uma crítica ao neopositivismo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Marcelo Victor de Souza Gomes
PRÁXIS E CIÊNCIA NA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL
DE LUKÁCS – UMA CRÍTICA AO NEOPOSITIVISMO
Fortaleza – Ceará
2008
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Marcelo Victor de Souza Gomes
PRÁXIS E CIÊNCIA NA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL
DE LUKÁCS – UMA CRÍTICA AO NEOPOSITIVISMO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em
Filosofia, da Universidade Estadual do Ceará, como
requisito para obtenção do bacharelado de Filosofia.
Orientador: Profº Ms. Alexandre de Moura Barbosa
Fortaleza – Ceará
2008
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Curso de Graduação em Filosofia
Título do Trabalho: Práxis e Ciência na Ontologia do Ser Social de Lukács – Uma crítica ao
neopositivismo.
Autor: Marcelo Victor de Souza Gomes
Monografia apresentada em: 09/01/09
Conceito obtido: ___________
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Ms. Alexandre de Moura Barbosa
Presidente – Orientador - UFC
______________________________________
Prof. Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino
Membro Examinador - UECE
______________________________________
Prof. Dr. Epitácio Macário
Membro Examinador - UECE
___________________________________
_____________________________________
Luciano Furtado Sampaio
Marcos Colares
Coordenador do Curso de Filosofia – UECE
Diretor do Centro de Humanidades – UECE
Dedico...
À minha amada mãe: Telma Maria, acima de tudo pelo
amor que me dedicas, pela crença na minha capacidade e
no meu caráter, por ser minha confidente e melhor
amiga, por ser admirada, respeitada e reconhecida acima
de tudo pela mãe que é, sendo de longe a melhor pessoa
que eu conheço.
Agradeço...
Aos professores: Alexandre de Moura Barbosa, meu orientador, pelo esforço de tornar
ato as minhas potencialidades teóricas; pelo rigor, disciplina e até delicadeza com o
aprendizado da dialética, e, especialmente por ter sido solidário e encorajador quando eu mais
precisei. João Emiliano e Epitácio Macário, ambos pela cortesia e hospitalidade em seus
grupos de estudos e pesquisa, também pelas suas contribuições teóricas à minha formação
crítica. Ruy e Regenaldo da Costa por fomentarem discussões e levantarem objeções às
minhas idéias, o primeiro à dialética e o segundo à ontologia, contribuindo para que eu
aprofundasse aquelas questões. Eliana Paiva cuja atenção me permitiu, mais de uma vez,
expor o que eu considerava ser a monografia definitiva. Carlos Dália, em particular, por
demonstrar desde o começo do curso uma disposição sincera e confiante de que eu avance na
Filosofia; também por honrar-me com sua simpatia e respeito.
Aos grupos: CETROS por aglutinar mais de uma geração de lukascianos, em especial,
aos camaradas: Aquiles Melo, David Moreno e Sâmbara de Paula. Paulo Massey, em
particular, pela influência intelectual que exerce sobre mim, inclusive por ter me apresentado
a Ontologia de Lukács; também por compartilhar valores e ideais que perspectivam uma
amizade duradoura. LEMARX pela honra e o prazer de poder debater livre e respeitosamente
Economia Política Marxista, em especial, com os professores Aécio Oliveira, Carlos Américo
e Alba Pinho. Estudo de Metafísica Moderna e seus talentosos estudantes como o espinozano
Daniel Santos Silva e o hegeliano Patrick Oliveira.
Aos colegas de CH: das Ciências Sociais: Igor Monteiro, Júlio César, Marcos Bentes,
Natan, Paulo Eduardo e Rafael Leite; do curso de Letras: Igor e Mariana; e do curso de
Filosofia: Anselmo Leão, Eduardo Martins, Evaniele, Joelma Mendes, Marina, Marcos
Markans, Tarcísio Filho, Tilson Bataglia e Viviane Magalhães que além da estimulante e
agradável presença durante a graduação são amigos que quero levar por longo tempo em
minha vida. Especialmente, Raimundo Nonato, o Ravindra, pela consideração, confiança,
solicitude e reconhecimento que marcou nossa amizade por todo o curso.
Aos queridos: Hannah Lesshafft por esta bela comunista ter sido quem me provocou
mais reflexões importantes nos últimos anos exercendo sobre mim grande influência e
motivação. Marcos e Yuri, meus irmãos, pelo afeto que lhes dedico e que não se condiciona
ao tempo e nem à distância. Francisco Marcelo, meu Pai, pelas semelhanças e pelas distinções
que o fazem exemplo em vários sentidos.
.
Usamos a bela palavra ‘ontologia’, à qual eu mesmo me estou habituando, mas dever-se-ia dizer: o
enigma se desvenda no exato momento em que descobrimos a forma de ser que produz este novo
movimento do complexo. O fato de que novos fenômenos se deixem deduzir geneticamente sobre o
fundamento de sua existência cotidiana é apenas um momento de uma conexão geral, isto é, significa
que o ser é um processo de tipo histórico. Um ser em sentido estrito não existe e, por isso mesmo, o
ser que estamos habituados a chamar de cotidiano é uma determinada fixação bastante relativa de
determinados complexos no âmbito de um processo histórico.
(György Lukács)
Já que o sistema da manipulação no plano ideológico se baseia diretamente na onipotência de um
método determinado (aquele neopositivista), que é declarado como o único científico – a ideologia da
desideologização é a formulação mais extrema de tal estado de coisas – é inevitável que uma luta
social contra este sistema enquanto realidade social deva no plano crítico-ideológico enfrentar esta
pretensão de onipotência das ideologias dominantes. Que em tal caso não se trate minimamente de
questões puramente espirituais ou de questões puramente metodológicas imanentes à cientificidade,
mas de efetivos conflitos sociais, que, todavia podem ser combatidos apenas deste modo, é
demonstrado pelo universal influxo prático desta orientação intelectual, que vai do consumo
cotidiano até a grande política e à condução de uma guerra.
(György Lukács)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
1. CRÍTICA À EXPERIÊNCIA PRÁTICA E TEÓRICA DO NEOPOSITIVISMO.
12
1.1 A problemática filosófica contemporânea: O fim do projeto ontológico.
12
1.2 A adoção neopositivista da gnosiologia nominalista.
15
CAPÍTULO 2: CIÊNCIA, ONTOLOGIA E MATEMÁTICA.
19
2.1 Os limites da gnosiologia e a proposta de uma ciência dialética.
19
2.2 Os limites da pura quantificação e a necessidade da ontologia nas ciências.
22
CAPÍTULO 3: PROBLEMAS ACERCA DA RELAÇÃO PRÁXIS E TEORIA.
27
3.1 Teoria, Práxis e Pragmática Neopositivista.
27
3.2 A crise contemporânea da manipulação generalizada.
30
CONCLUSÃO: IDEOLOGIA E “NEUTRALIDADE” DA CIÊNCIA.
34
APÊNDICE: PARA UM RENASCIMENTO DO MARXISMO.
38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
42
INTRODUÇÃO
A obra Ontologia do Ser Social1 [Zur Ontologie des geselschaftlichen Seins] de
György Lukács contou, desde a sua gênese, com uma série de dificuldades e desafios
peculiares. Sob um ponto de vista interno abria-se um diálogo sobre a possibilidade de uma
ontologia dentro das formulações teóricas do marxismo ou teóricos críticos. Sob um ponto
de vista externo, seria necessário dar estatuto de ciência a uma ontologia, ou seja, de
alguma forma enfrentar toda a tradição da filosofia contemporânea, dominada pelo
neopositivismo, que nega a possibilidade de uma ontologia e cujo critério de validade de
uma ciência se atesta por meios epistêmicos e gnosiológicos. No entanto, apesar da
presente monografia entrar em discussões mais “teóricas”, é preciso dizer que a Ontologia
do ser social2, incluindo os Prolegômenos à Ontologia do Ser Social [Prolegomena zur
Ontologie des gesellschftlichen Sein], deveria culminar numa teoria do gênero humano, que
serviria de introdução a uma Ética, e portanto, queremos salientar que o empreendimento
teórico da Ontologia tem como finalidade servir à fundamentação para resolução de
questões de ordem prática.
A Ontologia do Ser Social foi elaborada, segundo Lukács, como aspiração à
resolução de problemas fundamentais que nas obras dos anos 1920, haviam sido resolvidos
de maneira equivocada, em particular, na História e Consciência de Classe de 19233.
Segundo Lukács defende no posfácio de História e Consciência de Classe, de 19674, tal
1
Obra publicada pela primeira vez em Novembro de 1976, cinco anos após a morte de Lukács.
Em carta ao amigo Ernst Fischer, datada de 10 de maio de 1960, Lukács (1885-1971) anuncia de haver
concluído a Estética, ou seja, a primeira parte das três projetadas, e de pretender elaborar a Ética. Tal carta a
Fischer fixa exatamente a data em que pode ser datado o início da elaboração da última grande obra, e,
oferece ainda um testemunho interessante da gênese e criação da Ontologia. (Cf. Cf. TERTULIAN, Nicolas,
Lukács. La rinascita dell’ontologia, Roma: Riuniti, 1986, p11.) Após um longo período de reflexão, Lukács
compreende que a Ética deveria ser precedida por uma longa Introdução a fim de esclarecer as categorias
fundamentais constituidoras da vida social. Tal “introdução” ocupou os últimos anos da vida de Lukács,
transformando-se na sua última grande obra sistemática: Para uma Ontologia do Ser Social. Em virtude de
sua extensão não ocorreu a realização do projeto inicial da Ética.
3
“Je suis en train de travailler sur une Ontologie de l’Etre social qui, je l’espère, résoudra les problems qui
ont été posés de manière tout à fait fausse dans mes premières oeuvres, en particulier dans Histoire et
conscience de classe.” (Cf. LUKÁCS, György. “Lukács sur sa vie et son oeuvre: Interview de 1969”, in:
Littérature philosophie marxisme 1922-1923. Paris: Presses Universitaires de France, 1978, p. 158).
4
Para uma autocrítica sobre os limites histórico-metodológicos de História e Consciência de Classe cf.
LUKÁCS, György. “Posfácio de 1967”, in: História e Consciência de Classe: estudos de dialética marxista.
Porto: Publicações Escorpião, 1974, p. 349-378. Doravante abreviar-se-á por POS.
2
8
obra, voluntária ou involuntariamente, dirigiu-se contra os fundamentos da ontologia do
marxismo. Isto contribuiu para contrapor filosofia e ciência e conceber o marxismo
exclusivamente como uma doutrina social ou uma filosofia social, ignorando ou rejeitando
a concepção materialista da natureza. Daí impedir, por exemplo, uma elaboração rigorosa
do conceito marxista de práxis, que teria seu fundamento real na compreensão do trabalho
como sua forma originária e modelo. Não é nosso objetivo apresentar neste trabalho essa
crítica na sua totalidade, mas, ao tratarmos da crítica ao neopositivismo5, mostraremos qual
seja a proposta madura da relação entre ciências e ontologia que se contrapõe não somente
ao neopositivismo burguês, mas também ao marxismo vulgar.
