CARTA ECONÔMICA Dezembro 2010 Por George Bezerra AS PERSPECTICAS PARA A EVOLUÇÃO DA CRISE NA EUROPA* Resumidamente pode se dizer que são quatro as alternativas mais prováveis para a evolução da crise na Zona do Euro, ao longo dos próximos meses. Três delas ocorreriam num contexto de preservação da Zona de Integração, pelo menos para a maioria dos países: 1. consolidação de evidências de superação da crise, dentro das regras e condições atuais, sem necessidade de reestruturação de dívidas; 2. uma ampla reestruturação das dívidas em alguns países, impondo perdas aos credores privados (hair cut); 3. a saída de alguns países da Zona do Euro (que fariam reestruturação de suas dívidas), sem que a moeda única deixe de existir para os países que permaneçam. A quarta alternativa seria o colapso da Zona do Euro e da moeda única. O que se pode dizer sobre as probabilidades de cada uma dessas alternativas, nesse momento? Antes de analisá-las seria útil rever a origem dessa crise e algumas exigências fundamentais para que ela pudesse ser superada sem maiores traumas ou rupturas. Ao longo dos primeiros anos após a criação da moeda única as taxas de juros vigentes nos países menos desenvolvidos e menos competitivos na região convergiram para muito próximo das existentes na economia mais forte, a Alemanha. Isso provocou uma grande expansão dos investimentos e do consumo nessas economias, o que deu lugar também a aumentos reais de salários bem maiores que os verificados na Alemanha. Ou seja, economias que eram muito menos competitivas que a alemã tiveram uma fase de expansão sustentada por endividamento público e privado sem registrar avanços na eficiência relativa frente àquelas mais desenvolvidas da União Monetária. Quando estourou a crise de 2008 nos Estados Unidos o financiamento externo secou e houve a necessidade de expandir os gastos públicos para tentar reduzir o impacto negativo sobre a atividade econômica. Os déficits e as dívidas explodiram, sem que mesmo assim tenha se podido evitar que as economias mais frágeis mergulhassem na recessão. A realidade se impôs de maneira clara e violenta. O caso da Grécia foi particularmente grave porque ficou evidenciado que o governo vinha manipulando as estatísticas sobre déficit e dívida pública desde que fôra admitido na Zona do Euro. O efeito conjugado da correção dos dados com o impacto da crise acabou jogando o déficit público daquele www.maximaasset.com.br [email protected] país para a incrível faixa de 15% do PIB, em 2009 (o teto estabelecido para os déficits públicos de cada país membro da Zona do Euro, quando da sua criação, era de 3% do PIB). Mas outros países membros, como Irlanda, Portugal, Espanha, e até mesmo Itália, se tornaram vulneráveis ao efeito contágio da crise de desconfiança que se espalhava a partir da Grécia (e mais recentemente, a partir da Irlanda). A avaliação da fragilidade relativa de cada um dos países depende, em grande medida, dos seus indicadores fiscais de dívida soberana e da saúde do sistema bancário. Mas existe um outro que é crucial: competitividade da economia frente aos demais países da Zona do Euro e ao resto do mundo. São exatamente os países menos competitivos, como Grécia, Portugal e Espanha, os que se encontram entre os mais vulneráveis à crise (o caso da Irlanda, onde o sistema bancário é grande demais em relação à economia, é um pouco diferente). As razões pelas quais a variável competitividade se tornou tão crucial são evidentes: estes países em dificuldades precisam assumir uma trajetória clara e consistente de queda da relação dívida/pib. Mas a queda da dívida se tornou muito mais difícil diante do enorme aumento das taxas de juros que incide sobre esta dívida e da dificuldade em aprofundar ainda mais o corte de gastos em economias que já estão em recessão. Dessa forma, o aumento de competitividade se torna a única válvula de escape para permitir o próprio crescimento do pib, que também contribuiria para a queda da relação. Ocorre que, dentro da União Monetária, cada país isoladamente deixa de ter a possibilidade mais simples e mais óbvia de ganhar competitividade (se tornar relativamente mais barato, para poder exportar mais e importar menos), que é desvalorizando a taxa de câmbio. Portanto, este aumento de competitividade passa a depender de uma alternativa bem mais custosa e inconveniente: a queda de preços e salários. Países como Grécia e Irlanda vêm adotando medidas extremamente duras com o objetivo de cortar gastos públicos e reduzir custos de produção, mas há limites políticos e sociais para seu alcance e continuidade. Portugal e Espanha ainda deixam a dever nos seus esforços reformistas e por isso se encontram sob maior risco de contaminação. Av. Atlântica 1130, 9º andar - Copacabana O pacote de suporte financeiro de 700 bilhões de Euros Rio de Janeiro RJ 22021-000 Tel: 55 21 3820-1777 Fax: 55 21 3820-1795 CARTA ECONÔMICA