Conhecer o tijolo para construir a arquitectura

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Seminário sobre Paredes de Alvenaria, P.B. Lourenço & H. Sousa (Eds.), Porto, 2002
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CONHECER O TIJOLO PARA CONSTRUÍR A ARQUITECTURA
Raúl HESTNES FERREIRA
Arquitecto
PALAVRAS DE INTRODUÇÃO
Vou tentar transmitir, a profissionais que muito prezo, a experiência do nosso atelier nas obras
que construímos em tijolo, desde o ano de 1965, um dos materiais base das nossas obras,
adoptado quando o edifício em estudo e factores com ele relacionados, nos conduziram a essa
escolha. O objectivo desta intervenção será portanto o de descrever o nosso trabalho ilustrando
as metodologias adoptadas.
Na maior parte das nossas obras, a opção por um material dominante não surgiu
deliberadamente desde o início da execução dum projecto mas quando a questão construtiva,
em conexão com a caracterização da expressão do edifício, se colocou, tendo sempre em conta
a sua função, ou quando a definição dum ambiente desejável para utentes e destinatários era
primordial para a configuração e caracterização dos espaços.
Obviamente que a opção pelos materiais construtivos duma obra é decidida por factores de
natureza objectiva, em que intervém limitações de natureza espacial e construtiva bem como a
durabilidade desejável para um edifício associado a questões económicas, incluindo o custo.
Mas pesam também factores de natureza subjectiva, que orientam toda a actividade humana e
que, por isso mesmo, são difíceis de caracterizar.
Casos há em que as razões da escolha do material dominante, que pode ser a simples alvenaria
rebocada, o betão normal ou de cor branca, a pedra ou o tijolo à vista, são claras e podem ser
enunciadas. Noutros casos tal reveste-se de bastante dificuldade.
Para os arquitectos que atribuem à tectónica uma importância essencial, ao ponto de a situar na
base de opções fundamentais para a génese da forma arquitectónica, não é apenas a escolha do
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material dominante que tem importância mas também o modo de o usar e de conhecer o seu
comportamento depois de assente em obra e ao longo da vida dum edifício.
Evidentemente que, para um arquitecto, esse conhecimento é necessariamente diferente do que
para um engenheiro, cujo prisma de análise relativamente à ordem estrutural o situa noutro
plano, sendo desejável que o conhecimento de ambos se complemente.
A situação ideal será decerto o arquitecto ter um conhecimento básico dos valores estruturais,
do comportamento dos materiais em diversos tipos de estrutura, e o engenheiro conhecer os
limites e contornos de natureza estética dessas mesmas estruturas. A obra que nasça desses
pressupostos, em que cada interveniente esteja no seu campo de acção invadindo, mas sem
invadir, o do outro, não se limitando à sua esfera de intervenção, mas preocupando-se com o
seu complemento, será decerto feliz, estruturalmente sã e esteticamente valiosa.
1. A PESQUISA ARQUITECTÓNICA
De acordo com as exigências de produção dum projecto, a pesquisa sobre processos
construtivos processa-se normalmente com um sentido prático para a tornar mais operacional e
para que o conhecimento dos materiais e do seu uso esteja na base e estimule a criatividade das
formas arquitectónicas em vez de a limitar ou anular.
Figura 1: Casa de Queijas - Pormenor de fachada sul
O conhecimento das regras construtivas por parte dos arquitectos, estando num plano diferente
da dos engenheiros que, em regra, terão uma componente técnica mais desenvolvida, deve, do
nosso ponto de vista, orientar-se para uma reflexão sobre o modo de utilização dos materiais
aplicado à concepção da arquitectura, quer se trate do uso da pedra, do betão ou de mosaicos de
diferente natureza e obviamente do que é objecto da presente intervenção – o tijolo.
R. Hestnes Ferreira
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Figura 2: Casa de Queijas - Estudo de fachada poente
2. O USO DO TIJOLO EM OBRAS DA ARQUITECTURA
Embora sem traçar um quadro histórico do uso do tijolo na arquitectura, por ser sobejamente
conhecido, não podemos deixar de apontar alguns dados conhecidos mas de importância
fundamental para enquadrar a prática com esse material, situado na génese da sua utilização
contemporânea.
2.1 Pedra e Tijolo
O desenvolvimento das formas construtivas sempre foi condicionado pelos materiais
disponíveis e pelas técnicas que consequentemente se desenvolveram para a construção de
paredes e seus vãos, pilares e coberturas, Em zonas onde estava disponível, como o Egipto e a
Síria, a pedra dominou, enquanto na Mesopotâmia (correspondente ao actual Iraque) o tijolo
foi o material mais utilizado, testemunhando diferenças culturais que se prolongaram até hoje.
Também um pouco esquematicamente podemos dizer que onde a madeira era abundante as
coberturas baseavam-se nesse material e onde era carente, privilegiavam-se as abóbadas.
2.2 Egipto e Mesopotâmia
Assim, pensando à escala do mundo mediterrâneo, que é uma das componentes fundamentais
da nossa cultura, sendo a outra a cultura centro-europeia, os primeiros exemplos conhecidos da
construção em tijolo situam-se (e não esqueçamos que o ritmo das descobertas arqueológicas
altera constantemente os dados cronológicos) na Mesopotâmia, onde se regista um maior grau
de dependência deste material, inclusive em estruturas tão significativas como muralhas e
torres-zigurates, face à maior dificuldade na obtenção da pedra, e no Egipto, com abóbadas de
tijolo de grande antiguidade.
