CDU 911.3:63(812/814) PAISAGENS DE UM GRANDE SERTÃO: A MARGEM ESQUERDA DO MÉDIO-SÃO FRANCISCO NOS SÉCULOS XVIIIAXX* Ângelo Alves Carrara tortura-nos ... não só o desenvolvimento da produção capitalista, mas também a carência [der Mangel] do seu desenvolvimento. Além das misérias [Notsuinden] modernas, oprime-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes do fato de continuarem vegetando modos de produção arcaicos e ultrapassados, com seu séquito de relações sociais e políticas anacrônicas. K. Marx, prefácio à 1' edição d'o Capital 11867]. Em cartas a João Lúcio de Azevedo, Capistrano de Abreu afirmava que não haveria para a História do Brasil questão mais importante que a ruptura da grande curva do São Francisco, ... a entrada no Parnaíba, o caminho terrestre do Maranhão à Bahia. Essa região entre o São Francisco e o Parnaíba, onde Capistrano achava que estava o nó da nossa história, lugar de encontro de baianos e maranhenses, ocuparia lugar central na sua projetada "História Sertaneja"'. O nó do Brasil, segundo Capistrano de Abreu, corresponderia em linhas gerais à "região central", ou "do sertão" do Piauí, isto é, à região formada pelos vales dos rios Canindé e Piauí, desde Juazeiro e Petrolina até Oeiras. Parto dessa sugestão de Capistrano. Contudo, não é exatamente esse nó que aqui se pretende visitar. O objeto deste estudo situa-se ao sul desta área, na região compreendida pelos vales dos rios Paraim e alto Gurguéia, no Piauí, e, pela margem esquerda do São Francisco, * Este trabalho contou com o indispensável apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - Fapemig, que custeou a pesquisa arquivistiea em Salvador e em Teresina. Devo igualmente agradecimentos à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pela cessão das folhas topográficas correspondentes ao recorte espacial aqui adotado. Cartas a João Lúcio de Azevedo (de 14 de setembro de 1916, de 8 ede 18 de março de 1918) in: ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial [1919]. 6. ed., Rio de JaneiroBrasília: Civilização Brasileira-Instituto Nacional doLivro, [976. p. xiii,xxv-xxvii e 125. Paisagens de um grande sertão desde os vales dos rios Grande, na Bahia, até o do Urucuia, em Minas Gerais. Esta área é aqui assumida como uma região à órbita da qual achavam-se estabelecidas diversas articulações regionais bem como os circuitos mercantis dos sertões mineiros, goianos, tocantinenses, baianos, piauienses, maranhenses e pernambucanos. Este recorte espacial quer-se justificado pela conjugação de três razões fundamentais. A primeira, por ser uma área de interseção de três grandes regiões brasileiras: os vales dos rios São Francisco, Parnaíba e Tocantins. Em segundo lugar, pela distribuição e a densidade demográficas dela características, e vigentes ainda nas décadas de 1940 e 1950. Por fim, a própria subdivisão regional do vale do São Francisco. O recorte temporal escolhido - princípios do século XVIII até os meados do século XX - foi considerado correspondente a uma estrutura, na qual um conjunto de elementos homogêneos da sua paisagem natural, humana e agrária perduraram. O estudo das estruturas econômicas pré-capitalistas vigentes nessa região de cerca de 200.000 km 2 busca enfatizar, principalmente, as relações mais gerais havidas entre as pessoas que por razões várias escolheram, aceitaram ou foram compelidas a viver nesse ambiente. Este estudo impôs a superação de vários desafios. O principal deles, o da indigência documental: como estudar uma área para a qual dispomos tão-somente de fragmentos documentais não senados? A alguém (mal-)acostumado à fartura de documentos e às amplas possibilidades oferecidas pelas fontes seriais abundantes, outras formas de aproximação do objeto se impuseram na direta proporção da necessidade de aumento do controle sobre elas: a relatos de viajantes, a trechos de correspondências oficiais, a fórmulas notariais e suas variações e a um punhado de inventários recorri para responder às questões aqui colocadas. As citações - às vezes extensas - destas fontes buscam substituir a cômoda sistematização de dados seriais. Não se pode perder de vista, contudo, que as citações mesmas estão sujeitas a uma arrumação dada. Em virtude da natureza destas fontes, este estudo participa da "tradição histórico-geográfica".' Quer-se uma introdução, porquanto Parafraseando Philipp von Luetzelburg, foi essa tradição que me inspirou a percorrer parte desse sertão em busca de registros escritos dos seus modos de produção da vida e de suas relações com o meio ambiente. Devo agradecimentos a muitos que tomaram a tarefa agradável, especialmente aos funcionários dos Arquivos Públicos dos Estados da Bahia e do Piauí, e do cartório de notas de Paratinga (BA). 62 Ci. & Tróp., Recife, v 29, n.1, p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara muito há que ser feito.' Destarte, serão aqui visitadas as paisagens naturais, demográficas e rurais desse grande sertão. 1. As paisagens naturais A vagueza dos limites da porção piauiense dessa área, descrita em 1697 pelo padre Manuel do Couto, decorria do desconhecimento do território: a leste, os sertões desertos que correm para Pernambuco, pelos quais se não tem descoberto caminho nem se vadeiam, em razão dos muitos gentios bravos, que neles habitam. A oeste, os matos desertos que correm para as índias de Espanha, pelos quais não há caminhos nem se sabe de seu fim; para o norte, a costa, e, finalmente, para o sul, o rio São Francisco, para onde havia dois caminhos por entre matos desertos em que se não acha água no tempo de seca.' No século XVIII, ser-lhe-ia acrescentada a identificação da fronteira meridional: as terras novas da Natividade, pertencentes a Goiases. 5 Apesar da fertilidade das terras do vale do Gurguéia, que o padre Manuel do Couto descrevera em 1694, menções da aridez do clima dessa região sobejam.' O "Roteiro do Maranhão" apresentava o sei-tão que corre entre o rio São Francisco e a Capitania do Piauí como quase todo ainda inculto. ( ... ) Quando não chove (o que freqüentemente acontece) secam as águas que ficam estagnadas e chega a faltar até a necessária para saciar a sede dos viandantes; sendo já alguns acabado e outros sustentado a vida com o suco que extraem de umas grandes batatas criadas debaixo da terra nas raízes dos ambuzeiros, árvores 3 Com as fontes disponíveis, é possível ser escrita a história da propriedade rural dessa região desde as primeiras décadas do século XIX. Pamaguá, Carinhanha e Páratinga, por exemplo, podem contar essa história a partir de dois cadastros: ode 1855 e o de 1898. COUTO, Manuel do (padre). Descrição do sertão do Piauí (1697). ia: ENES, Ernesto. As guerras nos Palmares. São Paulo: Nacional, 1938. 'DURÃO, Antônio José de Morais. Descrição da Capitania de São José do Piauí [origina[ manuscrito no Arquivo Histórico Ultramarino, caixa 3]; in: MOn, L.R.B. Pia,,! colonial. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985, p. 25; GALUCIO [GALLUZZI], HenriquesAnlônio. Mapa geográfico da Capitania do Piauí; 1760 (Mapas e Planos Manuscritos relativos ao Brasil Colonial - 1500-1822, n. 192 e L9311(amarati). 6 levando em nossa companhia, escrevia o padre, quarenta e duas pessoas sem provimento de matalotagens, achou-se tanta abundância de mel, peixe, caças e frutas que não experimentamos falta alguma dezesseis dias que caminhamos pela beira do rio. Adiante, porém, advertia: apartados ... dele, padecemos cinco [dias] de grande fome. Ci. & Tróp., Recife. v. 29, n. 1, p. 61-123. jan.ljun., 2001 63 Paisagens de um grande sertão crescidas e espessas, e que não conservam a folha com que reparam o ardor do sol; mas se cobrem de frutos agradáveis no gosto, e muito semelhantes na cor e figura às ameixas secas. E com a mesma aspereza continua este sertão pertencente a Pernambuco desde a freguesia de Cabrobó até a Barra do rio Grande do Sul.' Segundo Vilhena, nos primeiros anos do século XIX, todo esse ramo de sertão da passagem do Juazeiro, rio São Francisco acima, até o rio Verde, era um extremo árido e estéril, à exceção das margens do rio São Francisco.' As descrições mais precisas sobre a diversidade de paisagens naturais só começariam a ser feitas em meados do século XIX. Em largos mas seguros traços, o governador Alencastre precisara os terrenos elevados tomam o nome de chapada, que é coberta de agreste e arvoredos espalhados; os terrenos baixos ou são tabuleiros ou campinas cobertas de capim mimoso [e que por isso contavam corri a regularidade das estações], ou agreste de matas e palmares. Os terrenos montanhosos ou são inteiramente despidos ou vestidos de caatingas grossas, carrascos ou charravascais, que vão desaparecendo à proporção que o terreno declina, para tornarem o nome de caatingas mansas nos vales e encostas.9 Contudo, o primeiro esforço de caracterização geográfica dessa região segundo preceitos contemporâneos foi cometido pelo botânico alemão Philipp von Luetzelburg, para o Ministério da Viação e Obras Públicas. De janeiro de 1911 a março de 1912, Luetzelburg percorreu 3.510 quilômetros através da Bahia e Piauí no intuito de estudar e preparar o que ele denominava um esboço defitogeografla do Nordeste brasileiro. Seu roteiro passava por Juazeiro, Bom Jesus do Gurguéia, '"Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí", in: RevistadoInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RJHGB), t. 62, 1900, p. 60-161, p. 80 e 96. É curioso notar que no mesmo documento, a este ambiente tão rude eram contrapostas as minas, país fertilíssimo e que tanto produz de géneros e frutos da América coma da Europa. VILHENA, Luis dos Santos. Recompilações de notícias soteropolitanas e brasílicas E [1802]. Salvador. Imprensa Oficial, 1921-2. v.2, p. 592. ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Memória cronológica, histórica e corográfica da província do Piauí (1855). R1HGB, tomo 20 (1857), p. 931103-39. Segundo Luetzelburg (LUETZELBIJRG, Philipp voa. Estuda botânica do Nordeste. Rio de Janeiro. Inspetoria Federal de Obras contra as Secas/Ministério da Viação e Obras Públicas. 1922-3, p. 38), a denominação de chapada é dada ali [ao rio Preto] a um planalto elevada, não se tomando em consideração a sua vegetação. 64 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.1,p. 61-123. jan./jun.. 2001 Ângelo Alves Carrara São João do Piauí, Parnaguá, Santa Rita do Rio Preto, São Marcelo, Duro, Tabatinga, rio das Fêmeas, Santa Maria, São Desidério, São Gonçalo e Bom Jesus da Lapa. Luetzelburg explicava que Capistrano de Abreu fora seu mentor, que lhe dera ensinamentos valiosíssimos na pesquisa difícil da literatura muito espalhada e remota.` A descrição de Luetzelburg, apresentada em 1922 como texto e mapa fitogeográfico do Piauí, estabelecia uma diferença entre a faixa entre Picos e Jerumenha, passando por Jaicós e Oeiras (zona do mimoso), a zona do Planalto, onde se localizavam os municípios de Parnaguá e Corrente (o agreste, com ocorrência de buritizais e maniçobais), e a região com predomínio do que ele denominava "caatinga legítima", com camaubais nos vales dos rios Piauí e Gurguéia e maniçobais na Chapada Grande ou de Bom Jesus. A ele se deve a fixação, na literatura científica, das categorias fitogeográficas básicas dessa região, repetida mais tarde pela expedição de 1942-4. Após Luetzelburg, gerais, agrestes, grameais, vazantes e veredas fixaramse como categorias particulares da fitogeografia nordestina do sul do Piauí e do oeste baiano. A expedição de 1942 foi o arremate que conjugou os aspectos geográficos mais fundamentais: vegetação, hidrografia, relevo e geologia. Razão pela qual seu relatório será tomado aqui como referência básica aos aspectos ambientais. O mais importante resultado sempre atravessando por extensos buritizais em estradas largas, desertas, sem trânsito e desprovidas de habitações, pernoitando ao relento, com frio intenso e grande umidade, atingimos finalmente diversas localidades, cujos habitantes procuravam sua subsistência nos frutos e na caça, que as matas lhes proporcionavam; quanto ao mais, completamente isolados do mundo. ( ... ) Em Pedra do Fogo, constituído de uma moi-adia apenas, acampamos dois dias, porque, queimadas enormes, com fumaça espessa, escureciam o horizonte, não nos dando um raio de visão (LUETZELBURG, Estudo..., v. 1, p. 5 e 37); BRASIL. MINISTÉRIO DA VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS. Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Mapa fitogeográfico do estado do Piauí (escala 1: 2.000.000; referência ARC 13-3-29 da Seção de Cartografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), organizado por Philipp von Luetzelburg. Rio de Janeiro-São Paulo: Tip. Lit. Ipiranga, 1922. Martius (in SPIX, Johann Baptist von. Viagem pelo Brasil [ 1818]. Belo Horizonte-São Paulo: ItatiaiaEdusp, 1981. v. 2, p. 106) assim se exprimiu a propósito das queimadas nos gerais: a vasta planície arenosa que se eleva gradualmente coberta totalmente com arbustos espessos em parte sem folhas durante a seca, que quase todos os anos são vítimas do fogo posto pelos sertanejos justamente agora, haviam-se propa gado essas queimadas numa extensão enorme, e nós éramos obrigados, mais de uma vez, a deixar o caminho e a passar apressadamente por entre trechos incendiados. De fato, a vista aérea destas queimadas em tudo confirma o que estes viajantes delas afirmaram. E mesmo espantosa a extensão percorrida peta densa nuvem de fumaça que delas se origina. Ci. & Tróp., Recife, v 29. n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 65 Paisagens de um grande sertão da expedição foi o estabelecimento da relação entre aqueles quatro fatores na região: a altitude dos terrenos, os aspectos geológicos, as características dos rios e os tipos de cobertura vegetal» Pedro Geiger, em 1950, distinguia duas grandes regiões: a dos "gerais" e a das "veredas", nas quais eram encontrados os tipos característicos: os "geralistas" e os "veredeiros".' 2 Adotou-se aqui uma classificação fitogeográfica, considerada mais relevante para os interesses específicos desta pesquisa. Exatamente por se tratar de zona de confluência de três grandes regiões do Brasil, os geógrafos das décadas de 1950 e 1960 ainda encontravam problemas para uma classificação mais adequada dessa área. Quanto ao Maranhão e ao Piauí, justificavam que, embora se achassem filiados ao Nordeste do Brasil por laços históricos de povoamento, por certas facilidades de circulação, ... já do ponto de vista físico o Maranhão e o Piauí não apresentam feições próprias, características do Nordeste tradicional, entendido este como se alongando do Ceará até o Norte da Bahia) 3 Tratar-se-ia de uma "área problema", de características indecisas na sua periferia - em parte amazônica, no noroeste do Maranhão, em parte Nordeste típico, nas lindes cearenses. Daí a expressão "Meio Norte", transicional, meio indefinido. A dificuldade mais real, na delimitação do Meio Norte, surge ao sul da orla da Hiléia. Como separar o restante do Maranhão dos domínios do Centro-Oeste? As características gerais do Meio Norte residiriam na convergência de aspectos das três regiões vizinhas: a Amazônia, a Nordeste e a Centro-Oeste. Capistrano de Abreu argutamente percebera isto. 1.1. Uma região tipicamente sanfranciscaila Das regiões geográficas do rio São Francisco, excluem-se deste estudo a região das corredeiras, o alto e o baixo curso do rio. Orlando PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição à região centro-ocidental da Bahia (1944]. Revista Brasileira de Geografia, v.7, n.4, p. 578, out./dez. 1945. DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição ao estudo da geografia da região sudoeste da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, abr.-jun. 1947, p. 185-244: uma parte desse trabalho Foi utilizada no relatório do chefe da expedição (publicado no número 4. ano VIU da Revista B,-asileira de Geografia: o "inverno", ou estação das chuvas, é pelos nativos oposto ao "verão", a época em que não há chuvas. "GEIGER, Pedro. As veredas e os gerais da região do rio Preto, na Bahia; estudo de geografia humana: Boletim Carioca de Geografia, v.3, n.1, p. 18-31, 1950. BRASIL. IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. v. 6, p. 21,24 e 25. 66 Ci. & Tróp., Recife, V. 29,,i.], p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara Valverde assinalava a íntima ligação da região das corredeiras ao Nordeste - o rio é um acidente de segunda ordem. Por seu turno, todo o trecho de Pirapora para o sul - região das nascentes, com formações silurianas e cretáceas - incluir-se-ia na chamada "zona oeste", ou melhor, na "zona da [Estrada de Ferro] Oeste" de Minas. E concluía: já a região do médio São Francisco ... é tipicamente sanfranciscana, diríamos assim; ela possui mais peculiaridades, mais aspectos particulares ao próprio vale. Por isso ela representa melhor o vale do São Francisco. Não possui uniformidade de paisagem; em compensação é uma unidade antropogeográfica quase pe;feita.' 4 O que amalgamava verdadeiramente a grande variedade de paisagens do médio São Francisco era a navegação. Seria ela a responsável pela unidade econômica que apertava os laços comerciais dos portos ribeirinhos e das regiões ligadas ao vale. A navegação fazia do médio São Francisco um corredor de passagem, unia zona de transumância, com as grandes migrações que a caracterizam. O médio São Francisco compreendia algumas subdivisões: as zonas das caatingas, das dunas, e dos afluentes perenes. A zona das dunas, na margem esquerda do São Francisco, entre Mucambo do Vento e Pilão Arcado, caracterizava-se por uma paisagem desértica. As dunas formam como que um "erg" parcialmente revestido de vegetação psamófila. Era uma região pobre e muito fracamente povoada. Para o interior, as caatingas próximas ao divisor de águas com a bacia do Pamaíba são percorridas pelos sertanejos para a coleta do caroá.'5 Na zona das caatingas características, dominantes na paisagem desde Petrolina até o Carinhanha, além da sua formação florística, alguns aspectos fisiográficos eram-lhe igualmente comuns, como a larga baixada aluvial, os chapadões a limitar o vale por escarpas, o próprio curso do São Francisco, que se torna mais largo e cujas ilhas aparecem com muito maior freqüência. Aí ocorre o curioso fenômeno do desequilíbrio entre os afluentes de uma e outra margem. Na margem A divisão geográfica aqui adotada - o São Francisco inferior (da foz até Itaparica), a região das corredeiras (de Itaparica até Juazeiro), o médio (de Juazeiro até Pirapora) e o alto São Francisco (de Pirapora até as suas nascentes) —segue as observações sobre o terreno feitas por VALVERDE, Orlando. Divisão regional do vale do São Francisco. Revista Brasileira de Geografia, v.6, n.2, p. 210-215, abr./jun.. 1944.. 