reprodução, divisão do trabalho e desigualdade social

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REPRODUÇÃO, DIVISÃO DO TRABALHO E DESIGUALDADE SOCIAL
Tainah Nataly dos Santos
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Resumo: Este texto resulta de pesquisa da Ontologia de Lukács. Discute a
relação entre divisão do trabalho e desigualdade de classes na reprodução
social.
Palavras-chave: Reprodução, trabalho, desigualdades.
Abstract: The text result of the research of the Lukács’ Ontology. It argues
the relations between division of the work and inequality of classroom in the
social reproduction.
Key words: Reproduction, work, inequalities.
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Graduanda. Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
A apreensão do significado e constituição da desigualdade social é de significativa
relevância para as políticas sociais em especial pelo fato de que a intervenção sobre os
problemas dela decorrentes se constitui historicamente como uma das funções do Estado. Mas
a sua apreensão é também de significativa relevância para as ciências sociais assim como para
o Serviço Social e requer investigação sempre mais aprofundada na perspectiva de precisar os
seus determinantes fundamentais. Neste sentido, a reflexão aqui apresentada busca uma
aproximação às desigualdades de classes a partir da visão ontológica de Lukács (1981)2 sobre
a reprodução social, com vistas a apreender um dos momentos essenciais do ser social em sua
processualidade.
A reprodução social é o emergir e o desenvolver-se de um novo ser, o ser social, na
ocorrência de um progressivo recuo das barreiras naturais. Este ser é progressivamente,
constituído de categorias e relações peculiares, que se edificam em um decurso dialeticamente
contraditório composto de momentos e características puramente sociais, através da
necessária ligação com a esfera natural.
A reprodução social tem por base ontológica o trabalho que supõe o homem, com sua
constituição física, reproduzindo-se biologicamente em um ambiente (o qual, segundo o autor,
é a natureza, que progressivamente é modificada pelos homens e mulheres), produzindo sua
vida material. Tal processo de desenvolvimento da produção faz surgir novos complexos
como a fala, a cidade, a educação, as classes, etc. E neste decurso o gênero humano vai
perdendo (parcialmente) a sua mudez, na medida em que o mesmo se explicita através de
ações e relações essencialmente humanas como o trabalho, os valores e o desenvolvimento da
individualidade humana.
Deste modo, o reproduzir-se do ser social não pode ser previamente ideado; pelo
contrário, é dinâmico, imprevisível; é permeado de casualidades seja no plano individual seja
no plano mais geral do desenvolvimento. É direcionado pelas escolhas alternativas dos
sujeitos e pelas conseqüências de suas posições teleológicas, as quais sempre vão além do
previamente ideado, fazendo surgir nexos causais cada vez mais complexos. O que é
2
Para este texto utilizamos a tradução para o português de Sergio Lessa do capítulo A Reprodução, de Per
l’ontologia dell’essere social, Roma Riuniti, 1981. As citações seguem a numeração algarismos romanos.
perceptível enquanto tendência evolutiva é o surgimento e a ampliação de relações e
complexos que se põem como puramente sociais, fazendo com que o ser social alcance níveis
mais elevados de sociabilidade. Nesse processo a divisão do trabalho emerge como momento
do ser social que configura as bases ontológicas da desigualdade de classes, conforme
veremos na seqüência.
2. REPRODUÇÃO e DIVISÃO DO TRABALHO
Lukács inicia sua análise da reprodução, fazendo uma alusão ao trabalho, visto que este
é a categoria que funda o ser social e que apenas existe no interior de relações sociais
concretas, determinando direta e indiretamente a constituição de todas as demais categorias
sociais. Assim, o trabalho é a categoria ontológica primeira que marca a distinção entre o ser
social, e o ser natural previamente existente. Ou seja, a partir do surgimento do trabalho, os
homens e mulheres passaram a realizar atividades distintas daquelas inerentes à natureza
biológica; passaram a agir de modo pensado, consciente; objetivando posições teleológicas de
acordo com as diversas necessidades que vão surgindo, as quais, progressivamente, tornam-se
mais complexas e puramente sociais.
Segundo o autor:
Um dos resultados mais importantes a que chegamos é que os atos do trabalho, necessária e
continuamente, remetem para além de si mesmos. Enquanto na vida orgânica as tendências
para preservar a si e a espécie são reproduções daquele processo vital que perfaz a
existência biológica de um ser vivo, enquanto, portanto, neste caso só mudanças radicais no
ambiente provocam, via de regra, uma transformação radical destes processos, no ser social
a reprodução implica, por princípio, mudanças internas e externas. (p. I)
Entendemos, pois, que o trabalho tem como característica imanente a capacidade de
ultrapassar o que previamente se propôs com a sua objetivação. Quando se realiza um
trabalho surgem novas necessidades, novas habilidades, novos conhecimentos; e tal
complexificação de necessidades e alternativas pode configurar-se enquanto avanços,
retrocessos, mudanças substanciais. Esta é a base ontológica que possibilita que a reprodução
social seja impulsionada por modificações contínuas, incessantes; diferentemente do que
ocorre na reprodução do ser biológico, o qual se reproduz por meio de uma dinâmica
relativamente estrita aos limites da natureza.
Encontramos a partir desta capacidade de o trabalho ir além da satisfação das
necessidades imediatas de seu executor, um desenvolvimento social que resulta no surgimento
da escravidão. Neste particular, tal capacidade constituiu a base objetiva da exploração de um
ser humano pelo outro e da acumulação. Após várias etapas do desenvolvimento social, esta
capacidade permitiu a emergência do capitalismo, no qual o valor de uso da força de trabalho
é a base do sistema.
Dentre as grandes transformações que ocorreram, a partir do desenvolvimento do
trabalho, apresenta-se o desenvolvimento da divisão do trabalho. Esta categoria, segundo
Lukács, “é tão antiga quanto o trabalho, dele é um produto orgânico necessário” (p. II). A
divisão do trabalho que, inicialmente, era baseada nas diferenças biológicas entre os
indivíduos, vai adquirindo, progressivamente, momentos puramente sociais, explicitando e
impulsionando o processo em que o ser social alcança níveis de sociabilidade mais elevados.
Tal desenvolvimento faz surgir valores como “o conhecimento dos homens, a arte de
persuadir, a engenhosidade, a astúcia, etc.” (p. VI), os quais se mostram gradativamente mais
sociais.
O autor ainda destaca que “a divisão técnica do trabalho, que nos estágios evoluídos se
afirma com evidência cada vez maior, se desenvolveu daquela divisão social e que, portanto,
– admitindo todas as interações existentes – é antes de tudo um efeito, não uma causa” (p.
VI). Com tais declarações, demonstra-se que o desenvolvimento das forças produtivas, da
divisão técnica do trabalho é apenas uma face, uma das determinações que condicionam o
processo de desenvolvimento da divisão do trabalho, pois este é determinado pelas relações
sociais concretas, pela divisão social do trabalho inerente em cada forma de reprodução
social.
O desenvolvimento da divisão do trabalho também faz surgir categorias puramente
sociais como, por exemplo: a troca das mercadorias e a relação econômica de valor, a partir
das quais o tempo de trabalho socialmente necessário também vai adquirindo centralidade
como fundamento econômico.
No decorrer do desenvolvimento do processo de trabalho, das forças produtivas se
desenvolve “uma divisão de trabalho não apenas técnica, mas também social” (p. XXV). Esta
vai progressivamente tornando-se mais complexa e explicitando-se como uma potência social,
que existe e se reproduz independente da consciência dos indivíduos. Tais determinações se
expressam, principalmente, através da ampliação das diferenciações no interior da sociedade.
Apreende-se, pois, o surgimento da divisão entre trabalho intelectual e físico e da divisão
entre campo e cidade, as quais confluem com a emergência das classes e das contraposições
entre as classes.
Tais diferenciações trazem consigo novos conteúdos e significados à constituição do ser
social e explicitam o quanto a sociedade constituiu-se de momentos puramente sociais. As
mesmas demonstram que o desenvolvimento do gênero humano se desenvolve em um
decurso desigual, visto que este é uma das categorias inerentes à reprodução social, a qual é
impulsionada por tais modificações e desigualdades.
Todas as formas de divisão do trabalho se articulam determinando o desenvolvimento de
umas das outras; e, em um determinado momento histórico, “se entrecruzam, na sua
explicitação social, com a sua forma historicamente mais importante, a da diferenciação de
classes.” (p. XXX)
Para Lukács, as classes são complexos sociais, dotados de uma relativa autonomia, mas
que apenas existem estabelecendo entre si uma relação reflexiva na respectiva totalidade; “sua
origem está no específico valor de uso, surgido gradualmente, da força de trabalho poder
produzir mais do quanto é necessário para reproduzir a si mesma” (p. XXXI). As classes são,
portanto, determinadas pelo desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que o
determinam.
As diferenciações surgidas no interior da sociedade, a partir do desenvolvimento do
trabalho e da divisão do trabalho, complexificam mais e mais o decurso da reprodução social.
Demonstram que tal processo se dá de forma desigual, contraditória; que a cada vez surgem
categorias e relações que – apesar de emergirem através das escolhas alternativas dos
indivíduos, de suas posições teleológicas – ganham progressivamente relativa autonomia
social, existem independentes da vontade dos indivíduos. O ser social tem um caráter bem
peculiar em relação ao ser natural justamente por sua capacidade de reproduzir-se sempre
mais regido por leis diferentes das leis da natureza.
Em suma, processualmente a divisão do trabalho se diversifica em diferentes formas
constituindo a divisão entre trabalho intelectual e físico, entre cidade e campo e em sua forma
historicamente mais importante uma divisão dos homens em classes sociais antagônicas.
Fenômeno gerador de desumanização pelo fato de expressar a exploração do homem pelo
homem, uma forma alienada de relação social quando um ser humano não reconhece e não
trata o outro como seu igual. Sua base ontológico-genética está na capacidade dos homens,
através do trabalho, produzirem sempre mais do que o necessário para sua subsistência. Daí
que a divisão do trabalho serve de base ao processo de acumulação e de apropriação privada
daquilo que é produzido pelo conjunto dos homens em sociedade.
3. CONCLUSÃO
A investigação do processo de reprodução social em Lukács revelou a origem
ontológica da desigualdade de classes a partir da divisão do trabalho. Mostrou que se trata de
um processo social produzido pelos homens que constroem sua própria desumanização e não
de uma determinação conduzida pelas leis da natureza. A dimensão positiva do trabalho
relacionada à sua capacidade de possibilitar aos homens produzirem mais do que o necessário
à sua subsistência acaba originando relações desumanas e alienadoras que impedem o
crescimento de suas capacidades e potencialidades no sentido da plena explicitação do gênero
humano. O fato de enfatizarmos basicamente esses aspectos da relação entre reprodução e
divisão do trabalho para a geração das desigualdades de classe não significa que a categoria
da reprodução não contenha inúmeros outros complexos que agem dialeticamente na
determinação das relações desiguais entre os homens. Pois, para Lukács, a totalidade social é
um complexo de complexos que se interpenetram e se interdeterminam intimamente e cada
categoria em particular só existe no contexto da totalidade na qual se insere. Como afirma
Sérgio Lessa, “o ser é uma categoria cujo caráter de totalidade é ineliminável e tudo que
existe o faz no interior (e em relação, portanto) dessa totalidade” (2007, p.43).
Compreender a reprodução social em Lukács, através de sua análise ontológicomaterialista, faz-se relevante para a apreensão de como os homens e mulheres são seres
humanos complexos que se constroem no decorrer do processo histórico, inseridos em
sociedades nas quais vivem e agem. Que os mesmos constroem suas identidades não a partir
de determinações e valores fixos, mas de formas de ser, de pensar, E de agir construídas a
partir das conseqüências de suas próprias ações, as quais se mostram e se reproduzem no
decurso de suas vidas de modo, por vezes, diverso de suas próprias vontades. Entretanto,
como já foi explicitado, não se trata de um processo acabado, absolutamente estabelecido;
uma vez que o desenvolvimento humano é um movimento dialético, processual e histórico. A
partir das escolhas alternativas dos sujeitos, individual e coletivamente, (nas quais a
consciência também tem seu lugar e importância), podem-se construir formas distintas de
sociabilidade que possibilitem o desenvolvimento das capacidades humanas como fim de si
mesmas.
4. REFERÊNCIA
LESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Lukács. 3.ed, Ijuí, Unijuí, 2007.
LUKÁCKS, Georg. A Reprodução. In: Para a Ontologia do Ser Social. Trad. para o
português de Sérgio Afranio Lessa Filho. S. l., s.d.cap. II, v. II, p. I-LI. Versão italiana de
Alberto Scarponi a partir da cópia datilográfica da redação em alemão, preparada por Ferenc
Bródy e Gábor Révai.
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