Com a constante comunicação e diálogo entre as culturas mediterrâneas evidentemente que o
uso das formas construtivas em tijolo se estendeu a todas as suas regiões, sobretudo para as
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
estruturas residenciais de menor expressão, a par dos betões de terra ou elementos de adobe
que em boa verdade antecederam o uso do tijolo.
2.3 Grécia e Roma
Os factores de ordem cultural não deixaram de ter uma importância fulcral e, assim, embora os
gregos, que geograficamente, e não só, estavam no cerne da transmissão da cultura no
Mediterrâneo, dominassem a construção em tijolo, difundindo-a, só a usaram nas suas
construções domésticas, privilegiando a pedra nas edificações mais significativas do ponto de
vista social, cultural ou religioso.
Os romanos, por seu lado, sobretudo na época imperial, incorporaram na sua cultura todos os
impulsos mediterrâneos, incluindo materiais e técnicas construtivas, definindo tipologias
arquitectónicas que podiam ser adaptadas às tecnologias locais, devidamente codificadas. A par
da continuidade da tradição grega da arquitectura da pedra, foi concedida especial importância
ao betão e tijolo nas estruturas das grandes edificações e, para o último referido, nos
acabamentos,. Citemos como exemplo os grandes conjuntos em Roma, sobretudo a partir dos
imperadores nascidos no sul da península ibérica, Trajano e Adriano.
3. TRADIÇÕES CONSTRUTIVAS EM PORTUGAL
Como exemplo da diversidade técnica utilizada pela civilização romana, baseando-se em
tradições locais, é de relembrar que em Portugal, no norte se utilizou sobretudo a pedra e no sul
o barro (socorrendo-nos de Orlando Ribeiro, as regiões da manteiga e do azeite...).
Posteriormente, o mundo muçulmano, também apoiado na tradição mediterrânea, tomou por
base as técnicas anteriores e sem rejeitar a construção em pedra (a começar pelo
reaproveitamento de pedras romanas), a sua arquitectura, reflexo duma mais forte implantação
no sul da península, privilegiou, pelas razões já referidas, o tijolo e o betão de terra, a taipa...
Se observarmos as tradições construtivas no nosso país, questão por demais complexa para ser
resumida em poucas linhas, poderemos no entanto ter a noção de que o uso do barro e
consequentemente das alvenarias de tijolo, ocorreu tradicionalmente a sul do Tejo com
excepção de pequenas áreas onde a abundância de pedra ditou outras soluções.
O uso de materiais cerâmicos verificou-se na construção de paredes, pavimentos e, em casos
mais restritos, em coberturas abobadadas, que exigem um conhecimento mais aprofundado,
existente sobretudo em pontos localizados das regiões de Évora e Beja, como Monsaraz,
Moura e Serpa.
Esse conhecimento vem de longe e expressou-se não só no Alentejo mas também noutras
regiões do país (por exemplo nas abóbadas em tijolo sob o belo Passadiço do Mosteiro de S.
Martinho de Tibães), tanto em grandes estruturas como noutras de menor porte.
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3.1 No sul do País
Ao falarmos na arquitectura vernacular do sul de Portugal e nas suas características
construtivas, não podemos omitir as afinidades com situações similares do mundo
mediterrâneo, embora cada região tenha a sua expressão diferenciada.
Nesse sentido, como se sabe, a tradição construtiva do sul, concretizou-se sempre pelo uso do
reboco sobre as paredes, fossem elas constituídas por alvenaria de pedra, taipa, adobe, tijolo ou
mista de vários materiais.
É óbvio que essa utilização, marcada pela cal, decorria de imperativos climáticos, e da
necessidade de facultar maior estabilidade aos paramentos, cobrindo as imperfeições das
paredes ao mesmo tempo que concedia uma textura homogénea às superfícies visíveis, aptas a
reflectir a luz no exterior e, sobretudo, para o interior das casas.
No entanto, a relativa benignidade do clima e a tradição de revestimento exterior das paredes,
associou-se a uma certa ausência de rigor na construção, apenas compensada pela harmonia
espacial, resultante do contraste entre os volumes construídos, na definição dos espaços
exteriores, por vezes de grande diversidade.
Nos aglomerados urbanos de maior dimensão, se exceptuarmos as grandes estruturas eruditas
concebidas por mestres e arquitectos, verifica-se a mesma situação, que apenas viria a alterarse com a maior difusão de intervenções eruditas.
No entanto, o que nasceu como resultado natural de uma escassez de recursos, de menores
exigências climáticas e de um certo descuidar da prática construtiva, quiçá compensadas por
uma grande sensibilidade na definição e caracterização dos espaços das cidades, vilas e aldeias,
nestas últimas com o uso quási “doméstico” das ruas, tratadas como prolongamento da casa,
perpetuou-se depois numa tradição construtiva pouco rigorosa e no uso de revestimentos que
“tapavam” as imperfeições das alvenarias.
Nesse sentido, uma parede em reboco, constitui uma base para todos os tratamentos,
permitindo não só traduzir um consenso de atitudes numa comunidade, de forma espontânea ou
colectivamente ditada (Serpa revestia-se com branco de cal para as festas de verão, enquanto
Beja se destinguia com as suas barras cinzentas – derivadas dos socos em pedra mármore de
Trigaxes), mas também eventuais excessos de identificação individual, com revestimentos,
texturas e cores dissonantes.