13 Sobre a exploração do caroá, nessa época, cf. CRUZ, Ruth Bouchaud Lopes da. Notas sobre a ocorrência do caroá no Nordeste. Boletim carioca de Geografia, v.3, n.4, p. 30-40, 1950. Ci. & Tróp., Recife, v 29, ti. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 67 Paisagens de um g;-ande sertão esquerda, três grandes afluentes (Carinhanha, Corrente e Grande) são todos perenes; os demais afluentes da esquerda são sem importância e não são perenes. Na margem direita, os únicos perenes (e sem importância) são o Verde Grande e o baixo curso do rio Salitre. A exploração agrícola das margens é a mais intensa: caroá, carnaúba, mangabeira. A zona das caatingas do médio São Francisco leva até as raias setentrionais de Minas o domínio da pecuária do jumento e do cabrito. Na zona dos afluentes perenes (de Manga e São Francisco até Pirapora), o solo era formado pelo calcário da formação Bambuí e pelo grés Urucuia. Os rios têm um curso mais estreito, e todos os afluentes são perenes. A pluviosidade é superior a 800 mm. Domina o cerrado, e há um incremento do gado bovino. Ultrapassa o escopo deste trabalho detalhar o desdobramento histórico da divisão municipal. Contudo, o anexo 1 é de qualquer modo útil para se conhecer os desmembramentos sucessivos ocorridos nos territórios originais das vilas coloniais de Parnaguá e Barra, que recobriam o sertão em estudo, e os municípios que hoje lhes correspondem.` 1.2. Os "gerais" Entre os 900 e os 650 metros de altitude, os "gerais", dos grandes alcantilados, das serras com grandes escarpas de arenito. Essa região alta de relevo tabular - denominada "Espigão Mestre", na vertente baiana, e Serra Geral, no lado goiano - corresponde aos trechos mais elevados do divisor Tocantins-São Francisco.` Seu solo Um acompanhamento detalhado dos distritos de cada um dos municípios componentes deste senão pode ser feito a partir da correspondência das Câmaras para o governo da Província. Cf., sobre isto, os ofícios de 5 de setembro de 1829 e de 28 de abril de 1838 da Câmara da vila da Barra (ARQUIVO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA. maço 1257). Martius (Viagem ..., p. 82) registrou que os trechos dos afluentes ocidentais do rio Verde Grande e rio São Francisco são designados com o nome de Campos Gerais de São Filipe ... cobertas em geral de campinas, diferençadas do vale do rio São Francisco da beira do rio, pelos habitantes com a denominação de gerais; mais adiante (p. 94): os campos ou chapada de Santa Maria do São Francisco até as fronteiras de Minas e Goiás; e em seguida (p. 103): nas regiões situadas mais alto, mais secas revestidos com arbustos cerrados, em parte sem folhas, e as vargens de um tapete fino de gramíneas, com muitas flores, por entre as quais surgiam grupos espalhados de palmeiras e moitas viçosas, os gerais do Vão do Paraná. 68 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.1, p. 61-123, jan./jun.. 2001 Ângelo Alves Carrara é constituído de arenito pertencente à formação Urucu ia, e é graças a ele que pode aí conservar-se grande quantidade d'água, e encontrarse a rede hidrográfica perene muito ramificada. Os rios nesta zona que correm mais ou menos paralelos, não secam a não ser excepcionalmente. É a chapada arenítica que lhe dá o traço característico: ela traz inerente em si a imensidão e com isso a monotonia da paisagem.` A região da Chapada tem seu princípio desde as nascentes dos afluentes perenes da margem esquerda do São Francisco até as proximidades da rodovia BA172 e BR242, isto é, das nascentes até uma linha imaginária passando por Cocos, Coribe, Santa Maria da Vitória, Correntina, Canápolis, Santana, Tabocas do Brejo Velho, Cotegipe, Angical, Santa Rita de Cássia, e de Barreiras a Formosa do rio Preto. É uma área de tensão ecológica cerrado-caatinga, onde o período seco dura entre cinco e quatro meses. Caatinga pura apenas na zona das dunas, de Pilão Arcado para o norte. Na parte superior do seu curso e até depois das cachoeiras, estes rios são denominados marimbus. Estes marimbus abrigam uma população que teima em plantar e criar na areia, procurando assim fugir das secas temporárias que assolam as caatingas,fertilíssimas quando molhadas, dos terrenos silurianos. Eles apresentam como característica a presença da elegante palmeira buriti, a buritirana e a pindaíba, que lhes emprestam um aspecto de destaque na paisagem.` IS Esta paisagem ao mesmo tempo que embriaga e fascina leva à exasperação o indivíduo que não é afeito a este tipo de vida, quando se acha no meio da chapada (DOMINGUES, A. J. P., Contribuição ..., p. 187.); uma enorme e vasta planície que se perdia no horizonte logo depois nos recebia e nos tragava na sua interminável monotonia (LUETZELBURG, Mi., Estudo ..., p. 38). Os chapadões de arenito são um espetáculo natural incomum, sem dúvida. 19 Mastius, cuja expedição atingiu a Contagem de Santa Maria, perto do Riachão da Gameleira, no Vão do Paraná, descreveu (Viagem ..., p.103-6) que aquela majestosa natureza nos rodeou de todo o seu encanto particular: o ligeiro sussurro dos leques das palmeiras, o canto delicado de pássaros remotos, a solene escuridão do firmamento estrelado ... nos dava tanta serenidade de alma, que nos sentimos ricamente compensados da falta do ambiente civilizado. ( ... ) É indescritível o encanto desta região, onde frescos bosques alternam com extensas campinas cheias de claras fontes e de grupos de majestosas palmeiras buriti, o qual é realçado pelo fato de não parecer profanado pela mão da civilização, pois os poucos colonos quase e.xclusivamenre se ocupam aqui da criação de gado. E mais adiante (p. 112): este rio [Formoso] ... bem merece tal epíteto, pois os seus arredores parecem um jardim extenso, no qual a natureza reuniu tudo que a imaginação de um poeta escolheria para morada de ninfas ou de fadas. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 69 Paisagens de um grande sertão Contudo, apesar de nesses imensos chapadões nascerem e correrem rios perenes, a esterilidade de seus terrenos impede que sejam habitados. De marimbus eram também denominados igualmente os alagadiços situados à margem direita do poliedro rio Grande/rio São Francisco/rio Corrente, que vão se lançar no rio de São Desidério. Em todo esse trecho o tipo de vegetação é unicamente "gerais", segundo a denominação regional, isto é, árvores raquíticas, de troncos retorcidos e espaçadas onde predominam a mangabeira e o cajueiro nativo, o capim já descrito e, nas margens dos rios, ou nas suas proximidades, as infalíveis palmeiras buritis e buritiranas. Também no alto dos chapadões é encontrada a palmeira denominada tucum. A flora da zona ... é mais ou menos uniforme, constituída de campos cerrados: a mangabeira donde se extrai a borracha de mangaba, mirtáceas, araçás, anacardiáceas, muricis, canela-de-ema, paud'arco, pau-de-sangue, pau-de-terra, pau-para-tudo, xixá, pau-santo. A flora rasteira é composta pelo tucum, catolé e gramíneas que se denominam agrestes. 2° Algumas vezes este cerrado apresenta os seus elementos mais aproximados, quase intransponíveis. E o chamado cerradão. Há a evolução para um outro tipo, as campinas; aí há o espaçamento entre os elementos arbóreos, as árvores ficam mais e mais raquíticas, chegando quase a faltar (como nas cabeceiras do Carinhanha, Formoso, do Meio, das Éguas, e Grande). Liga-se esta degradação dos campos cerrados em campinas à diminuição de umidade e à altitude. Outras vezes, no meio do chapadão arenítico, encontramos uma mancha de uma vegetação com aspecto bambuiforme, que os naturais denominam grameal e cuja existência sem dúvida está ligada ao solo; a rocha ainda é o arenito, mas agora o cimento não é mais silicoso, e sim argiloso. Era nos gerais que se encontravam os "refrigérios", aproveitados pelos criadores de gado bovino para, nas quadras secas, evitarem a morte dos animais, retirando-os da caatinga, inútil nessa época. Dessa forma evitavam a sua morte em massa, pois nos gerais 20 PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição à região centro-ocidental da Bahia [1944]. Revisto Brasileira de Geografia, v.7, n.4, p.578, out./dez., 1945) Pedro Geiger ("As veredas ...., p. 19) nomeou indistintamente de "brejos" as cabeceiras dos rios ou pequenos afluentes dos altos cursos sem leito escavado, de cujas margens pantanosas. às vezes não se percebe o fluxo, e cujos cursos são acompanhados de buritis e sassafrases. numa fita de mata ciliar hidrófila. 70 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.], p. 61-123, jan.ljun., 2001 Ângelo Alies Carrara não faltavam, pelo menos, a água, aí abundante, e o capim agreste, que depois de suficientemente queimado, é tenro quando novo, apesar de pobre como alimento. Nestas regiões de arenito sem argila e sem madeiras de boa qualidade, ondê as casas eram todas feitas de buriti, viviam os 'geralistas'. Naquele momento, os autores referiam-se principalmente aos mangabeiros, únicos exemplos de seres humanos que nos gerais do rio Grande tinham sua morada seminômade. Além deles, os caçadores de couros, peles, coletores de cera de carnaúba, pecíolos dos buritis e penas de ema.2' 1.3. As caatingas As caatingas dominam a paisagem das terras abaixo dos 650 metros de altitude, e nas quais o período seco dura de seis a oito meses. Entre os 650 e os 450 metros estão os terrenos calcáreos. Toda essa área é coberta pela vegetação típica da caatinga - a "caatinga legítima" de Luetzelburg, e da qual a barriguda é sua árvore mais característica. Ocorrem cactáceas com predominância de mandacarus. Há ainda o xique-xique, a barriguda, o imbiruçu. Estas caatingas não são tão raquíticas como as demais do Nordeste, encontrando-se sempre árvores de maior porte, e até muitas madeiras de lei como o cedro e o jacarandá. São nessas áreas que se acham todos os terrenos férteis da região. Já nos terrenos situados a menos de 450 metros de altitude predomina uma ingratíssima caatinga, raquítica e cheia de espinhos, em muito pior situação que a caatinga legítima. No solo argiloso do vale do São Francisco há grande riqueza de sais de cálcio. A paisagem natural contrasta os barrancos argilosos que atingem de 10 até 15 metros de altura com áreas muito baixas e pantanosas, cheias de lagoas e furos, com uma vegetação característica e hidrófila, denominada aí lagamar. Esta formação chega em alguns lugares a ter nove quilômetros de largura. Aí, a caatinga tende à PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. Revista Brasileira de Geografia, 5(4), out.-dez. 1943. p. 603: PEREIRA, O. 5.. Expedição à região centro-ocidental da Bahia [1944]. Revista Brasileira de Geografia, v.7, n.4, p. 58819, 597-602, out./dez., 1945: e DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição ao estudo da geografia da região sudoeste da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, abr.-jun. 1947. 21 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 6I-123,jan./jun., 2001 71 Paisagens de um grande sertão caatinga-carrasco; uma formação florística cujos elementos possuem em média três metros. As barrigudas, características dos terrenos muito ricos em cálcio, misturam-se com outros elementos constantes: juremas, vaqueta, pau-d'arco-roxo, calumbi, juazeiro, macambira, umburanas, mato-pasto. Entre as cactáceas, o mandacaru, o xiquexique, a palmatória - de algum modo barreiras para o homem. Bem mais para leste encontram-se os "carrascos", caracterizados pela presença da unha-de-gato, da maniçoba e do caroá. 1.4. Veredas e vazantes Disseminadas por todo o território de domínio das caatingas, estão as veredas e as vazantes. As vazantes consistem em terrenos cobertos de matéria orgânica pelas cheias dos rios, especialmente pelo São Francisco, e são absolutamente inúteis, de vez que sua caudal só decanta areia (arenito das chapadas). 22 Ao examinar os terrenos que cercavam e sobre os quais estava construída a cidade de Rio Preto, a expedição de 1942 verificou que eram péssimos, quer para plantações, quer para criação, porque um imenso lençol de areia, naturalmente trazido do grande chapadão semidestruído pelas chuvas e pelos ventos, cobre inteiramente a superfície da terra. Além de arenosas, estas terras são inteiramente secas, sendo o rio Preto a única corrente encontrada.23 Já as veredas são os talvegues onde somente correm as águas das chuvas [que nestas regiões secas da Bahia e do Piauí caem durante cinco a seis meses, todo ano, de novembro a março ou abril, e] que são avidamente guardadas em tanquesfeitos por pequenas barragens de terra. São as faixas de ocorrência de jatobás, caju, pau-d'arco, caraíbas, pindaíbas, louros, imbaúba. É no fundo destes talvegues, 22 Conforme MarLius (Viagem .., p. 89-91): o rio São Francisco começa a encher em novembro, cresce até fevereiro e começa a baixar de novo em março, em muitas regiões inundando tudo em quatro a cinco léguas de extensão, dada a pequena elevação da margem. Em 10,-no desta catástrofe anual, revolve, de certo modo, toda vida do povo ribeirinho; dela dependem, assim como da anual inundação do Nilo, a lavoura, o comércio e a indústria, e é calendário natural dessas regiões. ( ... ) No Brasil, o lugar desses montículos de ovos [dos faca/-és] é tomado como medida de altura a que a enchente (do São Francisco) costuma chegar PEREIRA. Gilvandro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. Revista Brasileira de Geografia, v.5,n.4,p. 581,out,/dez., 1943. 72 Ci. & Tróp., Recife, v.29, n.1,p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Aires Carrara muitas vezes longos e ricos em desgalhamentos, e onde os terrenos são menos arenosos, em faixas muitas vezes estreitíssimas, que se fazem as plantações de todo o gênero, assim mesmo longe das vazantes do rio Preto. ( ... ) As veredas são em grande número, e descem das chapadas que separam as águas do São Francisco das do Pamaíba, dividindo a Bahia do Piauí, para ambos os lados, e delas se tiram todos os abastecimentos agrícolas que sustentam as populações das cidades de Rio Preto, Corrente, Parnaguá, etc." Os planaltos cobertos de relva, que se intercalam nos buritizais que acompanham a margem do rio, têm também a denominação de "veredas". O goiano denomina de veredas pequenos escampados cobertos de relva ou de vegetação pobre, lenhosa e rasteira, que à noite são pastados com freqüência pelo gado, tomando-se, em virtude disto, muito trilhados, conduzindo sempre a inúmeras aguadas. Na estação seca, as veredas originadas nos chapadões produzem a impressão de um leito de rio perfeito, onde falta o essencial, água. Em virtude da composição espessa das caatingas, no sul do Piauí e no interior da Bahia não existem veredas; o viandante somente encontra esta vegetação no norte e noroeste do rio São Francisco, na zona limítrofe das serranias do Piauí e da Bahia, onde pequenos riachos e rios têm suas cabeceiras, que banham estreitas faixas de terrenos com relvas, existentes em grande número. A denominação de veredas foi encontrada também pela expedição de 1942 no vale do rio São Francisco, de preferência nos seus afluentes da margem esquerda, que são oriundos da região montanhosa de Goiás, percorrendo regiões alagadas como as do Noroeste do Estado da Bahia. 25 Aí viviam os veredeiros, lavradores de pequenas plantações de mandioca, milho, arroz, feijão e fumo, árvores espinho, bananeiras, algodão. Era exatamente nas veredas que se achavam os maiores adensamentos de população. Por elas passavam as estradas de tropas e pedestres.` De modo geral, nessa região, a temperatura atinge o máximo entre setembro e outubro, e a mínima entre janeiro e fevereiro, o que Para MARTIU5, op. cli., p. 103 veredas (varredas no original) eram os campos com arbustos [cerrados). ' Em consonância com LUETZELBURG, Ph., Estudo ..., v. 1, p. 35-6. PEREIRA, Gilvaridro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. Revista Brasileira de Geografia, v.5, n.4, p. 581-31603, out./ dez., 1943. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ti.], p. 61-123,jan./jun., 2001 73 Paisagens de um grande sertão coincide com a chegada das chuvas. Em maio ocorre um novo reaquecimento, seguido de queda em junho. Há, portanto, dois máximos, em março e outubro, e dois mínimos, em janeiro e junho, perfeitamente distintos. As chuvas de novembro a fevereiro são conhecidas como chuvas de verão. 2. A paisagem demográfica 2.1. Ocupação territorial, distribuição e densidade demográficas O extremo sul do Piauí e o noroeste de Minas Gerais começaram na mesma época a ser efetivamente ocupados. O eixo de gravidade para ambos foi o mesmo: a produção aurífera goiana. O extremo sul do Estado do Piauí, correspondente aos vales dos rios Paraim e alto Gurguéia, começou a ser ocupado a partir de 1740. Dezesseis anos antes começaram a ser concedidas sesmarias na ribeira do Gurguéia. Uma das primeiras referências à região de Parnaguá data de 1727 (concessão do sítio Riacho), mas o efetivo movimento de ocupação parece situar-se a partir da década de 1740, tendo em vista o número de concessões. Entre 1741 e 1748 foram concedidas 19 cartas de sesmarias em terras situadas nos vales dos rios Paraim, Corrente, Uruçuí e alto Gurguéia (anexo 13). Em 1751, duas outras cartas parecem encerrar esse primeiro movimento de ocupação territorial. Segundo registraram alguns peticionários, essas terras extremavam com o gentio bárbaro, com terras inúteis, com as caatingas gerais ou com a chapada dos sertões. Um segundo movimento foi registrado entre 1772 e 1779, com a ocupação de terras nas ribeiras do Curimatá e do Corrente, e nos sertões do Gilbués. Por fim, um movimento final ocorrera no ano de 1787, com a ocupação do sertão das Pimenteiras. As dimensões usuais destas terras eram de três léguas em quadra. Sem dúvida, este movimento de ocupação de terras representava apenas o desfecho do movimento anterior, iniciado já nos fins do século XVII. Deve ser notado, também, que a ocupação tenha sido feita "rio acima", já que o ponto de partida original fora o baixo curso do rio Parnaíba, na costa. Assim, os vales dos rios Gurguéia e Uruçuí foram ocupados a partir das suas barras no rio Parnaíba, sempre na direção da região dos chapadões que constituem o Espigão Mestre. O noroeste de Minas Gerais experimentou um intenso 74 CL & Tróp., Recife, R 29, n.1, p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Afies Carrara movimento de ocupação territorial uma década antes, entre 1727 e 1738, quando foram feitas meia centena de concessões. 