
Após ter lido o assunto tratado nesse tópico, leia atentamente o texto de Magda
Soares, “Uma crise no ensino da língua”, e comente-o. Escreva o seu comentário
no Fórum correspondente ao tema.
49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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