Manifesta-se, nomeadamente, a polêmica contra a concepção, muito
divulgada, segundo a qual seria preciso ver na técnica o princípio
objetivamente motor e decisivo do desenvolvimento das forças produtivas,
concepção partilhada tanto pelo positivismo burguês como pelo
materialismo comunista vulgar. Há nisso um fatalismo histórico, uma
eliminação do homem e da práxis social, uma ação da técnica como “força
da natureza” social, como sistema de “leis naturais”.6
O neopositivismo apresenta como critério de cientificidade a íntima ligação entre
conhecimento e práxis existente na concepção de qualquer teoria. Mas o que seria óbvio
para todo marxista, é perversamente cumprido através de uma restrição do conceito de
práxis, ou seja, há uma redução da “práxis” a uma mera pragmática, a uma manipulação
dos dados empíricos. Essa rasteira concepção de práxis do neopositivismo influenciou,
segundo Lukács, inclusive, muitos marxistas.
A Ontologia do Ser Social é uma espécie de testamento político, pois é formulada
no intuito de ajudar na realização de mudanças nos rumos do socialismo soviético. Tais
expectativas só foram possíveis com o advento, em 1956, do XX Congresso do Partido
Comunista da URSS, que deu a conhecer ao mundo a crise dos métodos estalinistas. Nesse
5
O neopositivismo ou positivismo lógico constitui uma atitude filosófica definida na sua origem pelo Círculo
de Viena e hoje largamente difundida e diversificada. Moritz Schlick é o fundador do Círculo de Viena,
enquanto, Rudolf Carnap seria o membro mais expoente desta escola. Já Ludwig Wittgenstein, embora não
tenha sido membro do Círculo de Viena, é considerado precursor e o pensador mais importante, com o seu
Tractatus que serviu de inspiração para os trabalhos daquela escola. Apenas Carnap e Wittgenstein são
citados expressamente por Lukács em suas críticas ao neopositivismo, sendo este movimento filosófico
tratado de uma maneira bastante geral, ou seja, como algo presente na filosofia, na ciência, em instituições
políticas e econômicas etc.
6
Cf. POS, p. 373.
9
sentido, a crítica ao neopositivismo é também uma crítica ao estalinismo. Este consistiu,
segundo Lukács, não somente em um período de profunda desumanidade e de crimes, mas
também de perversão da teoria de Marx. O estalinismo seria uma transposição
neopositivista para dentro marxismo, pois, trazia características como o pragmatismo, o
dogmatismo instrumentalista, a inversão de tática e estratégia, o logicismo sofístico e um
escasso respeito à realidade. Essa tendência de reduzir a realidade apenas ao que é
apreendido cognoscivelmente, ou seja, ao que fosse mensurável e reduzível a termos
lógicos também no interior do marxismo, tornou urgente para Lukács restabelecer na teoria
a autonomia ontológica do real, a sua totalidade intensiva e a sua irredutibilidade à pura
manipulação7.
Lukács não desejou simplificar esta problemática da experiência teórica e prática
contemporânea expressa na dominância neopositivista. Ao contrário, ele reconhece que se
trata de uma questão complexa, com causas sociais extremamente divergentes. Lukács
afirma certa relatividade e heterogeneidade no neopositivismo que para a crítica é
importantíssimo frisar. Embora, a especificidade e autonomia dessas diversas esferas
afirmadas pela crítica de Lukács não sejam explicitadas, é reconhecida uma
heterogeneidade apenas de superfície, cabendo à crítica descobrir as origens unitárias,
dando relevo às componentes essenciais mais importantes, internas e externas, desta crise
que ultrapassou a filosofia e a ciência atuais.
O reconhecimento de Lukács do primado do pensamento ontológico sobre aquele
reflexivo-gnosiológico servirá de fundamento para a sua crítica ao neopositivismo que
apresentaremos neste trabalho. Queremos mais uma vez salientar que essa crítica possui
motivações essencialmente ético-políticas. Tal reconhecimento é algo fundamental na luta
contra a manipulação generalizada que, para Lukács, caracterizava a situação mundial do
pós-guerra. Ao retomar as questões ontológicas, acreditamos que Lukács buscava uma
7
“Davanti al neopositivismo – che tendava a ridurre la realtà allá sua apprensione congnitiva,a ciò che in essa
è misurabile e ridutibile a termini logici, mentre si liberava dei problemi ontologici attribuendoli alla sfera
della ‘metafisica’ – egli intendeva ristabilire l’autonomia ontologica del reale, La sua totalità intensiva e la sua
irridutibilità alla pura manipolazione.” (Cf. TERTULIAN, Nicolas, “Introduzione”, in: LUKÁCS, György,
Prolegomeni all’Ontologia dell’Essere Sociale. Trad. It: Alberto Scarponi, Roma: Guerini e Associati, 1990,
p. XVII).
10
oposição à manipulação universal das relações naturais e sociais predominante nas
orientações teóricas do século XX, que tinham na exposição conceitual do neopositivismo a
sua máxima expressão teórica.
A seguir apresentaremos a reflexão crítica lukasciana do neopositivismo, assim
como os seus efeitos sobre as diversas áreas da sociedade. Efeitos que consideramos
recorrentes como a indiferença teórica da ontologia, a manutenção da religião mesmo com
os avanços científicos e a manipulação prática da natureza e da sociedade. Resgatar o
pensamento de György Lukács permite pensar a unidade e irredutibilidade última do real,
assim como a multiplicidade de seus processos e complexos que se articulam e interagem
nesta unidade dialética8. Tal tarefa constitui, no nosso entendimento, a grande contribuição
teórica da Ontologia do Ser Social para buscarmos uma via de compreensão e resolução
dos diversos problemas na contemporaneidade.
8
“Desde Hegel... não se deve falar nem de uma unidade absoluta, que exclua diferenciações últimas, nem de
oposições absolutas, de heterogeneidades incondicionais e desvinculadas. Em sentido filosófico a unidade
consiste na verdade de uma unidade de unidade e diferença. Esta unidade dialética, porém, somente pode ser
encontrada na própria efetividade. Somente quando conseguimos descobrir na própria efetividade os princípios
da estrutura e da dinâmica de uma tal unidade da unidade e da diferença e a elevá-la à consciência, só então é
possível nascer uma unidade do conhecimento científico do mundo; a unidade subsiste embora não violente em
parte alguma as diferenças de estrutura e de dinâmica.” (Cf. LUKÁCS, G. “Ontologia do Ser Social: O
Neopositivismo”; in: Teoria e Política, nº 9, São Paulo, 1988, p. 124. Este é o texto principal que serviu de
base para esta monografia. Doravante abreviar-se-á por NEO)
11
CAPÍTULO 1 – CRÍTICA À EXPERIÊNCIA PRÁTICA E TEÓRICA DO
NEOPOSITIVISMO.
1.1
A problemática filosófica contemporânea: O fim do projeto ontológico.
Sou um positivista. Do ponto de vista da filosofia positivista não é possível
determinar o que é real. Tudo que se pode fazer é descobrir quais modelos
matemáticos descrevem o universo em que vivemos. (Stephen Hawking) 9
O estágio atual da discussão em torno dos problemas ontológicos ainda é de
dominante indiferença. É hegemônica na ciência a orientação instrumentalista positivista. O
maior astrofísico da atualidade, Stephen Hawking afirma categoricamente no seu livro O
Universo numa Casca de Noz que a pergunta pelo que existe lhe é indiferente. A Filosofia
também segue a mesma orientação. Dominada pela filosofia analítica, marcada pelo
logicismo, assume uma atitude exclusivista, estigmatiza todas as outras orientações, em
especial a ontológica, como “absurdo metafísico” ou “confusão conceitual”10. Lukács
lamentava esta situação já existente no seu tempo, pois, considerava que o grande
desenvolvimento das ciências já havia permitido não somente a negação das ontologias
fictícias, como também a possibilidade de formação de uma ontologia verdadeira11.
Inversamente, na ciência corrente, a ontologia é violentamente excluída das formulações
consideradas científicas ou filosóficas. Conseqüentemente, ao abdicar da ontologia, a
ciência que temos esbarra no reducionismo das teorias do conhecimento, se vendo incapaz
9
Cf. HAWKING, Stephen. O Universo numa Casca de Noz; São Paulo: Mandarim, 2001, p.59.
“Essas questões são importantes porque, a menos que se possa apontar para fenômenos que indiquem o
enfraquecimento dos fatores que resultaram, depois da Segunda Guerra Mundial, na dominação de uma
atititude exclusivista em filosofia, seja a estigmatização de todas as outras abordagens como ‘absurdo
metafísico’ ou ‘confusão conceitual’, seja, na melhor das hipóteses, exibindo a indiferença cortês do não
reconhecimento efetivo, não pode haver nenhuma esperança de discussões frutíferas com base no
entendimento mútuo.” (Cf. MÉSZÁROS, I. Crítica à Filosofia Analítica, in: Filosofia e ciência social:
ensaios de negação e afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993, p. 223).
11
“Hoy, cuando el nível concreto de evolución de las ciencias haría objetivamente posible una ontología
correcta, este fundamento de la falsa conciencia ontológica en el campo de la ciência y de la influencia
intelectual de esta, se halla aun más evidentemente fundado en las necesidades sociales dominantes.” (Cf.
LUKÁCS, G. Ontologia Del Ser Social: El Trabajo. Compiladores: A. Infranca e M. Vedda. Buenos Aires:
Ediciones Herramienta, 2004, p. 119. Doravante abreviar-se-á por TRA).
10
12
de descrever a verdade como o real acabando por cair no pragmatismo utilitarista de
verdades instrumentais.
Um dos argumentos que justificaria a exclusão da ontologia parte de uma definição
equivocada da ciência do ser, sendo a esta atribuída uma mera teoria das essências eternas,
imutáveis e a-historicamente constituídas. Assim, a ontologia segundo a opinião corrente
estaria amarrada a um quadro conceitual metafísico. Para Lukács, ao se falar de ontologia
não se abre obrigatoriamente para uma discussão de caráter transcendente metafísico. O
real tem que ser conhecido gradativamente na sua completa imanência. Ao mesmo tempo,
ao afirmar a imanência não se repete o erro do empirismo ou materialismo vulgar que toma
os fenômenos como dados. O método dialético vai além da imediação positivística e busca
a ontogênese dos fenômenos experimentados. Segundo Lukács, a essência numa ciência
eminentemente histórica é aquilo que na coisa constitui o elemento de continuidade e não
uma substância de uma identidade rígida como nas ontologias tradicionais, pelo contrário a
verdade da coisa está no seu movimento.
O ser é um processo histórico. Um ser em sentido estrito não existe e, por
isso mesmo, o ser que estamos habituados a chamar de cotidiano é uma
determinada fixação bastante relativa de determinados complexos no
âmbito de um processo histórico... O objeto (da ontologia) é o que existe
realmente; a tarefa é a de investigar o ente com a preocupação de
compreender o seu ser e encontrar os diversos graus e as diversas conexões
no seu interior.12
A exclusão da ontologia do quadro dos saberes contemporâneos se deu em virtude
do seu progressivo contraste e oposição com a Filosofia moderna. Esta desde os seus
primórdios priorizou fundamentos gnosiológicos, lógico-formais ou metodológicos. O
curioso, é que nas suas origens, a ciência moderna, ainda mecanicista, trazia consigo
conceitos de vieses metafísicos13. Para Lukács, as “tendências” metafísicas presentes na
ciência moderna eram progressistas, pois, Galileu e Newton apresentavam a natureza em
sua pura objetividade, materialidade e legalidade, oferecendo, de todo modo, uma base
12
Cf. LUKÁCS, György, et al., Conversando com Lukács, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 11.
