Entrevista com Daniel Tygel, integrante do

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Daniel Tygel: ‘Eu vejo a Economia Solidária como uma escola na construção de uma outra
sociedade’
Cefuria *
Adital Entrevista com Daniel Tygel, integrante do Fórum Brasileiro de Economia Solidária
Nos últimos anos a Economia Solidária tem ganhado espaço nas políticas públicas
federais e em alguns estados brasileiros. Para o integrante da Secretaria Executiva do
Fórum Brasileiro de Economia Solidária - FBES, Daniel Tygel, a criação da Secretaria
de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego, do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA), a criação do Sistema Nacional de Comércio Justo e
Solidário e outros projetos foram interessantes para o fortalecimento de
empreendimentos solidários, porém "A Economia Solidária continua muito marginal,
fora das estratégias mais nucleares sobre o desenvolvimento do país".
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Daniel Tygel participou dia 12 (sábado), da 7.ª Feira de Economia Solidária, onde trata
do tema "Política Pública para Economia Solidária no Brasil". A Feira reúne
mensalmente mais de 30 iniciativas de economia popular solidária, vindas de Curitiba e
Região Metropolitana, com exposições de artesanatos, alimentos agroecológicos,
lanches, confecções, livros, pães e doces caseiros e materiais de limpeza. A atividade
acontece das 10h às 18h, na rua Nova Aurora, 1340, bairro Sítio Cercado, em
Curitiba/PR.
Como tem sido a atuação do governo federal nessa gestão e na anterior com
relação à Economia Solidária?
As políticas de economia solidária do Governo Federal dessa gestão continuam
parecidas como estava no governo passado. Existem alguns programas, a Secretaria de
Economia Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego, algumas políticas
interessantes como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa
Nacional de Resíduos Sólidos, a criação do Sistema Nacional de Comércio Justo e
Solidário e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Mas a Economia Solidária
continua muito marginal, fora das estratégias mais nucleares sobre o desenvolvimento
do país. A gente pode dizer que a Economia Solidária não é uma estratégia desse
governo, assim como não era no anterior. E não é vista como uma área estratégica para
se pensar o desenvolvimento com distribuição de renda ao mesmo tempo. É possível
apontar algumas prioridades centrais no governo atual, uma delas tem a ver com os
processos de obras de infraestrutura. Elas estão voltadas às grandes empresas,
fortalecendo empresas como a Camargo Correia, a Odebrecht e outras que têm sido
muito favorecidas por programas como o "Minha Casa, Minha Vida", que também tem
a ver com as obras de infraestrutura, com o PAC. Todos baseados em grandes
empreiteiras, que não favorecem setores econômicos da Economia Solidária que poderia
estar atuando. Outra zona de prioridade do governo, que é o Brasil Sem Miséria, coloca
nos seus eixos a questão do trabalho e da renda, que insere a Economia Solidária, mas,
infelizmente, lado a lado com a perspectiva de empreendedorismo, de micro e pequena
empresa. A gente não percebe a Economia Solidária aparecendo como algo central, nem
na busca de desenvolvimento, nem na área de assistência.
Comparando com governos anteriores ao PT, como é o histórico de políticas
públicas para a Economia Solidária no Brasil?
Foi com o governo Lula que começou a aparecer mais as políticas de Economia
Solidária no Brasil. Havia um ou outro programa no governo anterior, do Fernando
Henrique Cardoso, mas era sempre muito esporádico, não era organizado. Agora com
essa sequência de três governos a gente teve um impulso, comparando com a situação
anterior, principalmente com a realização das Conferências de Economia Solidária, da
criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária e do Conselho Nacional de
Economia Solidária. Então estes são avanços que a gente teve nas políticas públicas.
E diante desse contexto, quais são os principais desafios, as principais bandeiras do
Movimento de Economia Solidária?