Colocar a pedra, mas sobretudo o tijolo, à vista, contradiz um conceito de transitoriedade em
favor de uma permanência expressiva que poderia não ser bem aceite culturalmente na
arquitectura vernacular, ou, se quisermos, espontânea. As qualidades de natureza construtiva e
expressiva que esses materiais, quando aparentes. expressam, não só se traduz por uma maior
exigência no “modo de fazer” como pressupõe uma apreciação crítica da arquitectura pouco
difundida no nosso país, sobretudo nos pequenos aglomerados (situação que só ultimamente se
tem alterado).
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
No entanto, em Espanha, muitas vezes bem próximo da fronteira portuguesa pode não se
configurar a mesma situação, sendo possível, em pequenos ou grandes aglomerados, surgirem
construções em tijolo de diferentes épocas (e mesmo em Madrid...), que umas vezes são
produto duma industria competente e diversificada de modelos e configurações, podendo
noutras ser artesanais, com o tom da terra.
3.2 A arquitectura hoje
Numa época em que a arquitectura teve um percurso complexo, ao longo do século passado,
até se impor em Portugal pela qualidade e diversidade expressiva (às vezes, infelizmente, como
ilhas num mar de vulgaridade...) diversos caminhos têm sido seguidos, em função de escolas
ou de preferências individuais dos arquitectos, havendo também quem se preocupe em associar
a forma arquitectónica à construtiva, considerando esse diálogo como extremamente rico e
apto a valorizar a concepção da arquitectura.
Nessa opção, torna-se por vezes necessário, ao agir sobre uma área onde predomina uma
“arquitectura branca” vernacular, pôr em causa uma atitude mimética e algumas das práticas
hoje adoptadas pela construção corrente, com a ausência de rigor construtivo e a falta de
coerência expressa na combinação de diferentes materiais e técnicas, sobretudo na definição de
paredes de alvenaria cobertas com reboco.
3.3 Conhecimento dos processos construtivos
O desejo de que a construção seja um dos fundamentos da forma arquitectónica, obriga
evidentemente a aprofundar o conhecimento dos processos e técnicas construtivas, procurando
conhecer as possibilidades e os limites para a utilização de cada material.
Nesta perspectiva de análise em que, obviamente, a estabilidade dos materiais e a sua
capacidade de suporte é hoje um atributo da engenharia, e as questões que envolvam a
aparência das obras resultante das tipologias construtivas utilizadas, com as decorrentes
características dimensionais e limitação de dimensionamento de vãos e aberturas, constituem
preocupações dos arquitectos.
Para enquadrar o tipo de análises a realizar, para além de estudos teóricos sobre a constituição
dos materiais e o seu uso na actualidade, documentados por edifícios contemporâneos, é
indispensável conhecer exemplos tirados da história, produto muitas vezes de fortes limitações
de meios que obrigavam à adopção de soluções lógicas mas imaginativas na sua utilização.
3.4 A intervenção do arquitecto e do engenheiro
Evidentemente que neste ponto como noutros, coloca-se com acuidade a questão da
interdisciplinaridade, da relação entre as figuras do arquitecto-engenheiro-construtor, que na
história convergiam por vezes num único personagem, sem esquecer que na Grécia, terá sido
Fidias, um escultor, quem programou o conjunto da Acrópole de Atenas...
R. Hestnes Ferreira
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Embora a convergência dos três conhecimentos acima referidos num único, seja um dado
histórico ilustrado por inúmeros exemplos dos quais um dos mais significativos, é o de
Brunulesco com a cúpula de Stª. Maria das Flores em Florença, a tendência mais pronunciada
hoje é o de desdobrar essas três funções, persistindo ainda, em alternativa, a convergência entre
o arquitecto e o engenheiro.
Nalguns casos existe um tronco comum na formação de engenheiros e arquitectos, por exemplo
em Espanha, Suíça e Alemanha, o que permitirá a um recém formado optar por uma delas.
Claro que o caso mais flagrante dessa interacção é a de Gaudi que, como arquitecto, fazia
intervir fortemente os seus conhecimentos de engenharia (e como não lembrar a Cripta da
Colonia Guell no caso do tijolo ou os modelos de cordéis invertidos usados para o estudo da
cobertura em betão da Capela da Colonia Guell, não executada).
Estamos porém em Portugal onde, por razões históricas e outras, a formação do arquitecto e
engenheiro divergiram. Mas, a esse propósito, será de mencionar, embora de raspão, as
ligações paradigmáticas de Cassiano Branco a engenheiros como Edgar Cardoso (no caso da
proposta da Ponte sobre o Tejo) ou Laginha Serafim (quanto à proposta para o Monumento de
Sagres), testemunhos da sua modernidade e preocupações culturais, e ainda, a de João
Andersen a Ferry Borges (na proposta vencedora do Monumento de Sagres).
Figura 3: Casa de Queijas - Vista alçado poente
4. A EXPERIÊNCIA DO ATELIER NO DOMÍNIO DA CONSTRUÇÃO EM TIJOLO
Focaremos agora alguns dados sobre o modo de conceber a arquitectura que privilegiamos,
documentando a nossa procura arquitectónica, neste caso sob a dominante construtiva da
alvenaria de tijolo, para esclarecer quais as preocupações que nos orientaram nessa procura, e
as vias escolhidas para as nossas intervenções no decorrer da elaboração de um projecto.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Será também referido, embora a traços muito largos, por envolver outra especialidade e a
experiência de outras pessoas que, decerto, tiveram uma visão diferenciada dos problemas, o
contributo dos engenheiros que connosco trabalharam nessas obras.