Doravante abreviar-se-á por CON.
13
A respeito das formulações da ciência moderna apoiadas em conceitos metafísicos, cf. BURTT, E.A. As
Bases Metafísicas da Ciência Moderna. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1983.
13
ontológica definitivamente sólida que se afasta das concepções teleológicas, ou mesmo
antropológicas da natureza, ainda que se baseassem em princípios mecanicistas14. Esse
caráter paradoxal que a filosofia apresenta com relação à própria ciência moderna é
resultado da tentativa de adequação das várias correntes filosóficas e por fim científicas às
pretensões bellarminianas da “dupla verdade”.
Lukács descreveu na sua Ontologia do Ser Social, a polêmica surgida no
Renascimento que envolveu Galileu e o Cardeal Bellarmino. Este pretendeu estabelecer
uma coexistência entre as novas verdades das ciências naturais e as antigas verdades
teológicas. Nesse sentido, as primeiras só seriam toleradas se e somente se delas não se
extraísse nenhuma conclusão ontológica que afetasse as segundas. A “dupla verdade” do
Cardeal Bellarmino passou a ser conhecida como a concepção instrumentalista da ciência,
pois, esta concepção se assentaria no entendimento de que as teorias científicas são meras
hipóteses, e como hipóteses nada falam sobre uma realidade existente em si, mas, devem
apenas apresentar um bom desempenho, a saber, coerência lógica e verificação fenomênica,
com base em um determinado modelo matemático. O avanço desta concepção percorreu o
empirismo e o idealismo subjetivo modernos até tornar-se hegemônica na ciência e filosofia
na contemporaneidade15. Assim, a pergunta pelo que existe tornou-se “racionalmente”
indiferente e a formulação de uma ontologia algo questionado na sua “cientificidade”.
14
“... na linha do grande desenvolvimento científico ocorrido a partir de Galileu e Newton, a natureza é vista
em sua pura objetividade, materialidade, independência e legalidade, obtendo assim – na observação do
mundo – uma base ontológica definitivamente sólida, que afasta de modo radical todas as concepções
teleológicas (antropomórficas em última instância) acerca da natureza; e trata-se, para o pensamento, de um
sólido fundamento ontológico, mesmo quando se leva em conta que a imagem da natureza ainda se apóia
substancialmente em princípios mecanicistas.” (Cf. LUKÁCS, G. Ontologia do Ser Social: A falsa e
Verdadeira Ontologia de Hegel. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p. 13. Doravante
abreviar-se-á por FVO).
15
“No final das contas, a exigência posta pelo cardeal Bellarmino às ciências – à qual já nos referimos mais
de uma vez – era que se limitassem à investigação prática do mundo dos fenômenos, deixando à religião a
tarefa de cuidar da essência. Naturalmente, com o passar do tempo, os métodos se tornam cada vez mais
sofisticados. O predomínio da colocação gnosiológica leva mesmo a uma concepção da essência que –
aparentemente – a torna acessível ao exame científico do homem; em outras palavras, a essência seria
simplesmente uma abstração criada pelo sujeito, obtida por meio de uma elevação a nível abstrato das
experiências sensíveis; mas, precisamente por isso, a essência já não teria nada a ver com a realidade existente
em si, do mesmo modo como as próprias bases da essência, as experiências sensíveis da intuição e na
percepção; talvez, aliás, ainda menos que essas. E, mesmo quando esse processo de abstração é separado da
experiência, quando recebe uma figura autônoma (apriorística em Kant), a insuperável defasagem entre
fenômeno e essência – enquanto categorias ontológicas – continua inalterada. Com muitas variações, essas
linhas de desenvolvimento chegam até o neopositivismo contemporâneo.” (Cf. FVO, p. 83).
14
Se de fato a ciência não se orienta para o conhecimento mais adequado
possível da efetividade existente em si, se ela não se esforça para descobrir
com seus métodos cada vez mais aperfeiçoados estas novas verdades, que são
de modo necessário ontologicamente fundadas, e que aprofundam e
multiplicam o conhecimento ontológico, então sua atividade se reduz em
última análise a sustentar a práxis no sentido imediato. Se a ciência não pode
ou, conscientemente, não deseja abandonar este nível, então sua atividade
transforma-se numa manipulação dos fatos que interessam aos homens na
prática. E é isso mesmo que o cardeal Bellarmino requeria da ciência para
salvar a ontologia teológica.16
O domínio neopositivista atualmente não se resume às esferas da ciência e da
filosofia. Seu domínio alcançou as mais variadas esferas da sociedade e pode bem ser
considerada a forma de consciência dos nossos tempos. Segundo Lukács, na
contemporaneidade, o neopositivismo é a prática corrente das instituições, pois, “se
analisássemos bem as constantes teóricas dos grupos dirigentes políticos, militares e
econômicos de nosso tempo, descobriríamos que elas – consciente ou inconscientemente –
são determinadas por métodos de pensamento neopositivistas.”17. Assim, a crítica
lukasciana visa a uma reflexão que não se dirige exclusivamente ao neopositivismo
acadêmico, mas ao mundo da práxis que se regeu por este método.
1.2.
A adoção neopositivista da gnosiologia nominalista.
Lukács concebeu “o princípio da economia do pensamento” como umas das
características principais do neopositivismo. Tal princípio exclui a ontologia como
conhecimento não científico e reduz a atividade filosófica a uma análise dos termos lógicos e
matemáticos capazes de se configurar “a maneira mais adequada” para falar de dados
empíricos. Nesse sentido, Lukács afirma que o neopositivismo caminhou para uma
gnosiologia análoga ao nominalismo medieval.
O nominalismo medieval surgiu em contraposição ao realismo na contenda conhecida
como “o problema dos universais” que questionava se os universais possuíam ou não uma
16
Cf. NEO, p. 113.
Cf. LUKÁCS, György, As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem, in: Temas de
ciências humanas, nº4 ,São Paulo:Livraria Editora Ciências Humanas LTDA, 1978, p.12.
17
15
realidade ontológica18. O nominalismo defendia que os universais existem apenas no
intelecto humano e como produção deste intelecto. Guilherme de Ockham, considerado o
nominalista mais importante do período, defendia que os universais ou são uma intenção
mental ou um sinal instituído através de uma convenção estabelecida, ou seja, não passam de
palavras, de modo que não haveria universais fora da mente humana19. Como signos, os
universais são abstrações efetuadas pela intelecção das coisas singulares. Tais coisas nunca
seriam apreendidas por completo pela ciência, já que esta tem natureza conceitual, ou seja,
apreendem a universalidade de uma coisa abstraindo das particularidades que a distingue de
outras coisas. Com isso, Ockham anuncia a distinção entre razão, ou o proceder conceitual da
ciência, e a fé, próprio à religião, como certeza não conceitual do Ser. Desta forma, abriu-se
um abismo entre as verdades filosóficas ou científicas e as verdades teológicas. Essa brusca
distinção ficou conhecida como doutrina da “dupla verdade” e anuncia a dissolução do
pensamento medieval, já que a teologia deixa de se pretender ciência racional e a filosofia
pode pretender-se independente.
Com a teoria da “dupla verdade”, o campo da filosofia ficou reduzido à compreensão
dos conteúdos mentais, ou seja, das representações e não das coisas mesmas como queria o
realismo tradicional. Nesse sentido, deveria ser eliminada qualquer tentativa de compreensão
“racional” do que estaria por trás das representações e assim, deve a razão “não multiplicar os
entes mais do que o necessário”20. A redução da análise científica ao âmbito das
representações da experiência e a impossibilidade de racionalizar “essências” ou considerar
uma ontologia nesta análise ficou conhecida como “a navalha de Ockham”. Para Lukács, é
este o mesmo princípio que rege “a economia do pensamento” dos neopositivistas na
contemporaneidade, significando que toda hipótese complexa pode ser reduzida a fatores
18
Para uma visão geral do que foi a “querela dos universais”, cf. LEITE JR, Pedro. O problema dos
universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockam. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
19
“Saiba-se, contudo, que há duas espécies de universal. Um é universal naturalmente, ou seja, é naturalmente
sinal predicável de muitas coisas, em grande parte como a fumaça significa naturalmente o fogo, o gemido do
enfermo indica a dor e o riso demonstra a alegria interna: e universal assim não é senão a intenção mental, de
modo que nenhuma substância fora da alma e nenhum acidente extramental é universal nesse sentido... Outra
espécie de universal é instituído voluntariamente. Nesse sentido, a palavra proferida, que é verdadeiramente
uma só qualidade, é universal, visto que é um sinal instituído voluntariamente para significar muitas coisas.
Portanto, assim como se chama comum a palavra, também pode ser denominada universal; isso, porém, não
decorre da natureza da coisa, mas só da convenção estabelecida.” (Cf. OCKHAM, W. Seleção de Obras.
Trad. Carlos Lopes de Mattos. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p.123).
20
Proposição clássica da Navalha de Ockham: “Entia non sunt multiplicanda praeter necessitandem”.
16
simples, ou seja, a proposições atômicas em linguagem lógica e matemática que se referem
restritamente a dados empíricos imediatos21. Assim, para o neopositivismo, a linguagem
formal, da lógica matemática, é a única adequada para se falar cientificamente.
A gnosiologia foi por longo tempo uma integração e apêndice da
ontologia; a sua finalidade era o conhecimento da realidade essente
em si, do que provinha o critério de correção de um enunciado: a
concordância com o objeto. Só quando o em si mesmo foi
declarado não aferível teoricamente a gnosiologia tornou-se
autônoma e deve classificar os enunciados como corretos ou falsos
independentemente de tal concordância com o objeto; esta se funda
exclusivamente sobre a forma do enunciado e sobre o papel
produtivo do sujeito, para encontrar critérios de verdadeiro e falso
que sejam autônomos, imanentes à consciência. Isto culmina no
neopositivismo. A gnosiologia inteira se transforma em uma técnica
de regulação da ‘linguagem’, de transformação dos signos
semânticos e matemáticos, de tradução de uma ‘linguagem’ para
outra.22
Para Lukács, a linguagem lógica e matemática da ciência pregada pelo
neopositivismo é o resultado de um processo de autonomização da gnosiologia iniciado desde
a “economia do pensamento” do nominalismo. Seu significado não é apenas o de uma
redução dos limites da racionalidade provinda da exacerbação das tendências gnosiológicas
nominalistas. A “economia do pensamento” já havia se expressado em várias formas em
filosofias anteriores, seja como “carência de pensamento” no empirismo cético moderno, seja
na “modesta razão” do idealismo subjetivo. Para Lukács, o mais problemático nas atuais
acepções do neopositivismo não é de modo algum reconhecer os limites da racionalidade
humana, mas o de reduzi-la a formulações abstratas sem referência alguma à racionalidade
própria do mundo. Esta redução da Razão é conduzida apenas no sentido da manipulação, ou
seja, a ausência de realidade leva a um exasperado arbítrio subjetivista. Neste sentido, a
21
“Para Wittgenstein, o mundo é o conjunto de fatos simples, fatos atômicos, e o estado atual do mundo
determina-se pelo conjunto de fatos atômicos que efetivamente ocorrem, com a exclusão daqueles que não
ocorrem... Uma primeira lição aprendida no Tractatus – a identificação dos fatos atômicos a fatos empíricos –
levou o Círculo de Viena a formular o princípio da verificabilidade: o significado de uma proposição reduz-se
ao conjunto de dados empíricos imediatos, cuja ocorrência confere veracidade à proposição e cuja não
ocorrência a falsifica; o significado de uma proposição são suas condições empíricas de verdade.” (SANTOS,
Luís Henrique dos Santos. “Schlick e Carnap: Vida e Obra”, in: SCHILICK, Moritz e CARNAP, Rudolf.
