Universidade Federal da Bahia Instituto de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia Significados de cuidados paliativos narrados pela equipe de saúde na Oncologia Pediátrica Ana Clara de Sousa Bittencourt Bastos Orientadora: Profa. Dra. Marilena Ristum Salvador – Bahia 2014 1 Universidade Federal da Bahia Instituto de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia Significados de cuidados paliativos narrados pela equipe de saúde na Oncologia Pediátrica Ana Clara de Sousa Bittencourt Bastos Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia. Área de concentração: Psicologia do Desenvolvimento Orientadora: Profa. Dra. Marilena Ristum Salvador – Bahia 2014 2 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. _____________________________________________________________________________ Bastos, Ana Clara de Sousa Bittencourt B327 Significados de cuidados paliativos narrados pela equipe de saúde na Oncologia Pediátrica / Ana Clara de Sousa Bittencourt Bastos. - Salvador, 2014. 165 f. Orientadora: Profª Drª Marilena Ristum. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Psicologia, 2014. 1. Cuidados paliativos. 2. Profissionais. 3. Morte. 4. Pediatria. I. Ristum, Marilena. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. CDD: 155.937 3 Dedico esse trabalho a minha querida vovó Ruth (in Memoriam), que me ensinou o verdadeiro sentido de cuidar e amar. 4 AGRADECIMENTOS Inicialmente, a Deus, pelo mistério, pela força e pela coragem durante toda essa caminhada. A minha querida orientadora, Marilena Ristum, pelo acolhimento, pelos ensinamentos, pela confiança e pela liberdade que me concedeu para estudar este tema. A meus queridos pais, Virgílio e Ana Cecília, por terem me dado educação, valores e por terem me ensinado a andar e a seguir em frente. A meus grandes exemplos de vida, profissional e pessoal, pelo apoio incondicional e por tornarem minha vida mais alegre e mais bela. A meu avô, José Newton, que me ensinou a possibilidade de ver a beleza da vida, mesmo em momentos de dor e de tristeza. Sem essa capacidade, seria difícil construir esse trabalho. A meu noivo, Thiago, por todo o amor, carinho e apoio ao longo dessa e de tantas outras caminhadas. A minha família e aos meus verdadeiros amigos, sempre. Em especial, a minha tia, Elinalva, pela disponibilidade e pelo apoio na transcrição das entrevistas, a minha dinda, Maninha, pelos diversos momentos felizes compartilhados, e ao meu irmão, pela grande amizade e pela vida de Mariana, que nos encanta e nos alegra diariamente. A Jaan Valsiner e a Kenny, pelo constante incentivo à minha trajetória como pesquisadora. A meu anjinho da guarda, Brena, com quem posso compartilhar os momentos tristes e alegres. Por sua sensibilidade, delicadeza, acolhimento e por ter segurado a minha mão, ter me incentivado nos momentos mais difíceis e ter tornado a vida mais leve. 5 Aos colegas e amigos do grupo de pesquisa, pelas trocas, pelo aprendizado e pelas alegres manhãs de segunda-feira. Em especial, ao apoio de Manu e de Déa nessa reta final da dissertação e a Marianna, pelos planos e projetos compartilhados juntos. A Ana Lúcia, por ter facilitado a conciliação entre o trabalho e o estudo. À amiga Paula, pelo grande aprendizado e por ter “abraçado” o meu estudo e ter me dado suporte no processo de coleta de dados. Aos amigos do ambiente de trabalho, pelo apoio e troca constante, em especial a Fabíola, Marrahdna, Alinne, Gilmara e Fabiana. Aos profissionais participantes do estudo, pelo interesse e pela disponibilidade em conceder entrevistas. Por fim, um agradecimento todo especial aos pacientes e familiares que cruzaram o meu caminho, me ensinaram sobre a vida e me fizeram ter o interesse por estudar esse tema rico e, ao mesmo tempo, doloroso, da morte. 6 RESUMO Acredita-se que a morte é uma das experiências mais traumáticas para o ser humano, por originar uma carga pessoal de dor, e por também ser, culturalmente, um assunto tabu na maioria das sociedades. Aprender a lidar com a morte acarreta desafios para os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados paliativos, que se caracterizam como uma abordagem emergente que adota uma política assistencial de dar suporte aos indivíduos e a suas famílias em momentos cruciais diante da morte. O presente estudo buscou analisar os significados de cuidados paliativos para os profissionais de saúde que atuam na oncologia pediátrica. Foram realizadas entrevistas narrativas, baseadas em um temário previamente elaborado, sendo tópicos relevantes: cuidados paliativos, estratégias de enfrentamento, redes sociais de apoio, crença religiosa, práticas de atenção à saúde. As entrevistas foram realizadas em dois hospitais filantrópicos de Salvador, Bahia, com cinco profissionais: médico, enfermeira, técnica de enfermagem, dentista e psicóloga. Foi utilizado o modelo de análise narrativa proposto por Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber (1998). Os significados de cuidados paliativos, de uma forma geral, apresentaram-se associados a uma abordagem que prioriza medidas de conforto e a redução da dor. As práticas de atenção à saúde que mais se destacaram foram a comunicação e a tomada de decisão, ambas sob a responsabilidade do médico, sendo ressaltadas as dificuldades de informar a uma mãe sobre a morte iminente de um filho, e de incluir a criança no processo de tomada de decisão. Os cuidados paliativos vieram associados a um sofrimento, e são formados fortes vínculos afetivos entre a equipe de saúde, o paciente e os familiares. A iminência do rompimento de tal vínculo foi representada nas narrativas pelo processo do luto antecipatório e, dentre as estratégias para enfrentamento, os participantes incluíram: a tentativa de adotar um distanciamento afetivo e cognitivo do cuidado paliativo, uma separação entre a vida pessoal e a vida profissional, o apoio da equipe de saúde e a espiritualidade. O contato com a morte no ambiente de trabalho apresentou-se como uma ruptura, sendo seguida por um processo de transição e adaptação à rotina dos cuidados paliativos. Propõe-se, desta forma, uma reflexão sobre a formação profissional voltada para uma educação para a morte, assim como sobre a necessidade de um suporte para o profissional lidar com o luto vivenciado diante da perda. Palavras-chave: Cuidados paliativos, profissionais, morte, pediatria. 