27 Nessa região de Minas, o tamanho usual das propriedades concedidas também era de três léguas em quadra, mas deve ser logo notado que alguns peticionários acumularam porções muito mais vastas. Citemos os exemplos extremos: Manuel da Costa Ferreira e Bernardo Rodrigues obtiveram em 1729 doze léguas quadradas cada um no vale do Urucuia e, em 1736, Bernardo Domingues obteve uma concessão de quinze léguas quadradas, no vale do rio Pandeiros. Outro caso de acumulação foi o de Salvador Pereira da Cunha, que acumulou doze léguas em quadra em quatro cartas de três léguas cada uma, entre 1729 e 1738. Esta concentração fundiária não poderia deixar de logo provocar conflitos. Tanto que, em meados do século XVIII, o Ouvidor do Maranhão foi encarregado de uma comissão para proceder ao julgamento destes pleitos, e para fazer cessar as queixas dos moradores do Piauí, sertões da Bahia e Pernambuco, por ocasião de contendas e litígios que lhes moveram Bernardo Vieira Ravasco, Antônio Guedes de Brito, Domingos Afonso Sertão e outros, mandando-se anular, abolir e cassar todas as datas, ordens e sentenças que tinha havido nesta matéria, concedendo-se aos mesmos sesmeiros por nova graça as terras que tivessem cultivado, por si ou seus feitores, ainda que se achassem arrendadas a outros colonos.28 Apesar das possibilidades oferecidas para a pecuária extensiva pela circulação de ouro nas minas goianas, a ocupação do solo tanto no extremo sul do Piauí quanto no noroeste de Minas era continuamente ameaçada pela presença de populações indígenas, que durante mais ZJ Pafl urna visão mais detalhada do conjunto dos movimentos de ocupação territorial da Capitania de Minas Gerais entre 1674 e 1739, cl'. CARRARA, Ângelo A. Contribuição para a história agrária de Minas Gerais. Mariana: LPHfIJFOI', 1999. Nesse texto, foram sistematizadas todas as cartas de sesmaria concedidas no noroeste mineiro. ANÔNIMO *[Marquês de Aguiar] Fragmentos de uma memória sobre as sesmarias da Bahia. Revistado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 12 [1841], p. 302-15 (sobre a comissão em que foi encarregado o Desembargador Manuel Sarmento, Ouvidor do Maranhão, por resolução de 11 de abril de 1753, comunicada ao Vice-Rei do Estado do Brasil em provisão de 20 de outubro de 1753 [registrada no Arquivo da Secretaria do Governo da Bahia, livro 51 de Ordens Régias, a folha 20, e no Arquivo da Real Fazenda da Bahia, Livro 7 de cartas, a folha 66v]). Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.Ijun, 2001 75 Paisagens de um grande sertão de um século continuaram a ameaçar e a opor resistência à ocupação estável da terra nessas regiões. Logo nos primeiros anos da ocupação do solo, fazendo coro com outros tantos sesmeiros, Bernardo Domingues justificava seu pedido de quinze léguas em quadra por ter achado seu sítio quando descobriu sete taperas ou povoações de gentio bravo, e por ter construído casa fortefeito para livrar-se das contínuas invasões dos gentios que ordinariamente por aquele lugar saíam fazendo suas entradas aos moradores. Igualmente, algumas fazendas estabelecidas no extremo sul do Piauí a partir de 1740 confrontavam-se com o gentio bárbaro. Aí, talvez pela maior proximidade com a região de mais alta concentração de populações indígenas, os conflitos arrastaram-se até meados do século XIX. No final do século XVIII havia várias aldeias de índios do sertão de Pilão Arcado até a freguesia de Santo Antônio de Japoré, atual município de Manga (MG). 29 Em 1818, Spix relatara que nos ermos entre as nascentes do rio Gurguéia e do Grande viviam ainda os xacriabás, e que não raro se tornam perigosos para os colonos da vizinhança e para as tropas que viajam da Vila de Pilão Arcado via estação da fronteira, Duro, para a província de Goiás. 3 ° Um mapa de 1828 assinalava que a Chapada entre Parnaguá e o rio Piauí era ocupada pelos índios Pimenteiras, exatamente onde o mapa de Galúcio indicava as terras que ainda se não descobriu. 3t No meio do sítio Pimenteiras, que terá segundo notícia, trinta ou quarenta léguas de extensão, ... é constante se acharem aldeiados numerosos índios, cuja tribo dava o mesmo nome ao lugar. Eram pacíficos, mas começaram de tempos a esta parte afazer estragos.32 Idéia da população da Capitania de Pernambuco e das suas ane.ras*[1788]. Rio de Janeiro: Bibl. Nac., 1924. 30 8P1X, J. B., Viagem ..., v. 2, p. 216. Luetzelburg noticiou a morte do último Pimenteiro em 1904 em Parnaguá (op. ci(., vol. 1, p. 26). A Comarca do Sertão de Pernambuco compreendia as vilas de Pilão Arcado, Flores, Simbres, Assunção, Santa Maria, Cabrobó, Tacaratu, Campo Largo e Carinhanha, e dava em 1814 a cifra de 154.008 habitantes, dos quais 139.375 livres e 17.633 escravos, segundo. OLIVEIRA, Antônio Rodrigues Veloso de.A Igreja do Brasil (1820). RI//GB, 29(1866), p. 159-200 + mapas de população dos bispados. "CARTA COROGRÁFICA DO PIAUI, por Jos Schwarzman e Martius, 1828: GALUCIO, Mapa geográfico da Capitania do Piauí. 1760. "DURÃO. p. 25. 76 Ci. & Tróp.. Recife, v 29, n.1,p. 61-123, jan.Ijun., 2001 Ângelo Alves Carrara Em 1846, o delegado de polícia de Parnaguá informava ao governo da Província que a gentilidade ... diariamente ameaçava os habitantes das fronteiras a ponto tal que estão para se mudar das ditas fronteiras mais de sessenta e tantasfamíliasporjá não poderem sofrer mais as ameaças e algazarras de tais monstros que só querem é devorar as vidas dos cristãos. No ano seguinte, a presidência da Província era informada de uma ação da marcha sobre os índios, em razão do assalto que estes praticaram proximamente na fazenda Aldeia - no dia 12 de junho de 1847 - de que resultou assassínios em pessoas cristãs e outras conduzidas, que felizmente as pude resgatar prisionando o número de treze bárbaros de ambos os sexos. No ano seguinte, contudo, o comandante relatava: as diligências que fiz afim de capturar os indígenas que daqui [se] evadiram foram todas infrutuosas, e eles enfim se puseram em salva terra. 11 Em meados do século XIX começaram a ser ocupadas as terras do alto vale do rio Parnaíba, na freguesia Santa Filomena. Em 1851, Eleutério Francisco de Souza deixara entre seus bens, além de duas posses no sítio Vereda, na ribeira do Gurguéia, légua e meia de terras na fazenda das Novas, perto do rio Parnaíba ... infestado do gentio bárbaro. Estas terras valiam a sexta parte de dez cabeças de gado vacum de toda sorte existentes na mesma fazenda, avaliadas em 600$000 réis.34 Mesmo as terras das missões indígenas não foram poupadas. Em 1829, os camaristas da vila de Campo Largo justificavam ao governo da Província da Bahia que para poderem aumentar as rendas municipais por meio de aforamentos, foram-lhes preciso demarcar três léguas de terras pertencentes à Missão de Aricohé deixando-se meia légua em quadro para os diminutos índios que lá existem, " Correspondência do delegado de polícia de Parnaguá, de 14 de março de 1846; correspondência do comandante do Destacamento das Fronteiras da Gentilidade na Ribeira do Gilbués" ao governo da Província, de 9 de agosto de 1847; correspondência de 2 de fevereiro de 1848 (ARQUIVO PUBLICO DO PIAUÍ; Correspondências da vila de Parnaguá). O presidente da Província em 1846, Zacarias de Góis e Vasconcelos, assinalara que os índios de vez em quando fazem violências aos habitantes do município de Parnaguá. (Relatório do Presidente da Província do Piauí na abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 11 dejulhode 1846. Oeiras: Tipografia Provincial, 1846. p. 19-20); O Relatório do Presidente da Província de 1847 continuou a referir-se a essas bordas errantes (p. 20). ' Inventário de Eleutério Francisco de Souza, Parnaguá, 1851, ARQUIVO PÚBLICO DO PIAUÍ. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan/jun., 2001 77 Paisagens de um grande senão ficando o resto para se arrendar em benefício desta Câmara visto estarem devolutas.` Além dos índios, os criminosos que nesses sertões também facilmente se punham em salva terra. Em 1842, o comandante do quartel de Parnaguá relatava o assassinato e roubo de bens móveis na fazenda Brenhas, do capitão Pedro de Lima Castelo Branco, ocorrido em 3 de janeiro, mas a notícia chegara à vila só três dias depois. Lamentava-se ele: o apoio que tudo quanto é malvado encontra no lado da Bahia, pois ... este município [de Parnaguá] é muito vasto em extensão, por isso que os desordeiros se atrevem a tanto; porque quando chega a notícia nesta vila já eles estão bem a seu salvo no termo do Rio Preto [da vila da Barra].36 A lista de dificuldades para os ocupantes do solo deveria ser ampliada com a inclusão das onças e das sussuaranas, que constantemente vitimavam os gados em todo esse sertão. Em 1922, Luetzelburg noticiara que a acentuada na florescente fazenda Pérsia ... que o proprietário se viu na dura necessidade de remover o seu gado para outras pastagens, devastação feita pelas onças se tomou tão a fim de evitar o seu completo extermínio, por parte das feras. fazenda foi completamente abandonada pelo seu dono, que as onças lhe exterminaram 60% de seu efetivo. O salão nobre da fazenda Pérsia demonstra, em profusão a Outra depois existência de belos e inúmeros couros de onças .37 Correspondência de 26 de agosto de 1829 (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAI-IIA, maço 1287); o Auto de Tombamento das Terras da Missão deAricobé [de 12 e 13 de abril de 18321 relatava: não Pios consta ter esta missão títulos nem privilégio algum e mais nos consta que uma notícia dos antigos que os índios que formavam a dita missão vieram para ali da missão do Pau Grande do Vau do São Francisco como cativos do descobridor daquelas terras, o qual depois de alguns anos de morada morreu fazendo doação dos ditos índios que então eram cativos e das terras a Nossa Senhora da Conceição em cuja missão [uma imagem dela] se acha colocada em uma capela excedendo o número dos que parecem legítimos ao de vinte, havendo mais 75 cabras, entre estes alguns quase crioulos, sendo destes um deles o capataz da missão; e erres tão indolentes que nem para o consumo diário quase trabalham, havendo na dita missão as melhores terras de agricultura que produz em abundância tudo quanto se plante. Correspondência de li de janeiro de 1842, do comandante do quartel de Pamaguá (ARQUIVO PÚBLICO DO PIAUÍ; Correspondências da vila de Pamagui). 37 Ph., Estudo .,,, p. 32. " 78 Ci. & Tróp., Recife, i 29, n.1,p. 61-123, jan.Ijun., 2001 Ângelo Alies Carrara Ainda em 1942, Alfredo Domingues encontrou matadores de onça, contratados pelos vaqueiros para a defesa do gado nessa região. 38 E até há poucas décadas, as matas de Januária contavam essas espécies em sua fauna. Quanto à margem esquerda do médio São Francisco, não possuímos registros de ocupação por meio de concessões sesmariais. Escrevendo em 1826, Inácio Acioli confirmara que a forma de ocupação fora o uti possidetis.39 De todo modo, esta região já mantinha uma produção pecuária à roda dos meados do século XVIII, conforme se vê nos registros do dízimo das fazendas situadas nos vales dos rios Formoso e Carinhanha (anexo 7). Esta fora a área de máxima realização das estruturas demográficas sertanejas, caracterizadas pela baixíssima densidade populacional. Sem dúvida que a densidade é algo relativo: um país de povoamento relativamente esparso com meios de comunicação desenvolvidos possui um povoamento mais denso do que um país mais povoado com meios de comunicação menos desenvolvidos.` Nas palavras de Teodoro Sampaio, o deserto é apenas aparente. O Brasil, em verdade, é mais habitado do que se pensa e menos rico do que se presume. 4' De fato, um documento de 1698 poderia ser invocado para contrariar a idéia de uma densidade demográfica baixa nesse ramo de sertão: todos os sertões que ficam dentro destes braços [norte e sul, desde a Barra do Rio Grande do Sul] estão povoados de DOMINGUES, A. J. P. Contribuição ao estudo da geografia ..., p. 195-7. Segundo Acioti (RAPM, v. p. 702): É constante que o donatário de todo este terreno é ou foi a Casa da torre da Da/ria, por cessão antiga que abrangia as terras adjacentes às margens do rio São Francisco; o certo, porém, é que nenhum dos terrenos possuídos por particulares está ocupado por outro algum título que não seja a antiga posse prirni occupantis. Os primeiros que povoaram esta comarca apoderaram-se da porção de terias que quiseram para situar fazendas de gado; do poder daqueles foi o seu domínio transferido pai -a o de outros, já por venda, já por doação e heranças em cuja posse tem estado até o presente por não haver contendores. Onde somente ainda existe alguma porção de campos devolutos é nos chamados Gerais do Rio Preto, e também de matos no termo do julgado de Carinhanha; porém por 0,-a poucos ou nenhuns os quiseram ocupar nem de sesmaria irem de foro. Não há pois pleito algum sobre medições, nem tão igualmente terreno que esteja igualmente demarcado. ° MARX, K. O Capital (1867), capítulo 11, 4. SAMPAIO, Teodoro. O rio São Francisco; trechos de um diáriodeviagem (1879). ia: RINGE, vol. [67(1936), p. 319. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 79 Paisagens de uni grande sertão moradores brancos, os quais situaram suas fazendas e casas em todas as partes daqueles desertos, em que acharam águas, campos e terras capazes de criarem seus gados e cultivarem suas plantas, exceto alguns lugares que defende o grande número de bárbaros que os habitam. ( ... ) O rio São Francisco está descoberto e de uma e outra banda povoado até distância de trezentas léguas; e isto se entende, computando-o somente por dimensão direta, seguindo o curso ao comprido da mesma água; porque computando-se pelos lados, não se lhe sabe conta certa, assim porque a vastidão dos campos transversais parece quase imensa, como também porque neste rio maior vão a desaguar e a incorporar-se por uma e por outra banda outros muitos rios os quais vão cruzadamente retalhando esses sertões; esses rios transversais também por uma e outra banda estão em mui grande distância de légua descobertos e povoados, porque a água é o reclamo que convida para a habitação de suas margens, por ser na sua vizinhança mais cômoda a vivenda.` Contudo, não é esse o caso dessa área. Em 1940, na metade meridional do Piauí eram reconhecidas duas grandes áreas: a zona central, ou sertão, e a zona sul. Do sertão faziam parte os municípios de Oeiras, Picos, Jaicós e São Raimundo Nonato. O aproveitamento e maior adensamento da população do leste do sertão, especialmente entre e ao longo dos rios Guariba e Itaim, dava-se em larga medida graças ao relevo, que possibilitava uma amenização do clima: nessa área, as chuvas chegam a uma altura média de 700 a 800 mm anuais, e caracterizam a caatinga menos seca. Seus habitantes praticavam a lavoura de milho, arroz, mandioca, feijão, cana e algodão. Já na área dos divisores de água Piauí-Canindé e Canindé-Itaim apresentavam um povoamento muito disperso e instável devido principalmente ao clima de precipitações bastante irregulares e menos abundantes. Aí, a pluviosidade é menor do que 700 mm anuais. Na zona sul, cuja população achava-se muito dispersa e rarefeita, e onde, em certos trechos, verificavam-se grandes vazios demográficos, é a região dos chapadões de arenito, de solos pobres e de vales profundos; possui ainda extensas áreas de terras devolutas e inexploradas. 4 ' Mas também aqui deve-se estabelecer desde logo uma CONSELHO ULTRAMARINO. Consulta sobre o estado das missões do sertão da Bahia; in: L4BN, 31, docs. 343 e 344, de 18.12.1698. 43 EOLER, Eugênia Gonçalves. Distribuição da população no estado do Piauíem 1940. Revista Brasileiro de Geografia, v.13, n.4. 486-94, out./dez., 1952.. 42 80 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.l,p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara subdivisão interna entre os vales dos rios tiruçuí Preto, do alto Pamaíba e o curso inferior do rio Gurguéia, de um lado, e o curso médio e superior do rio Gurguéia, de outro. A primeira subdivisão corresponde ao território dos municípios de Santa Filomena, Ribeiro Gonçalves, Uruçuí e Guadalupe, no Uruçuí Preto e alto Parnaíba, e Bom Jesus e Jemmenha no baixo Gurguéia. Seu prolongamento natural a oeste as porções oriental e meridional do Maranhão (vale do rio Balsas), dominadas pelo cerrado, e cuja principal característica é a presença do babaçu. Já no extremo sul do Estado, no vale do médio e alto Gurguéia, a população rural dos municípios de Gilbués, Parnaguá e Corrente concentrava-se nas "veredas", que são os vales dos rios temporários que drenam a região; na época da estiagem transformam-se em rios secost E pelas veredas, igualmente, que seguiam também os caminhos e picadas. O comércio dos gêneros exportáveis, tais como a cera de camaúba, babaçu, malva, além do excedente da produção agrícola, é feito com a cidade de Rio Preto (atual Ibipetuba), na Bahia. Apesar de esta zona sentir intensamente os rigores da estação seca, ela se apresenta mais povoada que o oeste, apesar de ser a água aí mais abundante, nos altos vales do Parnaíba de seu afluente Uruçuí Preto; devido à constituição geológica do terreno, permitindo a formação de lençóis d'água subterrâneos, as cabeceiras dos rios são perenes .41 Um século e meio antes, as descrições já eram acordes quanto aos aspectos demográficos comuns a esta região. O padre Miguel do Couto já havia feito notar que a distribuição geográfica das fazendas no vale do Canindé dependia estritamente das vazantes: no tempo das chuvas, corre [a água] dos matos com grande enchente, que passada, fica [o terreno] seco e cortado em poços, à beira dos quais estão situadas as fazendas de gados. No final do século XVII, as cento e trinta fazendas de gado enumeradas por Miguel do Couto distribuíam-se principalmente pelos vales dos rios Canindé, Itaim, Guaribas, Piauí, e Gurguéia. Contudo, por essa ' GEIGER, Pedro. As veredas e os gerais da região do rio Preto, na Bahia: estudo de geografia humana. Boletim Ca,-ioca de Geografia, v.3, n. Ip. 18-31, 1950. 