vida e lixo: a situação de fragilidade dos catadores de material

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VIDA E LIXO: A SITUAÇÃO DE FRAGILIDADE DOS CATADORES DE
MATERIAL RECICLAVEL EM MARILIA E OS LIMITES DA RECICLAGEM
Julia Maria Gomes e Carvalho1
Introdução
O lixo, assim como diversas outras questões, possui conotações diferentes de
acordo com a situação social e cultural na qual o homem esta inserido. Entretanto de
uma maneira geral é possível destacar que ele o lixo é aquilo que se coloca para “fora de
casa”, ou seja, o que não se quer ter contato.
Hoje, num contexto de globalização, o mundo acaba sendo permeado por
assuntos que vão além das fronteiras geográficas dos países, exemplo disto é o processo
de degradação ambiental que vem preocupando os homens. A partir de então o assunto
lixo entra em pauta nas discussões.
Atrelado a este fator temos a condição de precarização constante do trabalho,
inerente ao processo de produção capitalista, o que acaba por salientar o crescente
numero de desempregados que assola o mundo.
É então, a partir da junção destes dois fatores expostos nos parágrafos anteriores,
que surge a figura do catador de material reciclável.
O caso brasileiro
O Brasil é hoje, recordista mundial em reciclagem de latas de alumínio, de 50%
reciclados em 1993, este número subiu para 83% em 2003, além de a reciclagem ter
aumentado de maneira geral de 38,8 % em 1993, para 43,9% em 2003.
Contudo o indicador de Coleta Seletiva de Lixo mostra números incipientes no
país, apenas 2 % do lixo produzido no país é coletado seletivamente sendo que deste,
6% das residências são atendidas por serviços de coleta seletiva existentes em cerca de
8,2% dos municípios brasileiros - dados do IBGE.
1
GOMES E CARVALHO, Julia Maria. Graduanda do Curso de Ciências Sociais e bolsista do Programa
de Educação Tutorial (PET MEC/SESu) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” –
Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marilia. [email protected]
1
Mediante estes números podemos montar um panorama da reciclagem no Brasil,
e assim inevitavelmente como conseqüência disto, uma questão emerge: como, a partir
de números incipientes em relação a coleta seletiva de lixo no País, o mesmo consegue
ser recordista mundial na reciclagem de latas de alumínio?
No Brasil um problema recorrente e notório é o desemprego, desta forma, é
possível entender o porquê que na busca pela reprodução da vida, muitos brasileiros
acabam no mercado informal. Conciliando os dados fornecidos pelo IBGE é possível
destacar que o sucesso da reciclagem no Brasil alicerça-se sob a figura dos catadores de
lixo.
Objetivos
Perante o panorama da reciclagem no Brasil, e atrelado a este fator o
desemprego, o presente trabalho pretende analisar a situação em que vivem os catadores
de material reciclável, conhecido como catadores de lixo, assim como também, o
discurso da reciclagem e os limites que ele apresenta na sua aplicação social, fazendo
um mapeamento da cadeia produtiva da reciclagem.
Para tal fez-se necessário um recorte dentro desta população. Destarte o trabalho
ater-se-á aos catadores de material reciclável da cidade de Marilia, interior do estado de
São Paulo.
Metodologia
Quando nos propomos a fazer um trabalho de caráter dito cientifico, teoria,
método e técnica aparecem como elementos fundamentais na construção do
conhecimento cientifico.
No que tange as questões referentes ao fazer sociologia, é possível destacar que,
desde o pensamento positivista, objeto e método caminham sempre juntos, ou seja, não
se pode tratar objeto alheio ao método e vice-versa. Desta forma, o uso de tais
elementos, parece exigir do pesquisador extremo cuidado e rigor com as fontes a serem
utilizadas durante o processo de confecção de seu trabalho.
2
Entretanto, o rigor e a rigidez exagerada no fazer sociologia, acaba por
prejudicar a construção do conhecimento, uma vez que, os objetos de estudo de tal
ciência são as práticas sociais, e estas aparecem sempre como algo diverso e múltiplo,
ou melhor, como um conjunto de relações complexas.