Figura 4: Caixa Geral Depósitos - Avis – Vista semi-arco da entrada
As obras em que foi utilizado o tijolo como material base, foram três, a Casa de Queijas,
desenhada a partir de 1967 e concluída em 1973, a Agência da Caixa Geral de Depósitos de
Avis, desenhada a partir de 1985 e concluída em 1991 e a Biblioteca Bento de Jesus Caraça na
Moita, desenhada a partir de 1989 e concluída em 1997.
Pode-se dizer que, no conjunto das obras que realizámos são casos isolados, dadas as
particularidades do material base escolhido, relativamente a materiais alternativos, como a
alvenaria de tijolo ou pedra rebocadas, o betão normal e o betão branco aparentes, a pedra
aparente, o aço e a madeira, que colocam outro tipo de questões.
Figura 5: Biblioteca da Moita - Vista geral da entrada
R. Hestnes Ferreira
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Como se verificou com outros materiais, não só a escolha se baseou em razões diversas, para
cada obra, como a fase de evolução do projecto em que ocorreu também variou, não sendo, de
modo geral, uma opção inicial mas antes tomada após a definição preliminar das bases do
desenho. Mas foi a partir da escolha dos materiais que as principais decisões relativas à
aparência dos edifícios, das suas aberturas e outras, relacionadas com a estrutura formal do
edifício, embora latentes, se objectivaram.
Recordamos agora que, para além das paredes de tijolo à vista das três obras que vamos
descrever, outras utilizações houve do material cerâmico, nomeadamente em pavimentos, com
a utilização corrente de tijoleiras em várias obras, ou em coberturas como foi o caso da Casa de
Juventude de Beja.
Figura 6: Casa da Juventude - Beja - Vista Geral
Se nos reportarmos à obra de Beja, não esqueceremos que a decisão de cobrir o edifício com
abóbadas tipo Barrete de Clérigo foi algo inspirada pela tradição das abóbadas alentejanas,
reportada no livro Arquitectura Popular em Portugal, baseado num famoso Inquérito à
arquitectura portuguesa, realizado por várias Equipas de arquitectos, entre 1955 e 1960, e
promovido pela então Associação dos Arquitectos Portugueses, antecessora da actual Ordem
de Arquitectos.
Na altura, sendo o meu primeiro trabalho no Alentejo, desconhecia ainda se haveria mão de
obra capaz de realizar em tijolo as 20 cúpulas previstas, conforme pretendia. E perguntei ao
autor do Projecto de Estrutura, Engº. Victor Figueiredo, se, no caso de não encontrarmos as
Equipas para as realizar, haveria alternativas para a sua execução, recebendo resposta
afirmativa, o que me deixou mais descansado na concepção dos desenhos do projecto.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Figura 7: Casa da Juventude - Beja - Execução de abóbadas
Quando se aproximou o momento da sua realização, vieram equipas de Serpa, aliás duas
equipas, uma após a outra (por razões que só o empreiteiro conhecia, pois ambas eram
habilitadas) que as executaram na perfeição, sem cofragens.
Nas de maior dimensão (base de 7.20m x 7.20m) pediram apenas para espessar a base da
abóbada (viemos a saber que havia zonas de maior vulnerabilidade à fractura) que aliás
aproveitámos para valorizar o respectivo desenho, visível do interior, com a colocação ritmada
de tijolos a uma e meia vez, e de resto tudo correu muitíssimo bem, sendo as abóbadas
concluídas e carregadas segundo as boas regras da arte. Um pormenor de que nunca me
esquecerei foi o da adaptabilidade das abóbadas ao clima, pois no pino do verão, com a obra
ainda aberta, era à sombra delas que os pedreiros almoçavam, por ser o local mais fresco.
Figura 8: Casa da Juventude - Beja - Corte de abóbodas centrais
Após este pequeno, mas para nós significativo, interregno relativo às abóbadas de Beja,
descreveremos as obras centrais desta intervenção, tentando objectivar os dados principais que
presidiram à definição formal e ao desenho de cada uma delas:
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4.1 A Casa de Queijas
A Casa de Queijas foi a primeira obra em que utilizámos o tijolo aparente no exterior dum
edifício, sendo o Eng.º Serras Belo o especialista de Estruturas.
As razões para essa escolha fundaram-se sobretudo no programa e na configuração do terreno
em que estas casas geminadas se localizavam, que induzia a sua implantação num recanto
frontal à rua, impondo uma ocupação vertical traduzida num bloco único. Da relativa
compacidade do edifício decorreu a vontade de valorização das fachadas, fazendo ressaltar os
cheios e vazios e a própria textura exterior, com um desenho inspirado pelo tijolo.
Como resultado, este foi o projecto base a partir do qual se evoluiu para outras formas
alternativas de construção em tijolo, reflectidas nos projectos subsequentes. De facto,
consultou-se então toda a literatura que nos foi possível encontrar, desde livros temáticos com
obras recentes em tijolo, até velhos manuais e documentos a que tivemos acesso, e também o
conhecimento de casos reais.