45 EGLER, Eugênia G, "Distribuição Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 81 Paisagens de um grande sertão época o limite sul da ocupação situava-se a trinta e duas léguas rio acima, desde a barra do rio Gurguéia no Parnaíba, tendo a Serra Vermelha como seu limite sul, nas imediações de Bom Jesus do Gurguéia. Em 1762, a população de Pamaguá correspondia a apenas 7,3% da população total do Piauí. Nesse mesmo ano, a população da zona central ou do sertão (termos de Jerumenha e de Oeiras) equivalia a 35%, e a das vilas da zona norte respondiam por 57,8% do total da população da Capitania .16 Essas proporções mantiveram-se relativamente constantes ao longo de dois séculos. Uma dúzia de anos mais tarde, a vila de Parnaguá aparecia com 31 fogos, incluídos dois nos arrabaldes, três a menos do que em 1762. Em 1774, viviam em Pamaguá 2.433 pessoas distribuídas por 329 fogos, 60 fazendas e 11 sítios. Este número correspondia a 12,7% da população total do Piauí, que era de 19.191 habitantes distribuídos por 3.024 fogos, 579 fazendas e 352 sítios, O vizinho e longínquo termo de Oeiras, ao norte, possuía 29,7% da população total da Capitania; contava 5.700 habitantes em 1.002 fogos, 182 fazendas e 103 sítios. A população do extenso termo de Parnaguá estava distribuída pelos distritos de Curimatá (608 pessoas em 139 fogos, 16 fazendas e cinco sítios), Gilbués (580 habitantes, 79 fogos, 22 fazendas e quatro sítios), de Paraim (1.054 pessoas em 80 fogos, 22 fazendas e dois sítios), e da própria vila e seus subúrbios (191 habitantes em 31 fogos, e nenhuma fazenda ou sítio)." No censo de 1831, a população das vilas do sul do Piauí (Parnaguá e São João do Piauí) era de 3.480 e 9.157, respectivamente, correspondendo a pouco mais de 10% do total da Província, que então possuía 118.059 habitantesY Em 1854, a população de Parnaguá e de Bom Jesus do Gurguéia mantinham a mesma porcentagem (anexo 6). Nos fins do século XVIII, em todo o sertão do Pilão Arcado, 46 ALENcASTRE, José Martins Pereira de. Memória cronológica, histórica e corográfica da província do Piauí (1855). RJHGB, tomo 20(1857), p. 77-8. DURÃO, Antônio José de Morais. Descrição da Capitania de São José do Piauí [original manuscrito no Arquivo Histórico Ultramarino, caixa 31; in: MOVI'. L.R.B. Piauí colonial. Teresina: Projeto Petránio Porlela, 1985, p. 25, 48 ALENCASTRE, J. M. 1'. de., op. cit., p. 80. Em 1846, em toda a extensa freguesia de Parnaguá, batizaram-se 331 crianças - menos de uma por dia - casaram-se trinta pessoas, e morreram 24 de seus habitantes (Mapa dos batizados, casamentos e óbitos que tiveram lugar nesta freguesia de Nossa Senhora do Livramento da Vila e Comarca de Parnaguá" correspondência de 22 de maio de 1847 - ARQUIVO PUBLICO DO PIAUI). 82 Ci. & Tróp.. Recife, -'. 29, n.],p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara da fazenda do Pau a Pique até a passagem de Juazeiro, havia 35 fazendas de gado, 419 fogos, e 1.805 pessoas. Na porção ocidental da Bahia havia pelo rol de desobriga 2.660 pessoas de comunhão na freguesia da Barra (com 692 fogos), 1.737 na de Campo Largo (com 280 fogos). Ao sul, São Romão e Paracatu possuíam 9.999 almas de confissão.49 Em 1826, o censo da vila da Barra revelava que o número de mendigos e escravos desamparados constituía 23% da população total do termo! Não está claro o que se entende por mendigos. Pode-se, contudo, aproximar-se o sentido do termo "indigentes", usual nas listas nominativas do termo de Mariana de 1821.` No extremo oposto, é significativo o fato de nesse termo haver atividades mercantis que permitissem a formação de plantéis de escravos que representavam 17% (Santa Rita), 23% (Vila da Barra) e até mesmo 30% (Carínhanha e Rio das Éguas) da população total de cada distrito (anexo 2). Em Campo Largo, a população escrava chegava a 23% do conjunto dos habitantes da freguesia, que era de 3.149 (anexo 3), e em Pilão Arcado, 25,5% da população total de 7.132 pessoas era cativa (anexo 4). Também em 1826, a população residente no distrito de Brejo do Salgado (atual cidade de Januária) era de 3.472, e a do total do distrito teria entre 7.434 e 9.912 habitantes." Esta participação dos escravos no conjunto da população decresceu grandemente nas décadas seguintes. Em 1872, apenas Pilão Arcado mantinha a mesma proporção, enquanto a população escrava em Pamaguá, Corrente, Rio das Éguas, Santana dos Brejos e Carinhanha variava entre 13% e 9,5%. Campo Largo, Angical, Rio Preto e Barra possuíam menos escravos ainda: apenas entre 5,8% e 4% de sua população era cativa (anexo 7). Como se afirmou anteriormente, nesse espaço manifestam-se em máximo grau as densidades demográficas sertanejas. Em 1872, a densidade máxima ocorre no termo da vila de Carinhanha: 1 habitante por km2. Parnaguá, Campo Largo, Bana ostentam as cifras de 0,47, 0,48, e 0,62 habitantes por km 2. Pilão Arcado apresenta os mesmos números válidos para Barra (anexo 6). São essas densidades 49 Idéia ... p.61-2199-lt)t. 50 Especialmente a lista da Freguesia de Santa Rita do Turvo, de 121, Códice 742 do Arquivo da Câmara Municipal de Mariana (MO). SI RAPAI,4(1899),p359-565. Ci. & Tróp., Recife, si. 29, n. 1, p. 61-123,jan.Ijun., 2001 83 Paisagens de um grande sertão baixíssimas que explicavam nem tanto as dimensões das propriedades rurais, mas a despreocupação quanto à necessidade de medi-las, como adiante será visto. No século XVIII, essa rarefação demográfica já era objeto de atenção: os 42 moradores de um sítio no Piauí faziam um povo mais numeroso que a própria vila da qual dista doze léguas .12 Não é preciso apresentar as cifras da população dos anos de 1820 e 1830 para se convencer do fato de que até os primeiros anos do século XX esta área realizou a etimologia provável do termo sertão: um "desertão". 2.2. Os circuitos internos Desde logo devem ser distinguidas as articulações e os circuitos mercantis internos, próprios dessa região, daqueles situados à sua roda. 2.2.1.0 caminho terrestre do Maranhão à Bahia Os caminhos e estradas da Bahia ao Maranhão através do Piauí já estavam de todo consolidados nos meados do século XVIII, e permaneceram, com pequenas variações, os mesmos que os descrevera o padre Miguel do Couto, e por onde um século mais tarde passaria Spix e Martius, que registraram na ocasião ser o gado para corte o mais importante artigo de trânsito (cerca de 20.000 por ano)." Havia cinco caminhos pelos quais se fazia a travessia entre a Bahia e o Piauí. Um primeiro, ao norte do rio Canindé, a sair no São Francisco entre a freguesia de Cabrobó e a de Rio Pontal; um segundo, conhecido como "travessia nova", acompanhando o curso do rio Canindé até as suas cabeceiras, que se dividem com as do rio Pontal, 52 DURÃO, A. J. de M., op. cit., p. 25. " COUTO, M. do. 'Descrição ...", p372; SPIX, J. B. Viagem ..., v. 2, p. 199-246: em 1818, a passagem do Registro de Juazeiro era a mais freqüentada de todo o sertão da Bahia, e mais importante do que as outras que ficam junto das vilas de Pilão Arcado, da Barra do Rio Grande e do Urubu. Por aí se faz o comércio do interior para o Piauí e Maranhão, assim como. por essas vilas acima mencionadas, aquele para Goiás e Mato Grosso: cf., na mesma obra, os caps. 2 e 3 do livro 7. É indispensável, para um estudo detalhado do transporte das boiadas do Piauí para a Bahia. o esquadrinhamento dos Autos de Contas do Rendimento das Fazendas do vincula instituído por Domingos Afonso Sertão (ci. a referência na seção relativa às fontes). 84 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n_1, p- 61-123, jan./jun., 2001 PePt - ETNDAS Ângelo Alves Carrara o qual segue até o rio São Francisco, saindo três léguas ao sul da missão do Juazeiro, no lugar da passagem; o terceiro, conhecido por "travessia velha", acompanhava o rio Piauí, e dele se apartava ao norte das suas cabeceiras, saindo no rio São Francisco dezoito ou vinte léguas ao sul da segunda; o quarto, igualmente seguindo o rio Piauí um pouco mais acima do que o terceiro, saía no rio São Francisco na fazendo do Sobrado, vinte e tantas léguas ao sul do terceiro; por fim, o quinto, que segundo o cronista não era ainda tão freqüentado, apartava-se nas cabeceiras do Piauí, e ia sair no rio São Francisco três léguas ao sul da fazenda do Sobrado; esta última era a parte onde mais se estreita esse sertão, que depois se torna a alargar sem mais comunicação alguma do que há pelas fazendas do Paraná e barra do rio Grande.` O "caminho de Juazeiro", como o afirmara Capistrano, era antes via de vazão que de penetração.55 2.2.2. As rotas para os sertões dos Goiases Havia duas rotas principais para os sertões de Goiás: uma, a partir da Bahia, e outra, desde o Pará. A primeira e mais antiga começou a ser palmilhada desde as descobertas auríferas em Natividade. Já em meados do século XVIII, dava conta o Intendente Geral do Ouro da Bahia que, da parte de Goiás, havia dilatadíssimos sertões que confinam com os de Piauí e Maranhão, e por onde eram certos e inevitáveis os descaminhos, alguns deles procurados e cometidos de necessidade pelos moradores dos arraiais da Natividade e São Félix, a quem causa muito incômodo irem buscar de propósito a casa de Fundição de Vila Boa. Por isso, ficava-lhe um deserto de duzentas léguas com passagens de rios caudalosos e muitos cheios de gentios, negros fugidos e ladrões. E alinhavava que, pela grande extensão [da Capitania do Piauí], quase toda deserta ou pouco povoada, não se podia evitar o descaminho pelos dilatados sertões, que se compõem de matos gerais com entradas e Esta descrição dos cinco caminhos é do autor anônimo do "Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí', in: Revista doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RÍHGB), t. 62,1900,p.6O-l61. ABREU, João Capisirano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu-Livraria Briguiel, 1960. p.97. Ci. & Tróp., Recife, v. 29. n. 1, p. 61-123,jan.liun., 2001 85 Paisagens de um grande sertão saídas incógnitas.` Quase simultaneamente, um ofício do Vice-Rei confirmava que na Barra do Rio Grande do Sul corre ouro em pó e se tem por certo ser extraviado das Minas Gerais e Paracatu e que indo o Ouvidor da Comarca da Jacobina criar em vila a dita povoação, mandara fixar editais para que o ouro em pó corresse ali pelo preço de 1.200 réis a oitava para que cerrasse com esta determinação a dúvida que entre aqueles moradores havia em o receberem. Pouco depois, este ofício foi revogado por ser contrário ao Regimento da Mineração - por ficar aquela povoação fora do giro mineral em que só há esta liberdade.` Estes sertões eram parte de uma longa rota entre Salvador e as minas goianas. 59 O destino das mercadorias passadas pelo registro do Duro só começou a ser registrado a partir de outubro de 1763. Mais da metade das mercadorias entradas dirigiam-se ao arraial da Natividade, mas havia cargas também para Arraias, São Félix, Conceição, Taboca, Cavalcante, Arraial de Amaro Leite e Traíras.` A segunda rota conheceu variantes. Uma, por terra, e outra, pelo rio Tocantins. O autor anônimo do Roteiro do Maranhão a Goiás informava no final do século XVIII que todo o sertão entre os rios Parnaíba e Itapicuru, dividido nos dois distritos da freguesia de Pastos Bons e Aldeias Altas (atual cidade de Caxias), tinha em Aldeias Altas o porto de todo o comércio da cidade de São Luís com a Capitania do Piauí e arraiais de Natividade e São Félix. 1 Aldeias Altas funcionava nessa época como o eixo econômico de gravidade entre o Maranhão, 56 Ofício do Intendente-Geral do Ouro, Wenceslau Pereira da Silva; in: ABN, 31. does. 708 a 710, de 2.ago.1753. Ofício doVice-Rei em que refere a criação da vila da Barra do Rio Grande do Sul. in: ABN, 31, doe. 1128, de 24.4.1754; cf. anexos 8 e 9. ' Em Rio de Contas também havia registros para o controle da entrada de mercadorias, mas só dispomos de dados fragmentados para as contagens do Tamanduá (atual distrito de Arapiranga), anotados entre 4 de agosto e dezembro de 1759, e de Mato Grosso, entre 15 de agosto de 1733 e 23 de março de 1734.0 rendimento do primeiro foi de 321 1/2 oitavas de ouro em pó, relativo a três cargas e meia de fazenda seca, seis cargas de molhados e dez cargas de sal. Pela segunda contagem, no período dado, passaram quatro escravos, duas cargas de carneseca, secos e molhados e 71 reses. Avulsos do Arquivo Público Municipal de Rio de Contas (BA). Pohl dá a cifra de 40:000$000 réis para o rendimento das entradas da Capitania de Goiás, no triênio de 1762 e 1764, e que corresponde exatamente ao rendimento total dos dois registros acima; cf. POHL. Johann Emmanuel.VYagem no interior do Brasil empreendida nos anos de 1817a 1821.Rio de Janeiro: INL, 1951. p. 322. Roteiro do Maranhão a Goiás..., p. 63. 86 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, e..!, p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara Goiás e o Piauí. As 303 léguas percorridas na viagem entre a cidade de São Luís e Vila Boa de Goiás consumiam 50 dias, segundo o mesmo roteiro: de São Luís a Aldeias Altas (118 léguas, 12 dias), de Aldeias Altas à passagem do rio Parnaíba (21 léguas, 3 dias), daí até a barra do Canindé (28 léguas, 4 dias), desta barra à vila de Nossa Senhora do Livramento do Parnaguá (90 léguas, 13 dias), de Parnaguá à primeira passagem do rio Preto (15 léguas, 3 dias), depois à segunda passagem do rio Preto (15 léguas, 3 dias), desta segunda passagem ao povoado do Duro (16 léguas, 2 dias), e, finalmente, do Duro por São Félix a Vila Boa de Goiás, mais lO dias)." Em 1808, Pohl registrou um total de 9.980 habitantes livres e 7.464 escravos para a população dos arraiais goianos de Traíras, Cavalcante, São Félix, Arraias, Palma, Natividade e Porto Real.` O rio Tocantins tornara-se via fluvial entre o Pará e Goiás desde 1773, quando Antônio Luís Tavares Lisboa empreendeu a primeira viagem por ele, partindo de Porto Real (hoje Porto Nacional, no Estado do Tocantins), junto do arraial de Pontal. A viagem de descida consumia de 15 a 18 dias, e a de volta, um mês.63 2.2.3. O rio São Francisco Ao longo de todo o século XVIII,o comércio de sal para Goiás, Paracatu, Serro, Minas Novas, Rio de Contas e Jacobina havia Segundo tvlartius (Viagem ..., p. 109), os xavantes eram a mais poderosa e numerosa nação na parte setentrional de Goiás. Habitavam em ambas as margens do Araguaia e do Tocantins, e, nas suas expedições, chegavam a devastar mesmo as fazendas solitárias do rio das Balsas, no Maranhão. POHL, J. E., op. cit., p. 291 e ss. sp x, J. B. v. 2. Viagem .... p. 108. CL também POHL e SAINT-HILAIRE, A. Viagem às nascentes do rio de São Francisco e pela Província de Goiás. São Paulo: Nacional, 1937; 62 63 BASTOS, Manuel José de Oliveira. Roteiro da cidade de Santa Maria de Belém do GrãoPará, pelo rio Tocantins acima até o Porto Real do Pontal na Capitania de Goiás. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1811. A rota terrestre entre o Porto Real (atual Ponta]) e Barbacena, em Minas Gerais, indicada por este último autor era a seguinte: Porto Real, arraial do Carmo, Natividade, Conceição, Arraias, Sumidouro, [Morro do] Chapéu, Porto do Paraná, Cavalcante, [fazenda de] Rosa Maria, Tapera do Neto. Brancas, Cocal do Andrade, Maranhão, Vargens. Arropendidos, [vila do] Paracaru, [arraial de] Santa Quitéria, Almas, Patos [de Minas], Bravinhos, João Gonçalves, Santa Teresa, Bambuí, Rio São Francisco, Formiga, Camacho, Oliveira, São João [de] Rei], Lajes (atual Resende Costa), Prados e Barbacena. Para o trecho de Belém até Porto Real, Oliveira Bastos fazia uma advertência (p. 17): devem todos emendar-se de vir a salto porque é todo o perigo [por causa dos índios]. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, e. 1, p. 61-123,jan.1jun., 2001 87 Paisagens de um grande sertão estabelecido outra rota, ao longo do São Francisco. Em 1818, Spix relatara que o comércio anual de sal com Goiás e o Piauí desde Barra, Pilão Arcado e Juazeiro era estimado em cerca de 35.000 sacos anuais, o que corresponderia a uma cifra entre 32.800 e 43.000 arrobas.M De fato, pelo registro de Malhada, na margem direita (baiana) do rio São Francisco, na divisa com Minas Gerais, importava-se a quase totalidade do sal proveniente das salinas sanfranciscanas. Destinavase principalmente aos entrepostos redistribuidores da Barra do Rio das Velhas e de São Romão. Poucos eram os carregamentos de fazendas secas, escravos e fumo. Destinavam-se também ao vale do Urucuia. O primeiro livro de que dispomos data de 16 de julho de 1807. Deve-se lembrar que a carga de sal, equivalente a quatro surrões, pagava apenas a metade do que anteriormente se cobrava (750 réis), isto é, 375 réis. Em 1808 entraram 20 escravos, 169 arrobas de fazenda seca, seis arrobas e meia de fumo, couros curtidos, 26 vitelas de criar, uma arroba e meia de remédios, 16 cargas de algodão, quatro arrobas de pólvora, uma arroba de cera preta, 20 frascos de quartilhos, e 8.739 cargas de sal, o que equivale à assombrosa cifra de 17.460 arrobas (85% do rendimento desse registro). É nessa proporção que devem ser avaliados os números anuais dos rendimentos da Malhada até 1820, ano anterior à abolição do tributo sobre o sal.65 Em 1879, Juazeiro era considerada empório do sertão do São Francisco, e sua zona de influência comercial estendia-se de Januária (MG) a Cabrobó (PE), atingindo ainda os sertões do Piauí por Oeiras e Parnaguá, e os de Goiás por Palmas e Natividade. Nesse momento, Casa Nova, Sobradinho, Pilão Arcado e Remanso eram descritos como os centros mais importantes das salineiras entre Cabrobó e XiqueXique.1 Na primeira década do século XX, ao sal eram acrescentadas a borracha de maniçoba, que os vapores do São Francisco recebiam principalmente em Barra e em Xique-Xique, e a cera de carnaúba, carregada em Pilão Arcado.` 64 spJx, Ph. Viagem..., v. 2, p.226. ARQUIVO NACIONAL, Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto, livros 2.1 e 1658. Confira também a Idéia da população da Capitania de Pernambuco e das suas anexas *[1788] Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional. 