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O aproveitamento do Ciclo Ubu, de Alfred Jarry, no espetáculo Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, do Teatro do
Ornitorrinco
O aproveitamento do Ciclo Ubu, de Alfred Jarry, no espetáculo Ubu, folias
physicas, pataphysicas e musicaes, do Teatro do Ornitorrinco
Maria Emília Tortorella Nogueira PINTO1
1. UBU, FOLIAS PHYSICAS, PATAPHYSICAS E MUSICAES, DE CACÁ ROSSET
Em maio de 1985 o Teatro do Ornitorrinco estreou o espetáculo Ubu, folias physicas,
pataphysicas e musicaes, baseado em adaptações de cinco peças do dramaturgo francês Alfred
Jarry: Ubu rei, Ubu acorrentado, Ubu cornudo, Ubu sobre a colina e Archéoptérix, além das edições
As crônicas do pai Ubu e Os almanaques do pai Ubu. A direção foi assinada por Cacá Rosset,
único remanescente do núcleo fundador do grupo, de 1977. Através da abordagem dos
vanguardistas russos, como Meyerhold, Eisenstein e Maiakóvski, com os quais Cacá havia
entrado em contato alguns anos antes e que muito o inspiraram, surgiu a concepção inicial
do espetáculo de unir as linguagens do teatro, do circo e da música. Essa foi a primeira peça
do Ornitorrinco a utilizar técnicas circenses. O espetáculo obteve grandiosa repercussão,
permanecendo três anos em cartaz.
2. UBU REI, DE ALFRED JARRY
No dia 10 de dezembro de 1896, deu-se a primeira apresentação de Ubu roi, de
Alfred Jarry, no Théâtre de l‟Ouvre, Paris. Cacá Rosset (1986) descreve esse acontecimento
como a data do grande “chute na bunda” do teatro tradicional. Essa é a maneira que Cacá
encontrou para descrever que Ubu rei marcou o início do teatro de vanguarda, sendo uma
obra precursora de algumas tendências teatrais do século XX, como o Dadaísmo, o
Surrealismo, o Teatro do Absurdo, e mais recentemente, a performance.
Graduanda em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (8° semestre). Desenvolve pesquisa
de Iniciação Científica com bolsa FAPESP, sob orientação da Profa. Dra. Larissa de Oliveira Neves Catalão.
E-mail: [email protected].
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As origens da peça de Jarry remontam ao Lycée de Rennes, entre os anos de 1885 a
1887, onde havia um professor de física, temido e abominado pelos alunos, que foi
transformado em encarnação de todo grotesco que existia no mundo através de esquetes
teatrais, reunidas sob o título de Les polonais (Os poloneses), criadas pelos irmãos Charles e
Henri Morin, alunos da escola. Os apelidos do professor variavam entre PH, Pai Hebe, Eb,
Ebé, Ebóu, Ebance e Ebouille.
Em 1888, Alfred Jarry ingressou no Lycée de Rennes e tornou-se amigo Henri Morin
(o mais velho, Charles, já havia concluído os estudos no Lycée), o qual lhe apresentou os
manuscritos de Os poloneses. Jarry reorganizou e reescreveu a peça, apresentando uma série
de espetáculos caseiros no Théâtre des Phynances, o pequeno teatro de marionetes criado
pelos recém-parceiros, Jarry e Henri, sediado na casa do último.
Como escritor profissional, Alfred Jarry continuou trabalhando sobre esse material.
Dos diferentes apelidos do professor de física derivou o nome definitivo da personagem:
Pai Ubu. É fato que o roteiro inicial dos irmãos Morin foi, pouco a pouco, a partir das
adaptações, ganhando a marca e o estilo de Jarry. Mesmo assim, o importante teórico dos
movimentos dadaísta e surrealista, Henri Béhar, refere-se a Ubu Rei como uma “criação
coletiva de várias gerações de estudantes de Rennes, que chega a nós com toda a crueldade,
a ingenuidade, a esplendida insolência e o poder de subversão da infância” (BÉHAR, 1971,
p.34). O próprio Jarry nunca negou a origem liceal do texto, uma vez que o enunciou,
quando se deu a publicação da peça, como drama em cinco atos em prosa reproduzido na
íntegra tal como foi encenado pelas marionetes do Teatro das Finanças em 1888.