Figura 9: Casa de Queijas - Vista sul-nascente
Destes não será displicente mencionar a experiência de trabalho que tivemos em Filadélfia, no
atelier de Louis I Kahn, em projectos realizados para edifícios do Centro Governamental em
Dacca, no Bangla Desh (nomeadamente as casas dos deputados) e no conjunto da Escola de
Gestão em Ahmedabad, União Indiana,
Obviamente essa experiência dum arquitecto americano que se destacou pelo seu humanismo e
grande abertura para outras culturas, trabalhando para países com sistemas sociais e
económicos bastante diferenciados, e com grande respeito pelos valores locais, não deixou de
ser um estímulo para a nossa reflexão. De facto, o nosso país está, a ocidente, no extremo de
uma cultura da edificação, que se estendeu através do Mediterrâneo até ao oriente, de que
sempre participou, tendo em conta a continuidade entre a cultura greco-romana e a muçulmana
que, na sua extensão veio a abranger o próprio sub-continente indiano.
Esse factor não era para nós negligenciável, pois valorizamos o legado de todos os povos, e
sobretudo os de raiz mediterrânica, que estiveram na Península Ibérica e em especial no nosso
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território, o último dos quais, antes da “reconquista”, foi o islâmico, com as suas pontes até ao
Cairo, a Damasco, a Bagdad e, mais além, até Delhi.
Conforme referido, o principal trabalho de natureza técnica que nos inspirou para a concepção
deste primeiro edifício em tijolo e, na sequência, para os posteriores, foi então executado.
Em primeiro lugar procurou-se conhecer as características do material bem como os cuidados a
ter na sua execução incluindo a definição das respectivas especificações técnicas, obviamente
um encargo compartilhado com a engenharia, Não havendo precedentes próximos no nosso
país, tanto quanto era do nosso conhecimento, após cuidada obtenção de informações,
resumimos os principais dados obtidos, comparando-os com outros que reforçassem o nosso
conhecimento teórico desta forma de construir. para elucidar o melhor possível a construção
desta obra.
Esse trabalho foi desenvolvido com outro, incidindo sobre o conhecimento das capacidades
estruturais do material e os limites impostos para a sua execução, incluindo a resistência e
modo de colocação das peças e as propriedades resultantes e, também, a mão de obra envolvida
nesses trabalhos.
Este estudo seguiu em paralelo com a prática de desenho das fachadas do edifício, estando
previamente definidas, nas suas linhas gerais, as exigências programáticas e projectuais que as
condicionavam, sobretudo no que se referia a dimensionamentos dos vãos (factor que se
revelou essencial para a expressão do edifício).
O modo de agregação das peças de tijolo depende obviamente do dimensionamento tradicional
que permite múltiplas combinações, planimétricas e altimétricas, a partir do tijolo corrente (7 x
10.5 x 22 m3).
Todas os edifícios que agora documentamos se baseiam nas possibilidades quási infinitas de
combinação dos tijolos simples, na sua tridimensionalidade, tendo sido um trabalho árduo
procurar que essa variedade, não sendo excessiva, fosse coerente com os objectivos
expressivos pretendidos e com a coerência global das obras desenhadas.
Um aspecto que teve especial acuidade, sendo comum a qualquer obra que concebemos,
independentemente do material utilizado, é o da definição de vãos inseridos numa parede,
quando esta constitui a base compositiva. Mas se a composição tomar por base apoios pontuais,
outras questões surgem conforme focaremos a respeito da Biblioteca da Moita.
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Figura 10: Casa de Queijas - Cobertura
De facto, na Casa de Queijas, foi entendido desde o início que, independentemente da
articulação interior do edifício, constituída por uma estrutura em betão armado completada por
paredes de alvenaria de tijolo rebocado e pintado, o exterior seria inteiramente definido por
superfícies de tijolo à vista formando uma espécie de “casca” coerente e unitária que, por
proposta do Engº. Serras Belo, poderia ser auto-portante, independentemente de ligações
pontuais à estrutura de betão armado, conforme ocorre na fachada poente, sobre a rua principal,
onde as varandas largas se integram no plano recuado da estrutura de betão armado.
Esse conceito de paredes de alvenaria de tijolo autoportantes, também desejado por nós,
reforçou melhor a pesquisa que fazíamos, paralelamente ao desenho, obrigando-nos a
estabelecer uma tipologia de vãos, e dos arcos que os cobriam, que harmonizasse os valores
estruturais com a expressão da obra.
Para definir os arcos em tijolo de acordo com o dimensionamento dos vãos, procurámos
conhecer as regras que permitissem ajustar a configuração dos arcos, a sua espessura e
profundidade, o número de fiadas de tijolo e outros dados, com base nos respectivos esforços e
nos problemas colocados na sua confecção, de modo a estabelecer alternativas de desenho para
a sua construção.
Essas alternativas deveriam não só corresponder às larguras exigidas pelo dimensionamento
dos vãos mas ainda aos esforços impostos pelas massas superiores de alvenaria, funcionando
portanto como lintéis mas também como arcos de descarga incorporados nas paredes de modo
a distribuir as cargas superiores pelos apoios laterais e prumadas que as transmitiriam ao solo.