Destarte fica difícil determinar e definir métodos e conceitos a priori do objeto
da pesquisa, uma vez que estes devem trabalhar para o objeto, isto é, não é possível
conduzir uma pesquisa a partir do método, e sim o que deve ocorrer é exatamente o
contrário, o método é que deve se ajustar ao objeto em questão. De certa forma é
possível dizer que é o objeto que conduz a pesquisa, mas sendo este pressuposto sempre
elemento consciente por parte do pesquisador.
Assim, o presente trabalho propõe mapear a cadeia produtiva da reciclagem na
cidade de Marilia, enfatizando o cotidiano dos catadores de material reciclável. Deste
modo, tal como expõe Michel Maffesoli (____), compreendemos a existência cotidiana
como fragmentada e polissêmica, constituindo o que ele denomina de monstro
cotidiano.
Desta maneira, entendemos que só é possível compreender tal realidade a partir
do uso de métodos e técnicas diversos que por fim, se complementam, nos apresentando
uma verdade aproximativa, uma vez que, o ideal do conhecimento quotidiano não é
nem a certeza, nem mesmo a probabilidade em sentido matemático, mas apenas a
verossimilhança. (MAFFESOLI,_____, p. 161)
A sociologia, assim como grande parte das ciências, de certa forma, se
encarcerou dentro dos muros e amarras que nos apresenta o cientificismo acadêmico,
retirando de seu contato direto, distanciando - se, do seu objeto de estudo propriamente
dito, as relações sociais.
Assim parece ter sido criado um certo abismo entre a realidade social, o senso
comum e a sociologia em si, exemplo claro deste distanciamento é o tipo de discurso
utilizado pela sociologia, ou seja, um discurso extremamente especializado e com
nomenclaturas específicas, incompreensíveis a um ser social alheio a esta ciência.
O que temos hoje, na sociologia, parece ser um discurso sobre as relações sociais
construído de cima, e não um discurso construído em conjunto, intersubjetivamente. É
como se a relação estivesse hierarquizada, como se ela se baseasse numa relação
estabelecidos (os cientistas sociais) e outsiders (população no geral), onde os primeiros
3
sabem e conhecem mais os segundos, do que eles próprios,
tendo assim, maior
legitimidade de ação sobre estes.
Desta forma, percebendo o distanciamento que fora criado entre a atitude
epistemológica e as práticas sociais efetivamente, alguns ramos da sociologia hoje,
tentam resgatar, ou melhor, reconstruir esta proximidade entre a sociologia e a realidade
das práticas sociais.
O renascimento da etnometodologia, os balbuciamentos da
sociologia participante, os ensaios da pesquisa – ação, o
desenvolvimento das histórias de vida, tudo isso assenta, sem
necessariamente o dizer num certo cansaço em relação aos
diversos finalismos sócio -teóricos e no reconhecimento da
pregnância da sabedoria popular. Assim, ao contrário das visões
escolásticas, que sempre existiram e tem ainda belos dias a sua
frente, o tipo de investigação que desenvolvemos pretende
mostrar, para retomar uma expressão de Karl Manheim, que o
pensamento não esta apenas limitado somente aos livros, mas
tira a sua significação “principal das experiências da vida
quotidiana..”’ ou ainda dos “valores movediços do mundo de
todos os dias”. (MAFFESOLI, _____, P.164)
Como métodos e técnicas utilizados na pesquisa, destacamos a observação
participante, o relato oral, a ficha de identificação, a entrevista, e a fotografia. Logo
sobre o uso de diversos métodos e técnicas justificamos:
Que nos compreendam bem: não se trata de fazer aqui a
apologia do irracionalismo – alias é o dogmatismo quem lá
conduz invariavelmente – trata-se muito simplesmente de
esboçar uma teoria do conhecimento que admita que o
inacabamento estrutural da sociedade exija um inacabamento
intelectual. Temos por isso confiança na pluralidade das
abordagens, de qualquer ordem que elas sejam, para elaborar a
descrição menos falsa possível de um momento e de um espaço
determinado. Patchwork reflexivo não é a pior maneira de
compreender uma sociedade especifica; e os espíritos livres que
tentam estilhaçar a compartimentação das disciplinas e das
definições, concordam em reconhecer que a fluidez da análise, a
4
multiplicidade das referências das fontes de inspiração
correspondem adequadamente ao fluxo vital que tentamos
compreender. (MAFFESOLI, ____, p.162)
Resultados
No Brasil, estima-se que o número de catadores seja de aproximadamente
quinhentas mil pessoas, sendo que deste número, dois terços encontram-se no Estado de
São Paulo.