Dezembro 2010 estruturado com recursos dos próprios países membros e do Fundo Monetário Internacional já serviu para fazer um resgate temporário de Grécia e Irlanda, mas está longe de representar uma solução definitiva. Pois ele provê a substituição de financiamento privado por financiamento público, mas não reduz os montantes dos compromissos a serem pagos por esses países. Além disso, a transferência continua de perdas (mesmo que potenciais) do setor privado para o setor público é algo que só encontra justificativa dentro de certos limites e em condições excepcionais. Vale dizer, esse tipo de abordagem apenas adia o problema e introduz um sério conflito associado ao risco moral (moral hazard). Retomemos agora a questão das alternativas mais prováveis para a evolução dessa crise na Zona do Euro. A análise acima nos sugere que dificilmente as economias mais frágeis daquela região serão capazes de gerar, nos próximos anos, a receita necessária para honrar todos os compromissos da dívida e preservar a solvência do sistema bancário, nas condições atualmente vigentes (taxas de juros e prazos de amortizações em vigor). Pois isto exigiria uma retomada do crescimento econômico a taxas elevadas, o que parece extremamente improvável. E os mecanismos atuais de suporte financeiro também não trarão soluções definitivas. Portanto, a primeira alternativa que listamos no início desse comentário (superação da crise, dentro das regras e condições atuais, sem a necessidade de reestruturação de dívidas e sem que nenhum país deixe a Zona do Euro) parece de probabilidade relativamente muito baixa. A quarta alternativa (colapso da Zona do Euro) também nos parece ainda muito improvável, pois seria um fracasso e um retrocesso gigantesco, em termos econômicos e políticos, de conseqüências imprevisíveis para o futuro da Europa. Restariam as alternativas 2 (reestruturação das dívidas de alguns países sem que deixem a Zona do Euro) e 3 (saída de alguns países da Zona do Euro e reestruturação das suas dívidas). Achamos que a alternativa 2 tem a mais elevada probabilidade de se colocar como a próxima etapa da evolução dessa crise. O que poderia viabilizar uma solução definitiva, ou ainda exigir, mais adiante, a implementação da alternativa 3. Se esta análise estiver razoavelmente correta, a superação da crise na Zona do Euro é um objetivo que ainda não se consegue vislumbrar na linha do horizonte. SERÁ POSSÍVEL ISOLAR O CRESCIMENTO BRASILEIRO DA CRISE NA EUROPA? O PIB da Zona do Euro corresponde a pouco menos de 25% do PIB mundial. No momento, Estados Unidos, China, Índia, Brasil e as demais economias emergentes não têm, individualmente, uma grande exposição a dívidas soberanas dos países daquela região e nem aos seus bancos. Portanto, o canal de transmissão da crise da Europa para o resto do mundo se dará fundamentalmente pelos canais de comércio, investimentos e expectativas. Se a crise for contida dentro de certos limites o impacto no Brasil será relativamente pequeno. Ocorre que a economia americana também ainda terá que lidar, nos próximos anos, com um grande aumento do déficit público e das suas condições de endividamento externo. E até agora ainda não conseguiu apresentar um plano crível e satisfatório de ajuste fiscal para o médio e longo prazo. Isto coloca o risco de pressão sobre a taxa de juros de médio prazo que poderá dificultar ainda mais o processo de retomada do crescimento naquele país. Um desafio doméstico para países emergentes como China, Brasil e Índia será o controle da inflação, especialmente a forte pressão sobre os preços dos alimentos. Isto exigirá uma dose maior de aperto monetário, que também imporá algum custo em termos de crescimento econômico. A Presidenta eleita já deixou claro que manterá os pilares fundamentais da política econômica no Brasil, representados pelo regime de metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante (com forte grau de intervenção). Mas ainda não está claro qual o papel que cada um desses instrumentos vai exercer nesse tripé, o que poderá fazer enorme diferença. Por exemplo, na política fiscal há indícios de que a austeridade será representada muito mais por cortes dos excessos cometidos ao longo dos últimos anos do que por algo efetivamente mais forte. Nestas condições, o desempenho da economia brasileira continuará muito dependente do resto do mundo, particularmente da China. É possível que o Brasil possa continuar crescendo a uma taxa anual da ordem de 4 a 5%, no médio prazo. Mas, como temos observado nas Cartas Mensais anteriores, as incertezas e os riscos macroeconômicos são relevantes e o grau de liberdade da política econômica deverá ser menor que nos últimos oito anos. *Escrita com informações disponíveis até 14.12.2010 www.maximaasset.com.br [email protected] 2 Av. Atlântica 1130, 9º andar - Copacabana Rio de Janeiro RJ 22021-000 Tel: 55 21 3820-1777 Fax: 55 21 3820-1795