1924.p.61-3. M SAMI'AJO, Teodoro. O rio São Francisco; trechos de um diário de viagem (1879). ia: RIRGB. vol. 167(1936), p. 3231328-9. "LUETZELBURG, Philipp von. Estudo botânico do Nordeste. Rio de Janeiro: Inspetoria Federal de Obras contra as Secas/Ministério da Viação e Obras Públicas, 1922-3, p. 50-1. 65 88 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, 1?.], p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara Mas para além dos circuitos mercantis, a circulação das populações e, em especial, os movimentos sazonais de peregrinos que fluíam e refluíam para essa Santiago de Compostela sertaneja que era - e ainda o é largamente - Bom Jesus da Lapa, onde a Teodoro Sampaio impactara a multidão andrajosa e chagada ... exibindo suas disformidades, as suas úlceras e as suas misérias, pedindo, clamando, atravessando o seu braço descarnado para nos tomar o passo, rogando, suplicando impertinentemente, incansavelmente."" A mesma multidão que Alfredo Domingues e Gilvandro Ribeiro encontraram em 1942, e que anualmente nos meses de julho e agosto animava Bom Jesus, uma cidade morta no resto do ano. 69 Mas devido exatamente a esse fluxo de pessoas, Bom Jesus da Lapa seguia sendo um lugar bem edificado e de comércio intenso, de real importância, não só como porto no rio São Francisco, como também empório dos produtos vindos do sertão, e onde havia grandes depósitos de sal, borracha, cera de carnaúba e a carne seca. Durante a romaria anual, os milhares de romeiros vindos de todo o sertão deixavam grandes e avultadas somas no lugar, como também levam dali artigos e gêneros de toda a espécie para o interior, e temos assim explicada a razão porque Lapa floresce mais do que as suas congêneres." 2.2.4. Os circuitos internos desse sertão Para os objetivos do presente estudo importa conhecer as rotas BIJIRTON, Richard. Viagens aos planaltos do Brasil 118671.2. ed., São Paulo: Nacional, 1983 [1. ed. 1941]. v. 3, p. 114; SAMPAIO, T., Viagem ..., p. 346. Richard Burton relatou (p. 68 89): aproximou-se de nós um homem branco que nos espantou pelo seu aspecto civilizado, entre tanta gente de cor. Foi-nos apresentado como o doutor em medicina João Lopes Rodrigues, formado no Rio de Janeiro e residente em Carinhan/ia. Ninguém cometeu a Inconveniência de perguntar-lhe os motivos ... Mais adiante (p. 113), noticiou a queixa do juiz de Bom Jesus da Lapa, por ter perdido a memória, ao viver em tal buraco. DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição ao estudo da geografia da região sudoeste da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, abr.-jun. 1947, p. 208; PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. in: Revista Brasileira de Geografia, v.5, n.4, p. 578, out./dez., 1943. 7°LUETZELBURG, Pl-i. v., op. cit., p. 50; De acordo com DOMINGUES, A. 1.?., Contribuição ao estudo da geografia .., p. 207-8: vem gente de muito longe: de ilhéus, defequitinhonha, &` Montes Claros, utilizando para o seu transporte automóveis, caminhões, animais, carros de boi, navios ou viajando mesmo a pé. ( ... ) Esta cidade vive unicamente do comércio durante a festa de Bom Jesus da Lapa; Martius (Viagem .., p. 108) também noticiou a peregrinação à Capela do Bom Jesus. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.!jun., 2001 89 Paisagens de um grande sertão que se estabeleceram entre os vértices do poliedro formado pelas cidades de Parnaguá, no Piauí, Barra e Carinhanha, na Bahia, Dianópolis, no Tocantins, e Januária, em Minas Gerais. Teodoro Sampaio assim as descreveu: A cidade da Barra é o entreposto natural das regiões ocidentais que vizinham com o sul do Piauí e com o oriente de Goiás, transpostas as serras do divisor dos rios São Francisco e Tocantins. O rio Grande facilitando as comunicações para as vilas de Campo Largo, Santa Rita, permitindo por meio do seu mais considerável afluente, o rio Preto, atingir, de um lado Parnaguá, no território do Piauí, e, de outro, o baixo Tocantins, que se alcança descendo as águas tranqüilas do rio do Sono. ( ... ) A navegação pelo curso d'água principal e pelos afluentes permite penetrar fundo no interior das terras, atingindo-se Barreiras.... Porto das Pedras, Santa Maria [da Vitória], pontos donde partem as estradas que levam aos sertões de Goiás, do Maranhão e do Piauí, e das que a cidade da Barra representa o centro irradiante.` Em 1911, Luetzelburg viajou por essa rota interior e asseverara: a estrada que acompanha o rio [Preto] é larga, na margem esquerda e muito transitada, porque é a via mais importante para o comércio entre o rio São Francisco, isto é, o estado da Bahia, e o extremo oeste das regiões de borrachas, nos vales dos rios Tocantins e Araguaia. Tropas imensas de duzentos burros transitam continuamente esta via importante através [de] grandes obstáculos, visando a atingir os dois grandes barracões, situados entre os dois rios, nos estados de Goiás e Pará. Em virtude deste importante comércio interestadual, são as vilas de Santa Rita, Formosa e São Marcelo de real importância como pouso obrigatório para as tropas que transitam por ali. ( ... ) Os principais produtos de exportação são borracha, cera de carnaúba, fibras, madeiras de lei, rapadura, couros e carne-seca. Os vapores SAMPAIO, T., Viagem ..., p332. Sobre a vila da Barra, Burton (Viagens .... p. 159) assinalou: o aspecto é mesquinho, casas baixas e pequenas ... várias delas estão inacabadas. Algumas são telheiros sem paredes. O porto é um sujo desembarcadouro de areia e argila e é o esgoto comum. De manhã torna-se um mernado de peixe; durante o dia torna-se uma confusão de varais pala secar roupa, crianças de envolta com cães, jumentos, aqui característicos, porcos de pernas compridas, patos e galinhas, misturados com grous semi-domesticados e mulheres lavando roupa. 90 Ci. & Trôp., Recife, v. 29, n.], p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alies Carrara que navegam o rio Preto mantêm a comunicação direta entre Juazeiro e São Marcelo, os dois extremos portos, isto é, conduzem através o rio Sapão, rio Preto e São Francisco. Os produtos que estes vapores carregam em São Marcelo e Formoso são distribuídos pelos três estados produtores: Bahia, Piauí e GoiásP Em 1830, os negociantes da vila da Barra encaminharam um requerimento à sua Câmara Municipal lamentando o pagamento de um novo imposto sobre lojas e vendas. Justificavam-se eles que o comércio de fazendas secas de exportações da Província mais vizinha, a Bahia (até dois anos antes esta vila ainda pertencia a Pernambuco), além de pouco importante em seus cabedais, é dificultoso, trabalhoso, arriscado e pouco interessante em vista dos incômodos pessoais e grossas despesas, achando-se cada vez mais caduco pelas continuadas secas, carestia dos gêneros comestíveis, cavalgaduras, esterilidade das estradas contendo a do costume as travessias e longitude a que se referem .73 3. As paisagens rurais O homem, chegando a esta região, deu tipos diferentes conforme as possibilidades condicionadas ao solo e à água.74 Os mais completos e precisos relatos acerca dos modos de vida nesse sertão são tardios, de uma época em que eles começavam 72 LUETZELBURG, Ph. v., Estudo ..., v. 1, p. 34; pouco adiante (p. 36-7), este autor assinalou que a estrada, que em virtude de sua largura considerável de 30 metros tem a denominação de 'estradona',passava por um povoado de apenas quatro moradias, de nome Buritizinho. ( ... ) As belas e majestosas palmeiras ao fundo, as grandes e capados árvores eretas, em grandes e uniformes intervalos à frente delas, davam a idéia de um parque ajardinado com arte. Moradas isoladas, com pequenas plantações de arroz e mandioca, davam acesso à florescente vila de São Marcelo ... São Marcelo, outrora Santa Maria do Rio Preto é um centro comercial de progresso, situado na embocadura do rio Sapão com o rio Preto. A vila hospedava, na noite em que chegamos, uma tropa de duzentos burros a caminho do rio Araguaia, tomando as necessárias provisões para o longo percurso de dois meses e meio. especialmente desde o ano de 1796, em que as sucessivas secas e falta de chuvas têm estragado este sertão com falta de agricultura e mortandade de gados, pondo-se no maior auge de carestia os cavalos. Correspondência da Câmara da vila da Bana, de 13 de outubro de 1830, maço 1257, ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. ' DOMINGUES, A. I. P., Contribuição para o estudo da geografia Ci. & Tróp.,Rectfe, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.Ijun., 2001 91 Paisagens de um grande sertão a alterar-se - foram escritos na década de 1940. Contudo, permitem que tenhamos uma excelente visão de conjunto e, por isto, serão inicialmente revisitados. Ademais, os caracteres dominantes no processo de produção da vida eram naquele momento ainda os mesmos que prevaleceram ao longo dos dois séculos e meio anteriores. Pedro Geiger encontrou a população desse sertão concentrada na zona das veredas, dos rios e dos brejos, onde os solos aparentemente eram mais férteis. Na zona de Parnaguá, com solos melhores, os rios ao se retraírem na estação seca deixam os chamados lameiros, margens inundáveis, férteis para o plantio, mas também grandes focos de malária.15 O mercado de Parnaguá na época era Ibipetuba (Santa Rita), de onde descem os produtos pelo rio Preto para o vale do São Francisco. A transformação da paisagem natural foi muito pequena nesta região até a metade do século XX, porquanto a população pouco numerosa achava-se grandemente dispersa. Grandes massas da vegetação natural predominavam, pontilhadas por pequenas roças destinadas ao atendimento do consumo doméstico, e cuja área era insignificante para o conjunto de terras. Mas urna observação deve ser logo feita. A prática persistente das queimadas era aqui a maior responsável pela transformação da paisagem natural. Mesmo possuindo um horizonte agrícola diminuto, as queimadas extensivas acarretavam uma mudança muito importante. Deve ser igualmente lembrado que as queimadas eram feitas não apenas para a preparação das lavouras, mas também - e, aí, principalmente - para a formação de pastagens. "GEIGER. P P., As veredas ... . p. 22 et seqs. Conforme afirmara Luetzelburg (Estudo ..., p. 35): a região é insalubre e nela impera o impaludismo. A água do rio Preto, com a profundidade considerável de 24m, é de coloração verde, durante as cheias transborda facilmente e demora a escoar, de modo que nestas águas estagnadas, prolifera o mosquito, causador da moléstia; Oito Quelie (Relatório das viagens de estudo na Bahia. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 106, v. 160. p.5-28 [originalmente publicado no Íberoamerikanisches A,rhiv, v.2, n.4, p.11, maio 1928, p. 3, fez notar que em Xique-Xique ficaram em 1926 todos as casas do cidade debaixo d'água: as embarcações ancoravam no praça do mercado, junto da igreja. Baixadas as águas, os pantanais que ficam formam focos de malária. Martius (op. cit.) registrou a ocorrência de febres intermitentes (p. 92-3), e de afecções da pele (p. 96-7) na população ribeirinha. Burton escreveu: os moradores de Mal/toda têm a febre estampada no rosto e os lábios são tão descarados quanto as faces (op. cit., p. 89); em Urubu, encontrou fisionomias sinistramente pálidos (p. 120). 92 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, nJ.p 61-123, jan./jun., 2001 Angelo Alves Carrara 3.1. Veredas e gerais Nas veredas, as roças situavam-se às suas margens. Em algumas veredas, durante a estação seca permanecem trechos empoçados que serviam de bebedouro aos animais. Muitos veredeiros barram com terra a vereda, ajusante da roça, a fim de estagnar a água ou então escavam ao lado grandes bacias, os tanques, que a água enche na época das chuvas, saindo por um sangradouro para voltar à vereda. Os animais na estação seca iam beber no tanque, enquanto que para o consumo próprio o homem faz poços. A roça era cercada para se evitar estragos pelos animais. Perto do leito da vereda, às vezes na lama dos estagnados, plantava-se o arroz; em seguida, do lado de fora, nas terras menos úmidas, o milho e o feijão; seguia-se a mandioca no terreno mais seco. No quintal, laranjeiras, bananeiras e mangueiras. Nas veredas que reuniam melhores condições, plantava-se cana-de-açúcar e algodão. Ocorriam também canteiros, isto é, armações de madeira com terra onde plantavam acima do nível do solo verduras e hortaliças, mais fácil de irrigar, e evitando-se as formigas. O plantio dá-se entre outubro e novembro, e a colheita em maio. O veredeiro muda a roça a cada dois ou três anos, o que o leva a mudar de vereda. Quase sempre os veredeiros possuíam porcos, que forneciam carne e toucinho. As suas atividades subsidiárias eram a cana. Usavam a engenhoca para fabrico de rapadura, da caninha e mesmo de um açúcar primitivo. Esses produtos eram vendidos entre os vizinhos ou na cidade. Um veredeiro mais abastado podia possuir uma moenda ou um moinho de mandioca e os vizinhos para se utilizarem deles davam uma parte do produto. O comércio consistia na compra de sal, panos, pólvora, alpercatas, remédios, café etc, e na venda de cera de carnaúba, babaçu, malva. Já nos gerais, as casas estavam dispostas à beira dos brejos. Apesar de morar o geralista em paisagens amplas, em terras sem dono, isolados, muitas vezes fugido da justiça numa vida mais fechada que a do veredeiro, as passagens e oportunidades de uma especulação comercial explicavam em parte a distribuição das casas, feitas de armação de sassafrases e buritis trançados para as paredes e palha do Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.fjun., 2001 93 Paisagens de um grande sertão buriti para o teto. As roças eram pobres: arroz na várzea e a mandioca mais no alto, ambos de má qualidade. Feijão e milho não davam bem. No quintal de algumas casas, laranjeiras e bananeiras. Galinhas e porcos em pequeno número. A cada dois ou três anos mudavam a roça. Em algumas casas plantava-se um só produto, e todos tinham na caça uma atividade normal para completar a alimentação. O geralista saía por alguns dias e quando voltava dividia a carne entre os vizinhos mais próximos, que faziam o mesmo na vez deles. Comia-se o tatu, o campeiro, o caetitu, a paca, a queixada, a ema. Caçavam-se tanto as garças por causa de suas belas penas, como também onças ou outros animais por sua pele. Ataras e papagaios animavam o comércio de animais silvestres. No alto vale do Galhão havia uma pequena aglomeração: Pedras de Amolar com umas dez casas, das quais três são de barro batido e não apenas de palha de buriti. Isto era uma vila ... Possuía um canavial e uma engenhoca onde se fazia rapadura. A atividade regular do geralista era cuidar do gado nos refrigérios durante a estação seca. Subsidiariamente, muitos saíam por duas ou três semanas a procurar mangaba. Como nas veredas, excepcionalmente uma rês era abatida, por prévia combinação com os vizinhos, que compravam a carne fresca no dia, ficando o resto para fazer carne-seca. Todo geralista procurava comprar um cavalo. Julgavam que os burros não se prestam ao seu trabalho, seja devido ao pasto pobre, seja devido à ausência de suficientes rações de milho e de rapadura. Nos gerais, a água é abundante, mas o solo é mais pobre. Daí sua vegetação rala de campos e cerrados. Já nas veredas, onde os cursos d'água são temporários, concentrava-se a maioria dos habitantes da pequena população, posto que nas caatingas os solos eram melhores.` Nos campos gerais (chapadão arenítico) não se dava uma GEIGER, P. P., As veredas ..., p. 28-30. Luetzelburg relatou (Estudo ..., p. 46): A vila de Santa Maria de TabaLinga consta, na sua totalidade de moradias pequenas, construídas de folhas de palmeira, e os moi-adores passavam uma vida mísera, na única rua que cortava a vila., os moi-adores já de milito se nutriam exclusivamente de farinha e doce de buriti. O doce de buriti é feito da casca do fruto da palmeira, tornado uma pasta com a adição de rapadura e farinha, de coloração amarelo-viva: foi desse doce que conseguimos um bom suprimento, além disso dois litros de alto: e três rapaduras para a nossa cozinha e, para os pobres animais, dois litros de milho apenas. Os vendeiros ficaram inconsoláveis de não terem tido a oportunidade de fazerem bons negócios com fregueses como nós, tão raros naquelas paragens. 76 94 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.1, p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Atues Carrara ocupação verdadeira. Era uma zona quase totalmente vazia: o indivíduo para viver aí precisa ser talhado para tal: O "tipo" característico era o "geralista", ou mangabeiro - único ser vivente neste deserto, indivíduo geralmente nômade, que tem como única atividade a extração da borracha de mangaba: por ser nômade, levava seus apetrechos todos nas costas numa espécie de mochila onde carrega sua roupa, sal, fósforo, café, farinha; do lado carrega um bornal de pano ou couro onde leva o seu fumo de corda, o papa-fogo (espécie de isqueiro), um alimento que se denomina na região "paçoca" que é uma mistura de carne e farinha, e também a pólvora e o chumbo, na cintura ... uma faca ou punhal. A tiracolo ... espingarda. Ainda para completar carrega uma ou duas cabaças d'água para as grandes travessias e, na cabeça, um chapéu de couro, vaqueiros: na seca, gado para os gerais, nas fazendas denominadas "retiro", onde moram nesse período." Os maiores criadores de gado podiam possuir entre 2.000 e 2.500 cabeças. Os médios criadores, entre 300 e 350 cabeças. O gado era destinado aos mercados da "Zona da Mata", levado "a pé" através do São Francisco, e os couros das reses consumidas na região alimentavam um comércio importante para a região. O gado se espalhava em pequenos grupos pelas veredas. Um proprietário podia ter o rebanho fracionado, aos cuidados de vários veredeiros. Quando possuía terras, entregava-o em geral aos veredeiros que lhe habitavam a terra - os rendeiros - mas que não pagavam renda porque a trocavam " GEIGER, P. P., As veredas ..., p. 47: Encontrei um destes tipos de mangabeiros, que havia feito o seu rancho dentro da chapada entre duas canelas de ema e que exerciam no momento a interessante caçada de amas, precavendo-se contra a vista arguta do enorme avestruz, transformando-se em uma palmeira, cobrindo o corpo totalmente com afolha do tucum. Assim conseguiu esta "palmeira improvisada" derrubar em curto lapso de tempo, dois dos enormes e esquivos animais. A carne da ema éJibrosa e áspera, que só serve de alimento na falta de outro: as plumas, porém já constituem maior utilidade, pois são anex'8 GEIGER, P. P., As veredas ....p. 24-7. "ARQUIVO PÚBLICO DO PIAUI. Protocolo das conciliações do Juízo de Paz do Segundo Distrito [depois freguesia do Senhor Bom Jesus do Gurguéia] da Vila e Comarca de Pamaguá; 1839 a 185 ladas aos fardos de borracha e enviadas à Bahia, onde têm procura no mercado local, bem assim como, para a exportação ao estrangeiro. De ,'esto, o caçador mangabeiro dava caça também aos tatus, veados e papagaios, que existem naquela chapada profusamente. A aquisição de lenha e de água constituíam dois problemas sérios ali: água, o mangabeiro somente obtinha de um buritizal que distava 12 quilômetros; como lenha para ofogo utilizava as Velo--ias com as hastes de 20 centímetros de grossura, pois outro combustível não tinha ao seu alcance. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ti. 1, p. 61-123, jan.Ijun., 2001 95 Paisagens de um grande sertão pelos serviços de cuidar do rebanho do proprietário. O rendeiro tem a obrigação de usar os maquinismos que o dono da terra possui, principalmente se este é um veredeiro mais rico que mora perto. O rendeiro devia ainda vender o excedente dos cereais e outros produtos que ele explorava, como mangaba, malva, etc., de preferência ao proprietário das terras. Dos produtos não agrícolas devia também dar-lhe a metade. A raça dominante era o "pé duro" de grandes chifres, mas já começavam a ser vistos, em pequeno número, algum gado de raça. Na seca, o gado era levado para os refrigérios, onde emagrecia, sem contudo morrer. Na zona de Pamaguá, o gado não precisava ir até os gerais; descia para as várzeas úmidas do rio Corrente. No baixo rio Preto, reduzidos grupos de cabeças de gado iam para as várzeas inundáveis na estação das chuvas, e que se mantinham úmidas no resto do ano. A grande maioria do gado, no entanto, passava para os gerais.` Nas águas, reuniam as vacas que haviam tido crias novas e o gado doente, trazendo-os para os pastos novos. Só mais tarde é que iam buscar os restantes. Nos fins de agosto costumavam queimar os pastos. Tinham os indumentos todos de couro devido aos espinhos que eram obrigados a enfrentar atrás dalguma rês fugida. Continuavam a receber o seu pagamento em um quarto ou em um quinto do gado que nascia, como nos tempos coloniais. Vejamos dois exemplos da primeira metade do século XIX. Em 1839, o vaqueiro Estêvão Ferreira Comes recorreu ao juízo de paz para ter saldado seu crédito de uma ou duas vacas crias do tempo que serviu de criador, porque lhe era feita dúvida tanto em lhe dar partilhas como no trato que ... foi ti-atado de amansar uma pari çáo [do ano] de [18132. O vaqueiro recebeu ao final três vacuns ... a sua satisfação ... e como também ... dez dias de serviço que trabalhou. 79 Quase na mesma época, outro vaqueiro registrara que estando por vaqueiro nesta fazenda do riacho Escuro, na beira do rio Silo Francisco, trabalhando e criando na dita fazenda quatro anos, e dentro deste tempo gastei 58 cabeças de gados ' GEIGER, P. P.. As veredas . ,., p. 24-7. "ARQUIVO PÚBLICO DO PIAUI. Protocolo das conciliações do Juízo de Paz do Segundo Distrito [depois freguesia do Senhor Bom Jesus do Gurguéia] da Vila e Comarca de Pamaguá: 1839a 185t. 96 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ri.], p. 61-123, jan./jun.. 2001 Ângelo Alves Carrara entre bois e vacas, avancei-me com meu amo Ladislau de Barros Silva, dando-lhe as sortes que me poderia tocar dentro deste tempo que trabalhei em paga das ... 58 cabeças de gados; e recebi também para o dito meu pagamento um cavalo e Rs8$520 em dinheiro, ficando eu obrigado a vaquejar a dita fazenda, entregar o gado que houver criado por mim dentro nos quatro anos, e este trabalho terei, querendo o dito meu amo, ficando eu por esta forma pago e satisfeito do meu trabalho." Nas margens dos rios desaparecia quase completamente a criação, e surgia a lavoura e o agricultor. Esses lavradores tinham também alguma criação de gado vacum para puxar carros de boi, um ou dois cavalos para seu transporte à cidade, cabritos, porcos, galinhas, cabras e carneiros que constituem a criação doméstica. Próximo a casa, um engenho de rapadura e outro de mandioca. Na margem esquerda do São Francisco, o principal centro humano era à época a cidade de Santa Maria da Vitória, escoadouro da área calcárea da zona. Os produtos de consumo local e de pequena exportação constituíam-se de arroz, farinha, feijão mamona, algodão, banana, laranja. Outro porto importante era Porto Novo, em Santana dos Brejos. Os meios de transporte dessa área eram ainda o carro de boi, para o transporte de rapadura, e os animais de carga, burros e jumentos, transportes por excelência do interior. Havia ainda as gaiolas do São Francisco, as barcas nos afluentes do São Francisco, especialmente o Corrente, paquetes e canoas. Carinhanha era o mais importante ponto do sul da zona estudada. Exportava couros, algodão, milho e borracha de mangaba, e servia de escoadouro das localidades da zona dos chapadões, Cocos e Ramalho, situadas na área calcárea, e de Iuiu, na margem direita. Ao norte, eram encontradas usinas beneficiadoras de arroz e algodão.8' A população das áreas de criação percebia seu horizonte ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, Seção Judiciária, Livro de Notas de carmnhanha, número 3, fi 70, escritura de 23 de setembro de 1836. O látex, apanhado em cabaças é depois coagulado em tijelões por meio da pedra ume (alúmen); a massa coagulada é espremida com a mão e depois secada ao sol; são denominados coalhos quando contém pouca umidade,; passam a ser aguadas, quando são impregnadasfortemente d'água (LUETZELBURG. Ph., Estudo..., p. 39). Nos princípios do século XIX, Martius (Viagem ..., p. 107) vaticinara que a mangabeira [por conter suco leitoso, pegadiço, rico de resina, que, endurecida], talvez pudesse ser utilizada como goma elástica comum, com os frutos, costuma a gente do lugar preparar um refresco agradável e nutritivo. DOMINGUES, A. I. P., Contribuição ao estudo da geografia p.195-7. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.Ijun., 2001 97 Paisagens de um grande sertão agrário como constituído quase à totalidade por fazendas ou partes (ou um pedaço) de terras, ou tão-somente umas terras próprias de criar gado vacum e cava/ar. Mais raramente, ocorriam terras de criar e plantar, ou de criar gados e plantações.` Para os lados do São Francisco, havia matizes. Em 1898, a fórmula para o registro das propriedades rurais do município de Paratinga referia-se a sítios de criação ... encravados no corpo das fazendas, que lhes dava o nome. Usualmente, estes sítios possuíam seus retiros, currais, mangas e pastos. Os termos "fazenda" e "sítio", desde muito cedo já possuíam aí um significado particular: fazenda se chama a de gado vacum ou cavalar, ditas vulgarmente currais; sítios se toma pela fazenda que se cultiva, sendo separada das de gado. 83 O "Relatório do Maranhão" resumia: levantada uma casa coberta pela maior parte de palha, feitos uns currais, e introduzidos os gados, estão povoados três léguas de terra, e estabelecida uma fazenda. Vaqueiro, criador, ou homem de fazenda são títulos honoríficos entre eles, e sinônimos com que se distinguem aqueles cujo cargo está a administração e economia das fazendas. O uso, inalterável nos sertões de fazer o vaqueiro sua a quarta parte dos gados que cria, sem poder entrar nesta partilha antes de cinco anos, não só faz que os ditos vaqueiros se interessem como senhores no bom trato das fazendas, mas faz também que com os gados que lucram passem a estabelecer fazendasY Nos fins do século XVII, o padre Miguel do Couto descreveu a região dos vales dos rios Canindé, Piauí, e do curso superior do rio Gurguéia como composta de fazendas de gados sem mais moradores. Estavam distribuídas por vários riachos a uma distância média de mais de duas léguas, e eram geridas em geral por um homem branco, algumas delas com escravos. Em sua maior parte eram arrendadas: de quatro cabeças que criam lhe toca uma ao depois de pagos os ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, Seção Judiciária. Livros de Notas de Carinhanha. Ainda na primeira metade do século XIX, entre alguns moradores do município de Carinhanha usava-se o termo "fábrica"para referir-se aos seus escravos, corno fora o caso da fazenda das Pindobeiras, com suas fábricas e gados vacum e cava/ares que ac/,are,n na dita fazenda e mais benfeitorias. S3 DURÃO, A. J. de M. op. cit., 2.22. Roteiro elo Maranhão a Goiás, p. 88-89. 98 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, nJ,p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara dízimos; são obrigados, quando fazem partilhas, a entregai-em ao senhor da fazenda tantas cabeças como acharam nela quando entraram, e o mais se parte ao quarto. O regime alimentar era só carne de vaca - ordinariamente assada, porque não há pane/as em que se cosa, com laticínios e algum mel que tiram pelos paus. A água provinha de poços e lagoas, sempre turva e muito assalitrada. Os ares são muito grossos e pouco sadios. Desta sorte vivem estes miseráveis homens vestindo couros e parecendo tapuias. Por tudo isso, a riqueza dessa região repousou durante dois séculos e meio na criação de gado vacum e cavalar. A exploração da borracha de mangaba a partir dos fins do século XIX nunca deixou de ser uma atividade subsidiária nesse grande sertão, como ocorria com a caça de animais silvestres. A pecuária seguiu sendo a atividade dominante, regular, segura. A baixa densidade demográfica possibilitava a constituição de fazendas de grandes dimensões, e cujos limites raramente eram conhecidos. A própria fórmula dos registros de terras de meados do século Xlix contemplava essa imprecisão. No de Pilão Arcado, o tamanho mais recorrente é de duas léguas, mas as divisas não eram certas: o cálculo pode serfalível pela razão de nunca ser [a fazenda] medida. No da Barra, todos próprios proprietários declaravam ignorar as extremas. A dimensão usual das terras registradas pelos 127 proprietários de Carinhanha.era de quatro léguas em quadra, mas dois registros (os de número 28 e 37) são de oito léguas. Além disso, não era comum as propriedades acharem-se separadas entre os herdeiros. Em Pilão Arcado e Barra, por exemplo, compunha a fórmula as expressões em comum com outros possuidores, ou em comum com outros co-herdeiros. Para um território tão vasto, assombra o diminuto número de proprietários: 615 em Pilão Arcado, 368 em Barra, 396 em Campo Largo, 127 em Carinhanha. 85 Essa estrutura fundiária será responsável, mais tarde (conforme o Censo de 1920), pelo baixo valor do hectare de terra nessa região: 5$000 réis em Campo Largo, 8$000 em Carinhanha, 12$000 em Santa Rita, 14$000 em Correntina. Os valores máximos eram encontrados em Barreiras, onde começava a ocorrer um movimento de ocupação de terras com vistas à produção ' Cf. a referência dos registros de terras mais adiante, na seção relativa às fontes. Ci. & Tróp., Recife, 29, ii. 1. p. 61-123,jan.fjun., 2001 99 Paisagens de um grande sertão extensiva de grãos. Dispensável afirmar que no valor total dos imóveis só deveriam ser considerados o valor das terras e o das benfeitorias, porque os maquinismos eram uma parte insignificante. Na prática, porém, o valor total das propriedades tendia a confundir-se com o valor das terras. No Piauí, Alencastre distinguia entre as fazendas de pasto agreste e as de mimoso - para que no sertão uma fazenda mereça o nome de boa, deve ser em primeiro lugar bem provida de água, porque, como todos os altos sertões do Brasil, as fazendas com faltas de água são as primeiras que se despovoam de gados. Nas de pasto agreste, trezentas vacas produziam em média cento e trinta bezerros; as que pariam num ano descansavam no seguinte. Já nas fazendas chamadas de mimoso, em que o pasto é bastante suculento, trezentas vacas produziam duzentos e cinqüenta bezerros anualmente. A mesma proporção era verificada em relação ao gado cavalar. A produção mais abundante era registrada entre novembro e dezembro. As vaquejadas, que ocorriam entre janeiro ejunho era o tempo mais feliz do fazendeiro e mais divertido para os vaqueiros. A primeira vista parece muito simples a ciência de um vaqueiro; assim não sucede; porque um vaqueiro, para ser bom, deve saber correr à rédea solta atrás de uma rês brava por entre o mato e a caatinga cerrada, deve saber derribar pela cauda, ou de 'mucica', e também de vara o boi que espirrar a maromba [magote de bois]. E quantos não morrem no exercício de seu emprego... Nas pequenas fazendas, contudo, as vaquejadas só ocorriam uma vez. Geralmente eram estabelecidos três currais: "de vaquejada" (o que recebe o gado a se vender, onde se ordenha e onde se faz o rol de porteiras), "de apartar" (o que recebe todo o gado para ser distribuído), e o "de benefício" (para os garrotes a serem ferrados e para se fazer as partilhas dos vaqueiros). As partilhas possuíam denominações particulares: quando de quatro bezerros tirava o vaqueiro um, chamava-se "partir só"; se de oito bezerros, um, denominava-se partir com o dono, que era o procedimento próprio das fazendas de cavalar. Ao longo do século XIX, a estimativa da produção pastoril do Piauí levava em conta os lançamentos feitos em benefício do dízimo, mas deveriam ser duplicados, porque os lançamentos são sempre feitos por menos da metade na maior parte dos municípios, porque 100 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ti-], p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara por mais conscienciosos que sejam os fazendeiros nunca deixam de iludir os agentes oficiais que procedem aos lançamentos, sendo que de ordinário são os próprios interessados em faltar à verdade esses agentes oficiais, que constituem ajunta do lançamento. 86 Entre 1791 e 1802, o dízimo do gado vacum do Piauí distribuía-se da seguinte forma: de 8,31% de Parnaguá, 26,16% por Oeiras, e 64,2% por Valença, Man'ão, Jerumenha e Campo Maior. 17 Entre 1849 e 1854,0 número total de criadores do Piauí era de 6.055, exclusive a vila da Barra. Em Parnaguá residiam 15,39% desse total, em Parnaíba, Piracuruca, Príncipe Imperial, Marvão, Campo Maior, Barras, Teresina, São Gonçalo, Jerumenha e Valença 55,3%, e em Oeiras, Jaicós e São Raimundo Nonato 29,3%.88 As técnicas seguiam as mesmas. Em 1798,0 governo português recomendou a introdução do arado no Piauí. Porém, os lavradores que o receberam pouco tempo depois o abandonaram, por impraticável o seu uso, segundo disseram, e impraticável pela natureza do solo, quase todo composto de matos, chapadas e caatingas, e muito mais por variaremos agricultores a cada instante de terreno - não há no Piauí hoje quem possua um destes instrumentos, e raro será aquele que o conheça.89 Nos princípios do século XX, a agricultura e a pecuária mercantis podiam oferecer cifras mais seguras, no recenseamento de 1920.° Contudo, não se pode aqui esquecer de que, para os fins censitários, foram excluídos os pequenos sítios da zona rural, desde 'ALENCASTRE,J. M. P., op. cit., p. 70/121. Na verdade, o imposto de 10% sobre o rendimento do gado vacum e cavalar vinha sendo adotado desde 1827 (ari. 12 da lei de 31 de out. de 1835). Segundo o Relatório ... de 1857 (anexo 15), em regra .. a fazenda de gado que dá 200 bezerros em um ano calcula-se que possui 800 cabeças porque um quarto é quase sempre produtivo. "ALENcASTRE, J. M. E, op. cit. Para mais cifras, cf. também os Relatórios do Presidente da Província do Piauí de 1857 (anexo 15) e 1958. " ALENCASTRE, op. cit. 9° Poucos anos antes, foi realizada uma avaliação aproximada feita por três pessoas consideradas idôneas, escolhidas pelos governos municipais no Boletim para a avaliação do gado existente. Mas o que se pedia não eram informações rigorosamente exatas, e sim apenas uma avaliação, quanto possível aproximada da verdade e pela qual se pudesse conhecer mais ou metias ... o efetivo do gado em pé existente tio país. Por esta razão, ela deve ser preterida. (BRASIL. Sinopse do censo pecuário da República pelo processo indireto das avaliações em 1912-3 (resultados provisórios). Rio de Janeiro: Tipografia do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1914. p. 9129). Ci. & Tróp., Recife, t 29, n. 1, p. 61-123, jan/jun., 2001 101 Paisagens de um grande sertão que a produção deles se destine ao consumo doméstico, ou seja, de pequeno valor [isto é, cuja produção anual não atingisse 500$ réis], não constituindo verdadeiro e especial ramo de negócio. Assim, as cifras do censo de 1920 referem-se a um restrito grupo de proprietários rurais, posto que a maioria da população ou estava radicada num modo camponês de produção, ou já se achava empregada nas fazendas mesmas. Lima Sobrinho já não havia notado que a história do Piauí poderia ser dividida em duas histórias perfeitamente distintas: a dos sesmeiros e a dos posseiros?9' 3.2. Identidade regional - personalidade geográfica e personalidade histórica Procurou-se neste estudo apresentar evidências de que a região aqui recortada participava de um conjunto de características comuns —naturais, demográficas, econômicas. Dito de outra forma: que esse sertão possuía uma identidade particular, expressa por sua personalidade geográfica e histórica. Essa região, contudo, participa de uma identidade maior: a identidade sertaneja. Como os sertões são vários, várias são também as identidades próprias decorrentes da diversidade geográfica e histórica de cada um deles. Esse grande sertão possuía muitos poros por onde se comunicava com outros, isto é, por onde eram estabelecidos seus parentescos. Entre esses sertões aparentados, foi incluído aqui aquele correspondente aos vales dos rios Jequitinhonha, Pardo e de Contas, cujo eixo gravitacional eram as minas de ouro de Rio de Contas e de Minas Novas. Nesta seção, serão principalmente os inventários e os testamentos que assumirão a responsabilidade de informar a cultura material das gentes que aí viveram. Salientemos, desde logo, que o não dispor de inventários dos municípios da porção baiana não foi considerado impedimento para se avançar algumas considerações a respeito daqueles caracteres reveladores das suas "personalidades regionais". Quanto à cultura material, os inventários de Paniaguá são muito parcimoniosos. Limitam-se a arrolar os escravos, os gados e as posses ' LIMA SOBRINHO, Ulisses Barbosa. O devassamento do Piauí. São Paulo: Nacional. 