Por Luciano Ventura Observações sobre: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. – São Paulo: Loyola, 1993 Prefácio e Introdução do Tomo I A FILOSOFIA FRENTE AO UTILITARISMO TÉCNICO CIENTÍFICO Giovanni Reale inicia sua reflexão tratando da utilidade do saber filosófico nos dias de hoje, mas, para tanto, faz-nos lembrar da característica essencial da Filosofia que seria a da busca, da contemplação da verdade sem ter por motivação um fim utilitário, muito menos a nociva intenção de “produzir” uma verdade que servisse a fins próprios. Praxismo e mentalidade técnico-científica concorreriam para o enfraquecimento do sentido próprio da Filosofia, expresso em sua dimensão contemplativa e especulativa. Tais tendências, esta que só dá por válido o conhecimento que pode ser verificável, mensurável e aquela que põe como importante aquilo que imprime mudança, o que está inserido na práxis, desvalorizariam a essência da Filosofia, edificada na busca da verdade como um fim em si própria. (vol. I, prefácio, pg.: 1 e 2) Tendo a Filosofia como característica inicial o estudo e compreensão do todo, quando se tenta aplicar os métodos científicos que, por definição, dizem respeito a alguma parte do todo, criar-se-ia um erro identificado com cientismo. (vol. I, prefácio, pg.: 2) DA FILOSOFIA À IDEOLOGIA Buscando explicar por que a Filosofia deve manter o seu caráter especulativo e desinteressado enquanto busca da verdade, Giovanni afirma que “quando a Filosofia renuncia à pura contemplação", passando ao ato prático, deixando de ser "desinteressada visão e consideração do verdadeiro" para se tornar uma "elaboração interessada de ideias submetidas a um escopo pragmático", ela deixaria de ser Filosofia podendo, a partir de então, ser denominada por Ideologia. (vol. I, prefácio, pg.: 2) FILOSOFIA VERSUS OS MITOS DA ATUALIDADE Ao indagar os porquês para se filosofar no mundo atual, o autor chega à conclusão de que o motivo ainda seria o mesmo da época inicial da Filosofia: “desmistizar”. Se, quando do seu surgimento, a Filosofia abria contenda contra os mitos da poesia, da fantasia e da imaginação, hoje, ela se depararia com os mitos do poder: o da ciência, da técnica, da ideologia. (vol. I, prefácio, pg.: 3) Reale ainda afirma que a tentativa de desmistização nas origens foi mais fácil do que a que se trava hoje: contra os mitos poéticos bastou se apresentar o logos, mas, os atuais mitos já seriam constituídos pela razão. Ciência e técnica, ao serem concebidas como “o triunfo da razão”, estariam elevando “a parte” ao lugar “do todo”. (vol. I, prefácio, pg.: 3 e 4) FILOSOFIA GREGA NÃO DERIVA DO CONHECIMENTO ORIENTAL Reale afirma que a Filosofia seria uma invenção original do gênio grego, combatendo as teorias de alguns estudiosos que pretendem ser a Filosofia grega uma derivação dos conhecimentos de povos orientais, como egípcios, hebreus, babilônios e chineses, etc. Para tanto, ele cita o cerne de tais teorias e, em seguida, contrapõe a elas argumentos históricos que as desmentiriam. (vol I, introdução, o nascimento da filosofia na Grécia, pg.: 11-16) Quanto às ciências específicas, como as matemáticas e a astronomia, Reale atesta que os gregos herdaram-nas, em princípio, de egípcios e babilônicos, respectivamente. Mas, analisando a matemática e a geometria egípcias da época, tendo por base suas aplicações - contagem de grãos, divisões de coisas entre pessoas, edificação das pirâmides -, o autor as qualifica como sendo voltadas para a finalidade prática, e que a teoria geral dos números e a ciência geométrica só teriam sido fundadas pelos gregos pitagóricos. Assim também teria acontecido no tocante à astronomia babilônica, onde os caldeus estudavam os fenômenos celestes com fins utilitaristas de fazer previsões e predições, enquanto fora ao gênio especulativo dos grego a que coube explicitar os conceitos astronômicos. (vol I, introdução, o nascimento da filosofia na Grécia, pg.: 17) Giovanni Reale não nega a influência que o povo grego recebeu dos chamados povos orientais, alguns que, inclusive, teriam chegado ao estágio de civilização antes dos helenos, mas diz que fora o pensamento grego que teria transformado a “técnica utilitária” e o “mito” em “ciência desinteressada”, baseada em um “sistema lógico de raciocínio”. (vol I, introdução, o nascimento da filosofia na Grécia, pg.: 18) No capítulo seguinte a este prefácio e introdução, o autor pretende explicar os motivos, dentro do contexto histórico, pelos quais tudo o que foi dito acima pôde acontecer por meio do trabalho dos gregos antigos.