7 ABSTRACT Death is believed to be one of the most traumatic experiences for the human being, as it brings personal pain and also for having been culturally set up as taboo in most societies. Learning how to deal with death is a challenge faced by health care professionals involved in palliative care, which is characterized as an emerging approach that adopts a policy of outreach support to individuals and their families at crucial moments in the face of death. This study sought to analyze the meanings of palliative care for health care professionals who work in Pediatric Oncology. Narrative interviews were carried out, being relevant topics: palliative care, coping strategies, social support networks, family, religious beliefs, health care practices. The interviews were conducted in two charitable hospitals in Salvador, Bahia, with five professionals: doctor, nurse, nursing technique, dentist and psychologist. The model of narrative analysis proposed by Lieblich, Tuval-Mashiach and Zilber (1998) was used. The meanings of palliative care, generally speaking, are associated with an approach that prioritizes measures of comfort and pain reduction. The most important health care practices reported concern communication and decision-making process, both under the responsibility of the physician. Difficulties related to inform a mother about the imminent death of a son, and to include the child in the decision-making process, were highlighted. Palliative care appears associated to suffering and to a painful process in which strong affective bonds are formed between the health team, the patient and family members. The imminence of the breakup of such bond has been represented in the narratives by anticipatory mourning process, and among the reported coping strategies, participants included: trying to adopt an affective and cognitive distance of the palliative care situation, searching some separation between the personal life and professional life, getting support from the work team of health and leaning on spirituality. Contact with death in the workplace presented itself as a rupture, being followed by a process of transition and adaptation to the routine of palliative care. It is important, therefore, to propose a reflection on professional training oriented towards an education for death, as well as pointing out the need for a support professional to deal with the grief experienced before the loss. Key words: Palliative care, health professionals, death, pediatrics. 8 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: MAPA ILUSTRATIVO DA REVISÃO DE LITERATURA SOBRE OS CUIDADOS PALIATIVOS ........... 17 FIGURA 2: MAPA ILUSTRATIVO DA REVISÃO DE LITERATURA SOBRE OS CUIDADOS PALIATIVOS NA PEDIATRIA ........................................................................................................................................................ 19 FIGURA 3: MODELO TEÓRICO ILUSTRATIVO SOBRE OS FENÔMENOS ESTUDADOS NO PRESENTE TRABALHO. ....................................................................................................................................................... 48 FIGURA 4: TEMAS E SUBTEMAS ELABORADOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS ............................................... 63 FIGURA 5: MAPA DESCRITIVO DOS CONTEÚDOS NARRADOS PELO MÉDICO CARLOS .................................. 99 FIGURA 6: REDE DE SIGNIFICADOS ASSOCIADOS AOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA NA PERSPECTIVA DO MÉDICO CARLOS ............................................................................... 109 FIGURA 7: REDE DE SIGNIFICADOS ASSOCIADOS AOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA NA PERSPECTIVA DA TÉCNICA DE ENFERMAGEM ............................................................. 112 FIGURA 8: REDE DE SIGNIFICADOS ASSOCIADOS AOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA NA PERSPECTIVA DA ENFERMEIRA ..................................................................................... 113 FIGURA 9: REDE DE SIGNIFICADOS ASSOCIADOS AOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA NA PERSPECTIVA DA DENTISTA ........................................................................................... 115 FIGURA 10: REDE DE SIGNIFICADOS ASSOCIADOS AOS CUIDADOS PALIATIVOS NA ONCOLOGIA PEDIÁTRICA NA PERSPECTIVA DA PSICÓLOGA ......................................................................................... 117 FIGURA 11: MAPA DESCRITIVO DOS CONTEÚDOS NARRADOS PELA TÉCNICA DE ENFERMAGEM TINA 136 FIGURA 12: MAPA DESCRITIVO DOS CONTEÚDOS NARRADOS PELA ENFERMEIRA JÉSSICA ................... 137 FIGURA 13: MAPA DESCRITIVO DOS CONTEÚDOS NARRADOS PELA DENTISTA LEILA ............................ 138 FIGURA 14: MAPA DESCRITIVO DOS CONTEÚDOS NARRADOS PELA PSICÓLOGA POLIANA .................... 139 9 Sumário 1. APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................ 13 2. REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................... 18 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................................... 27 3.1 CULTURA E SIGNIFICADO .................................................................................................................... 27 3.2 MORTE, CULTURA E SIGNIFICADO ................................................................................................. 