Coletânea de Textos. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1998, pp. IX e X).
22
Cf. NEO, p. 114.
17
“menor” razão do neopositivismo produz não somente uma racionalização limitada à técnica,
mas também a margem necessária para fazer florescer o irracionalismo em Filosofia23.
23
“O neopositivismo teve, no início, entre os seus fundadores, um verdadeiro pensador: Wittgenstein. E
Wittgenstein, que fundou as teses positivistas de modo autenticamente filosófico, viu com bastante clareza
que nos seus limites estava, se assim posso dizer, o deserto do irracionalismo, algo que não pode ser expresso
com os instrumentos da racionalidade neopositivista. Mas, Wittgenstein é muito inteligente para acreditar que
este mundo que está além das afirmações neopositivista não exista. Assim, no limite da sua filosofia, creio
que exista um campo de irracionalidade.” (Cf. COM, p. 113)
18
CAPÍTULO 2 – CIÊNCIA, ONTOLOGIA E MATEMÁTICA.
2.1
Os limites da gnosiologia e a proposta de uma ciência dialética.
Para Lukács, o neopositivismo, assim como o nominalismo são equivocados já por
tomarem a via da gnosiologia como ponto de partida, compreendendo categorias como
universalidade, particularidade e singularidade como oposições excludentes. Isso é causado
pelo modo abstrato de isolar essas categorias, assim como de legá-las a uma esfera puramente
lógica. Para Lukács, universalidade, particularidade e singularidade são “determinações
reflexivas”, ou seja, categorias que fazem um movimento de determinação recíproca e
passagem de uma à outra na realidade mesma. Assim, é um equívoco derivado do ponto de
vista gnosiológico, colocar a universalidade como algo isolado fora do âmbito da efetividade
como uma mera categoria do pensamento.
Neste conjunto de problemas penetra também a certeza de que, por um lado,
a realidade objetiva, independente da consciência, contém em si
objetivamente todas as três categorias (singularidade, particularidade e
universalidade) e que, portanto, se o reflexo abandona o terreno da imediata
singularidade, isto não significa abandonar a objetividade, não se trata de
uma “economia do pensamento” nem de uma “criatividade soberana” do eu
cognoscente ou artístico; mas que, por outro lado, as categorias da
universalização (e, portanto também a particularidade) não possuem nenhuma
forma autônoma na realidade mesma, que elas são antes imanentes a esta
realidade como determinações que necessariamente reaparecem, e que,
portanto, isolá-las e erigi-las em formas dotadas de uma existência que se
pretenda fundada em si mesma é uma falsificação - idealista - da essência e
da estrutura da realidade objetiva.24
Para Lukács, universalidade, particularidade e singularidade servem para designar
estados de coisas reais. Nesse sentido, tais categorias são imanentes à realidade e deveriam
ser descritas nas suas articulações ontológicas para se dar a apreensão correta da efetividade.
Essa apreensão não chega a formar uma identidade absoluta, de forma que o pensamento atua
em vista à aproximação da realidade da coisa mesma. Esta concepção foi chamada por
24
Cf. LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista: Sobre a Categoria da Particularidade. Trad.
Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 176.
19
Lukács de teoria materialista-dialética do reflexo e apesar de expressar certa teoria do
conhecimento, esta orientada em sua base por um realismo ontológico.
Um complexo de fenômenos não pode considerar-se cientificamente
conhecido senão quando aparece totalmente conceituado a partir de suas
propriedades imanentes, das legalidades imanentes que operam nele. Na
prática, como é natural, uma tal plenitude de conceitualização é sempre só
aproximada; a infinitude extensiva e intensiva dos objetos, suas relações
estáticas e dinâmicas, etc., não permitem conceber como absolutamente
definitivo nenhum conhecimento, em nenhuma forma, nem pensar que possa
estar isento alguma vez de correções, limitações, ampliações, etc..25
A concepção dialética da apreensão da realidade pelo pensamento, segundo Lukács,
já teria ultrapassado a oposição rígida entre fenômeno e essência, entre o imediato e a coisa
mesma promulgada pela teoria nominalista da “dupla verdade”. Assim, a essência é tão
objetivamente real e tão existente quanto o fenômeno imediato, de modo que para a
dialética também constitui um erro a concepção oposta de rebaixar o fenômeno ao nível de
mera aparência.
A diferença que os separa, manifesta-se – através da sucessão ininterrupta
das transições – pela diversidade dos graus da existência. O estabelecimento
dessa gradação do ser (Sein, Dasein, Wesen, Existenz, Realität,
Wirklichkeit) representa uma das maiores revelações da lógica hegeliana.
Sublinhamos entretanto que não se trata de uma hierarquia fria e rígida,
como a dos neoplatônicos, mas de uma unidade dialética, isto é,
contraditória, da relatividade do ser e do não-ser. A essência está dotada de
uma existência mais profunda que o fenômeno imediato, que é apenas um
de seus elementos constitutivos, enquanto a essência é precisamente a
síntese, a unidade desses elementos.26
Para Lukács, a coisa mesma é uma totalidade complexa formada por momentos e
graus de existência. Assim, a realidade é essencialmente heterogênea,
ainda que o
25
“Un complejo de fenómenos no puede considerarse científicamente conocido sino cuando aparece
totalmente conceptuado a partir de sus propiedades inmanentes, de las legalidades inmanentes que obran en
él. En la práctica, como es natural, uma tal plenitud de conceptuacíon es siempre solo aproximada; la infinitud
extensiva e intensiva de los objetos, sus relaciones estáticas y dinámicas, etc., no permiten concebir como
absolutamente definitivo ningún conocimento, en ninguna forma, ni pensar que pueda estar exento alguna vez
de correciones, limitaciones, ampliaciones, etc.” (Cf. LUKÁCS, Georg. Estética 1: La peculiaridad de lo
estético. V.1 Cuestiones preliminares y de principio. Trad. Esp. Manuel Sacristán. Barcelona: Grijalbo, 1963,
p. 26.) Doravante abreviar-se-á por EST.
26
Cf. LUKÁCS, Georg. Existencialismo ou Marxismo? Trad. José Carlos Bruni. Sâo Paulo: Editora Ciências
Humanas, 1979, pp. 230 e 231.
20
pensamento tenda a homogeneizar. Todavia, é preciso ver nesta homogeneização um
momento necessário, e não mais que um momento, o que torna necessária uma ininterrupta
autocorreção – ontológica – do pensamento homogeneizante27. O que não podemos perder
de vista é que a realidade é um dado complexo, mais do que isso ela se constitui como um
todo de complexos inter-relacionados e em movimento. Nesse sentido, Lukács ao propor a
retomada de uma ontologia na ciência busca, antes de tudo, uma investigação sobre a
realidade produtora de movimentos complexos. Tal investigação não é um campo de
trabalho isolado, que deve ficar exclusivamente ao cargo da Filosofia. Mas, cada ciência
deve ter condições de “interpretar” ontologicamente os seus resultados empíricos
imediatos.
É uma estrutura de caráter completamente novo: uma cientificidade que, no
processo de generalização, nunca abandona esse nível, mas que, apesar
disso, em toda verificação de fatos singulares, em toda reprodução ideal do
ser social e utiliza essa como metro para avaliar a realidade e o significado
de cada fenômeno singular; uma consideração ontológico-filosófica da
realidade em si, que não se põe acima dos fenômenos considerados,
coagulando-os em abstrações, mas se coloca, ao contrário – crítica e
autocriticamente -, no máximo nível de consciência, como o único objetivo
de poder captar todo ente na plena concreticidade da forma de ser que lhe é
própria, que é especificidade precisamente dele.28
Para Lukács, a análise categorial de caráter ontológico quando presente na ciência
permite formular uma ontologia que não é pura metafísica, mas uma ontologia materialista,
portanto, justa com os fenômenos. Para Hegel, a ontologia se relaciona com as outras
ciências reconhecendo o universal (gêneros, leis, etc.) dessas ciências, assim como seu
27
“... se a realidade que existe em si é necessariamente heterogênea, é igualmente necessário que o
pensamento homogeinize. O que produz, para a ontologia, problemas metodológicos bastante importantes,
que nesse nível de generalidade não podem ser resolvidos, apenas indicados. Aqui podemos observar apenas
que tal fato torna necessária uma ininterrupta autocorreção – ontológica – do pensamento homogeneizante. E
é igualmente evidente que as tendências homogeneizantes mais fortes operam precisamente na formação
conceptual lógica e matemática. [disso resulta a deformação do neopositivismo]. Essa problemática
demonstra que o ponto de vista ontológico é inevitável; e que essa inevitabilidade não se limita à filosofia
enquanto tal, mas termina por surgir espontaneamente em toda consideração científica. Assim, a exigência de
interpretar em termos físicos, biológicos, econômicos, etc. as fórmulas matemáticas usadas em física,
biologia, economia, etc., sob pena de confusão dos próprios problemas abordados, é uma exigência fundada
precisamente na ontologia; mas é igualmente um postulado inevitável de verdadeira concreticidade e exatidão
científicas, vivamente expresso por importantes cientistas em cuja atitude está presente um ‘realismo ingênuo’
que não consegue ser afastado por preconceitos em sentido contrário.” (Cf. FVO, p. 92)
28
Cf. LUKÁCS, G. Ontologia do Ser Social: Os princípios Ontológicos Fundamentais de Marx. São Paulo:
Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p. 27.
21
conteúdo empírico, mas o faz ao mesmo tempo em que introduz e faz valer nas ciências
novas categorias29. Para Lukács não é diferente, a ciência realmente crítica deve manter
diálogo ininterrupto com as categorias ontológicas que lhe servem de pressupostos. Isto
constitui, como visto na citação acima, o caráter completamente novo da cientificidade
proposta pela dialética. Proposta esta que tem sido ignorada ou tratada com indiferença pelo
neopositivismo.
2.2
Os limites da pura quantificação e a necessidade da ontologia nas ciências.
O neopositivismo é uma corrente que se apresenta em sua fundação como
continuadora do positivismo do final do século XIX de Mach, Poincaré e Avenarius. Neles
veríamos claramente as tendências seguidas atualmente pelo neopositivismo, a saber, a
exclusão teórica da realidade essente em si, a redução da teoria à empiria imediata e o
predomínio da lógica e matemática na metodologia científica. Segundo Lukács, já na
gnosiologia de Avenarius excluía-se completamente a realidade essente em si30. Para Mach
todo conhecimento deve poder reduzir-se, em última análise, à descrição de dados
sensíveis. Para tanto, seria preciso instrumentos analíticos, investigados pela lógica e pela
matemática, cada vez mais precisos. Enquanto, Poincaré seria o fundador do
convencionalismo dominante no neopositivismo vigente no Círculo de Viena. Tal doutrina
afirmava que as leis mais gerais da natureza não são deriváveis nem da experiência nem de
verdades lógicas. Assim, categorias como espaço e tempo não passariam de “convenções”
usadas na sistematização dos dados empíricos.