Os desafios são muitos.Acho que o principal desafio e inicial é a gente conseguir o
reconhecimento da economia solidária como uma estratégia de desenvolvimento, que
acarreta e traz em si as dimensões de justiça ambiental, de justiça social,
empoderamento e fortalecimento das pessoas nas comunidades e a ampliação da
democracia do âmbito econômico. Este campo do reconhecimento da economia
solidária poderia se traduzir com uma frase mais ou menos assim: todo cidadão e toda
cidadã tem o direito de poder se organizar sem ser patrão e sem ser empregado. Esse
reconhecimento é necessário, porque com ele vem uma série de outras coisas. Se você
tem o direito de se organizar de maneira associada, sem ser patrão e sem ser empregado,
de maneira coletiva, para que esse direito possa realmente ser efetivo é preciso ter
garantias desse direito. Isso significa acesso ao mercado, o avanço do comércio justo e
solidário; acesso a crédito, todo o processo de finanças solidárias para que você consiga
desenvolver sua atividade, para infraestrutura do empreendimento, para giro e assim por
diante; acesso a conhecimento, tanto conhecimentos populares, como conhecimentos
acadêmicos, para poder fortalecer os processos de gestão, de construção de embalagens,
de relação com o mercado, formas de produção; e isenções ou benefícios tributários,
além de um marco jurídico adequado, adaptado às especificidades da Economia
Solidária.
Sobre a organização do Movimento de Economia Solidária e da relação entre os
empreendimentos solidários, gostaria que você falasse sobre a atuação do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária.
O Fórum Brasileiro de Economia Solidária articula os atores que fazem economia
solidária no Brasil, os empreendimentos de Economia Solidária, entidades de apoio, que
podem ser do campo da igreja, do campo da educação popular, das universidades, dos
sindicatos, e um terceiro segmento que são os gestores públicos organizados em rede.
Então o Fórum se organiza por Fóruns municipais, microrregionais e estaduais. Existe
hoje por volta de 200 Fóruns pelo Brasil, nos 27 estados, envolvendo em torno de cinco
mil empreendimentos nos Fóruns locais, e aproximadamente 500 entidades de
assessoria que estão apoiando a Economia Solidária nos estado e municípios. Além
disso, a Rede de Gestores tem por volta de 200 municípios no Brasil, que têm política
de Economia Solidária, e cerca de 12 governos estaduais com políticas estaduais, que
estão incorporadas à Rede. O Fórum se organiza dessa maneira e cumpre dois papéis,
primeiro é de representar o Movimento na incidência na construção de políticas
públicas, em conselhos, junto aos vários ministérios e junto a outros movimentos
sociais. A outra missão é de fortalecer o próprio Movimento de Economia Solidária na
sua base, nos estados e municípios, ou seja, tentar fortalecer quanto mais possível a
capilarização da organização política da Economia Solidária.
Como tem sido a relação do Movimento de Economia Solidária com os outros
movimentos sociais?
A Economia Solidária é um movimento bastante recente, se a gente compara com outros
movimentos sociais mais consolidados no país. Está existindo uma aproximação cada
vez maior em alguns campos mais específicos, que está gerando um processo muito
bonito. O Fórum foi um dos articuladores, junto a outras oito redes e movimentos
nacionais, no processo dos encontros "Diálogos e Convergências". Foi um momento
muito rico que articulou os movimentos relacionados à Economia Solidária, às mulheres
e feminismo, à agroecologia, à soberania e segurança alimentar e nutricional, à saúde
ambiental e a justiça ambiental. Esses campos todos geraram uma forma muito
interessante e diferente de gerar aproximação entre os movimentos. A ideia é tentar
aproximar esses movimentos a partir de três chaves. Uma é de que a política se construa
a partir das práticas, e não o contrário, pois no geral elas vêm a partir das teorias. A
proposta é de que das práticas é que possam surgir os processos de emanação e
articulação política. Uma segunda chave importante é o território, o espaço onde se dá a
disputa, onde se dão os conflitos, onde se dá a construção de alternativas, esse espaço é
o lugar onde a gente pode construir as convergências, e não no plano teórico. E a
terceira chave, que é bastante nova também, é de não separar o que é crítica, denúncia e
resistência, como os povos e comunidades tradicionais, que estão lutando para poderem
ser do jeito que são. Então é a articulação indissociada entre a denúncia, a resistência e
construção de alternativas. Com essas chaves, tanto na questão de partir das práticas,
como no território, como nessa articulação entre resistência, denúncias e alternativas, eu
acho que estamos em um caminho diferente de convergência entre os movimentos
sociais. Somando-se a isso o processo que a gente está tendo com o governo federal, de
alguma maneira cada vez tendo um processo mais forte de criminalização dos
movimentos. Está havendo alguns desdobramentos interessantes, já vindo desse
processo de articulação. Um deles é de que se articularam três campanhas, a Campanha
Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Campanha pela Lei da Economia
Solidária e a Campanha de Reforma Política. Foi escrito um documento explicando o
que as três têm em comum. Outro desdobramento interessante é o do Intermapas, que é
a criação de um mapa que mostra no mesmo território o que tem de iniciativa de
Economia Solidária, de Agroecologia, de injustiças ambientais e o que tem de projetos
financiados pelo BNDS, para perceber o modelo de desenvolvimento que está
acontecendo. Outro desdobramento que está em processo de acontecer é a criação do
que a gente está chamando de "Ambientes de Diálogos e Convergências". A proposta é
criar oficinas e espaços de debate entre esses atores dos vários movimentos nos
territórios.