1946. p. 29. 102 Ci. & Tróp., Recife, i 29, n.1, p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara ou as braças de terras. Raramente mencionam alguma coisa além de machados, foices, enxadas, panelas de ferro, tachos de cobre. Comecemos pela principal atividade econômica: a pecuária, que se praticava da mesma forma nos sertões do sul do Piauí, da porção baiana do São Francisco (de ambas as margens) ou de todo o Norte de Minas Gerais, durante o período colonial até meados do século XIX. Em 1726, Pedro Mendes Ribeiro, morador no sertão de Rio de Contas, era um abastado proprietário rural. Além dos seus onze escravos, possuía onze porcos, oito cavalos e éguas, a roda de mandioca, um alambique de cobre. Mas a maior parte da sua fortuna constituía-se de um rebanho de quatrocentas e trinta e três cabeças de gado de toda sorte assituado na Fazenda Santa Maria. Ele podia considerar-se afortunado, porque tinha seu gado em terras próprias, ou como se dizia naquelas partes, assituado. Também em terras próprias tinha seus quinhentos bois João de Matos de Carvalho, em 1735, na sua fazenda das Almas, em Caetité, cuidada por seus oito escravos. Do mesmo modo Antônio Simões de Oliveira, morador na fazenda do Carrapato, situada na freguesia de Santo Antônio do Urubu (atual município baiano de Paratinga), distante sessenta léguas da vila de Rio de Contas, criava até 1737, com seus doze escravos, vinte cavalares, e um rebanho de trezentas reses.` Mas a grande maioria dos que possuíam gados não tinham terras próprias, como José Xavier dos Passos, morador no arraial da Porteira (alua] município de Porteirinha, no norte de Minas), do qual se declarou possuir em 1815 setenta cabeças de gado vacum de toda sorte desassituadas por não ter terras próprias. Tinha, é certo, sua casa coberta de casca de pau com três portas e uma fechadura, benfeitoria bem destacada. Nesses casos, a garantia da propriedade do gado era dada pelos sinais dos ferros de ferrar gado.` Esta foi a forma como os inventariantes de Jerônimo de Souza Salgado procederam ao dar a inventário o gado que possuía na fazenda do Capitão Manuel Luís de Souza, na ribeira do Paramirim: o que se achar de seu ferro e sinal, e Paramirim abaixo, todo o gado do dito seu ferro avaliado alto e maio quarenta e seis cabeças de toda sorte Inventários custodiados pelo ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE RIO DE CONTAS. "Inventário de José Xavier dos Passos, FORO DE MONTES CLAROS, Secretaria do Cível. Ci. & Tróp., Recife, 1'. 29, n. 1,p. 61-123, jan./jun., 2001 103 Paisagens de um grande sertão a Rs2$200. O defunto possuía também oito éguas na fazenda do sítio da Cruz. Mesmo sem terras, a pecuária lhe permitira comprar os sete escravos com os quais costeava seu gado.94 Mais preciso, o inventário de Antônio de Brito Cação, de 1738, assistente no sítio dos Barrocões, tem apenso seu testamento em que declarava possuir cem reses, seis cavalos, roça com mil covas de mandioca, negócios em Muritiba, Belém, Rio Real, Piauí e Saparatuba. Antônio Cação afirmara ter assistido na fazenda das Lajes do rio das Rãs, e da fazenda do Curralinho, para as partes da Jacobina. De todo o modo, sem terras próprias, os louvados avaliaram o gado com o ferro do defunto. Se não o ferro de ferrar, outras marcas: em 1738, Antônio de Souza da Costa, morador no termo de Rio de Contas, deixara um legado de vinte e um escravos, três porcos, treze cavalos do trato de vaqueja;; doze potros, cinqüenta éguas de pasto marcadas com um giz na perna direita, doze bois. Tinha uma roça na propriedade de Manuel Saldanha, no Pé da Serra, com casas de capim, benfeitorias e plantas de mandiocas e bananeiras e árvores de espinho. Bartolomeu Dias de Oliveira, assistente na fazenda de Agostinho Ribeiro, morador na Serra Talhada, também no termo de Rio de Contas, tinha ao falecer em 1731 cinqüenta e três bois. Em 1734, Pedro Ferreira de Souza, morador no sítio do Caeté, ribeira do Rio Pardo, a dezessete dias de caminho e estrada da vila do Rio de Contas, criava com cinco escravos as cem cabeças de gado de criar avaliado alto e maio pelos louvados. Era proprietário ainda da metade do sítio do Salto em que estava o gado. Antônio Lopes de Miranda, morador no arraial da Porteira, possuía uma roça na beira do rio em terras alheias, com casa de capim, roda de mandioca, prensa e fomos de pedras, dois quartéis de mandioca e casa no arraial, em 1822. Nos princípios do século XIX, essa distinção entre gado "situado" e gado "desassituado" começou a ser desfeita. Em 1833, Maria Rodrigues de Miranda possuía com seu esposo e seus sete filhos, moradores na ribeira do Gurguéia, seis machados, três armas de fogo, 10 cavalos de serviço, seis potros, 15 éguas e 230 cabeças de gado Inventário de Jerônimo de Souza Salgado, ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE RIO DE CONTAS. ' Inventários deARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE RIO DE CONTAS; inventário de FORO DE MONTES CLAROS. Secretaria do Cível. 104 CL & Tróp., Recife, t'. 29, ti.], p. 61-123, jan.Ijun., 2001 Angelo Alves Cai-rara assituadas na fazenda do Buriti, além de seis escravos. Mesmo sendo o gado "assituado", não se deu a inventário nenhuma posse de terras. Em 1836, Narciso Pereira de Lima deixara para seus dois filhos e para a viúva um monte-mor de 120$000, formado por um cavalo novo, uma égua velha, duas potras de serviço e 17 cabeças de gado vacum de toda a sorte situadas no sítio do Barrocão. A inventariante também não declarou possuir terras próprias. Pouco depois, em 1842, Jerônima Martinha de Brito, moradora em Gurguéia, deixara para seus seis filhos, um escravo de 70 anos, nove cabeças de gado cavalar e 150 cabeças de gado vacum de toda a sorte situados na fazenda da Raposa. Não foi arrolada nenhuma propriedade rural. Três anos depois, os cinco filhos de Merenciana Maria de Assunção, também moradores em Gurguéia, repartiam os 249$000 réis que constituíam a herança deixada: um cavalo, uma égua, uma parte em uma escrava, 16 cabeças de gado vacum de toda a sorte desassituadas na fazenda Santo Antônio na ribeira do Gurguéia e uma possessão de terras nafazenda Santo Antônio na mesma ribeira. Apesar de declarar o gado "desassituado", deram a inventário uma posse de terras. Talvez para evitar as confusões provocadas pelo uso de um termo que começava a deixar de fazer sentido, os louvados substituíram essas palavras por outra, aparentemente mais "moderna". Assim, no inventário de Benedito Rodrigues Alves, aberto em 1847, os louvados arrolaram as 25 cabeças de gado vacum de toda a sorte Comidas na fazenda da Serra com seus logradouros do Castelo na ribeira do Gurguéia, e as 818 braças de terra nessa fazenda. Todos os inventários abertos desde então seguiram essa fórmula, e não mais se fez uso das palavras "(as)situado" ou "desassituado". Nesses poucos inventários da primeira metade do século XIX, predominam os pequenos proprietários (anexo 14). Mas o Comendador José Rodrigues Coelho, falecido em 1852, acumulara uma fortuna considerável: 37 escravos, 44 cabeças de gado cavalar e 500 cabeças de gado vacum de toda sorte contidas em suas fazendas denominadas Varge Grande (com retiro), Palmeiras e Cajazeiras, além de uma posse de terras no sítio das Flores, todas na ribeira da Gurguéia. O valor de suas terras (3:625$000), porém, não superava o de seu gado vacum (3:000$000) e cavalar (1:442$000). Mas a avaliação dos 37 escravos (10:120$000) era superior à soma das terras e do gado. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan.fjun, 2001 105 Paisagens de um grande sertão Nos fins do século XVIII e início do XIX, encontramos moradores de Carinhanha que vieram de São Romão e de Pirapora, moradores de Montes Claros naturais de Pilão Arcado e de Vitória da Conquista. A circulação mercantil era, ademais, bem mais ampla. Natural da freguesia de São João de Ttaboraí, no Rio de Janeiro, o mercador de cobres, ferragens e fazenda seca, João Coelho da Silva, residente em Montes Claros, bem representa a extensão dessa circulação. Mantinha até 1814 negócios em Salvador e Rio de Contas, tinha venda e um filho em Coração de Jesus e casa em Sabará. Por isso, encontraremos um grande número de características culturais comuns entre ele e outros sertões que possuíam um horizonte agrário extensíssimo e homogêneo. 3.3. Um mundo à parte: as barrancas do São Francisco Todos que descreveram a vida dos habitantes das margens e das ilhas do rio São Francisco estavam acordes quanto a ela. Em 1818, Martius relatava que, além da cana-de-açúcar, eram cultivados o feijão, a mandioca e o milho, este preferido àquela. Prosperava aí também a melancia, pepinos e abóboras?6 Em 1942, Gilvandro Pereira noticiava que em Sobradinho, Casa Nova, Sento Sé, Remanso, Pilão Arcado, etc., vimos no grande número de pedintes, o estado de miséria que assola esta gente. Homens pálidos e amarelos pelo impaludismo, mulheres cheias de filhos e mal alimentadas, grande número de aleijados, todos de uma fraqueza extrema e cobertos de trapos, como única vestimenta nos mostravam uma grande penúria dentro de um quadro de imensa riqueza latente. O São Francisco de hoje é o São Francisco de cem anos atrás.97 Pouco antes, Otto Queile, que percorrera a região de maio a outubro de 1927, havia expresso a mesma idéia: as descrições de ' !VIARTIUS, Viagem ..., v. 2, p. 91. Os "lameiros" eram os plantadores de verduras nas margens lodosas do lagamar e das ilhas. Em luiu enconLravam. se grandes culturas de milho, algodão, feijão, cana etc., segundo relatou a expedição de 1942. °' PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. in: Revista Brasileira de Geografia, v.5, n.4, p. 578, out./dez., 1943. 106 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.J,p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara viagem de Spix e Martius, que percorreram esta zona há mais de cem anos, ainda servem para a atualidade. Os membros da expedição ao oeste da Bahia apenas repetiam as mesmas impressões décadas antes relatadas por Richard Burton e Teodoro Sampaio. Burton opunha o majestoso São Francisco a tudo o que vira nas margens ocidentais da Bahia, que para ele denotava miséria, atraso e negligência.98 Teodoro Sampaio assinalava que em ambas as margens do São Francisco desde Pilão Arcado a população é mesmo numerosa, bem que pouco produtiva. Vive alheia às leis econômicas. Produz apenas o preciso para viver. Não importa, porque não produz para trocar, nem troca ou permuta porque não tem mercado onde fazê-Io.( ...) nestes sertões, o homem pobre nunca é suficientemente pobre que precise viver do salário. O mundo aqui é largo demais para que se faça sentir a pressão das necessidades. Vive-se bem, vive-se ao natural, sem cuidados pelo futuro porque a pobreza aqui não aterra a ninguém.99 Talvez exagerasse, mas a algo de verdadeiro sabia o julgamento do senador Jobim na sessão do Senado de 27 de junho de 1870 de que do rio São Francisco ... só se exportam atualmente melancias e sezões. Meio século mais tarde, descrevendo a pesca como a principal atividade econômica da população ribeirinha, Otto Quelle concordava: as roças de mandioca ou milho possuem muitas vezes apenas uns poucos metros quadrados de área. É verdade que os moradores da beira do rio também não precisam de plantações, pois quase, sem trabalho, fornece prontamente o rio, descomunalmente piscoso, alimento saboroso, que em conserva seca é artigo de exportação. 98 Burton espantara-se com a ausência de qualquer progresso nessas regiões ocidentais da grande província baiana (p. 114). " SAMPAIO, T., p. 3191330; Também Martius (p. 104): os poucos sertanejos ... são pobres, porém, sem necessidades. Na fazenda Boa Vista, situada na ilha homônima do rio São Francisco, Burton encontrara os homens indolentemente estendidos sob as árvores, os quais, segundo o autor, contentam-se ali com um curral ... e umas pequenas roças de mandioca e milho, melancias plantadas na areia e, em poucos lugares, alguns pés de algodoeiro arborescente. O mobiliário e os utensílios dos ,-anchos constam de um jirau e um couro para dormi,; poucos bancos, arreios, gamelas e pane/as de barro. Por outro lado, a espingarda e a vara com o anzol não permite nunca os moradores terem fome (p. 98-9). Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 107 Paisagens de um grande sertão Atraso e negligência não eram exclusividade dos habitantes das margens do São Francisco. O Presidente da Província do Piauí, Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, afirmara em 1860 que a agricultura é quase nula. As férteis margens do Parnaíba e dos seus afluentes, os terrenos ubérrimos dos municípios de São Gonçalo, Valença, Bom Jesus e Parnaguá mal produzem alguns gêneros destinados à alimentação local. Entretanto, não pequena população arrastra deplorável existência por esses mesmos lugares em busca dos recursos naturais que por toda a parte abundam, sem curar do trabalho, nem do dia de amanhã, sem sentir estímulos para os gozos da vida civilizada, só entregue à ociosidade, ou à prática do vício e do crime!I® A partir da segunda metade do século XIX, este mundo cada vez mais aparecia como condenado à extinção. O modo de vida de seus habitantes, em contraste inexorável com a prosperidade engendrada pelo novo modo de produção de mercadoria, tomava-se crescentemente mais difícil de ser compreendido. Burton, em 1867, Teodoro Sampaio, em 1879, Luetzelburg, em 1911, Simas Ribeiro e Alfredo Domingues, em 1942, Pedro Geiger, em 1950, testemunharam as longas exéquias, o doloroso arquejo, a sororoca da morte dos modos de produção coloniais então vigentes. Fontes e Bibliografia 1. Fontes arquivísticas: 1.1. ARQUIVO NACIONAL 1.1.1. Coleção Casa dos Contos de Ouro Preto, livros 3780 e 3011. 1.2. ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO 1.3. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA 1.3.1. Seção Colonial e Provincial 1.3.1.1. Correspondência das Câmaras para a Presidência da Província a) Câmara de Barra, 1824-1888 - maços 1257 a 1259; b) Câmara de Campo Largo, 1828-1889 - maços 1287 e 1288; Relatório do presidente da Província do Piauí. Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, em 16 de maio de 1860. Teresina: Tipografia Constitucional de J. da Silva Leite, 1860.p. 9-10. 108 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, e.], p. 61-123, jan.Ijun., 2001 Ângelo Alves Carrara c) Câmara de Carinhanha, 1834-1889 - maços 1297 e 1298; d) Câmara de Pilão Arcado, 1828-1889 - maços 1377 e 1378. 1.3.1.2. Registros Eclesiásticos de Terras a) b) c) d) e) Casas da Torre e da Ponte - livros 4636 a 4638; Vila da Bana - livros 4659 e 4660; Vila de Campo Largo - livros 4683 e 4684; Vila de Carinhanha - livro 4690; Vila de Pilão Arcado - livros 4768 a 4773. 1.3.2. Seção Judiciária a) Livros de notas de Carinhanha, 1826 a 1890— livros 1 a 20. As condições físicas destes livros são razoavelmente boas, com exceção do número 9 (1862-6), que se acha muito danificado. Há um hiato entre o livro 6(1841-7) e o 7 (1856). 1.4. ARQUIVO PÚBLICO DO PIAUÍ (no momento em que foi realizada a pesquisa, essa instituição estava refazendo seus instrumentos de busca, razão pela qual cito cada item documentário sem menção da proveniência da série ou fundo) a) Correspondência da Câmara de Parnaguá para a Presidência da Província, 1842-1890; b) Inventários da vila de Parnaguá, 1833-1872; c) Livros de Registros de Cartas de Datas e Sesmarias, 1761-1819; d) índices de posses de terras: publicação contendo: d.1) Índice das datas e posses de terra do Registro Eclesiástico de 1857; d.2) índice das cartas de sesmarias concedidas no Pará; d.3) Índice das cartas de sesmaria registradas na Junta da Real Fazenda (1789-1809); Segundo O Piauí, de 18 de setembro de 1929, o desembargador Bernardo Borges Pinhal entregara em 4 de setembro 200 certidões de registro de datas de sesmarias concedidas durante o pendo colonial pelo governo do Pará. e) Registro Geral de Terras de 1898 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan.fjun., 2001 109 Paisagens de um grande sertão Este Registro traz preenchidos o número de ordem, o nome do possuidor, a data ou sesmaria em que a posse está encravada, o nome, o valor e a área da posse em metros (se estivesse demarcada), o tempo e o modo da aquisição (compra, herança ou doação); apesar de constar, não estão preenchidos os campos referentes às benfeitorias existentes, às espécies de cultura e às observações quanto aos limites. Estão registradas 1.077 posses no valor total de 72:826$593 réis, pertencentes a um número muito menor de proprietários —351. O Declarações avulsas de posse de terras, 1856: estes documentos avulsos fragmentados permitem a reconstituição de uma boa parte do livro de registro de terras de 1856. Fórmula: declaro que na freguesia de Nossa Senhora do Livramento do Parnaguá, Ribeira do Paraim, possuo três quartos de légua na fazenda Varge Grande Comprida em comum com outros, na fazenda Éguas da mesma uma posse e meia em comum com outros, no sítio duas posses na mesma ribeira possuo na fazenda do Cercado uma légua na mesma ribeira, possuo na ribeira do Gilbué na fazenda Prepiri Contendas uma posse na mesma fazenda Barra uma posse em comum com outros cujas extensões e limites ignoro. Vila do Parnaguá, 15 de maio de 1856. Vicente Honório de Lemos. Esta declaração traz anotado a lápis no canto superior: 663 registrada afolha 17v do segundo livro. g) Protocolo das conciliações do juízo de paz do segundo distrito da vila e comarca de Parnaguá, 1839-185!; h) Auto de contas que mandou fazer o Desembargador OuvidorGeral Luís José Duarte Freire para informar ao Capitão Mandante Manuel Pereira Taborda do rendimento das fazendas do Campo Largo e Castelo de que é administrador, pertencentes à instituição da Capela de Domingos Afonso Sertão, 1762; Auto de contas que mandou fazer o Desembargador Ouvidor-Geral Luís José Duarte Freire para informar ao Capitão Mandante Manuel Pereira Taborda do rendimento das fazendas da Serrinha e Algodões, de que é administrado,; pertencentes à instituição da Capela de Domingos Afonso Sertão, 1762; Termo de declaração do rendimento da roça da residência de Nazaré, 1762; Auto de contas do rendimento que tirou nas fazendas Serrinha e 110 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.J,p. 61-123, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara Algodões nos anos de 1762, 1763,1764,1765,1766 e 1767. Este conjunto de documentos é um dos mais importantes para a história da pecuária dos sertões do Brasil. Trata-se de uma relação extremamente detalhada do transporte das boiadas para Salvador, na Bahia. 