Para Lukács, as tendências já presentes no positivismo anterior teriam sido
ampliadas pelas revoluções nas ciências naturais31. De modo, que os progressos da ciência
traziam uma aparente fundamentação para uma completa exclusão de categorias
29
“A relação da ciência especulativa com as outras ciências só existe enquanto a ciência especulativa não
deixa, como de lado, o conteúdo empírico das outras, mas o reconhece e utiliza; e igualmente reconhece o
universal dessas ciências – as leis, os gêneros, etc. – e o utiliza para seu próprio conteúdo; mas também, além
disso, nessas categorias introduz e faz valer outras. (Cf. HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências
Filosóficas em Compêndio (1830), v. I [Pequena Lógica]. São Paulo: Loyola, 1995, p. 49).
30
Cf. NEO, p. 103.
31
“As novas revolucionárias descobertas da física (Plack, Lorentz, Einsten, etc.) reforçam ainda mais estas
tendências [ do positivismo]”. (Cf. NEO, 104).
22
ontológicas decisivas para a gnosiologia positivista e as metodologias das ciências da
natureza. A categoria mais sob ameaça era a categoria da matéria. Tal tentativa de exclusão
provocou uma correta polêmica com o materialismo de Lênin, ainda que esta concepção
crítica se mantivesse sob bases gnosiológicas32. No entanto, para Lukács, toda gnosiologia
marxista, pressupõe a teoria do reflexo, e tem, portanto, um fundamento ontológico. Nesse
sentido, Lênin punha adiante a distinção filosófica existente entre o conceito ontológico de
matéria e o tratamento científico dos seus modos de aparecimento apreensíveis. Para ele,
retirar das descobertas da ciência conseqüências diretas sobre a matéria mesma era
inadmissível. O que se põe aqui é uma crítica ao naturalismo científico, ou seja, à tomada
acrítica dos fenômenos como se fossem fotografias. No sentido dado por Lênin, Lukács
considera que
se a ontologia é negada por princípio ou pelo menos considerada irrelevante
para as ciências exatas, a conseqüência obrigatória é que a realidade existente
em si, a sua forma de espelhamento hoje predominante na ciência e as
hipóteses daí derivadas - que praticamente se aplicam pelo menos a
determinados grupos de fenômenos - são homogeneizadas em uma única e
mesmíssima objetividade. (Os pesquisadores que instintivamente refutaram
este tipo de nivelamento, foram estigmatizados com a denominação de
"realistas ingênuos")33
Lukács acreditava que a progressiva matematização da física em si e por si constitui
enormes avanços na metodologia científica. Mas, tal matematização no quadro teórico do
positivismo apenas contribuiu ainda mais para afrouxar a relação da física com a realidade
essente em si. Lukács, de acordo com Lênin, mostra que a física se restringiu à forma, de
tal modo que a física matemática tornou-se pura matemática, ou seja, que a física
matemática deixou de ser um ramo da física e passou a ser mesmo um ramo da matemática.
Com isso, a exigência bellarminiana da ciência dar conta apenas de explicitações formais
dos fenômenos, sem pretender nada a respeito da efetividade mesma, foi satisfeita
plenamente na ciência de hoje.
32
Para Lenin, “a essência da crise da física contemporânea consiste na destruição das velhas leis e princípios
fundamentais, na rejeição da realidade objetiva fora da consciência, isto é, na substituição do materialismo
pelo idealismo e pelo agnosticismo. ‘A matéria desapareceu’ – pode exprimir-se assim a dificuldade
fundamental e típica em relação a muitas questões particulares que suscitou essa crise”. (Cf. LENINE, V.I.,
Materialismo e Empiriocriticismo. Lisboa: Edições Avante, 1982, pp. 195 e 196). Mais sobre essa polêmica
vide a obra aqui citada.
33
Cf. NEO, pp. 103 e 104.
23
A ciência alicerçada sobre os pressupostos neopositivistas tanto tem tido um
comportamento completamente “neutro”, uma indiferença completa mesmo frente aos
problemas ontológicos quanto tem absolutizado o meio homogêneo da matemática,
tornando esta a última e definitiva “chave” para decifrar os fenômenos. Assim, pode-se
dizer que o neopositivismo levou ao mais alto grau a exigência do programa bellarminiano,
a saber, que a “linguagem” da matemática deva exercer uma função não somente de um
instrumento mais exato, mas também da mediação mais importante para interpretar no
âmbito da física a realidade existente em si. Nada há de mais correto para o neopositivista
que acredita que a lógica e a matemática apresentam condições de se estabelecerem como a
última expressão “semântica” e puramente ideal de um fenômeno, tornando-o algo passível
de ser manipulado infinitamente. Tudo aquilo que a ciência necessita para dominar, ou
melhor, para manipular os fatos em qualquer estádio do seu desenvolvimento seriam
formulações matemáticas cada vez mais simples, mais “elegantes” e coerentes, mais
prováveis.
Com base em Nicolai Hartmann, Lukács demonstra que toda a ciência natural
carece de uma base ontológica, no sentido de explicitar a natureza das categorias com as
quais ela descreve fenômenos. Lukács acredita ser possível avançar muito na sua crítica
com algumas considerações de Hartmann acerca dos limites dos procedimentos da ciência
natural, no que tange a sua restrição aos meros modelos matemáticos. Para Hartmann,
partindo do quantitativo, o cientista acaba por esbarrar sua teoria com a essência dos
fundamentos ontológicos não quantitativos. Nesse sentido, a teoria que começa na esfera da
medição encontra-se com os limites da mensurabilidade nela mesma. O problemático e
alarmante é que o passo dado diante da aporia é um passo atrás, ou seja, em vez de avançar
reconhecendo os limites do quantitativo na natureza, resolve-se relativizar os substratos das
possíveis relações de medida. Cai-se assim no beco sem saída do puro relacionalismo, onde
os substratos de uma relação se resolvem em novas relações34. É evidente para Hartmann,
cita Lukács, que
34
Cf. HARTMANN, N., Ontologia I: Fundamentos. México: Fondo de Cultura economica, 1986, p. 8.
24
A exatidão da ciência positiva se funda no elemento matemático. Mas este,
enquanto tal, não constitui as relações cósmicas. Tudo quantitativamente
determinado é quantidade de "alguma coisa". Os substratos da quantidade são
também pressupostos em toda determinação matemática. Os próprios
substratos, enquanto tais, trate-se de densidade, pressão, trabalho, peso,
duração ou extensão, permanecem idênticos na variedade quantitativa, e é
necessário conhecê-los antecipadamente de qualquer outro modo, quando se
deseja compreender o que significam as fórmulas matemáticas por meio das
quais a ciência sintetiza suas relações específicas. Por detrás destas fórmulas,
entretanto, há uma série de momentos categoriais fundamentais que, em si
mesmos, possuem um evidente caráter de substrato e que se subtraem a toda
compreensão quantitativa, porque são os pressupostos das relações
quantitativas reais.35
A característica substancial das categorias como espaço, tempo, movimento,
matéria, etc. levanta um problema que é patentemente ontológico, a saber, qual a essência
de tais categoriais com as quais experimentamos os fenômenos físicos? A ciência natural
tem limitado-se a retirar dessas categorias apenas seus aspectos quantitativos, e não todos,
mas apenas aqueles que respondem às formas matemáticas em voga, de modo, que tais
categorias ficam por completo submetidas aos “avanços” da linguagem técnica formal.
Como o formal tem limites bem estreitos, explica-se o fato de que essas “ciências exatas”
não terem exatidão nenhuma quanto ao modo correto de proceder em relação a essas
categorias. Tal tarefa de análise categorial rigorosa tem sido totalmente distinta do proceder
das ciências particulares, que atuam sem se preocuparem em fundamentar o que tomam
como pressuposto. Assim, Lukács propõe que
o físico pode, por um lado, indagar criticamente quais propriedades
quantitativas são a cada vez expressas matematicamente, e com o que
concretamente se relacionam. Desse modo, estará então em condições de
observar e classificar, no interior da necessária homogeneidade metodológica
do espelhamento matemático, as diferenças qualitativas de objetividade
efetivamente presentes na efetividade existente em si. Somente deste modo o
espelhamento matemático torna-se o veículo realmente adequado para uma
reprodução ideal mais correta possível da realidade essente em si; isto
permite compreender, coisa de outra forma inatingível, o caráter e relação
quantitativos, estáticos e dinâmicos, dos objetos e processos, enquanto que,
por tal mediação, a objetividade e as relações não quantitativas podem
igualmente receber um espelhamento correto se a matemática é adotada
criticamente. Em outras palavras, os fenômenos físicos não recebem uma
35
Cf. HARTMANN, N. Op. Cit. pp. 7 e 8. Ver também NEO, pp. 105 e 106.
25
interpretação meramente matemática, sendo antes interpretados nos termos da
física com o auxílio da matemática.36
Para Lukács, a matemática não pode ser tomada de forma independente aos
problemas ontológicos que a apreensão quantitativa da realidade levanta. Lukács segue
adiante a idéia hegeliana de que o procedimento matemático por ele mesmo é incapaz de
conceber a realidade, perdendo-se na superfície dos fenômenos e se constituindo em
abstração pura para se reivindicar e orgulhar como um conhecimento “claro” e “preciso”
que não passaria de estreiteza intelectual e vaidade37. A determinação quantitativa de todo e
qualquer objeto está em indissolúvel relação de simultaneidade com a natureza qualitativa
do mesmo. Assim, qualidade e quantidade não podem ser apresentadas como formas de ser
constituídas diversamente e independentes entre si. Tal separação nada mais é que um
ponto de vista próprio da gnosiologia, exterior ao objeto, e, portanto, abstrato.
Para Lukács, qualidade e quantidade são categorias que se relacionariam
reciprocamente como determinações reflexivas em um sentido menos concreto, postulando
gradações e alternando momentos. Em um sentido mais efetivo, a própria determinação da
grandeza é uma unidade qualitativa. Para Lukács, “a medida é a referencialidade
quantitativa imanente de duas qualidades entre si”38. Nesse sentido, a relação de
mensuração é, em termos ontológicos, mais originária, mais efetiva, que a separação, obtida
pela abstração, entre quantidade e qualidade. No entanto, é preciso frisar que o progresso
dos métodos quantitativos não constituem meros exercícios de abstração, mas são tentativas
concretas, se formuladas criticamente, de apreensão da realidade, pois “todo existente tem
uma grandeza para poder ser aquilo que é, e, em geral, para poder ter uma existência”39. É
preciso que nas operações de quantificação dos fenômenos, a reflexão crítica dos cientistas
não permita que os aspectos quantitativos sejam abstraídos em uma separação definitiva.
36
Cf. NEO, p. 103.
Para Hegel, “no conhecer matemático, a intelecção é para a Coisa um agir exterior; segue-se daí que a
verdadeira Coisa é por ele alterada. O meio [desse conhecimento] – a construção e a demonstração – contém
proposições verdadeiras; mas também se deve dizer que o conteúdo é falso.” (Cf. HEGEL, G.W.F.
Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 50).
38
Lukács citando a Ciência da Lógica de Hegel. Cf. FVO, p. 103.