Está havendo um diálogo em âmbito internacional sobre a Economia Solidária.
Você pode falar sobre essas articulações?
Estão se fortalecendo redes internacionais de Economia Solidária. Duas delas em que o
Fórum está mais envolvido e que temos um protagonismo forte é o Espaço Mercosul
Solidário e a Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social e Solidária, que
tem um braço na América Latina e Caribe. O que eu acho interessante nessa questão é
que no nível internacional, a gente está com um momento histórico único para discutir a
Economia Solidaria. A crise de 2007 e 2008, que está vindo agora em 2011 e 2012, elas
são a mesma crise, que não é só financeira, mas também ambiental. Essas crises se
intensificando, e o processo da Primavera Árabe que levou a derrubada de alguns
regimes antidemocráticos, o processo que aconteceu na Espanha, dos Indignados, que
foi se fortalecendo com a imagem de ocupar Wall Street e outros espaços no mundo, o
dia 15 de outubro quando houve esse momento dos indignados em 800 cidades, em 82
países, traz um momento único em que o olhar internacional está podendo se abrir a
propostas de alternativas como a da Economia Solidária. Para citar um exemplo, nos
chegamos agora de Montreal onde foi realizado o Fórum Internacional de Economia
Solidária, organizado por uma entidade análoga ao Fórum no Quebec, com participação
de 1300 pessoas de 65 países [...] . Eu vejo uma janela de oportunidades no âmbito
internacional. Ainda é muito marginal. Essa rede tem braços e redes nacionais nos seis
continentes e assim que vem se organizando. A Economia Solidária funciona de
maneiras diferentes em cada país, com perspectivas diferenciadas. O momento
internacional está rico.
Sobre este caráter pedagógico da Economia Solidária, que sai um pouco do debate
mais rígido, e passa por outra questão que é de que juntos estamos aprendendo a
gestar um outro mundo, uma outra economia. Você pode falar um pouco mais
sobre isso?
O sentimento que eu tenho é que não adianta a gente, que vive dentro do capitalismo de
dentro de um paradigma da competição, do individualismo, do lucro acima da vida, da
destruição da natureza, é muito difícil a gente desenhar um modelo de sociedade que
fuja dessa realidade que está aí. Então a gente pode até falar da cooperação, do amor,
mas muitas vezes é discurso e temos dificuldade de trazer isso para a prática. Eu sinto
que para que possamos construir alternativas de fato, a gente precisa estar vivendo a
radicalização da democracia. E a Economia Solidária é isso, um processo feito no dia a
dia. A gente costuma dizer que Economia Solidária é meter a mão da lama, porque a
gente vive no meio da contradição do capitalismo, tentando fazer atividade econômica a
partir da autogestão. E nessa autogestão a gente vai construindo possibilidades de ação
em redes e cadeias e tentando gerar um processo de mudança cultural. Eu vejo a
Economia Solidária como uma escola na construção de uma outra sociedade, mais do
que efetivamente já um modelo de sociedade. Eu vejo como uma perspectiva, um
espaço que permite que a vida se dê a partir da democracia, do debate, da autogestão,
com todas as contradições, pois somos todos contraditórios, mas que a gente possa daí
fazer uma transformação cultural. Porque o que a gente precisa é mais do que uma
transformação de modelo econômico, e sim de uma mudança profunda de civilização.
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