A cidade de Marilia possui cerca de duzentos mil habitantes, sendo que deste
estima-se a existência de setecentos catadores tendendo este número a ser maior.
Marilia produz diariamente cerca de 192 toneladas de lixo2, que são enviados para um
aterro sanitário localizado na estrada vicinal de Avencas.
MAGERA (2003) afirma que a rotina de catador de lixo é exaustiva e precária,
uma vez que informal:
“Muitas vezes, ultrapassa doze horas ininterruptas; um
trabalho exaustivo visto as condições precárias a que estes
indivíduos se submetem, com seus carrinhos puxados pela tração
humana, carregando por dia mais de duzentos quilos de lixo
(quatro toneladas por mês), e percorrendo mais de vinte
quilômetros por dia, sendo, no final muitas vezes explorados
pelos donos de depósitos de lixo (sucateiros) que, num gesto de
paternalismo, trocam resíduos coletados do dia por bebida
alcoólica ou pagam-lhe uma valor simbólico insuficiente para
sua própria reprodução como catador de lixo.” (p.34)
Durante a pesquisa foram entrevistadas 10 pessoas que trabalham com o lixo na
cidade de Marilia. Como na maioria dos casos, segundo CARMO (2005) e MAGERA
(2003), os catadores de Marilia, também apresentaram desconhecimento da cadeia
produtiva da reciclagem, assim como baixo nível de escolaridade, dos entrevistados
apenas um havia completado o ensino médio. Este fator contribui claramente par4a a
manutenção da situação de fragilidade nas quais vivem estes catadores.
2
http://www.yesmarilia.com.br/marilia/estatisticas.htm
5
É possível destacar na cidade de Marilia uma cadeia produtiva das quais
participam os seguintes agentes:
•
Os catadores, que se constituem em cinco tipos: catadores de rua sem carrinho,
catadores de rua com carrinho, catadores de rua com veículo automotor,
catadores de rua com veiculo de tração animal e cooperados (Cooperativa de
Trabalho Cidade Limpa).
•
Os “sucateiros”, donos de depósitos que recebem os materiais coletados pelos
catadores;
•
As empresas de reciclagem, que absorvem todo o material coletado na cidade, e
revendem para as grandes empresas localizadas algumas na cidade de São Paulo,
Paraná e Minas Gerais. São duas: Aparas de Papel de Marilia e São Sebastião
Aparas de Papel.
•
E por fim as empresas que reciclam os produtos e localizam-se fora da cidade de
Marilia.
Todos os catadores têm de separar o material coletado, para apenas
posteriormente a esta ação vendê-los aos depósitos ou intermediários.
Os catadores de rua sem carrinho, com carrinho, e veículo de tração animal
vendem seus produtos ou para depósitos ou para intermediadores, ou seja, catadores
com veículo automotor. Os restantes dos catadores (veículos automotores e cooperados)
vendem seu material para as Aparas da cidade.
A logística do processo produtivo da reciclagem em Marilia
Catadores:
Com
carrinho;
Sem
carrinho;
Depósitos/
Sucateiros;
Catadores com
automotor
Produto
reciclado
Lixo nas
ruas
COTRACIL
Aparas
Indústrias de
reciclagem
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Na pesquisa foi possível identificar a renda média mensal que cada tipo de
catador consegue atingir:
Catadores de rua sem carrinho: R$50,00 a R$100,00
Catadores de rua com carrinho: R$300,00 a R$800,00
Catadores com veículos de tração animal: R$ 300,00 a R$ 500,00
Catadores com veiculo automotor: R$600,00 A R$1000,00
Cooperados: R$100,00 a R$300,00
Os catadores apresentam baixo nível de escolaridade, famílias de no mínimo
cinco pessoas, residindo em casas de um cômodo a até quatro cômodos. Todas as
famílias com filhos até 15 anos os mantêm na escola, uma vez que assim recebem o
auxílio Bolsa Família, que é parte importante na manutenção da casa.
A iniciativa da COTRACIL – Cooperativa de Trabalho Cidade Limpa
Em meados de 1996 surgiu em Marilia, a iniciativa de uma cooperativa de
catadores de material reciclável, na favela do Jd. Toffoli, onde um dos moradores havia
entrado em contato com o Projeto UNI3 e feito um curso de cooperativismo que fora
oferecido.