39
Lukács citando mais uma vez a Ciência da Lógica. Cf. FVO, p. 103.
37
26
CAPÍTULO 3 – PROBLEMAS ACERCA DA RELAÇÃO PRÁXIS E TEORIA.
3.2
Teoria, Práxis e Pragmática Neopositivista
A práxis só pode ser a realização e critério da teoria se tomar por
fundamento ontológico o pressuposto real de todo o objetivo teleológico
real, uma reprodução tida por correta da realidade. (György Lukács)40
A pergunta se existe uma verdade que seja objetiva, que o próprio Marx, punha
como problema medieval41, considerando que a verdade é essencialmente objetiva, é
excluída no neopositivismo e surge como carente de todo interesse, afirmando-se que
importam apenas os resultados práticos imediatos. A concepção neopositivista de ciência
afirma a impossibilidade de conhecer o real em si mesmo, a apropriação da realidade
apenas mediada pela manipulação da linguagem matemática e a “redução pragmática” da
verdade científica como conjunto de aplicações práticas de uma teoria. Essa íntima ligação
entre teoria e práxis, que já havia sido explicitada por Marx, no neopositivismo realiza uma
restrição do conceito de práxis. Para Lukács, qualquer práxis orienta-se de imediato no
sentido de alcançar uma finalidade concreta e determinada. Para tanto, deve ser conhecida a
verdadeira constituição dos objetos que servem de meio para a posição deste objetivo e é
nesse sentido, que a práxis está inseparavelmente ligada ao conhecimento. Portanto, os
problemas advindos da práxis dos homens é a fonte originária do avanço do homem sobre a
compreensão e teorização das legalidades que regem o mundo. Em todo sentido, a práxis é
inseparável do conhecimento42. Afirmar que entre práxis e teoria exista um abismo
40
Cf. POS, p. 365.
Referência à segunda tese de Marx contra Feuerbach: “A questão de saber se ao pensamento humano
pertence a verdade objetiva – não é uma questão da teoria, mas uma questão da prática. É na práxis que o
homem tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno(Diessitigkeit) do seu
pensamento. A disputa sobre a realidade ou não-realidade do pensamento – que está isolado da práxis – é uma
questão escolástica.” (Cf. MARX, K. “Teses sobre Feuerbach” in: VILHENA, V.M. et al., Raízes Teóricas da
Formação doutrinal de Marx e Engels (1842-1846). Lisboa: Horizonte, 1981, p. 193).
42
Aristóteles distingue teoria, práxis e poiésis. Enquanto a teoria pode adquirir absoluta distinção, como uma
pureza do pensamento, práxis e poiésis sempre pressupõem a teoria. Cf. ARISTÓTELES, Metafísica, V. II.
São Paulo: Edições Loyola, 2002, E 1, 1025. Como Marx, negamos a validade de um conhecimento que se
pressupõe isento de toda práxis. Segundo Aristóteles, também haveria distinção entre a práxis propriamente
dita e a práxis poiética que aqui chamamos de pragmática. Assim, a práxis diz respeito à essência do homem,
às ações relativas ao seu lugar no mundo e, portanto pressupõem uma visão mais ampla do que seja o mundo
41
27
instransponível como fez o idealismo subjetivo é defender mesmo algo abismal, ou seja,
algo que não possui fundamento nenhum.
A realização de uma atividade qualquer pressupõe alguma conexão concreta,
limitada, objetiva, mesmo que imediata, da realidade, mas tal conhecimento pode se
apresentar como incompleto ou até falso, não correspondente à realidade e ainda assim não
impedir ou perturbar a realização dessa atividade. Segundo Lukács, “a história mostra-nos
uma infinidade de exemplos onde, entre um contexto muito restrito, com uma teoria falsa
obtiveram-se na práxis imediata resultados corretos importantes”43. Desta forma, a utilidade
de uma teoria não pode ser o critério máximo de sua validade, pois o fato de ela ser
aplicável não significa que a legalidade que ela promulga expressa uma legalidade real do
mundo.
O conhecimento obtido na práxis seguiu, portanto, no curso do
desenvolvimento humano, dois caminhos que freqüente e certamente se
entrelaçaram: por um lado, os resultados da práxis, corretamente
generalizados, integravam-se à totalidade do saber até então obtido, o que se
constituía numa força motriz decisiva para o progresso da ciência, para a
correção e alargamento verídico da concepção humana do mundo; por outro
lado, permanecia-se em essência restrito à direta utilizabilidade para a práxis
imediata dos conhecimentos adquiridos na prática, vale dizer, contentava-se para empregar uma expressão moderna - em poder manipular determinados
complexos objetuais com a ajuda daqueles conhecimentos práticos. As duas
tendências comparecem ao mesmo tempo no passado, muitas vezes
combinadas, e quanto menos desenvolvida era a ciência, tanto maior devia
ser a freqüência com que se enquadravam em falsas teorias gerais, mesmo
sem a intenção de manipulação, conhecimentos que funcionavam
corretamente na imediaticidade.44
em si mesmo. Já a poiésis, que aqui chamamos de pragmática, é a ação voltada para a posição de uma
finalidade específica de produção dos objetos. Neste sentido, quando falamos de pragmática estamos falando
de uma práxis que não se remete obrigatoriamente ao comportamento humano relacionado com o todo, mas se
restringe à apreensão humana do modus operandi dos objetos. Para Lukács, essa distinção não pode ser
tomada como uma distinção essencial, ou seja, práxis e pragmática não se separam por completo e nem
podem ser consideradas de maneira isolada, a não ser que se abstraia de suas determinações essenciais (leia-se
ontológicas). Lukács afirma que elas tornam-se, ao longo da história, nitidamente duas tendências da práxis
social como um todo, daí que a consideração unilateral de uma dessas tendências pode cair num reducionismo
de caráter gnosiológico, muitas vezes com vista à manipulação.
43
Cf. NEO, p. 112
44
Cf. NEO, p. 112 e 113.
28
O neopositivismo atual exacerba o caráter pragmático da práxis e pretende eliminar
da ciência a questão da realidade em si, rejeita como ‘não-científica’ qualquer tentativa de
integralização dos saberes e advoga como sem sentido qualquer proposição que pretenda
fundar uma concepção de mundo. Com isso, reduz-se sempre ao conjunto dos resultados
práticos, em função da técnica e manipulação da natureza e dos homens. Por Lukács, para
que a práxis possa preencher a função mais ampla, é legítimo esperar dela, é-lhe necessário,
mantendo-se como práxis, elevar-se acima da imediatidade e tornar-se cada vez mais vasta.
A primeira vista pode parecer que esta destituição da ciência não fere em
nada à realidade do mundo, posto que os homens podem cumprir suas
tarefas imediatas práticas na produção, independentemente de que
considerem que o objeto, os meios, etc., de sua atividade são um em-si ou
são mera aparência. Mas essa idéia é sofística em dois sentidos. Em
primeiro lugar, todo homem ativo, em sua prática real, está sempre
convencido de tratar com a realidade; até o físico positivista, por exemplo,
o está quando leva a cabo um experimento. Em segundo lugar, uma tal
concepção quando – por motivos sociais – chega a enraizar profundamente
e a difundir-se, corroe as mediadas relações ético-intelectuais dos homens
com a realidade.45
No neopositivismo a relação teoria-prática reduziu-se ao controle sobre os processos
da natureza e da sociedade46. Com isso o inteiro sistema do saber é relegado à condição de
uma manipulabilidade de todos os fatos relevantes e não se pretende mais como uma
síntese do nosso saber sobre a realidade essente em si mesma. A reflexão sobre uma
concepção de mundo que considera os nexos reais de sua existência é considerado até
mesmo um entrave para o caráter manipulatório do neopositivismo. É preciso “eliminar” a
45
“A primera vista puede parecer que esta destitución de la ciencia no hiere en nada a la realidad del mundo,
puesto que los hombres pueden cumprir sus tareas inmediatas prácticas en la producción, independientemente
de que consideren que el objeto, los medios, etc., de su actividad son um em-sí o son mera apariencia. Pero
esa idea es sofística em dos sentidos. En primero lugar, todo hombre activo, em su práctica real, está siempre
convencido de tratar con la realidad; hasta el físico postivista, por ejemplo, lo está cuando lleva a cabo um
experimento. En segundo lugar, una tal concepción cuando – por motivos sociales – llega a arraigar
profundamente y a difundir-se, corroe las mediadas relaciones ético-intelectuales de los hombres con la
realidad.” (Cf. EST, pp. 26 e 27.)
46
“Tudo o que se situa para além do horizonte do controle está fora da esfera da racionalidade: as questões
que emergem na vida dos homens e que não são capazes de um tratamento técnico não podem ser
racionalmente consideradas: elas são transformadas em objeto de decisões, que, em última análise, não podem
ser fundamentadas. Numa palavra, as decisões, que são fundamentais na vida concreta dos homens, que
constituem os projetos de suas vidas, são fruto do puro arbítrio: não pode haver princípios racionais que as
fundamentem já que a racionalidade se reduz à instância do controle dos fenômenos. Racionalidade é
sinônimo de controle sobre os processos objetivos.” (Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Práxis
Histórica. São Paulo: Editora Ática, 1995, p. 88).
29
uma concepção mais ampla de práxis, que pressuponha uma ontologia, para que “o
ilimitado funcionamento do aparelho manipulatório não venha a ser enganado ou talvez
impedido por uma qualquer reflexão sobre os problemas da realidade”47. Os efeitos práticos
dessa concepção estreita da atuação da práxis podem ser visto muito claramente na forma
contemporânea da alienação: a manipulação generalizada.
3.1
A crise contemporânea da manipulação generalizada.
A manipulação, por princípio, não é onipotente. Naturalmente, é muito
difícil despertar no homem as outras necessidades, aquelas necessidades
reais do desenvolvimento da personalidade; creio que temos muito a fazer,
num processo longo e interminável, mas, em um processo que, em última
análise, pode terminar por uma vitória. (György Lukács)48
As tentativas lukascianas de determinar as causas da crise da manipulação
generalizada que permitiu a ascensão do neopositivismo são apresentadas em dois planos.
No primeiro plano as questões propriamente conjunturais: as duas guerras mundiais, a
revolução russa de 1917, o fascismo, o desenvolvimento stalinista do socialismo na União
Soviética, a guerra fria e o período do terror atômico. Não poderemos desenvolver neste
trabalho as verdadeiras relações entre esses acontecimentos de influência mundial e o
problema da manipulação. No segundo plano, temos as mudanças na economia capitalista,
levadas a cabo graças a um desenvolvimento fenomenal das forças produtivas em direção a
um maior domínio sobre a natureza; com o aumento da produtividade do trabalho não
somente pelas novas tecnologias, mas também pelas novas formas de organização, não só
da produção, mas também do consumo. A manipulação através do consumo possibilitada
pela sua massificação possui uma gravidade que Lukács não deixa de denunciar e que
demanda um tipo de luta específica que é o de despertar os homens para as suas
necessidades humanas que ultrapassam o mero “ter” e se relacionam diretamente com o
desenvolvimento de sua personalidade.
Por causa desta manipulação, o operário, o homem que trabalha, é afastado
do problema de como poderia transformar seu tempo livre em otium,
47
48
Cf. NEO, p.122.
Cf. CON, p. 55.