A tipologia dos vãos que desenhamos incluía a possibilidade de usar arcos rectos ou curvos,
estabelecendo uma relação entre a configuração e o dimensionamento dos vãos e o
desenvolvimento dos arcos. Equacionámos essa tipologia com a expressão desejada para as
fachadas, alternando a recta com a curva.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Assim, na fachada nascente, todos os vãos, independentemente da sua dimensão são
constituídos por arcos rectos, com tijolos calibrados colocados a cutelo, a maioria com a altura
total de cerca de 32cm (correspondentes a 4 tijolos a ½ vez), excepto os que, no piso 1
correspondem às zonas de jantar dos dois fogos, com uma abertura de 2.40m, e que,
considerando a dimensão dos vãos e a carga da massa superior de alvenaria resultante da
menor dimensão dos vãos do piso 2, têm uma altura de cerca de 48cm (correspondentes a 6
tijolos a ½ vez).
Figura 11: Casa de Queijas - Pormenor alçado norte
Todos estes arcos rectos, assim como os constantes do piso 2 do alçado poente, têm uma
estereotomia que obrigou a cortes à serra dos tijolos, para corresponder à configuração de cada
peça, sempre variável, obrigando a um elevado esforço, tanto de projecto (com desenhos à
escala natural) como de obra, dado o rigor necessário para a sua execução.
No corpo poente, para além dos vãos do piso 2, idênticos aos da fachada nascente, oposta, foi
decidido que nos do piso 1, correspondentes às aberturas das salas de estar, com uma amplitude
de 3.80m cada, não seria viável, sendo mesmo “contra-natura”, a utilização de arcos rectos,
optando-se pelo uso de arcos curvos de raio constante, com tijolos inteiros a cutelo, com cerca
de 48cm de altura (correspondentes a 6 tijolos a ½ vez) que se considerou (dado também
abrangerem aberturas do piso 0) poderem contribuir para uma harmonia baseada na lógica
construtiva do conjunto.
Por último, as fachadas norte e sul integram as Entradas das duas casas geminadas, com
pequenas aberturas adicionais como que “escavadas” na parede de tijolo, que complementam a
iluminação interior onde necessário, tendo por isso menor dimensão, embora as molduras de
tijolo que definem os seus contornos tenham grande importância, pela sua variedade e
grafismo, para a expressão do conjunto.
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4.2 A Agência da Caixa Geral de Depósitos em Avis
A Agência da Caixa Geral de Depósitos em Avis, cujo projecto se iniciou em 1985, estando a
obra concluída em 1991, após ajustamentos ao programa, foi a segunda obra que construímos
em tijolo, 20 anos após a de Queijas, evidenciando que, embora a primeira fosse bem sucedida
conceptualmente e na relação com a matriz construtiva, não poderia estar na base dum novo
projecto com aquele material sem a necessária fundamentação, pois defendemos que cada obra
não seja a mera reprodução duma obra anterior, mas que assente numa pesquisa conceptual em
que todos os factores, a começar pelo programa, convirjam numa opção genuína, dado que o
material, sendo determinante em muitos aspectos, não é o único factor duma escolha.
Quando foram iniciados os estudos do projecto da Caixa de Avis, a necessidade de realçar o
exterior do edifício de uma forma coerente e lógica, tendo em conta a diversidade duma
envolvente incaracterística, criou desde logo os fundamentos para a escolha posteriormente
concretizada, do tijolo como material base.
Independentemente das razões para a escolha deste material, que incluiu o desejo, por parte da
Caixa Geral de Depósitos, de minimizar os custos de manutenção do edifício, aponte-se uma
questão fulcral e, quiçá, polémica, que era inerente à opção tomada, a da imagem facultado
pelo edifício na rua de acesso à Porta principal da vila, um pequeno mas valioso aglomerado
urbano marcado pela arquitectura branca no seu interior e pelo antigo Convento da Ordem
Militar de Avis.
Conforme referido, nos edifícios situados no interior das muralhas de Avis, na sua maioria de
pequena escala - exceptuando o grande volume do Convento - harmoniosamente distribuídos
através das ruas e largos, predomina o branco, também com a excepção do Convento que
expõe motivos decorativos de cor na sua fachada.
No exterior da muralha, no entanto, o crescimento desarticulado processado ao longo de anos,
reflecte-se em edifícios de diferente dimensão e aspecto, alguns de feição tradicional mas sem
nada que os qualifique, outros sujeitos a obras de remodelação bastante vulgares, como tem
sido corrente no nosso país, e outros ainda, mais novos e de presença mais marcante na sua
volumetria mas neutros na sua expressão,
Perante esta situação houve a consciência de que o local escolhido para a Agência da C.G.D.,
uma frente bastante visível de um quarteirão triangular, tinha uma presença marcante para
quem entrasse na vila.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Figura 12: Caixa Geral de Depósitos - Avis - Vista Alçado Principal
Se o edifício integrasse o interior do aglomerado, a opção nunca seria a mesma, mas situandose num arrabalde descaracterizado, a presença destacada de uma parede de tijolo à vista
problematizava a questão, colocada no início deste texto, das opções a tomar sobre a
construção de paredes de alvenaria, podendo conduzir a reflexões sobre a definição formal da
arquitectura numa área do sul do país, em crescimento.
Após a definição do programa do edifício e, genericamente, da sua implantação, e ao pensar na
sua presença no aglomerado, foi entendido que deveria ter a necessária dignidade e sobriedade,
distinguindo-se pela abordagem conceptual, tectónica e arquitectónica.
