1 A carta de declividade como instrumento para o gerenciamento costeiro paulista Simone Emiko Sato a, Cenira Maria Lupinacci da Cunha b, Ana Cecilía Pereira c Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Rio Claro, São Paulo, Brasil. a [email protected] b [email protected] c [email protected] Palavras-chave: declividade, gerenciamento costeiro, Itanhaém Título abreviado: gerenciamento costeiro ABSTRACT The aim of this paper is to discuss the importance of the map slope, for the management of coastal areas. This document allows mapping to identify the slope of the land, and deduct the difference of potential energy inherent in relief, allowing thus the formation and delineation of areas with different dynamics in the coastal area. RESUMO O objetivo deste trabalho é discutir a importância da carta clinográfica ou de declividade, para o gerenciamento de áreas costeiras. O referido documento cartográfico possibilita identificar a inclinação do terreno, e deduzir a diferenciação da energia 2 potencial inerente ao relevo, proporcionando, deste modo, o agrupamento e a delimitação de setores com diferentes dinâmicas no espaço costeiro. INTRODUÇÃO Historicamente, as áreas costeiras em todo o mundo foram e, atualmente são de suma importância, tanto para a consolidação territorial como para a economia de muitos países. Dadas suas características morfológicas, tais áreas apresentam-se potencialmente susceptíveis às alterações ambientais, principalmente àquelas relacionadas ao crescente processo de ocupação territorial, referente à urbanização. Esse fato merece atenção especial visto a interferência que tal processo causa na dinâmica ambiental, e consequentemente nas questões de ordem sócio-econômica. No caso da América Latina, a zona costeira possui uma função muito importante na organização da maioria destes países. Barragán Munõz (2001, p.50) cita alguns fatores que justificam esta importância: a concentração de uma grande parcela da população dos países costeiros nessas áreas; a localização de grandes metrópoles e capitais na costa ou até 100 km desta (Buenos Aires, Montevidéu, Havana, São Paulo, Rio de Janeiro, Lima, Caracas...); localização de portos de interesse nacional (São Paulo – Santos, Lima – Callo, Caracas – La Guaira, Santiago – Valparaíso...), aliados a concentração industrial e ao comércio de produtos de valor; e o turismo. Dessa forma, é notável a pressão exercida por esses fatores sobre os recursos ambientais dessa zona, extremamente sensível do ponto de vista ecológico. Afirma-se assim a necessidade de ações planejadas nas intervenções de ordem antrópicas. 3 Neste contexto, a carta clinográfica ou de declividade torna-se um instrumento para o entendimento da dinâmica ambiental, ao promover a identificação de áreas de maior suscetibilidade aos processos erosivos relacionados a energia potencial presente no mesmo. A área em estudo é o município de Itanhaém, litoral do Estado de São Paulo, Brasil. O município de Itanhaém (SP) insere-se na Província Costeira (ALMEIDA, 1964), integrando a subdivisão física e político-administrativa do litoral paulista denominada de Região Metropolitana da Baixada Santista (EMPLASA, 2002 citado por AGEM, 2004). (Figura 1). A Região Metropolitana da Baixada Santista incorpora também os municípios de Cubatão, Bertioga, Guarujá, Mongaguá, Praia Grande, Peruíbe, Santos e São Vicente. A vocação da cidade, enfatizada nos aspectos naturais, define pontos de interesse turístico, sendo deste modo, tal atividade uma das principais fontes econômicas e geradoras de divisas para o município. E também, uma das mais impactantes para o meio natural. Figura 1– Posicionamento do litoral paulista, da Região Metropolitana da Baixada Santista e do município de Mongaguá. Fonte: Modificado de Emplasa (2002). 4 METODOLOGIA O fundamento metodológico deste trabalho é a abordagem sistêmica. Tal abordagem aplicada a Geografia torna possível o estudo do espaço de modo integrado, por considerar a conexão existente entre seus componentes antrópicos e seus componentes naturais formadores, como uma totalidade indissociável. Em relação à técnica, para a elaboração da Carta Clinográfica ou de Declividade, seguiu-se as orientações de De Biasi (1970) e Sanchez (1993). Segundo De Biasi (1970) estas cartas são consideradas documentos básicos para o planejamento regional, permitindo, através de representação cartográfica das porcentagens de declive, apresentar uma melhor visualização das declividades das vertentes e o maior realce das áreas de declividades homogêneas. A confecção da Carta Clinográfica do município, baseou-se em medidas e cálculos, a partir da carta topográfica na escala 1:50.000. Optou-se pela classe expressa em porcentagem, aplicando-se a regra, de acordo com De Biasi (1970): Dc = n x 100% Dh Onde: Dc = declividade Dh = distância horizontal entre duas curvas de nível consecutivas n = eqüidistância das curvas de nível. Para o município foram definidas as seguintes classes de declividade, e suas respectivas cores: inferior a 2% - verde, de 2 a 5% - amarelo, de 5 a 12% - laranja, de 12 a 20% - vermelho, de 20 a 30% - marrom e maior/igual a 30% - preto. Em relação à técnica de construção do ábaco, adotou-se o modelo digital elaborado no ambiente de trabalho do AutoCAD. Desta maneira, devido às possibilidades de integração e de detalhamento dos dados georreferenciados, a 5 elaboração da referida Carta está sendo realizada a partir da técnica semi-automática (SIMON e CUNHA, 2009). A referida técnica é desenvolvida no ambiente do software AutoCAD , no qual é construído um ábaco de forma circular. O círculo maior representa o limite das menores declividades de vertente, e a partir do seu centróide, inserem-se os círculos com declividades mais acentuadas (Figura 2). Criado o ábaco circular, o mesmo é deslocado manualmente entre as curvas de nível, sendo