30
porque o consumo lhe é instilado sob forma de uma superabundância de
vida com finalidade em si mesma, assim como na jornada do trabalho de
doze horas a vida era ditatorialmente dominada pelo trabalho. A dificuldade
está agora no fato de que deve ser organizada uma nova forma de
resistência.49
A manipulação está intimamente ligada ao fenômeno da alienação. Mas, a
manipulação não é a única forma ainda presente de alienação. Como a alienação é um dos
fenômenos sociais mais nitidamente centrados no indivíduo e na sua personalidade50 e se
define basicamente como a existência de barreiras reais à formação da personalidade
humana advindas das formas estruturais com as quais a sociedade desenvolve suas forças
produtivas. No capitalismo, sua extensão atingiu os mais amplos e variados setores do
tecido social. Segundo Lukács, algumas expressões contemporâneas da alienação são: a
manipulação da vida social por meio da técnica na ciência, na política, na “opinião
pública”; os aspectos econômicos da alienação no fetichismo da mercadoria e na inversão
dos valores pelo dinheiro como nexo social par excellence; e os aspectos tradicionais da
submissão e exclusão nas relações entre gêneros, entre as etnias e entre as classes. A
manipulação é dentre as formas de alienação a que se tornou mais presente na vida
cotidiana de nosso tempo.
As causas de caráter econômico, propriamente estruturais para a generalização da
manipulação foram possibilitadas através da exigência imanente ao capitalismo de uma
mais elaborada manipulação do mercado. Em paralelo, tanto no fascismo, quanto na luta
contra ele, novos métodos de manipulação política e de controle social tiveram efeitos
profundos na vida cotidiana, e ao mesmo tempo se articularam com a manipulação
econômica tornando-a mesmo algo generalizado. Nesse sentido, Lukács afirma que a
alienação, mesmo sendo um fenômeno social antigo, na forma específica da manipulação
acabou por se tornar um problema cotidianamente amplo e popularmente disseminado.
Tanto é assim que a sociologia ocidental foi empurrada na direção de se reduzir a uma
teoria geral da manipulação das massas, socialmente conscientes. Assim, a generalidade da
49
Cf. CON, p. 54.
Cf. LUKÁCS, György. “L’estraniazione (Entfremdung) – A Alienação (p. 559-808)” in: Per l’Ontologia
dell’Essere Sociale, Tomo II, Trad. It: Alberto Scarponi. Roma: Editora Riuniti, 1976, p. 566; trad. br. Norma
Alcântara, p. 8. Doravante abreviar-se-á por ALI e as citações terão referência da tradução brasileira.
50
31
manipulação tornou-se, na constatação de Lukács, no “telos” da metodologia científica.
Para Lukács, “a ciência atual não é mais simplesmente um objeto de irresistível
desenvolvimento social para a manipulação generalizada, mas participa ativamente a
aperfeiçoá-la, a torná-la justamente geral”51.
A ação à manipulação não é, de todo modo, função puramente das ciências sociais,
como a sociologia e a economia. Essa função é algo também disseminado na teoria e na
prática políticas. O que impressiona, na atualidade, tanto na teoria quanto na práxis política
é, nas palavras de Lukács, “a certeza de poder manipular as massas ilimitadamente”52.
Nesse sentido, a manipulação generalizada tem ultrapassado cada vez mais o âmbito dos
experimentos e postulados científicos e se pretende além, exercendo um domínio na maior
extensão da vida cotidiana, da práxis econômica e política. Nesse sentido, a personalidade
humana se vê barrada no seu desenvolvimento por uma cadeia da manipulação que a
prende na sua particularidade. Ainda assim, toda ação para além dessa reificação se vê
compelida para o irracionalismo, já que seria impossível dentro do marco da racionalidade
vigente fundamentar não somente uma realidade outra, mas qualquer realidade.
Se observarmos o período posterior a 1945 do ponto de vista destas
alienações... identificamos uma tendência, que impulsiona cada expressão
social, a manter o homem preso na sua particularidade, a fixá-lo
definitivamente, a glorificar este nível de ser como o único realmente
existente e simultaneamente o único desejável enquanto grande conquista
social. A onicompreensiva manipulação refinada, que é a portadora desta
concepção do ser, tem a sua base econômica na sujeição quase completa da
indústria dos bens de consumo e dos serviços ao grande capital... Porém,
dados acontecimentos provocam às vezes reações explosivas, mas este seu
caráter de happenings, este permanecer um fato imediato, impede que surja
uma crítica mais aprofundada da reificação e alienação imperantes. Uma tal
oposição crítica poderia nascer somente de uma ruptura com as concepções
de mundo manipulatórias que dominam as ciências (sobretudo com o
neopositivismo) e por uma recusa do sistema, do império da manipulação
(também da democracia manipulada).53
51
Cf. p. 102.
Cf. p. 103.
53
Cf. ALI, p. 139 e 140.
52
32
Consideramos que uma ideologia, dentro dos marcos de um marxismo renovado
pela crítica de Lukács, pode exercer um importante papel importante na mudança dos
rumos da racionalidade científica. Assim como a luta e a resistência contra o capitalismo
podem ultrapassar a sua imediatidade, buscando sua radicalidade na raiz do próprio
homem, ou seja, nas necessidades reais para o seu desenvolvimento como personalidade
humana livre.
33
CONCLUSÃO: IDEOLOGIA E “NEUTRALIDADE” DA CIÊNCIA
A
filosofia
contemporânea
avançou
impetuosamente
para
afirmar
uma
matematização geral das ciências como mostramos noutro capítulo. Com isso criou uma
nova lógica matemática e uma ciência da semântica com vista a lhe proporcionar a maior
aparência de objetividade, sem, ao mesmo tempo, romper com sua orientação subjetivoidealística. Uma concepção universal do mundo tem ficado de fora da atividade corrente
estritamente científica em virtude de uma pretensa neutralidade. Quais seriam as
conseqüências de uma neutralização tão radical? Ora, a postura aparentemente neutra da
ciência contemporânea esconde uma função ideológica e, portanto, há uma ação interessada
sob a máscara do desinteresse. Uma imagem do mundo se encontra pressuposta, ou seja,
presente, mas não explicitada, e pior, não questionada, acriticamente aceita por uma suposta
“neutralidade” que se apresenta sem critério algum. A visão de mundo pressuposta pela
ciência corrente é a visão de mundo capitalista, onde a ciência serve a um processo do
desenvolvimento não do conhecimento da realidade por parte da sociedade, mas sim, do
crescimento econômico, para uma presença maior de mercadorias disponíveis para o
consumo. Logo, a ciência atual não é crítica, pois é incapaz de se rebelar contra os grilhões
de sua existência em um mundo reificado e reificador. O saber tornou-se algo subordinado
e a neutralidade e a autonomia da ciência não passam de uma ilusão:
Na realidade nem a religião nem a ciência e a filosofia constituem formações
completamente autônomas, dotadas de legalidade própria, de modo que sua
metodologia e conteúdo fossem sempre determinados com exclusividade pelo
seu automático desenvolvimento. Todas as três possuem simultaneamente um
caráter social, não sendo possível que suas posições de finalidade e seus
modos de efetivação sejam de todo independentes de cada mandato social
que, nos respectivos períodos, tem sua atividade condicionada pelas
aspirações da classe dominante: o influxo de importantes movimentos de
oposição sobre o mandato social subentende análogos poderes e legalidades
sociais.54
A capacidade, e particularmente, a qualidade de compreensão do homem de si
mesmo é prioritariamente determinada pelo tipo de atividade que ele exerce dentro da
54
Cf. NEO, p. 108.
34
estrutura econômica em que gesta a sua existência, de modo que essa estrutura da sociedade
tanto promove quanto obstaculiza, tanto permite quanto impede o avanço na sua
autocompreensão. Ciência, religião e filosofia não são autônomas em absoluto, mas
possuem um caráter social e não se despregam por completo de sua raiz social. Para
Lukács, essas condições ontológicas determinam para cada homem o espaço concreto de
suas possibilidades de reação e de ação, de tal forma que são dentro dessas redes de
relações muito complexas que se apresentam ao homem os nexos de necessidade do real,
fazendo-o afirmar ou negar sua capacidade de responder a isto ativamente. A ciência, assim
como a filosofia e a própria religião são oriundas de uma série de condicionantes históricos,
sociais, políticos e econômicos, o que não quer dizer que em sua dinâmica interna
obedeçam passivamente ao curso geral das coisas. Para Lukács, os métodos e as
necessidades ligadas à tradição, assim como os problemas agudamente atuais modificam
extensiva e intensivamente a atuação retilínea do mandato social, ainda que este se
apresente sempre como o momento predominante do todo social.
Como dito acima, a ciência atual regida pelos pressupostos filosóficos do
neopositivismo crê poder tomar uma posição perfeitamente neutra em todas as questões
relativas à concepção do mundo, deixando simplesmente de lado qualquer fato ontológico.
Deste modo, o neopositivismo produz uma filosofia que afasta por completo o complexo de
problemas relativos ao ser existente em si, tratando tais questões como “falsos problemas”
que seriam de antemão insolúveis. Esse “abandono” de toda efetividade é considerado por
Lukács uma herança, por parte do neopositivismo, do idealismo subjetivo, para o qual a
objetividade do real é um produto da subjetividade cognoscente, de modo que não são as
estruturas imanentes à realidade objetiva do mundo que cabe à filosofia investigar, mas sim
as estruturas subjetivas capazes de falar do que aparece. Nesse sentido, a missão positivista
é efetivar a pretensão de criar um meio filosófico que exila do campo do conhecimento toda
visão de mundo, toda ontologia e, igualmente, cria um pretenso terreno gnosiológico que se
deseja neutro e capaz de oferecer uma “pureza” ao conhecimento científico.
O leitmotiv da ciência atual tem sido a mesquinhez e nada menos “exato” do que
duvidar disso, pois basta vermos a corrida pelas “patentes” das descobertas da ciência.
35
Quem havia de dizer? O saber foi loteado para ser apropriado privadamente! Assim, uma
ciência que excluiu a ontologia como uma postura dogmática e ingênua, é antes de tudo
insuficientemente crítica. Tal indiferença permitiu, inclusive, que a religião ainda
mantivesse seu raio de atuação para uma livre interpretação do mundo, curiosamente em
algo mais extenso do que qualquer outra época após a crise no renascimento.
Para Lukács, já nem é tão nítida a oposição entre a ciência natural e o
comportamento religioso. Talvez a delimitação existente hoje não os contraponha de
imediato, pois cada um assume um domínio específico, não pretendendo interferir na
atividade do outro. Como a ciência restringiu-se ao âmbito das necessidades materiais e
econômicas da sociedade, a religião vem para satisfazer o campo das carências espirituais.
Para Lukács, entre a metodologia neopositivista e as necessidades religiosas de nosso
tempo, existem concordâncias que levam a superar as contradições herdadas da ciência do
passado. Essa coligação não é algo imediato nem mesmo intencional. Como o
neopositivismo ignora qualquer discurso que não encontre expressão na “linguagem” da
ciência semanticamente revisada por ele, às tendências religiosas não são conferidas
atenção alguma. Não por acaso, entre os representantes religiosos predomina a visão da
dupla verdade, sendo negada de princípio a capacidade das ciências em sua totalidade,
inter-relações e recíproco complemento de seus resultados de uma generalização reflexiva
coerente da realidade essente em si. Nesse sentido, a renúncia das ciências parece dar
alguma contribuição à construção de uma imagem do mundo que veio a tornar sólida e
certa a imagem do mundo cristã.
