7/27/2009 Sobe o som Volta do disco de vinil mexe com todos os usuários da indústria fonográfica HUGO VIANA Em uma época em que o produto físico da obra de arte, reproduzido em escala industrial, perde cada vez mais espaço para o consumo de livros, filmes e música virtual, é curioso ver não só o investimento na volta desse produto ao mercado, mas ainda por cima por se tratar de algo que, nos dias de hoje, é rotulado sob a pecha de “ultrapassado”. Do disco de goma-laca, passando pelo vinil, que cedeu espaço ao CD. E agora de volta ao vinil. Esse retorno, confirmado por João Augusto, novo presidente da Polysom, única fábrica de LPs da América Latina, localizada em Belford Roxo, no Rio de Janeiro, e dono da gravadora Deckdisc, preenche lacunas bem específicas dentro da engrenagem cultural: fãs que alimentam nostalgia da época em que escutar música via LP era rotina. Mas será que há espaço para o vinil dentro de um mercado tão competitivo? Muita gente não deixou de ouvir LPs e ainda mantém uma radiola no cantinho do quarto, não é segredo. Mas daí a existir um público que vai comprar regularmente álbuns talvez seja exagero. Talvez. “Estamos agradavelmente surpresos pelo interesse de tantas pessoas. Acredito que as vendas vão realmente estourar no momento em que houver ofertas de toca-discos e bons títulos em vinil”, aponta João Augusto, em entrevista ao Caderno de Programa, por e-mail. “Quando as pessoas entrarem em contato com o som caloroso do vinil, imediatamente sentirão o quanto a música digital roubou deles em qualidade”, ressalta João. Esse julgamento que o vinil é “ultrapassado” não se sustenta na opinião de quem ainda curte escutar músicas através do LP. “O problema é que quando se lança uma nova tecnologia, as outras são descartadas. Um ponto que acho vantajoso no vinil é a durabilidade. Tenho inúmeros discos da década de 80 que ainda estão em perfeito estado”, opina Joca Filho, 25 anos, estudante de ciências sociais e colecionador de álbuns. “Gosto de todos os títulos que possuo. Cada um tem uma história. Desde um que custou R$ 1, num sebo, a outro que foi presente, vindo de outro país”, diz. O novo presidente da Polysom também não concorda com o ponto de vista que o vinil seria, para os padrões de hoje, uma mídia sem espaço ou desgastada. “Ele efetivamente foi ultrapassado pelo CD nos anos 1980 e 1990. Nós assistimos a essa transição. O CD teve enorme importância cultural, por sua portabilidade e por poder armazenar o dobro de tempo de músicas que um LP. Mas a volta do vinil não tem a ver exclusivamente com saudosismo ou militância. Há uma mística em se colocar um LP para tocar. E os projetos gráficos ficam muito mais bonitos e elegantes em 31 x 31cm do que em 12cm x 14cm”, lembra João. A melhor qualidade do vinil comparado com a música digital, ressaltada por João Augusto, pode ser, no fim das contas, o fator que vai influenciar a decisão do públicoalvo na escolha entre que forma consumir. Joca acredita que há espaço para os dois. “Mas acho que o mp3, por ser um formato de áudio compacto, pode, em alguns casos, deixar a desejar em relação ao vinil em questão de qualidade”, pontua. A volta do disco vinil pode ser interessante também para os artistas. Lobão já entrou no jogo e afirmou que seu próximo trabalho, ainda sem data de lançamento, será um retorno à tradicional bolacha do vinil. Além de outra forma de divulgar o trabalho, João afirma que o retorno do LP também pode ser, do ponto de vista financeiro, algo positivo para os músicos. “Já confirmamos que há uma demanda de artistas e gravadoras não só do Brasil, mas de toda a América do Sul, querendo lançar seus trabalhos no formato. A lista com os nomes das bandas que terão, em breve, discos lançados é enorme. Vai desde os independentes até as chamadas majors. Muitos títulos de catálogo e muitos lançamentos serão feitos”, promete. João ainda ressalta o esforço para colocar no mercado um produto de qualidade. O problema é que, como já não se fabrica o maquinário para prensar discos de vinil, todo o equipamento para prensagem e acabamento teve que ser reaproveitado (e recauchutado) da época antiga da Polysom. “É um processo longo, cheio de detalhes, que só pode ser conduzido com o conhecimento dos guerreiros que foram arregimentados para o projeto”, explica o empresário. 27/07/2009 Passeio (saudosista) pelos sebos do Recife Aos 77 anos, Miguel Francisco possui mais de 4 mil álbuns HUGO VIANA Deve ser uma experiência curiosa quando alguém que curte música encontra, por acaso, perdido num sebo de discos de vinil usados, um LP como o primeiro trabalho gravado por Elvis Presley. “Vendi o disco por 300 reais. Estava em bom estado, e era uma obra rara. Não deixo um trabalho como esse aqui, junto da mercadoria”, diz Wellington Soares, 35 anos, desde os 12 anos como vendedor de discos de vinil, apontando para três pilhas de LPs, onde discos de Chico Buarque, Noel Rosa e Menudo dividem espaço. “Esses expostos têm preços variados, dois, três, cinco, ou dez reais. Mas de vez em quando encontro um álbum realmente difícil de achar, e esses podem valer um bocado. O primeiro de Roberto Carlos, por exemplo, vale de 1.500 a 2 mil reais”, revela. Ao que parece, o mercado de vinil, em Pernambuco, ignorou a derrocada dessa mídia e seguiu forte via sebos como o de Wellington. “Compro discos em lote, às vezes de 50 ou 100 de uma vez. As pessoas sabem disso, então me procuram quando querem vender a coleção. Certa vez, achei, no meio de um monte de álbuns, um trabalho realmente raro. Quando fiz a oferta, disse ao cara que tinha alguns discos velhos, que não estavam tão bons, por isso meu preço seria ‘tal’. Ganhei essa quantia só na venda daquela raridade”, dispara Wellington, bem humorado. “Tem que saber olhar a mercadoria, conhecer o que está comprando”, completa. Em frente à Praça do Arsenal, há uma loja de música, a “Casa do CD”. Num canto da sala, há um quartinho escuro, que guarda uma vassoura, um bebedouro não muito confiável, algumas caixas velhas e uns 4 mil discos de vinil. “Fico feliz só em ver a capa de cada um desses álbuns”, diz Miguel Francisco, 77 anos, dono dos LPs. “Quando escuto um disco do Jackson do Pandeiro, por exemplo, lembro de outra época da minha vida, quando era mais jovem. A verdade é que compro mais discos do que vendo. Mas o importante é a paixão que tenho por cada uma dessas obras”, revela, enquanto segura discos de João Bosco, Flávio Reis e Roberto Carlos.