Segundo Jean-Jacques Roubine (1992), o teatro moderno nasceu dentro de um
contexto de conflito sincrônico de doutrinas, a naturalista e a simbolista. O naturalismo,
que teve início antes do simbolismo, almejava o mimetismo perfeito em cena e buscava
camuflar todos os instrumentos da produção da teatralidade, a fim de tornar o “efeito do
real” mais eficaz. O simbolismo surge como uma corrente de recusa ao naturalismo,
propondo a redescoberta da teatralidade. Mas é preciso frisar que “o naturalismo estava longe
de ser uma tradição gasta e empoeirada quando a aspiração simbolista começou a se
firmar” (ROUBINE, 1992, p.27). É por isso que o autor descreve o contexto como
conflito sincrônico de doutrinas.
A junção das ideias de Alfred Jarry às de Lugné-Poe, renomado encenador
simbolista, que dirigiu a primeira montagem de Ubu rei, resultou numa encenação que
reinventou o alarde da teatralidade, mais do que a redescoberta da mesma. Mesmo a corrente
simbolista negando a precisão mimética dos naturalistas, seus cenários e figurinos
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permaneceram figurativos. Jarry transcende a tradição figurativa e aprofunda-se na teoria
sugestionista.
Para ele, a palavra escrita ou dita, embora não figurativa, tem o mesmo poder de
evocação de uma tela pintada. Dizer ou mostrar uma tabuleta com a informação Um campo
coberto de neve, uma das ambientações da peça, oferece ao espectador o mesmo impulso
imaginário de uma tela pintada com um campo coberto de neve, indo mais além, inclusive,
pois lhe mostra o próprio instrumento de seu devaneio, lembrando-lhe que, mesmo se
transportando imaginariamente para um campo de neve, ele está assistindo a uma peça de
teatro e participando dela.
Numa carta remetida à Lugné-Poe, no dia 8 de janeiro de 1896, Jarry enumera
algumas ideias e vontades para a montagem de sua peça. Dos seis itens, o terceiro aborda a
questão de cenários e ambientações, sugerindo a Poe que o cenário fosse único, ou melhor,
uniforme, e que o fechar e abrir das cortinas fosse abolido.
Uma personagem corretamente vestida viria, como nos teatros de
guinhol2, pendurar um cartaz significando o lugar da cena. (Note que
estou convencido da superioridade “sugestiva” do cartaz escrito, sobre o
cenário...).
No sexto item, Jarry coloca sua preferência pelos figurinos poucos regionalistas ou
cronológicos, para melhor transmitirem a “ideia de uma coisa eterna”.
Na carta encontram-se ainda algumas ideias do dramaturgo quanto à composição
das personagens. Já no primeiro item, Jarry afirma ser interessante que a personagem
principal, ou seja, Pai Ubu, use uma máscara. Mais adiante, no item quinto, ele torna a frisar
sua vontade de que a personagem principal tenha um acento vocal próprio: “5° Adoção de
um „sotaque‟ ou melhor de uma „voz‟ especial para a personagem principal”.
Os dois itens restantes, o segundo e o quarto, revelam a preferência do escritor por
uma encenação e interpretação estilizadas para sua peça, explicada no fato dele a ter escrito,
a principio, para teatro de marionetes. No segundo item, Jarry pede para que, nas cenas em
que Ubu monta um cavalo, utilize-se apenas uma cabeça de cavalo de papelão presa ao
pescoço do ator, como no teatro inglês antigo: “... tudo isso pormenores que estavam no
espírito da peça, já que eu quis escrever uma peça para guinhol”. No quarto item, Jarry
sugere a Lugné-Poe que as multidões em cena sejam suprimidas, pois na maioria das vezes
elas só prejudicam e “perturbam a inteligência”. Assim, uma multidão de soldados seria
representada por apenas um soldado em cena.