Na época do nominalismo renascentista, o domínio da ontologia cristã estava
assegurado tanto por causa do poder político da Igreja quanto teoricamente, já que a teoria
da dupla verdade garantia algum espaço para a investigação científica, ainda que esta fosse
metodologicamente pouco evoluída. Para Lukács, no estado atual, as coisas se inverteram,
“não existe mais um poder capaz de limitar seriamente o progresso da ciência”55, ou seja, é
a própria ciência que “permite” a possibilidade da religião, já que não avança para uma
concepção concreta, objetiva e por que não dizer, realista do mundo. Ao contrário, a dupla
55
Cf. NEO, p. 107.
36
necessidade no desenvolvimento do domínio burguês sobre a totalidade social leva, de um
lado, a valorizar e utilizar ilimitadamente todas as aquisições da ciência na economia, e, de
outro lado, a manter entre as massas um carecimento religioso que nunca se exaure por
completo. As formações burguesas, filosófica e científica, se orientam cada vez mais para a
gnosiologia nominalista, não na aplicação que é qualitativamente diferente, mas em seus
princípios últimos, de modo que as tendências anti-ontológicas nestas formações teóricas da
burguesia constituem, por fim, o oposto do nominalismo medieval e se encontram na
verdadeira disposição para a produção e reprodução do contínuo mandato burguês sobre o
mundo social.
37
APÊNDICE: PARA UM RENASCIMENTO DO MARXISMO.56
A presente monografia tratou de vários temas que considero importantes e que
constituíram meu trajeto de diálogo com a filosofia nos últimos anos. São questões
prioritariamente levantadas com base em Lukács, mas também por meio de Hegel, de Marx
e de Lênin. Acredito que não é possível apresentá-la totalmente nesta breve explanação,
mas, apenas apontar-lhe o que lhe é essencial e, portanto o que a constitui como totalidade.
Nesse sentido, não são os problemas específicos de que tratei na monografia que exporei
agora, mas, minhas considerações a respeito daqueles problemas.
Neste trabalho, vocês poderão ver uma crítica à exclusão da ontologia na filosofia e
na ciência atuais, a apresentação dos limites da gnosiologia e da matemática para resolver
problemas filosóficos, e a partir daí o anúncio de uma proposta de ciência renovada por sua
articulação com a dialética e com a ontologia. Essa monografia também vos explicitará o
modelo geral sobre o qual estão assentados tanto a teoria como a práxis de nosso tempo, a
saber, o modelo pragmático instrumentalista de controle e de manipulação da realidade
natural e social. Esse modelo é produzido teoricamente pela corrente neopositivista. É por
isso que nesta monografia visamos a mostrar também as intenções ideológicas que estão
por trás da reivindicação de uma “neutralidade” na ciência. Assim como as suas
conseqüências: a manipulação da vida social através da técnica, do consumo e da
manutenção nas massas de um carecimento religioso que nunca se exaure. Anunciando e
denunciando a formação de um sistema irracionalista de dependência que torna o homem
um infeliz carente tanto material quanto espiritualmente. Cito Lukács,
Quase todas as crises do pensamento filosófico do nosso tempo nascem de
tais constelações de reificação, qualquer que seja o seu aspecto: a positivista
ausência da realidade e, por conseguinte, de idéias, a manipulatória
desideologização ou ainda o exasperado arbítrio subjetivista e, portanto, em
última análise, o predomínio do irracionalismo.57
56
Comunicação apresentada à guisa de considerações acerca da monografia “Práxis e Ciência na Ontologia
do Ser Social de Lukács: uma crítica ao neopositivismo”, defendida no dia 09.01.2009.
57
Cf. LUKÁCS, György. “L’estraniazione (Entfremdung) – A Alienação (p. 559-808)” in: Per l’Ontologia
dell’Essere Sociale, Tomo II, Trad. It: Alberto Scarponi. Roma: Editora Riuniti, 1976; trad. br. Norma
38
Considera-se que a grande motivação teórica de Lukács para a reflexão presente na
Ontologia do Ser Social, foi dar estatuto de ciência ao marxismo, e isso significa buscar
uma via de reconciliação da ciência com a ontologia, pois, para Lukács, as teorias de Marx
estão assentadas em uma ontologia do ser social. Daí a necessidade de realizar uma crítica
ao neopositivismo, tão dominante nas metodologias científicas atuais, que tem como ponto
de partida a negação de toda e qualquer pretensão ontológica, postulando, pois sem
justificativas e argumentos, ser isto uma formulação metafísica. No entanto, a Ontologia de
Lukács não se trata de um trabalho cujo único objetivo seria validar teorias que dizem
respeito a uma corrente de pensamento. Mas, apresentar argumentos que corroborem para a
resolução de problemas de ordem prática, ou seja, para a tomada de posição dos homens
diante da realidade. De outro modo, porque salvar a realidade? A expressão “salvar a
realidade”, aqui, não significa apenas restabelecer na teoria a autonomia ontológica do real,
ou seja, a sua totalidade intensiva e a sua irredutibilidade ao puro controle subjetivo, mas,
defender a realidade mesma, ameaçada pelas correntes da manipulação neopositivista, pelas
cadeias do arbítrio irracionalista do imperialismo e pelas redes do mandato social da classe
burguesa que sistematiza a autodestruição de todo o gênero humano. Nesse sentido, o
marxismo ainda constitui os elementos críticos com capacidade de reunir forças para um
projeto humano comum de transformação radical da realidade, de ultrapassagem de uma
razão tecnicizada e de retomada do desenvolvimento das personalidades como
individualidades efetivamente livres. Cito Lukács,
De fato, não se trata de baixar a qualidade de vida alcançada no consumo e
nos serviços, de desmantelar a complexa e diferenciada divisão do trabalho
etc., mas de reestruturar essas coisas para eliminar-lhes as tendências à
alienação do homem de si mesmo, de transformá-las em uma base de ser
para que ele descubra e desenvolva a si mesmo. O fundamento teórico para
esta operação não pode deixar de ser um verdadeiro retorno ao marxismo,
mas tal que recupere a nova vida o dado inatacável do seu método, isto é,
que seja capaz de restituir-lhe de novo as atuais possibilidades de conhecer
com profundidade e verdade maiores os processos sociais do passado e do
presente.58
Alcântara, p. 108. Doravante abreviar-se-á por ALI e as citações têm somente a referência da tradução
brasileira.
58
Cf. ALI, 150.
39
Segundo Lukács: “A nossa tarefa, o que nos compete como marxistas seria...
mostrar que... uma nova fase do marxismo teria início quando uma reforma da humanidade
fosse considerada a tarefa central.”59 Para Lukács, a missão marxista de afastar o cérebro
dos homens do fatalismo fetichizado fundamenta-se em apresentar que a técnica foi sempre
e apenas um meio no desenvolvimento das forças produtivas, e em última análise são
sempre os homens e as suas capacidades que podem determinar o seu destino. Noutras
palavras, o homem é uma construção de si mesmo. É preciso revolucionar a forma como
ele vem se construindo, e combater esse modo em que o homem vem produzindo-se através
de uma negação de si. Então, que não seja de outro modo, já é era hora não só de sermos
conscientes de que pertencemos a um sistema de alienação capitalista, mas, movermos
forças também na direção de nos libertarmos dele definitivamente. A grande revolução
socialista efetuada no século XX não pôde fazê-lo e o inimigo venceu. Inúmeras foram as
causas, mas, a responsabilidade estalinista daquele declínio pode ser refletida como fator
interno mais relevante. Não somente pelos crimes e desumanidades que o marcaram de um
significado contra-revolucionário, mas também pela perversão da teoria de Marx,
instrumentalizando-o dogmaticamente para fins manipulatórios.
Finalizamos estas considerações, dizendo, que o empreendimento filosófico de
Lukács exposto na Ontologia do Ser Social, mais do que em qualquer outra de suas obras, é
o de “um renascimento do marxismo”60. Para ele, tais mudanças tinham que se ampliar
radicalmente e poderiam abarcar toda uma época61. Para Lukács, o “renascimento
marxista” pressupõe a retomada crítica no âmbito da teoria, das idéias de ontologia, como
fundamento materialista das possibilidades dos homens construírem sua liberdade na
realidade e de dialética, como método que nos dizeres de Marx, “é em sua essência crítica e
59
“A nossa tarefa, o que nos compete como marxistas seria, neste caso, afastar o cérebro dos homens do
fatalismo fetichizado e mostrar que a técnica foi sempre e apenas um meio no desenvolvimento das forças
produtivas em última análise são sempre os homens e as suas capacidades, e que uma nova fase do marxismo
teria início quando uma reforma da humanidade fosse considerada a tarefa central.” (Cf. LUKÁCS, György,
et al., Conversando com Lukács, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 57. Doravante abreviar-se-á por CON).
60
“Minha atividade essencial depois de 1956 se relaciona com tarefas recém caracterizadas. As obras
maiores, uma Ontologia do ser social recém concluída e a projetada Ética, deveriam realizar contribuições
para a fundamentação teórica de uma práxis comunista no presente e para o futuro.” (Cf. LUKÁCS, György,
“Más Allá de Stalin” in: Testamento Político y outros escritos sobre política y filosofia. Compiladores: A.
Infranca e M. Vedda. Buenos Aires: Ediciones Herramienta, 2004, p. 130.)
61
Cf. LUKÁCS, György, “Entrevista: En casa, com György Lukács”, in: Testamento Político y outros
escritos sobre política y filosofia. op. cit. p.117.
40
revolucionária”62. Esta primeira tarefa constituiu o leitmotiv desta monografia que aqui lhes
apresento. Mas, este renascimento para Lukács, também pressupõe uma tarefa que nos
propomos como meta a apresentar num trabalho futuro, a saber, a retomada crítica no
âmbito da práxis das idéias de humanismo como movimento radical civilizatório63 e de
democracia como “democracia dos conselhos populares” que, para Lukács, seria um
estádio que corresponde a “um primeiro passo na busca pelo socialismo”64.
62
“Em sua forma mistificadora, a dialética foi moda alemã porque ela parecia tornar sublime o existente. Em
sua configuração racional, é um incômodo e um horror para a burguesia e para os seus porta-vozes
doutrinários, porque, no entendimento positivo do existente, ela inclui ao mesmo tempo o entendimento da
sua negação, da sua desaparição inevitável; porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento,
portanto também com seu lado transitório; porque não se deixa impressionar por nada e é, em sua essência,
crítica e revolucionária.” (MARX, K. O Capital. Livro1, v. I. São Paulo: Nova Cultural, Os economistas,
1996, p. 141.)
63
“El humanismo es originarialmente y, según su esencia, un conocimento del hombre, para defender su
dignidad y sus direchos. Por eso, el humanismo es combativo y agressivo desde el Renascimento, pasando por
la Ilustración, hasta los grandes dias de la Revolución Francesa.” (LUKÁCS, György, “La visión del mundo
aristocrática y la democrática” in: Testamento Político y outros escritos sobre política y filosofia. op. cit. p.
46.)
64
“... Marx foi o primeiro a tratar com exatidão a teoria revolucionária da vitória da revolução democrática
como primeiro passo na conquista do socialismo.” (Cf. CON, p.60)
41
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