Nesse sentido, o material base da obra impôs-se e a reflexão, tendo em conta a experiência
anterior, ditou vários dados à partida, baseados no conhecimento dos limites e das
possibilidades de expressão do tijolo. Os autores da Estrutura, José António Crespo e Saldanha
Palhoto, inclinaram-se para uma maior ligação entre a estrutura de betão armado e a alvenaria
de tijolo, não considerando que este fosse autoportante, embora a nossa concepção e o desenho
tomassem por base essa possibilidade.
Como tinha ocorrido anteriormente, mas agora duma forma mais clara de propósitos, existe
uma estrutura interna de betão armado, mas que, dada a diferença do programa relativamente à
Casa de Queijas, se baseia num espaço único de atendimento, com áreas de apoio nos dois
pisos, envolvidos por uma caixa em tijolo.
O “controle” da iluminação natural é um dos factores chave da obra, porquanto a área central
do banco, que é sensivelmente um trapézio longilíneo em virtude do acerto com as linhas de
R. Hestnes Ferreira
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força da envolvente, possui duas aberturas significativas em cada extremo (uma de entrada e a
outra, oposta, para visualização dum jardim com uma árvore exterior, uma magnólia, tendo
ainda pequenos rasgos na fachada frontal (aliás a principal...), mas que não ofuscam a luz que
incide no centro do espaço interior.
Figura 13: Caixa Geral de Depósitos - Avis - Vista interior - rasgo de luz
A iluminação zenital existente entre duas vigas de betão branco tem por objectivo, para além
de iluminar o interior, de acentuar a importância do betão branco que, com leveza, enquadra o
rasgo de luz sobre o balcão central, em contraste com o peso da alvenaria de tijolo que define o
edifício.
4.3 A métrica do tijolo
A expressão da alvenaria de tijolo revela o conceito geral adoptado. Assim, o ênfase é dado
sobretudo à grande parede de tijolo que marca o exterior, acentuando o seu peso pelas frestas
triangulares verticais que convergem superiormente, num ritmo definido pelo denteado da
própria fábrica de tijolo, para uma abertura mínima de 22cm, a dimensão dum tijolo.
A Entrada processa-se através der dois semi-arcos circulares constituídos por fiadas contínuas
de tijolo de uma vez, a cutelo, que convergem no cunhal do edifício definido por um ângulo
agudo, cujo pormenor é um denteado alternado no mesmo material.
Do lado oposto da entrada no Banco, para a tornar mais visível, configurou-se uma abertura
circular em tijolo, que mergulha num pequeno lago (término dum percurso de água no jardim)
definido pelo mesmo círculo em tijolo, mas na horizontal.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Figura 14: Caixa Geral de Depósitos - Avis - Jardim em pedra e lago
Dum lado e do outro do edifício existem espaços exteriores ajardinados, limitados por muros
que prolongam os muros e paredes dos terrenos vizinhos, elementos de integração espacial
deste conjunto.
Importa realçar que este edifício constitui uma outra forma de abordagem do construir em
tijolo, porquanto se verifica uma maior fusão entre o gesto da sua concepção que incorpora já
um conhecimento anterior dos parâmetros construtivos do material, que presidiu ao seu
desenho.
4.4 Biblioteca da Moita
A concepção da Biblioteca Bento de Jesus Caraça, o terceiro edifício que é objecto desta
descrição, foi iniciada alguns anos após a do edifício anterior embora antes da sua conclusão.
Existem algumas particularidades associadas à escolha dos materias do projecto, com um final
um pouco surpreendente, que derivou do facto dele ter sido concebido em simultâneo com
outro, o do Tribunal da Moita.
Efectivamente os dois edifícios iriam compartilhar um mesmo espaço na área central da Moita,
tendo-se optado, praticamente desde o início, por criar uma relação de contraste entre eles,
escolhendo-se o revestimento exterior de pedra para o Tribunal, numa solução compacta, de
dois pisos, como se de um bloco de pedra se tratasse, e de tijolo para a Biblioteca, uma
edificação extremamente recortada, basicamente de um piso, com dois pátios que focalizavam
a leitura infantil e de adultos.
No entanto por razões fundiárias estes dois edifícios não puderam compartilhar esse espaço,
sendo a Biblioteca implantada noutro sítio, procedendo-se às necessárias alterações para a
adaptar ao novo local.
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Neste edifício a escolha dos materiais base processou-se desde o início, conforme referido, e o
desenho dos elementos construtivos decorreu paralelamente à sua concepção. Mais uma vez se
verificou, embora de modo diverso do anterior, um diálogo entre o tijolo e o betão branco,
ficando este associado aos grandes envidraçados dos espaços de entrada e leitura, enquanto o
tijolo, não limitado à envolvente do edifício, incorporou as paredes dos núcleos mais fechados,
correspondentes às zonas de estantes, de Audio-Video e à sequência espacial Sala de
Exposições – Auditório – Palco, este último aberto ao exterior.
Como o traçado geométrico do edifício foi essencial na sua concepção, regulado por dois eixos
que se cruzam no centro e regem os seus espaços, os pilares correspondentes a essa articulação,
misto de betão (no interior) e tijolo (exteriormente) desempenham um papel fundamental no
interior do conjunto.
Figura 15: Biblioteca da Moita - Vista interior com pilares
Nesta obra, em que a forma construtiva adoptada na relação entre o tijolo e o betão branco,
teve a contribuição do Engº, Teixeira Trigo, o modo de usar o tijolo, alterou-se relativamente
aos anteriores, estendendo-se ao tratamento dos espaços interiores e participando por isso mais
claramente na concepção dum edifício, complexo e diversificado.