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Guinhol é a designação de boneco sem fios, animado pelos dedos do operador.
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Dessa maneira, o cenário da peça estreada no Théâtre de l‟Ouvre em 1896,
considerado precursor do surrealismo, e a encenação inovadora transformaram o
espetáculo em negação do próprio teatro, ou pelo menos, de um tipo de teatro. “E quando
não existe mais nada no palco que tenha vestígio da figuração, da verossimilhança, da
coerência... ainda assim existe algo para ser visto: a teatralidade” (ROUBINE, 1982, p.36).
Jarry inaugurou uma tradição fundamental na história da encenação moderna,
permitindo ao teatro ousar, mostrar-se nu. O espaço cênico tornou-se mais do que tudo
uma área de atuação, onde o ator é puro instrumento da representação.
Em Ubu rei, uma vasta memória cultural é mobilizada e submetida às críticas mais
corrosivas. Dentro da trama há referências a Macbeth e a Hamlet, de Shakespeare. Também o
título da peça evoca outro, Édipo rei, de Sófocles. Segundo Sílvia Fernandes, a peça de Jarry,
se reduzida a sua estrutura básica, reproduz o esquema mais frequente das tragédias: “o
assalto ao poder legítimo por um pretendente à coroa, a exposição de suas maquinações e
seu triunfo por meio da astúcia e da força”. (2007, p. 15).
Técnicas básicas de exposição e desenvolvimento da trama são usadas, pois a ação
inicia-se pouco antes do momento decisivo, e as peripécias garantem a progressão
constante da história. Recursos dramatúrgicos tradicionais também têm sua vez: sonhos,
aparições, mensageiros, deliberações, complôs, combates. Há um jogo anárquico de Jarry,
parodiando todo um compêndio dramático. Além disso, as cenas da peça são submetidas à
técnica inovadora, típica das vanguardas, de justaposição e colagem, não tendo um
encadeamento plausível, o que ressalta ainda mais o comportamento absurdo das
personagens.
O anarquismo presente na obra talvez explique Cacá Rosset ter vislumbrado em
Ubu rei a possibilidade e a liberdade de montar um espetáculo tão arrojado e inovador,
mesclando as linguagens do teatro, do circo e da música. O próprio texto de Jarry já
preconizava a conexão a gêneros teatrais populares e reafirmava a teatralidade do palco.
A abordagem intelectual do Teatro do Ornitorrinco para se chegar num resultado
cênico dinâmico, satírico e divertido parece ter encontrado respaldo na obra de Jarry, que já
trazia esse cunho, contribuindo para eficiência do espetáculo Ubu, folias physicas, pataphysicas e
musicaes, que ficou três anos em cartaz, sempre com sucesso de público.
3. A HISTÓRIA CONTADA EM UBU REI3
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Tradução utilizada: Sergio Flaksman (2007).
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O aproveitamento do Ciclo Ubu, de Alfred Jarry, no espetáculo Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, do Teatro do
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Ubu rei, de Alfred Jarry, é uma peça em cinco atos, com trinta e três cenas,
contando a trajetória de Pai Ubu ao poder. De todas do ciclo Ubu é a que mais ganhou
renome e destaque, sendo a mais conhecida mundialmente. Por exemplo, não se encontra
tradução nacional4 para Ubu acorrentado, Ubu cornudo, Ubu sobre a colina e Archéoptérix.
O primeiro ato da peça, que contém sete cenas, inicia-se com Mãe Ubu tentando
convencer seu marido, Pai Ubu, a matar o Rei da Polônia e usurpar seu trono. O casal
decide convidar Capitão Bordure e seus homens para participarem do assalto. Para tanto,
preparam-lhes um jantar, tendo assim um mote para o convite. O Rei Venceslas, sem
desconfiar de nada, convoca Pai Ubu ao palácio para nomeá-lo conde de Sandomir.