A partir de então surgiu a idéia da cooperativa que foi apoiada pela
administração da cidade, pela secretaria do verde e do meio ambiente da cidade, e pela
ACIM – Associação do Comercio e da Indústria de Marilia. No inicio a cooperativa
tinha o nome de COOTRAMAR – Cooperativa de Trabalho de Marilia, a cooperativa
funcionou informalmente até o ano de 2000, quando por desconfianças da
administração, a distante localização do barracão de coleta e, a separação do casal líder
da iniciativa, fez com que em janeiro de 2001 a cooperativa fechasse.
Segundo SOBRINHO (2001), a iniciativa falhou em quatro pontos:
1. Os parceiros da cooperativa não tinham objetivamente o papel de cada um no
processo;
3
Projeto UNI: financiado pela Fundação Kellogg, investe na formação de Recursos humanos. O projeto
acontece na Ffaculdade de Medicina de Marilia e é coordenado por Sonia Custodio.
7
2. Os cooperados, não sabiam corretamente do que se tratava uma cooperativa e de
como participar de uma;
3. A liderança da cooperativa ficou nas mãos de apenas duas pessoas, quebrando
principio de participação igualitária que propõe o cooperativismo;
4. E finalmente, a falta de apoio político, pois a SVMA não obteve apoio do poder
executivo.
Entretanto no mesmo ano, Ana Maria Marques, líder comunitária, participou do
Projeto UNIFAMEMA, e decidiu reativar a cooperativa. Atualmente a cooperativa
chama-se COTRACIL e é pessoa jurídica regulamentada, tem o apoio da prefeitura da
cidade, mas ainda necessita de muito investimento para melhorar e ampliar sua atuação.
Atualmente a COTRACIL só coleta materiais de locais parceiros e não atende
catadores, uma vez que não tem infraestrutura para isto e o problema da distância do
barracão em relação aos demais bairros continua a mesma, além da figura da presidente,
Dona Ana, ainda centralizar a iniciativa, ou seja, os problemas pontuados por
SOBRINHO (2001) permanecem.
Atualmente a cooperativa conta com cerca de sessenta cooperados sendo
cinqüenta mulheres.
Conclusões
O catador de material reciclável se apresenta como elemento extremamente
lucrativo dentro da cadeia produtiva da reciclagem, uma vez que trabalha em situações
de precariedade e não tem seguridade nenhuma no trabalho desempenhado.
Quando pensamos em um produto reciclado observamos que o valor de um
produto “ecologicamente correto” possui valor superior aquele produzido direto do
material in natura. Segundo CALDERONI (1999) “... o custo da coleta seletiva de lixo
esta hoje em 417 dólares por tonelada, contra uma receita de 50 dólares, dando um
prejuízo de 367 dólares por tonelada”. (p.41). Desta forma é possível observar que o
produto reciclado encontra dificuldade dentro do mercado uma vez que possui custo
elevado de produção.
8
Mediante este fato, cabe ressaltar que, mesmo tendo uma mão de obra precária,
de baixíssimo custo em relação a mão de obra regulamentada, ou seja, tendo como base
do processo produtivo da reciclagem a figura do catador, o produto reciclado ainda
apresenta altos custos.
Hoje, a profissão de catador de material reciclável já consta na Classificação
Brasileira de Ocupações – CBO – e isto se demonstra como um indicativo de mudança
na situação destes trabalhadores, devemos, também, destacar que existem grupos
organizados que lutam por melhorias em suas condições de trabalho, como o
Movimento Nacional e o Movimento Latino – Americano de Catadores de Material
Reciclável.
Desta forma uma questão se coloca: como melhorar as condições de trabalho dos
catadores e ao mesmo tempo baixar os custos da produção de reciclados com o intuito
de que estes sejam acessíveis ao consumidor?
As cooperativas parecem apresentar uma saída, lógico que não revolucionária,
mas sim inovadora e possível dentro do mundo capitalista, mas desde que esta esteja
ligada tanto ao poder público quanto a iniciativa privada, a exemplo disto temos no
Brasil a iniciativa da Suzano Papel e Celulose que na produção do seu papel 100%
reciclado tem parceria com mais de 78 cooperativas de catadores.
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