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Mesa Redonda - Clinica ampliada
DRA. MARCIA ALMEIDA BATISTA
O conceito de Clínica Ampliada está presente nos serviços de saúde e pretende propor que se
tenha uma escuta qualificada, que compreenda os saberes/competências que o paciente (usuário)
desenvolve acerca da sua doença. Além disso, a sua capacidade de entender e discutir junto com
ele as possibilidades do diagnóstico e de seu próprio tratamento. Na área da clinica
psicológica autores como Féres-Carneiro(1993), Féres-Carneiro e Lo Bianco (2003), Guedes
(1992)Lo Bianco, Bastos, Nunes e Silva (1994) discutem a necessidade de se considerar o
contexto social, e alterações conceituais a respeito da valorização do individual e intrapsíquico.
Na atualidade, a Psicologia Clínica, como bem afirma Féres-Carneiro (2003), “mostra uma área
consolidada que se espraia por inúmeros domínios”. As opiniões de Féres-Carneiro e Lo Bianco
(2003), se dirigem ao fato de entenderem que as mudanças na Psicologia Clínica não ocorrem
apenas no que se refere à sua abrangência de aplicações. Estas importam, principalmente, às
próprias concepções de sujeito, objeto dessa área da psicologia, e sugerem que esta visão
implica em modificações nos referenciais teóricos que ancoram esta prática. Para Dutra (2004),
" acolher o outro no seu sofrimento subjetivo, considerando a dimensão social, significa a desreificação da sua natureza universal, ao se considerar o sofrimento como um momento do
sujeito, com sentidos e significações diferentes para cada um, e de acordo com o seu modo de
ser e de viver, não conduzindo, necessariamente, a uma patologia.
Entendemos que a mudança de referencial teórico que devemos realizar na nossa prática
psicodramática é estarmos mais perto da prática moreniana, do que centrar nossa ação na
pesquisa de razões intrapsíquicas sem contextualização das questões culturais e sociais dos
temas trazidos tanto pelo indivíduo quanto pelo grupo. Centramos na concepção de papéis,
átomo social, protagonização.
A trajetória Moreniana não se inicia na busca da cura mas na compreensão de como o individuo
é capaz de superar a destruição de um modo de vida e recriar novas possibilidades a partir disto.
Moreno refere-se inicialmente à capacidade dos homens recriarem suas cidades e modos de vida
após a destruição de uma sociedade que se via como civilizada, a Europa antes da Guerra.
Assim, inicia suas indagações sobre o teatro espontâneo, seu laboratório de pesquisa das
relações humanas.
Suas primeiras intervenções são na sociedade e não entre as quatro paredes de um consultório,
portanto a estrutura de sua teoria se pretende a compreensão do socius, das relações e não nas
estruturas psíquicas do individuo. Este, porém, não é deixado de lado e tem seu valor no
conceito de protagonização. Entendo aqui a protagonização como a possibilidade da expressão
subjetiva na vivência do grupo. Há uma completa interdependência entre o protagonista e o
grupo, e sua posição é fluida, contextualizada e não permanente. Buscar causas intrapsíquicas
para esta protagonização pode ser uma forma de entender o individuo, mas, corre o risco de
descontextualizar o vivido numa sessão psicodramática. Assistimos a isto quando o sharing não
fala do vivido, mas busca espaço da expressão individual, ou da análise do vivido pelo
protagonista. Algumas vezes a intensa pesquisa intrapsíquica deixa de lado o grupo,
descontextualiza o porque chegamos a este tema, a esta história, desimplica os participantes do
grupo do que está ocorrendo na cena, passa a ser uma questão do outro. Nem mesmo me
pergunto como componente do grupo por que, ou o que me fez escolher este ou aquele
protagonista. Assim também o protagonista sem a consciência de sua protagonização se perde
nas explicações do 'lá então' para algo que ocorre no aqui e agora.