No segundo ato, também com sete cenas, acontecerá o desfile das tropas reais,
onde Pai Ubu e seus aliados irão matar o rei. A Rainha Rosamunda e o príncipe Bougrelas
tentam persuadir, em vão, o Rei Venceslas a não ir ao desfile ou a ir escoltado, porque
ambos desconfiam de alguma trama do Pai Ubu. Durante o desfile, Ubu, que conversava
com o rei, dá-lhe uma pisada no pé, sendo esse o sinal para seus aliados atacarem-no e
matá-lo. Os assassinos invadem o palácio e matam também Boleslas e Ladislas, outros
filhos do rei. O Príncipe Bougrelas e a rainha conseguem fugir e refugiam-se numa caverna.
A rainha morre diante de tanto desgosto. Os espíritos de todos os ancestrais de Bougrelas
surgem na caverna. O primeiro rei, fundador da dinastia, Mathias de Konigsberg entrega
uma espada ao príncipe e o encarrega da vingança. Enquanto isso, Mãe Ubu e Capitão
Bordure tentam convencer Pai Ubu de que é preciso distribuir carne e ouro para o povo,
para que não haja nenhuma insurreição. Convencido, Pai Ubu promove uma grande festa
em seu palácio para distribuir o ouro e a carne.
O terceiro ato retrata, em oito cenas, todas as atrocidades que Pai Ubu, agora rei,
comete. Primeiro, ele se nega a condecorar Capitão Bordure duque da Lituânia, conforme o
combinado antes do assassinato do rei. Depois, começa a matar todos os nobres do reino
para confiscar-lhes os seus bens. Não obstante, sai pelo seu reino para recolher impostos e
confiscar as finanças dos camponeses. Capitão Bordure, que havia sido acorrentado por
Ubu por tê-lo cobrado a promessa, consegue fugir e ir até o Palácio de Moscou pedir apoio
ao czar para reconduzir o Príncipe Bougrelas ao poder. Rei Ubu recebe uma carta do
próprio Bordure, revelando-lhe suas intenções. A Polônia decide ir para guerra. Antes de
partir, Pai Ubu confia a regência do país à Mãe Ubu.
No quarto ato, constituído de sete cenas, Mãe Ubu tenta roubar os tesouros do
reino. Enquanto isso, o Príncipe Bougrelas invade a Polônia, fazendo com que Mãe Ubu
4
A única edição em língua portuguesa que encontrei provém de Portugal.
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fuja. No campo de batalha, os poloneses são derrotados pelo exército russo. Pai Ubu
consegue fugir, junto com dois de seus seguidores, Pile e Cotice. Eles se escondem em uma
caverna, onde surge um urso que quase devora os dois últimos. Pai Ubu não faz nada para
ajudá-los. Quando ele adormece, seus seguidores decidem abandoná-lo.
O último ato, o quinto, é o menor de todos, com apenas quatro cenas. Nele, Mãe
Ubu esconde-se na mesma caverna em que está seu marido. Ela aproveita a escuridão para
passar-se por uma voz misteriosa que tenta convencer Pai Ubu a perdoar Mãe Ubu.
Quando ele percebe que está sendo trapaceado pela esposa, decide atacá-la, mas o Príncipe
Bougrelas invade a caverna com seus soldados. Pile e Cotice reaparecem e intervêm em
favor do casal Ubu, que consegue fugir. A peça termina com Pai Ubu, Mãe Ubu, Pile e
Cotice fugindo para a França num navio.
4. A HISTÓRIA CONTADA EM UBU SOBRE A COLINA5
Ubu sobre a colina (ou Ubu no outeiro, segundo a tradução portuguesa) é o título que
Jarry deu à adaptação que ele mesmo fez de Ubu rei para teatro de marionetes. A peça
constitui-se de um prólogo e dois atos.
O prólogo é uma conversa entre Guinhol e o Diretor sobre a sabedoria dos
Homens da Cabeça de Pau. Aqui, o substantivo guinhol encontra-se como nome próprio da
personagem: Guinhol é personagem tradicional do Teatro de Marionetes de Lyon, na
França.
Quando se inicia o primeiro ato, Dom Ubu e o Rei Venceslau estão assistindo ao
desfile das tropas reais. De repente, Dom Ubu dá uma cabeçada na barriga do Rei, ataca-o
até matá-lo e foge. A Rainha Rosimunda e o Príncipe Parvolau encontram Venceslau
morto. A Rainha morre também. Os ancestrais do Príncipe Parvolau surgem, entregam-lhe
uma espada e pedem-lhe vingança.
No segundo ato, Dom Ubu, General Lascy e soldados preparam-se para partir para
a guerra. A regência do país fica ao encargo de Dona Ubu e Dom Ubu deixa seu seguidor,
Paladino Girão, para ajudá-la no que fosse preciso. Assim que todos partem, Dona Ubu
seduz o Paladino Girão, tanto para o adultério como para ser seu cúmplice no roubo de
todo tesouro da Polônia. Ouvindo barulho e pensando que Dom Ubu regressava, ambos
fogem.
5Tradução
utilizada: Luísa Costa Gomes (2005). Os nomes das personagens citadas diferenciarão dos nomes
citados acima, em “A história contada em Ubu rei”, pois estarão de acordo com a tradução portuguesa.
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O aproveitamento do Ciclo Ubu, de Alfred Jarry, no espetáculo Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, do Teatro do
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No campo de batalha, Pai Ubu, General Lascy e soldados aguardam o encontro
com o exército russo. Um mensageiro chega e informa a Dom Ubu que Dona Ubu fugiu
com todo tesouro da Polônia, Girão sumiu e o povo rebelou-se. Dom Ubu não acredita no
mensageiro e continua esperando pelo exército russo, que começa a atacar com balas de
canhão. Dom Ubu dá o comando de recuo: “Salve-se quem puder”.
Derrotado, Dom Ubu esconde-se num Moinho de Vento, onde já estava escondido
o General Lascy. Um urso surge e devora Lascy. Dom Ubu não faz nada para ajudar,
apenas reza o Pater Noster. Dona Ubu, também fugitiva, esconde-se no Moinho. Ao se
reencontrar, o casal Ubu decide partir para França. Um navio se aproxima, eles pensam
estarem salvos, quando Parvolau invade o Moinho acompanhado de dois policiais. Dom
Ubu será preso e enviado a Paris, para prisão ou matadouro, onde lhe farão saltar os
miolos. O Paladino Girão surge em cena para partir para França com Dona Ubu. Eles
embarcam num navio, que desaparece do palco.
5. A HISTÓRIA CONTADA EM UBU, FOLIAS PHYSICAS, PATAPHYSICAS E MUSICAES
O espetáculo do Teatro do Ornitorrinco estruturou-se a partir do roteiro criado por
Cacá Rosset, resultando na seguinte história:
Local da Ação: A Polônia, ou seja, lugar nenhum.
Tempo: A Ethernidade
Prólogo: Alfred Jarry e as Máquinas Celibatárias
Cenas:
1- Mãe Ubu tenta convencer seu marido a matar o Rei Venceslau e usurpar o
trono da Polônia.
2- Pai Ubu consulta sua consciência, guardada numa mala coberta de teias de
aranha devido ao pouco uso.
3- Os Ubus convidam o capitão Bordadura e seus homens para jantar, com o
objetivo de arquitetar o plano da conspiração contra o Rei.
4- Durante o desfile das tropas, Ubu e os seus homens assassinam o Rei.
5- A Rainha morre ao ver seu marido assassinando e os espíritos dos ancestrais
aparecem para clamar vingança ao pequeno príncipe Bugrelau.
6- Mãe Ubu e Bordadura convencem Pai Ubu a distribuir ouro ao povo, agora que
ele é rei.
7- Grande festa de coroação do Rei Ubu. Pão e circo.
8- Para ficar mais rico, Ubu executa os nobres, os juízes, os financistas e todos os
personagens importantes. Ele proclama novas leis e impostos exorbitantes.
9- Bordadura canta o “Rock da Descerebragem”.
10- Ubu não cumpre a promessa de fazer, de Bordadura, Duque da Lituânia e ainda
por cima o prende.
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11- Bordadura consegue fugir e vai para a Rússia pedir ajuda ao Czar na luta para
reconduzir Bugrelau ao trono.
12- Um mensageiro traz uma carta para Ubu, comunicando as intenções de
Bordadura.
13- Ubu vai para guerra e confia o governo a Mãe Ubu.
14- Mãe Ubu, auxiliada pelo Palhadino Girão, corre para se apossar de todos os
tesouros da Polônia.
15- Ubu é derrotado pelos russos e foge.
16- Ubu se esconde numa caverna, onde encontra Lascy, o seu antigo general. Um
urso entra na caverna e devora Lascy, enquanto Ubu se salva.
17- Fugindo da Polônia, de onde fora expulsa por Bugrelau, Mãe Ubu reecontra Pai
Ubu e decide partir para França.
18- Bugrelau tenta prender os Ubus que, no entanto, conseguem fugir para a França
num balão.
Apesar da informação existente nas publicações6 sobre Ubu..., e do próprio Cacá
Rosset afirmar que o roteiro por ele criado seguiu a estrutura de Ubu sobre a colina, percebese, por comparação entre os resumos dos enredos descritos acima, nos itens 3 e 4, que a
sequência das cenas do roteiro seguem a mesma a linha narrativa de Ubu rei; a não ser o
Prólogo, cena totalmente autoral do Ornitorrinco, e as cenas 2, 9, 14 e 16.
O prólogo foi criado a partir da ideia de Cacá de criar uma personagem inspirada na
personalidade exuberante de Jarry, para trazer à cena todo seu universo: a pataphysica,
ciência inventada pelo dramaturgo, a ciência das soluções imaginárias, que estuda as leis que
regem as exceções do universo; as bicicletas, que Jarry chamava de máquinas celibatárias; e
até a trajetória pessoal do escritor, que morreu de tifo muito jovem, deixando uma obra que
exerceu influência em artistas de diversas áreas.
A cena 2, em que Pai Ubu consulta sua consciência, é extraída da peça Ubu cornudo,
com poucas alterações. Originalmente, a consciência de Pai Ubu teria “a aparência de um
homenzinho gordo, em camisa”. No espetáculo do Ornitorrinco, essa imagem foi substituída por
uma mulher nua (Christiane Tricerri). No contexto da peça de Alfred Jarry, a consciência
tenta persuadir Pai Ubu a não causar mal ao senhor Achras, personagem a quem Ubu
invade a casa desejando matá-lo. Na peça de Rosset, a consciência intervém, sem sucesso,
para o bem do Rei Venceslau.
A cena 9 consiste numa cena musical, em que o Capitão Bordadure canta o “Rock
da Descerebragem”, enquanto os nobres e os ricos da Polônia estão sendo executados pelo
Pai Ubu. A letra do rock representa uma versão adaptada da letra de Jarry, Chanson du
décervelage, presente na peça Archeoptérix. Tal peça integra-se ao chamado “tema Ubu
6
Ver: COSTA, Eliene Benício Amâncio (1999); RAULINO, Berenice (2006); FERNANDES, Sílvia (2000).
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O aproveitamento do Ciclo Ubu, de Alfred Jarry, no espetáculo Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, do Teatro do
Ornitorrinco
cornudo”, que não compreende apenas a peça Ubu cornudo. Alfred Jarry trabalhou sobre o
tema durantes anos, desde a época do Rennes.
Inicialmente, ele escreveu Onésimo ou as atribulações de Priou, que mais tarde passou
para o título de Os cornos do P.H. ou Os poliedros. Posteriormente, o tema foi reorganizado
sob o título homônimo, Ubu cornudo. O último texto do tema foi Archeoptérix, escrito em
cooperação com Claude Terrasse, sob a ótica da ópera-bufa, que prevê, ao menos, um
número musical por ato. A chanson du décervelage integra o primeiro ato de Archeoptérix.
A cena 14 do espetáculo provém de Ubu sobre a colina, em que está presente a ideia
do adultério e da cumplicidade entre Mãe Ubu e o Paladino Girão, que inclusive partem
juntos para a França ao final da peça. Na peça Ubu rei, Mãe Ubu tenta roubar, sozinha, todo
o tesouro da Polônia, após Pai Ubu ter partido para a guerra. Girão a auxilia apenas quando
ela está cercada pelo Príncipe Bugrelau e seus homens e acaba sendo assassinado por eles.
A cena 16, em que Pai Ubu se esconde numa caverna com o General Lascy, sendo
esse devorado por um urso, resultou, presumivelmente, da mistura entre uma cena de Ubu
sobre a colina e uma de Ubu rei. Nesta última, após ser derrotado na batalha, Pai Ubu se
esconde numa caverna, acompanhado de seus seguidores Pile e Cotice. Um urso surge, mas
não devora nenhum dos três. Já em Ubu sobre a colina, Pai Ubu, após a derrota, decide se
esconder num Moinho de Vento. Lá dentro encontra o General Lascy, já escondido. Um
urso surge e devora o General, deixando Ubu intacto.
E, finalmente, as peças de Jarry encerram-se com o casal Ubu e seus seguidores
fugindo todos da Polônia para França, num navio (no caso de Ubu Rei) ou (em Ubu sobre a
colina) com apenas Mãe Ubu e Paladino Girão embarcando no navio. O espetáculo de Cacá
Rosset termina por meio de uma adaptação original, com Pai Ubu e Mãe Ubu fugindo num
balão. A fuga num balão parece mais condizente com o espetáculo mágico, feérico e
circense realizado pelo Ornitorrinco.
Como vemos, o Ornitorrinco transformou as peças que serviram de base para sua
criação artística a fim de usufruir ao máximo de suas estruturas fortemente teatralizadas,
aproveitando o espírito jocoso e parodístico dos enredos, características que, aliás, fazem
parte da cultura brasileira.
BIBLIOGRAFIA CITADA:
Cadernos Letra e Ato, ano 1, nº 1
Página 47
Maria Emília Tortorella Nogueira Pinto
BEHAR, Henri. Sobre El teatro dada y surrealista. Trad. José Escué. Barcelona, Berral,
1971. Apud. JARRY, Alfred. Ubu rei. Tradução de Sergio Flaksman. São Paulo, Peixoto
Neto, 2007.
FERNANDES, Sílvia. Prefácio. In: JARRY, Alfred. Ubu Rei. Tradução de Sergio Flaksman.
São Paulo, Peixoto Neto, 2007.
JARRY, Alfred. Carta ao encenador Lugné-Poe. In: JARRY, Alfred. Ubu. Trad., org. e
notas de Luísa Costa Gomes. Porto, Campo das Letras, 2005.
______. Ubu. Trad., org. e notas de Luísa Costa Gomes. Porto, Campo das Letras, 2005.
______. Ubu rei. Trad. de Sergio Flaksman. São Paulo, Peixoto Neto, 2007.
ROSSET, Cacá. Prefácio. In: JARRY, Alfred. Ubu rei. Trad. De José Rubens Siqueira. São
Paulo, Max Limonad, 1986.
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral – 1880-1980. Trad. de Yan
Michalski. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
TRICERRI, Christiane (org.); CORRÊA, Guy (Texto e entrevistas). Teatro do Ornitorrinco.
São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.
Abstract: This paper aims to observe the use of Alfred Jarry‟s Ubu Plays, especially Ubu
Roi and Ubu on the Hill, in the Teatro do Ornitorrinco‟s show Ubu, Folias Physicas,
Pataphysicas e Musicaes, debuted in 1985 and directed by Cacá Rosset.
Keywords: Ubu Roi, Ubu Plays, Alfred Jarry, Cacá Rosset, Ubu, Folias Physicas
Pataphysicas e Musicaes, Teatro do Ornitorrinco.
Cadernos Letra e Ato, ano 1, nº 1
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