Assim, a Entrada faz-se por um corpo autónomo entre os dois pátios já referidos, sendo o
ambiente definido pela estrutura de betão branco e amplos envidraçados. Chega-se depois ao
centro do edifício marcado pelo cruzamento dos dois sistemas de pilares de tijolo que
direccionam o movimento das pessoas, lateralmente, para zonas de leitura, e frontalmente na
direcção do único corpo de dois pisos do complexo, com uma sala de exposições de pé direito
duplo iluminada superiormente, rodeada por paredes de tijolo recortado que sustentam uma laje
de betão nervurada, harmónica com a modulação das paredes Ainda frontalmente, passando
sob um balcão superior entra-se no Auditório com uma configuração aproximada da sala de
exposições mas revestida não apenas com tijolo mas também com madeira, por razões
acústicas.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Voltando ao centro do edifício, se optarmos pelos espaços laterais, entraremos nas salas de
leitura de adultos ou crianças, com envidraçados (entre pilares de betão branco) para os pátios
respectivos, A luz dos pátios incide sobre os locais de leitura, mas as estantes à volta são
iluminadas por aberturas superiores, nas paredes de tijolo e nas vigas de betão.
Mais uma vez a luz se define pelo material que a enquadra em função dos espaços que ilumina.
O diálogo dos materiais é também o diálogo da luz e o produto da interligação dos dois
sistemas construtivos, cuja convergência, não se verificava nas duas obras anteriores.
Figura 16: Biblioteca da Moita - Vista - Pórtico e sala exposições
Um dos pontos chaves desta obra, que também inclui o pórtico central do edifício, é o da
abertura do palco para o exterior, em que os pilares de secção quadrada que enquadram os
vãos, rodam em função dum ponto central da cena, e sustentam o sistema de betão que, por sua
vez, apoia a grande massa do paramento de tijolo que encerra o palco a um nível superior.
Esta solução, em especial, documenta uma forma alternativa de abordagem do uso do tijolo,
havendo uma inter-relação mais forte com o betão armado, não estando tão fortemente limitado
por uma coerência interna de uso do material.
Obviamente que a compreensão do modo de agregar o tijolo não se perdeu (sendo evidente na
modulação das fiadas que percorrem todo o edifício), mas não houve a preocupação única de o
tratar como material autosuportado mas antes de reforçar o seu papel nos contexto
arquitectónicos em que se situa e na relação que cria com os restantes materiais, que também
contribuem para a definição da obra e que, no caso presente, são o betão, já citado, e também a
madeira, em zonas especiais do edifício.
Citemos ainda um dos mais saborosos pormenores da obra, num recanto escondido da Sala das
Reservas onde, numa das janelas que uma Equipa de Desenho que connosco trabalhou
designou por a “dos deuses”, optámos por um certo excesso no uso diversificado do tijolo,
colocado em elementos verticais e horizontais combinados, formando “favos” que fragmentam
a luz com o objectivo de uma valorização desse espaço especial.
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Figura 17: Biblioteca da Moita - Vista Exterior - Corpo das reservas
5. CONCLUSÃO
Tentámos retratar o modo como o tijolo foi utilizado em três obras distintas, distanciadas no
tempo e com características programáticas, espaciais e construtivas diferentes, bem como a
evolução do seu emprego.
Figura 18: Caixa Geral Depósitos - Avis - Pormenor de abertura
A reflexão que nessas obras se efectuou não foi apenas sobre o modo de o usar, mas também
sobre a forma arquitectónica e a interdependência com o factor construtivo como embrião da
concepção da arquitectura.
A diferença de tratamento do material nestas obras é decerto comparável com diferenças
ocorridas em obras onde utilizámos materiais diferentes destes mas duma mesma família. Aí
decerto que também se verificou numa atitude idêntica, ou seja a procura duma compreensão
dos materiais e do seu uso inventivo de acordo com as suas características intrínsecas e
também a pretensão de que essa metodologia presidisse à génese da forma.
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Conhecer o tijolo para construir a arquitectura
Figura 19: Caixa Geral Depósitos - Avis - Estudos
No caso particular do tijolo, as suas características dimensionais, a sua resistência, a sua
coloração e modo de agregação, e a facilidade de colocação (que exige, no entanto, um
trabalho prévio de planificação em projecto e obra bastante exaustivo) concedem-lhe um
grande poder base de sedução, ou eventualmente, de rejeição, o que não exclui que a sua
utilização, mesmo que correcta do ponto de vista construtivo, não possa dar origem a uma
arquitectura monótona e vulgar, onde não se sinta o mínimo esforço de procura e de
investigação, o que, aliás, poderá ocorrer com qualquer material.
Tentámos que fosse aparente a nossa preocupação técnica, quiçá tratada empiricamente, mas
que teve como objectivo principal a produção fundamentada de espaços arquitectónicos em que
a imaginação não estivesse ausente.
Registe-se, por último, o interesse manifestado por encarregados e pedreiros, em todas as obras
de tijolo que realizámos, na execução de trabalhos de grande complexidade, exigindo muita
capacidade e atenção, e o seu orgulho em corresponder às intenções implícitas no projecto,
executando com grande competência tarefas fora do comum e dignificando o seu estatuto
profissional.
Figura 20: Biblioteca da Moita - Pormenor de parede de tijolo
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