possível, delimitar as respectivas declividades. Figura 2 – Etapas da estrutura organizacional do ábaco digital segundo Simon e Cunha, 2009. RESULTADOS E DISCUSSÃO A carta de declividade do município de Itanhaém encontra-se em fase de elaboração, mas estudos já foram realizados para o município contíguo de Mongaguá (SATO, 2008), possibilitando uma discussão a respeito dos dados fornecidos por esta. O litoral do estado de São Paulo apresenta dois setores com características marcadamente distintas, possibilitando inferir que as dinâmicas referentes aos processos morfogenéticos diferem-se em tais, respectivamente. Estes setores correspondem às escarpas da Serra do Mar e a planície sedimentar. Os morros isolados, presentes na planície sedimentar, enquadram-se no setor da Serra do Mar, por apresentar características litológicas e de declividade similares ao setor das escarpas. Esses morros, anteriormente integrantes da Serra do Mar, foram separados da mesma pelos eventos tectônicos e pelos processos erosivos das fases relacionadas às oscilações glácioeustáticas que ocorreram no litoral paulista. 6 O setor das escarpas da Serra do Mar e os morros isolados (Figura 3) caracterizam-se pelas altas declividades, predominando valores de 20% a maiores que 30%, resultando em formas de vertentes côncavas, convexas, irregulares e retilíneas, e em vales com fundo em V. Essas formas de relevo relacionam-se ao intenso escoamento superficial presente nas escarpas, característica do clima tropical úmido. A Serra do Mar e os morros isolados se caracterizam pelo predomínio de processos denudacionais, apresentando energia do relevo entre forte a muito forte. Isso significa dizer que esse setor apresenta um grande potencial a intensos escoamentos superficiais, principalmente associados aos períodos de intensas chuvas, fato este comum para a área em questão. As características apresentadas pelo substrato rochoso, de modo geral, impermeável, somado as declividades acentuadas, a distância entre o divisor e o talvegue dos rios formadores das bacias hidrográficas deste setor, e o elevado desnível altimétrico (entre o divisor e o talvegue), tornam a área sujeita a processos erosivos, principalmente, aos associados à movimentação de massa. Figura 3 – Detalhe da carta de declividade no setor da escarpa da Serra do Mar demonstrando o predomínio das classes de declividade superiores a 30% Na Figura 3, as cores no mapa em detalhe correspondem respectivamente as seguintes classes de declividade: preto – classe maior ou igual a 30%; marrom – classes de 20 a 30%; vermelho – classes de 12 a 20%; e laranja – classes de 12 a 20%. 7 A planície sedimentar apresenta terrenos planos com predomínio de valores de declividade de 2%. Caracteriza-se por processos agradacionais, formada predominantemente por sedimentos arenosos e argilosos, de origem marinha e continental, relacionados à história da evolução geomorfológica da área em questão. As oscilações do nível marinho foram fundamentais para a evolução das planícies costeiras do Brasil, de modo geral, fornecendo sedimentos marinhos e atuando através da abrasão das escarpas, nos episódios transgressivos. A importância do estudo da planície quaternária associa-se diretamente ao fato de que o processo de urbanização das áreas litorâneas assenta-se predominantemente sobre a mesma, demonstrando a intrínseca relação entre o ambiente físico e o uso da terra, através das respostas ambientais resultantes dos estímulos impostos pelas ações antrópicas. A ocupação, na maioria das vezes não considera o sistema hidrográfico e as fragilidades inerentes aos terrenos sedimentares inconsolidados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente as áreas litorâneas são altamente suscetíveis às alterações antrópicas. O desenvolvimento do turismo de temporada gera uma alta carga de impacto, num curto espaço de tempo. Este impacto, embora com uma vertente positiva, relacionada ao desenvolvimento econômico das cidades balneárias, gera conseqüências negativas, muitas vezes irreversíveis, referentes à destruição e modificações ambientais. Mas os inerentes impactos gerados por tais atividades promovem um antagonismo nas relações entre o meio natural e o sócio-econômico, que pode ser minimizado a partir de adequadas ações de planejamento, apoiadas em instrumentos de análise ambiental, tais como a carta de declividade. 8 As altas declividades são uma característica inerente as escarpas, mas verificam-se a partir do mapeamento realizado e em execução, diferenciações entre as áreas situadas nas escarpas, instigando investigações sobre a geologia e o comportamento estrutural. Já no setor da planície sedimentar, as baixas declividades são uma constante, havendo a necessidade de outros instrumentos para o estudo de sua dinâmica ambiental. REFERENCIAS Agência Metropolitana da Baixada Santista. 2004. Informações sobre os municípios da Baixada Santista. http://www.agem.sp.gov.br. Barragán Munõz, J. M. 2001. The Brazilian Nacional Plan for Coastal Management. In: Barragán Munõz, J. M. La Gestión de áreas litorales em Espanã y Latinoamérica. Espanã: Universidad de Cádiz. 49-74. De Biasi, M. 1970. Carta de declividade de vertentes: confecção e utilização. Geomorfologia. São Paulo, 21: 8-13. Sanchesz, M.C.A. 1993. A propósito das cartas de declividade. In: Simpósio de Geografia Física Aplicada, São Paulo: 311-314. Simon, A.L; Cunha, C.M.L.da. 2009. Elaboração do ábaco digital para a identificação de classes de declividade: aplicações na baixa bacia do Rio Piracicaba-SP. In: XIII Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. A Geografia Física Aplicada e as Dinâmicas de Apropriação da Natureza. Viçosa. 9 SATO, S.E. 2008. Zoneamento Geoambiental do município de Mongaguá – Baixada Santista (SP). 2008. 167f. Dissertação de mestrado em Geografia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro.