ECONOMIA MUNDIAL: expectativas de uma recuperação lenta1 Antônio Negromonte2 Desempenho da economia mundial nos últimos meses Indicadores de desempenho econômico dos Estados Unidos, União Européia e Japão, as maiores economias do mundo, apontam que a economia global deve demorar ainda algum tempo para voltar a crescer a taxas significativas. Em 2001, a economia mundial sofreu uma desaceleração, registrando a pior taxa de crescimento dos últimos dez anos. Esse resultado foi reflexo do fraco desempenho das principais economias do planeta no ano passado. A economia dos Estados Unidos, após quase uma década de crescimento a taxas bastante elevadas, ficou praticamente estagnada em 2001, apresentando uma variação de apenas 0,3% no PIB. A União Européia também teve uma desaceleração em 2001, mas não tão forte quanto a dos Estados Unidos, pois ela já vinha apresentando taxas de crescimento muito baixas nos últimos anos. A economia japonesa, que enfrenta dificuldades há uma década, também teve um desempenho muito fraco em 2001. Diante do fraco desempenho das principais economias do mundo, as economias emergentes também enfrentaram grandes dificuldades em 2001. Isso porque grande parte delas depende de exportações para os principais mercados mundial. Essa tendência, das economias emergentes caminharem junto com as principais economias, consolidou-se após a abertura econômica da década de noventa. Antes disso, segundo trabalho divulgado pelo BIS, havia uma tendência de compensação, ou seja, as economias emergentes cresciam em momentos de dificuldade para as principais economias. Refletindo a desaceleração ocorrida na maior parte dos países em 2001, o comércio mundial sofreu uma retração de 4%, a maior queda dos últimos vinte anos. Entretanto, no início de 2002, havia uma expectativa muito grande de recuperação da economia mundial ainda nesse ano. A expectativa era que essa recuperação fosse puxada, principalmente, por uma recuperação da economia 1 Texto apresentado na reunião do NEC (Núcleo de Estudos Conjunturais) em 11/09/02. Estudante de Economia da FCE/UFBA e bolsista do NEC. O texto foi produzido sob a orientação de Paulo Balanco, professor da FCE/UFBA e membro do NEC. 2 norte-americana. O governo federal dos EUA, comandado pelo presidente Bush, e o Banco Central daquele país, comandado por Alan Greenspan, utilizaram políticas fiscais e monetária, respectivamente, com o objetivo de aquecer a economia. Essa ação conjunta foi realizada durante todo o ano de 2001, mas foi intensificada após os atentados terroristas ocorridos há exatamente um ano. O Fed cortou drasticamente as taxas de juros com a intenção de anular os efeitos negativos que o medo e a desconfiança poderiam trazer sobre o consumo e os investimentos. O governo federal, que já estava reduzindo os impostos antes mesmo dos atentados, aumentou substancialmente os gastos públicos após 11 de setembro do ano passado, principalmente os gastos militares, na operação conhecida como “guerra ao terror”. Gráfico 1 EUA: variação percentual do PIB e dos gastos do governo federal com defesa por trimestre (taxas anualizadas) PIB 2/ 2 20 0 2/ 1 20 0 1/ 4 20 0 1/ 3 20 0 1/ 2 20 0 1/ 1 Gastos com Defesa Nacional 20 0 20 15 10 5 0 -5 As ações descritas tiveram um efeito positivo sobre a economia no curto prazo. No quarto trimestre de 2001, após três semestres seguidos de contração, o PIB americano cresceu 2,7%. A expansão foi ainda mais forte no primeiro trimestre de 2002, quando o crescimento do PIB foi de 5%. Após a divulgação desses resultados, muitos analistas acreditavam que a economia dos Estados Unidos tivesse entrando em um novo ciclo de grande expansão. Porém, esse sentimento não durou muito. A revelação de que fraudes contábeis estavam sendo uma prática constante no balanço de grandes empresas americanas acabou com grande parte do otimismo e fez brotar um sentimento bastante pessimista em muitos analistas. Espalhou-se a sensação de que a economia norte-americana estaria enfrentando um problema sistêmico após o estouro da sua bolha financeira em março de 2000. Logo surgiram as comparações com a economia japonesa e o temor de que os EUA pudessem enfrentar a chamada “double-dip recession”, que é a recessão seguida por um curto período de crescimento e por uma nova recessão. Situação atual da economia dos Estados Unidos No momento, o pessimismo perdeu um pouco de espaço entre os principais analistas, mas o clima está longe de ser otimista. A sensação dominante é de que a economia esteja passando por um momento de relativa estagnação. Acredita-se que a recuperação da economia vai ocorrer de forma lenta. O resultado do PIB do segundo trimestre já mostra uma desaceleração, pois na ocasião a economia dos Estados Unidos cresceu a uma taxa anualizada de apenas 1,1%. Alguns índices que medem o desempenho da economia americana, referentes a julho e agosto, apontam para essa relativa estagnação. O índice que mede a atividade industrial dos EUA, ficou em 50,5 pontos tanto em julho quanto em agosto, mostrando que a atividade industrial praticamente não cresceu pelo segundo mês consecutivo. O valor 50 é o limite entre a contração e a expansão. Para se ter uma idéia de como 50,5 pontos é muito próximo de uma estagnação, basta observar que nos cinco meses anteriores o índice oscilou entre 53,9 e 56,2 pontos. Um outro indicador importante é o índice que mede a atividade do setor terciário. Em maio, esse índice foi de 60,1 pontos. Apresentou uma queda para 57,2 pontos em junho, para 53,1 pontos em julho e para 50,9 pontos em agosto, mostrando que o setor terciário também ficou praticamente estagnado em agosto. A renda pessoal também ficou estagnada em julho em relação a junho, o que não ocorria desde o ano passado. Somente outras oito vezes a renda não apresentou crescimento mensal nos últimos dez anos. A confiança do consumidor americano, medido pela Universidade do Michigan, diminui em agosto. Na última semana de julho, o índice que mede a confiança estava em 88,1 pontos. Na primeira quinzena de agosto esse índice caiu para 87,9 pontos e na segunda quinzena caiu para 87,6 pontos. Essa queda registrada no mês de agosto foi muito pequena, demonstrando uma relativa estabilidade, pois desde maio a perda acumulada do índice que mede a confiança é de 9 pontos. Os “leading indicators”, conjunto dos principais indicadores que medem a desempenho da economia norte-americana, apresentaram uma queda de 0,4% em julho, a maior queda desde setembro do ano passado. Um setor que tem enfrentado problemas é o mercado de trabalho, que tem convivido com altas taxas de desemprego. De janeiro a julho, 122 mil postos de trabalho desapareceram nos EUA. Em agosto houve uma queda de 0,2 ponto percentual na taxa de desemprego, que ficou em 5,7%, mas essa queda foi atribuída a contratações do governo na área de segurança para precauções no 11 de setembro, o que não ajudou muito a melhorar as expectativas em relação à criação de novos postos de trabalho no curto prazo. Quanto à inflação, não há grandes preocupações, o que permite que o Fed continue com sua política de juros baixos. Uma das preocupações no momento é com o mercado imobiliário, que pode ser o protagonista da mais nova bolha na economia dos EUA. Nos últimos meses, tem-se observado uma grande valorização no valor dos imóveis, enquanto o valor dos aluguéis não tem aumentado da mesma forma. A preocupação é que muita gente esteja comprando imóvel por motivo de especulação. O problema é que o estouro da bolha imobiliária pode criar uma onda de calotes, pois uma boa parte da garantia dos financiamentos é escorada no valor dos imóveis. Esse é o panorama da economia dos EUA no momento, evidenciando que há muitos sinais indicando que a retomada do crescimento deve ocorrer de forma lenta. Só essa notícia já seria suficiente para acreditar que a economia mundial também deve ter uma recuperação lenta, pois os EUA continuam sendo o grande motor da economia do mundo. Porém há mais evidências que apontam para uma relativa estagnação da economia mundial. O Japão e a União Européia, que juntos com os EUA são responsáveis por metade de toda a produção do planeta, não apresentam um desempenho econômico satisfatório. Japão: desempenho recente e situação atual A crise da economia japonesa, que começou com o estouro da sua bolha financeira em dezembro de 1989, já é pior do que a crise da economia dos Estados Unidos durante a Grande Depressão, segundo a revista The Economist. O Japão está enfrentado sua terceira recessão no período de uma década. Há poucos meses, surgiu um certo otimismo em relação a uma possível recuperação da economia, quando o país divulgou que o PIB do primeiro trimestre de 2002 havia crescido 5,7% a uma taxa anualizada. Mas o otimismo durou pouco, pois os dados foram revisados, utilizando-se uma nova metodologia de cálculo, e o resultado obtido foi o seguinte: o PIB do primeiro trimestre caiu 0,1% a uma taxa anualizada, caracterizando a pior recessão do Japão desde a Segunda Guerra Mundial. Utilizando-se essa mesma metodologia, já foi divulgado o resultado preliminar do PIB japonês no segundo trimestre: houve um crescimento de 1,9% a uma taxa anualizada. A economia japonesa enfrenta problemas de alto desemprego e de deflação. Em julho, 3,52 milhões de pessoas estavam desempregadas, um aumento de 6,7% em relação a julho do ano passado. A taxa de desemprego em julho foi de 5,4%. O índice de preços em julho foi de 98,2 (2000=100), uma queda de 0,4% em relação ao mês anterior e uma queda de 0,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. No dia dezenove de setembro, o primeiro-ministro Junichiro Koizumi deve anunciar um plano emergencial para revitalizar a economia japonesa. O pacote deve incluir reduções de impostos de mais de 2,5 trilhões de ienes, injeção de recursos públicos em bancos e nacionalização temporária de bancos que enfrentam dificuldades. Uma reforma no setor bancário tem sido considerada há algum tempo como uma medida essencial para que haja alguma revitalização econômica no Japão. Europa: desempenho recente e situação atual Na Europa, a recuperação econômica tem sido muito lenta, inferior às expectativas do início do ano. No primeiro trimestre, o PIB da União Européia cresceu 0,3% em relação ao trimestre anterior e no segundo trimestre o crescimento foi de 0,4% em relação ao trimestre anterior. No segundo trimestre, o consumo teve uma recuperação, apresentando um crescimento de 0,5%, após uma estagnação no primeiro trimestre. Já os investimentos registraram queda pelo sexto semestre consecutivo (a queda no primeiro trimestre foi de 0,9% e no segundo trimestre foi de 0,5%). Com níveis de crescimento tão baixos, a geração de empregos fica bastante comprometida. Em julho, a taxa de desemprego da União Européia permaneceu em 7,7%, a mesma do mês anterior. O desemprego tem sido o grande problema dos países europeus nos últimos anos. Comércio Mundial Diante do fraco desempenho das principais economias do mundo, torna-se baixa a demanda por produtos importados nessas economias, prejudicando muitos mercados emergentes que têm suas economias sustentadas por exportações para os grandes países. O baixo volume de transações entre países está refletido no fraco desempenho do comércio global no primeiro semestre de 2002. De janeiro a junho desse ano as importações dos Estados Unidos recuaram 5,4% em relação ao mesmo período do ano passado. As importações da União Européia caíram à mesma taxa no mesmo período. As importações do Japão tiveram uma queda de 9,2% de janeiro a julho desse ano em relação a igual período do ano anterior. Os Estados Unidos, a União Européia e o Japão são responsáveis por metade das importações do mundo. Muitos outros países também apresentaram queda em suas importações, entre eles estão Hong Kong, México, Cingapura, Colômbia, Tailândia, Canadá, Rússia, Chile, Brasil e Argentina. Caso não haja uma forte recuperação do comércio internacional no segundo semestre desse ano, pela primeira vez na história3 o comércio mundial pode registrar retração por dois anos consecutivos. Conseqüências de um ataque americano contra o Iraque Um outro aspecto que pode dificultar a retomada do crescimento global no curto prazo é eminência de um ataque dos Estados Unidos contra o Iraque. Uma guerra no Oriente Médio pode reduzir a oferta mundial de petróleo, elevando o preço do barril. As quatro últimas recessões nos Estados Unidos foram precedidas pela cotação do barril do petróleo superior a 30 dólares. Em janeiro desse ano a cotação estava em US$18,03, mas no encerramento da semana passada era negociado a US$29,6 em Nova York. Gráfico 2 Por outro lado, a possibilidade de uma guerra anima os analistas em relação à recuperação da economia norte-americana, pois esta tem crescido durante as guerras, principalmente quando os Estados Unidos apresentam uma boa performance, o que há uma grande chance de ocorrer. Além disso, as guerras trazem desenvolvimento tecnológico. Portanto, o interesse econômico é uma das grandes motivações para um ataque ao Iraque, ainda mais sabendo-se que o presidente Bush tem uma forte ligação com as empresas petrolíferas do Texas, as quais dão total apoio ao ataque. A busca de prestígio político e do 3 Desde 1950, quando a OMC começou a medir o volume do comércio mundial. aumento da popularidade do presidente também é um grande incentivo aos ataques. Uma coisa é certa: um possível ataque ao Iraque não será motivado por causas humanitárias!