1.5. FÓRUM DE PARATTNGA. Cartório do Registro de Imóveis. Livro de Legitimação de Terras; registro de declarações e documentos apresentados pelos proprietários de terras nos termos da lei n2 198, de 21 de agosto de 1897 (contém 120 registros, com datas entre 25 de janeiro e 27 de novembro de 1898 [116], mais quatro até 9 de abril de 1929); 84 fis. - os registros de notas começam a partir de 25 de maio de 1896, livro 101.Os cem livros anteriores não existem mais. Fórmula e conteúdo deste livro: sítio de criação da Extrema, encravado no corpo da mesma fazenda, que tem esta denominação; este sítio tem posse na beira do rio pelo lado do norte com uma cerca que divide a propriedade do cap. António Brás Lopes pelo lado do sul com a metade do terreno que divide a fazenda do Santo Onof'-e para o lado do leste o retiro dos Furados com urna casa coberta de telhas, currais, mangas e pasto e um coqueiro emfrente;com a barranco do São Francisco a oeste, o Paulista a leste. 2. Fontes publicadas: 2.1. Textos ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Memória cronológica, histórica e corográfica da província do Piauí (1855). RJHGB, tomo 20 (1857). BARATA, Francisco José Rodrigues. Memória em que se tratam de algumas providências tendentes ao melhoramento da agricultura e comércio da Capitania de Goiás; 1806. Memórias Goianas I. Goiânia: Universidade Católica de Goiás/Centro de Cultura Goiana, 1982. p. 55-93. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 111 Paisagens de uni grande sertão BASTOS, Manuel José de Oliveira. Roteiro da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, pelo rio Tocantins acima até o Porto Real do Pontal na Capitania de Goiás. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1811. BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1957. v. 3 (Piauí e Maranhão). BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil realizado em JQ de setembro de 1920; agricultura, superfície total, área e valor dos imóveis recenseados; recenseamento do gado. Rio de Janeiro: Tipografia da Estatística, 1923. (v. 3, parte 1). BRASIL. Recenseamento de 1872. BRASIL. Sinopse do censo pecuário da República pelo processo indireto das avaliações em 1912-3 (resultados provisórios). Rio de Janeiro: Tipografia do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1914. BRASIL. Sinopse do recenseamento de 31 de dezembro de 1900. Rio de Janeiro: Tipografia de Estatística, 1905. BURTON, Richard. Viagens aos planaltos do Brasil [1867]. 2. ed., São Paulo: Nacional, 1983 [1 ed. 19411. CONSELHO ULTRAMARINO. Consulta sobre o estado das missões do sertão da Bahia; 18.12.1698. ABN, 31, docs. 343 e 344. COUTO, Miguel do (Pe.). Descrição do sertão do Piauí (1697). in: ENES, Ernesto. As guerras nos Palmares. São Paulo: Nacional, 1938. DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição ao estudo da geografia da região sudoeste da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, abr./ jun. 1947, p. 208. DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição à geologia da região centro-ocidental da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, p. 9, n. 1, p.57-78, jan./mar. 1947. DOMINGUES, Alfredo José Porto. Contribuição à geologia do sudoeste da Bahia. Revista Brasileira de Geografia, v.10, n.2, p.255283, abr./jun./ 1948. 112 Ci. & Tróp., Recife. v. 29, n1,p. 61-123, jan.Ijun., 2001 Ângelo Alves Cai-rara DURÃO, Antônio José de Morais. Descrição da Capitania de São José do Piauí [original manuscrito no Arquivo Histórico Ultramarino, caixa 31; In: MOVI', L.R.B. Piauí colonial. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985, p. 22-41. GEIGER, Pedro Pinchas. As veredas e os gerais da região do rio Preto na Bahia; estudo de geografia humana. Boletim Carioca de Geografia, v.3, n.1, p18-3l, [19501. IDÉIA da população da Capitania de Pernambuco e das suas anexas *117881. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1924. INFORMAÇÃO que dá a Câmara da Vila do Paracatu satisfazendo aos quesitos do Conselho do Governo da província (1826). Revista do Arquivo Público Mineiro, n.4, pi59-65, (1899). LUETZELBURG, Philipp von. Estudo botânico do Nordeste. Rio de Janeiro: Inspetoria Federal de Obras contra as Secas/Ministério da Viação e Obras Públicas, 1922-3. OFÍCIO do Intendente Geral do Ouro, Wenceslau Pereira da Silva; Bahia, 2.ago.1753. ABN, 31 [docs. 708 a 7101. OFÍCIO do Vice-Rei em que refere a criação da Vila da Barra do Rio Grande do Sul. I4BN, 31, doc. 1128, 24.4.1754. OLIVEIRA, Antônio Rodrigues Veloso de. A Igreja do Brasil ou informação para servir de base à divisão dos bispados, projetada no ano de 1819, com a estatística da população do Brasil, considerada em todas as suas diferentes classes, na conformidade dos mapas das respectivas províncias, e número de seus habitantes (1820). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 29 (1866), p. 159200, mapas de população dos bispados. PEREIRA, G. S. Expedição à região centro-ocidental da Bahia [1944]. Revista Brasileira de Geografia, v.7, n.4, p. 573-617, out./dez., 1945. PEREIRA, G. S. Expedição ao sudoeste da Bahia [1945]. Revista Brasileira de Geografia, v.8, n.4, p.437-504, out./dez., 1946. PEREIRA, Gilvandro Simas. Expedição ao Jalapão [1942]. Revista Brasileira de Geografia, v.5, n.4, p.573-614, out./dez., 1943. POHL, Johann Emmanuei. Viagem no interior do Brasil empreendida nos anos de 1817 a 1821 [1832]. Rio: Instituto Nacional do Livro, 1951. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1,p. 61-123,jan.Ijun., 2001 113 Paisagens de um grande sertão QUELLE, Otto. Relatório das viagens de estudo na Bahia. RIHGB, tomo 106, v. 160. p. 5-28 (originalmente publicado no Iberoamerikanisches Archiv, v.2, n.4, maio de 1928. RIBEIRO, Francisco de Paula. Memória sobre as nações gentias que presentemente habitam o continente do Maranhão [1819]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 3 (1841). p. 14858/239-58/361-73. SAMPAIO, Teodoro. O rio São Francisco; trechos de um diário de viagem [1879]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 167(1936): 285-377. SEGURADO, Joaquim Teotônio. Memória econômica e política sobre o comércio ativo da Capitania de Goiás [1806]. Memórias Goianas 1. Goiânia: Universidade Católica de Goiás/Centro de Cultura Goiana, 1982. p. 33-53. SILVA, Inácio Accioli de Cerqueira e. Dados e informações estatísticas sobre a vila da Barra em 1826. Revista do Arquivo Público Minei,-o, n.9, p.701-19, (1904). SPIX, Johann Baptist von. Viagem pelo Brasil. Belo Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Edusp, 1981. v. 2. VALVERDE, Orlando. Divisão regional do vale do São Francisco. Revista Brasileira de Geografia, v.6, n.2, p. 179-215, abr./jun., 1944. VILHENA, Luís dos Santos. Recompilações de notícias soteropolitanase brasílicas [1802]. Salvador: Imprensa Oficial, 1921. 2.2. Mapas BRASIL. MINISTÉRIO DA VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS. Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Mapa fitogeográfi co do estado do Piauí (escala 1:2.000.000, 0,337m x 0,452m; referência ARC 13-3-29 da Seção de Cartografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), organizado por Philipp von Luetzelburg. Rio de JaneiroSão Paulo: Tip. Lit. Ipiranga, 1922. CARTA COROGRÁFICA DAS PROVÍNCIAS DO MARANHÃO E PIAUI E PARTE DAS DO PARÁ, GOIÁS, BAHIA, PERNAMBUCO E CEARÁ. Rio de Janeiro, 1855 (referência ARC 26-1-9 da Seção de Cartografia da Biblioteca Nacional). 114 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.], p. 61-1 23, jan./jun., 2001 Ângelo Alves Carrara CARTA GEOGRÁFICA DO PIAUÍ, redigida segundo as cartas manuscritas de José Pedro César de Meneses e Matias José da Silva Pereira, por Jos Schwarzman e Martius. Munique, 1828 (referência ARC 14-6-18 e ARC 12-3-34 [edição alemã] da Seção de Cartografia da Biblioteca Nacional). GALÚCIO [GALLUZZI], Henriques Antônio. Mapa geográfico da Capitania do Piauí; 1760 (Mapas e Planos Manuscritos relativos ao Brasil Colonial - 1500-1822, n. 192 e 193/ Itamarati). 3. Referências Bibliográficas ABREU, João Capistrano de. Cartas a João Lúcio de Azevedo (14.9.1916,83.1918 e 18.3.1918). ID. Capítulos de História Colonial. 6. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Brasilia: Instituto Nacional do Livro, 1976. Caminhos antigos e povoamento do Brasil [1930]. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu-Livraria Briguiet, 1960. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1957/1960. vols. 6c9. CRUZ, Ruth Bouchaud Lopes da. Notas sobre a ocorrência do caroá no Nordeste. Boletim Carioca de Geografia, v.3, n.4, p.30-40, 1950. EGLER, Eugênia Gonçalves. Distribuição da população no estado do Piauí em 1940. Revista Brasileira de Geografia, v.13, n.4, p. 48694,, out./dez., 1952. LIMA SOBRINHO, Ulisses Barbosa. O devassamento do Piauí. São Paulo: Nacional, 1946. MELLO, Ceres Rodrigues. O sertão nordestino e suas permanências (séculos XVI-XIX); dissertação de mestrado/UFRJ. RJHGB, v.148, n.356, p. 283-438, jul./set., 1987. MOYI', Luiz Roberto B. Piauí colonial; população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.fjun., 2001 115 Paisagens de um grande sertão NEME, Salete Maria Nascimento. Através das formas - ocupação humana e modos de vida no Alto Sertão e nos Planaltos da Chapada Diamantina (BA) entre os séculos XVII e XIX. Rio de Janeiro: UIFRJ, 1997 (tese de doutorado). REGO, Luís Flores de Morais. O vale do São Francisco. Revista do Museu Paulista, v.20, n.9, p. 491-706, 1936. SILVA, InácioAcioli de Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Salvador: Imprensa Oficial, 1919-25. 116 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.J,p. 61-123, jan./]un., 2001 Ângelo Alves Cai-rara Anexo 1 Desdobramento hlst&rico da divisão municipal 1761-1891 Odres [do Barreiras do Piaui, Monta Bana do Rio Grande do Sul, desmembrada de Cabrobó Santana dos 1. sede transferida para o arraial de Aval do Brejo Grande, depois Aval de Santa Cruz, depois Fiarão de Cotipe, depois Cotipe; Campo Largo hoje corresponde a Teguã, antigo Arraial Velho da primitiva fazenda Suçuarana, do sesmeiro José Lopes Coutinho de Bonfim. 2. em 1880, sede transferida para Santa Maria da Vitória; em 1886, sede transferida para Rio das Éguas; em 1888, nova transferência para Santa Maria da Vitória; em 1891, emancipação de Santa Maria da Vitória. 3. em 1931, Rio Preto; em 1943, Ibipetuba; em 1957, Santa Rita de Cássia. 4. em 1857, sede transferida para Remanso; em 1872, sede transferida para Pilão Arcado; cm 1889, nova transferência para Remanso; em 1890, emancipação definitiva de Remanso. Anexo 2 População da Vila da Bana em 1826 e informações sobre a Vila da Basta em 1826. RAPN 9 1 1904 1, p. 719. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, a. 1, p. 61-123,janijun., 2001 117 Paisagens de um grande sertão Anexo 3 População de Campo Largo em 1834 homens mulheres africanos 1 africanas livres 1 escravos livres 1 escravas 1 eslxm. 1 livres 1 escravos livres escravas 1.4471 301 1.088 2741 3 - 211 71 6 População total da freguesia: 3.147 habitantes; Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Seção Colonial e Provincial. Câmara de Campo Largo, maço 1287, caderno de 1834: Correspondência da vila de Campo Laivo para a Presidência da Ptor4nnia em 9 de outubro de 1834— 'mapa do número de fogos e de habitantes da freguesia de Santana do Campo [siso em 1834'. Anexo 4 População da Vila de Pilão Arcado em 1833 ESTADO DA SABIA. Seção Colonial e Provincial. Câmara de Pilão Arcado, maço 1377, caderno de 1830: CorrespondAnda da vila de Pilão Arcado pana a Prssiddnda da Provtnda - 'mapa do número de fogos e de habitantes da freguesia de Santo Antônio da Vila de Pilão Arcado em 1833. Anexo 5 Batizados, casamentos e óbitos da freguesia de Parnaguá (1841) Fonte: Mapa dos &itizado casamentos e óbitos que tive ram tugar nesta Senhora do Iirmrnento da Vila e Contorna de Avnagu& 22 de maio de 1847; DO PIAUI, Correspondências de Peniaguá, caderno de 1847. Anexo 6 População da Vila de Parnagnáem 1854 Freguesias livres escravos 1 estrangeiros total Parnaguá )41 15 1 12.654 Bom Jesus do Gurguéia3.932 246 8 4.186 Total do Piaui 135.811 16.868 222 152.901 Fonte: 'Mapa estatístico das comarcas, vilas e freguesias da Provincia do Piaui com declaração da população por freguesias, com distinção dos habitantes livres, escravos e estrangeiros, 1854'. Relatório que dirigia o presidente da Prnt4nda do Fiazd João José de Otiudra Junqueira à Assembléia B'nvindal Maranhão: Tipografia de José Ferreira, 1857. anexo 11. 118 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.], p. 61-123, jan/iuhl, 2001 Ângelo Alies Carrara Anexo 7 População municipal (1872-1940) - 7.1. Sertão denominação de Correntina S. ou apenas Santana 6. até 1891 em Rio das Eguas; 7. cifra total correspondente a Januãria, São J0ú0 das Missões (no Jacaré, Mocambo, Japoré, com 5.888 habitantes; Amparo do Brejo, com 12.454 baba.; Manga e Morrinhos, 4.054; São Francisco, Urucum, Morro, Brejo da Passagem, Conceição da Vaigem, 6249; 8. era Janilária; 9. até 1891, em Angical; 10. em Remanso. 7.2. Tenitórios meridionais e ocidentais vizinhos 1.entre 1890 e 1920, sede em Loreto; 2. inclui Chapada e São Migue! e Almas; 3. inclui o distrito de Conceição do Norte (atual Conceição); 4, inclui Mono do Chapéu; Fontes: BRASIL.. Reisea,nen2os de 1872, 1890, 1900, 1920 e 1940 (CfFontes e Bibliografia). Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123,jan.Ijun., 2001 119 Paisagens de um grande sertão Anexo 8 Movimento das mercadorias pelos registros de GO1S Anexo 9 Destinos tem %) das mercadorias em 1762 pelo registro de Três Barras Anta Gado vacum Fazenda seca Escravos Fonte: ARQUIVO N livros 3780e301.1. Anexo 10 Gado dizimado nosseitões do vale do rio São Francisco (1757-9) vacas bom vacas bois vacas 127 133 195 162 de São Francisco 54 cavalos: 161 em 1757; 1758. Fonte: AN, avulsos da CCWI lata 287, grupo li: Relação do gado ixzaan que tirou José Voz da Costa da Ribei,u do rio de São &urwisn, da pane do Pernambuco, pertencente ao terceiro contrato dos dizimoa [de João de Souza Lisboa; 175MY. 120 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ti. ],p. 61-123, janijun., 2001 Ângelo Alves Carrara Quadro 11 Produção pecuária (1920) Fonte: Censo de 1920. Quadro 12 Estrutura fundiária (1920) Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001 121 Paisagens de um grande sertão Anexo 13 Sesmarias concedidas nas terras situadas no extremo sul do Piauí no a Conceição das Barras, no sertão do Gübués, rio abaixo pela Pindaiba acima, confrontando-se com a • dos sertões e, pelo ponte, com o gentio bárbaro • Estiva, no rio Paraim; confrontações: sitio do uno, Tapera Velha das Cacimbas a Contrato, no sertão do Gilbués, confrontações: com o bárbaro (pelo sul e pelo poente), com as fazendas as e Periperi e com as cabeceiras da Vereda do Mastins a Riacho dos Morros, no sertão dos Gilbuás: no e Nszare, nas verteu 'do sertão, fazenda raim de Cima; o das Laias e da Serr lo Corrente; confrontações: rio Paraim, no Gurguéia; confrontações: riacho da sítio Reis, entre os riachos Correntes e Buracos, afluentes uêia; confrontações: entre as fazendas Jenipapo e ra m Jesus; confrontações: fazendas das Berlengas e terras inúteis, margens dos Angicos no Morro Grande te de Cima; confrontações: rio Paraim e Ws, no Guxgu€ia; confrontações: fazenda Fundo; confrontações: fazendas do Saco, e do 'an'os Ko fazenda Itaboca de Dentro, na ribeira do Curimatá, em que criava seus gados cimo Nogueira fazenda Ema de Cima, na margem do rio Corrente, em que criava seus gados, confrontações: fazendas da Ilha, do Jacaré, do Meio e o sitio Ema do Retiro Carvalho da Cunha sitio Cruz, na ribeira do Curimatá, estremando cora terras 122 Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n.J,p. 61-123, jan/jun., 2001 Ângelo Alves Carrara lugar [?]vo e Velho; queria povoar um sitio de crio se achava devo!uto confrontações: fazendas • do 1779 Manuel Vieira Soares serilawe e possuidor de tona sorte de terras de atar gados no sertão dos Gilbués, a qual sorte (Fie fora dada em dote san bateflct de azltura alguma pela haverom despovoado seus antepossuidoies; confrontações: fimerda do Barreiro, dos herdeiros do detundo Antõnio Gomes Leite, serro que divide a fazenda de Santo Antônio do cap-mor Domingos Barreiro de Macedo, rio Utuçui 1787 Liberato José Leite Pereira de ,retende povoar um sitio de criar gados no sertão das Castelo Branco, filho liUmo Pimenteiras do sazgento-mor Péliz José Leite Pereira de Castelo povoar uni sitio de criar gados no sertao das Branco, filha Leite Pereira de Castelo sertão das Pimenteiras, terras do gentio bmso se acha uma goa denominada da Volta com suficiente capacidade de se aer tona situaçdo pwu se criar gados vnams e cavalares e rida fizer a/guinas p(a~ e agn'adturas e porque o pIirzmte tem seus gados vacron e cavalares; procedidos do te'rtio de dtãne que ,natou nesta mesma cidade [de Oeim ano próto passado de 1786 mas não tem tentas próprias ira os na catinga que odivide com o t AIpgoa do Cavalo desde cordão de senas que dividem o PímA e Qorogueya tã as Fontes: ARQUIVO PUBLICO DO PIAUI, livro de Registro de Cartas de Vaias e Sesmanas, volumes 1 e 2 (1761 a 1819); hidioe das cartas de sesmaria registradas na Junta da Real Fazenda (1789-1 809j, e Índice das cartas de sesmarias a,ncedidas no Pará. Ci. & Tróp., Recife, v. 29, ir. 1, p. 61 -123,jan./jun., 2001 123 Paisagens de um g,-ande sertão Anexo 14 Composição das fortunas do termo de Parnaguá 11833-1872) 124 G. & Tróp., Recife, v. 29, n.], p. 61-123, jan.fjun., 2001