Em minha dissertação de mestrado (Bragante, 1998), exemplifico como neste caminho
eventualmente o paciente exige do pai comportamentos e posturas que não cabem a ele no
exercício de seu papel social em determinado momento histórico. O diálogo entre eu e o grupo
permite a explicitação de demandas sociais presentes nos diferentes participantes do grupo, e
expressas diferentemente a partir do entendimento subjetivo da pauta social de determinado
papel. Articulando grupo e protagonista numa atitude de corresponsabilidade, liberta o
individuo da explicação determinista de sua história para inúmeras possibilidades de
compreensão do vivido. Em outras palavras, permite compreender o script social do papel, que
nos direciona mas que ao ser vivido a partir da minha espontaneidade e criatividade pode se
articular de formas diferentes em diferentes atores e contextos.
A dimensão social está presente desde nosso nascimento onde somos inseridos numa placenta
social que nos alimenta através da co-vivência, co-ação e co-experiência da cultura em que nos
inseriremos. Aqui novamente tendemos a redução da Matriz de identidade de Moreno à relação
familiar, com ênfase nas figuras paterna e materna , estrutura tão bem conhecida e teorizada
pela psicanálise. Aí também Moreno vai além entendendo o grupo em que nascemos e onde
todos os que o compõe têm sua participação e influência à partir de seus papeis sociais. Este
nosso primeiro grupo de inserção deveria ser olhado com cuidado na sua inserção social e
histórica, e desta forma articulando o contexto social em que o sujeito se insere e sua própria
subjetividade.
Ao centrarmos o trabalho na busca de determinantes para nosso comportamento 'aqui agora'
num 'lá então', nem sempre pensamos nos diferentes contextos sociais presentes nestes dois
momentos distintos. Novamente deixando de reconhecer as injunções sociais que estavam
presentes no momento, pautando papeis sociais de formas diferentes.
As novas discussões da clínica podem nos fazer ter um novo olhar para prática psicodramática
revalorizando aspectos da mesma. A teorização que foi tida como frágil ou inexistente, a
ausência de uma teoria de desenvolvimento, e uma psicopatologia que orientasse nossos
diagnósticos trouxeram interessantes contribuições para o Psicodrama, mas deixaram de
valorizar a articulação entrego o indivíduo e a sociedade que Moreno nos trouxe e que hoje é
retomada pelos autores da chamada clinica social.
Muito de minha reflexão foi disparada pelo exercício do psicodrama fora da clínica privada, que
me permitiu ampliar meus horizontes na compreensão dos fenômenos humanos e revitalizou
meu trabalho de consultório. Possibilitou-me retomar um olhar para o atendimento individual ,
trazendo a questão do grupo, das demandas sociais e do momento histórico para os
atendimentos clínicos.
Bibliografia
Bragante, M.A. Valorizando os avós na Matriz de Identidade, Dissertação de Mestrado em
Psicologia Clinica na PUCSP, 1998
Dutra, E (2004) Afinal o que que significa o social na praticas clinnicas fenomenologicoexistenciais? Psicologia: Reflexão e Crítica, 6(1/2) [supl. 1], 103-105.
Féres-Carneiro, T., & Lo Bianco, A. C. (2003). Psicologia Clínica: uma identidade em
permanente construção. In O. H. Yamamoto & V. V. Gouveia (Orgs.), Construindo a
Psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica (pp. 99-119). São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Figueiredo, L. C. (1996). Revisitando as psicologias. Da epistemologia à ética das práticas e
discursos psicológicos. São Paulo / Petropólis: EDUC / Vozes.
Lo Bianco, A. C., Bastos, A. V. B., Nunes, M. L. T., & Silva, R. C. (1994).Concepções e
atividades emergentes na psicologia clínica: implicações para a formação. In Conselho Federal
de Psicologia (Org.), Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação (pp.
7-76). São Paulo: Casa do Psicólogo.
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