35 3.3 LUTO E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO ....................................................................................... 37 4. DELINEAMENTO DO OBJETO DE ESTUDO ............................................................................. 43 4.1 O CONTEXTO DE CUIDADOS PALIATIVOS .................................................................................... 43 4.2 LUTO ANTECIPATÓRIO ......................................................................................................................... 49 4.3 PRÁTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE ................................................................................................... 51 4.3.1 Cuidados físicos ................................................................................................................................. 51 4.3.2 Tomada de decisões ......................................................................................................................... 51 4.3.3 Comunicação ...................................................................................................................................... 52 4.4 PERGUNTA DE INVESTIGAÇÃO E PRESSUPOSTO ..................................................................... 54 4.5 OBJETIVOS .................................................................................................................................................. 54 4.5.1 Objetivo geral .................................................................................................................................... 54 4.5.2 Objetivos específicos ........................................................................................................................ 54 5. DELINEAMENTO METODOLÓGICO .......................................................................................... 55 5.1 ESTRATÉGIA GERAL DA PESQUISA ................................................................................................. 55 5.2 PARTICIPANTES ....................................................................................................................................... 55 5.3 COLETA DOS DADOS .............................................................................................................................. 57 5.4 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................................................. 58 5.5 QUESTÕES ÉTICAS .................................................................................................................................. 60 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................................... 62 6.1 OS SIGNIFICADOS DE CUIDADOS PALIATIVOS NARRADOS PELOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE ........................................................................................................................................................... 62 6.1.1 Caracterização geral sobre os cuidados paliativos ............................................................. 63 6.1.2 Práticas de assistência à saúde ................................................................................................... 70 6.1.3 A relação com a família ................................................................................................................. 75 10 6.1.4 A percepção do paciente a partir da visão dos profissionais .......................................... 81 6.1.5 Morte ..................................................................................................................................................... 84 6.1.6 Processo de luto ................................................................................................................................ 91 6.2 A DINÂMICA DA EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NOS CUIDADOS PALIATIVOS ....................................................................................................................................................... 98 6.2.1 CASO 1: Médico Carlos .................................................................................................................... 98 6.2.2 CASO 2: Técnica de enfermagem Tina .................................................................................. 110 6.2.3 CASO 3: Enfermeira Jéssica ........................................................................................................ 112 6.2.4 CASO 4: Dentista Leila ................................................................................................................. 113 6.2.5 CASO 5: Psicóloga Poliana ......................................................................................................... 115 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 127 APÊNDICE A ...................................................................................................................................... 133 APÊNDICE B ...................................................................................................................................... 134 APÊNDICE C ...................................................................................................................................... 136 11 - "A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. (...) A vida das gentes nesse mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama;pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre. - E depois que morre? - perguntou o Visconde. - Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?". (Monteiro Lobato, 1936, trecho de “Memórias da Emília”). 12 1. APRESENTAÇÃO É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela. É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental. Edgar Morin Nascemos, vivemos e morremos. Esta é uma certeza, uma verdade histórica, universal e comum a todas as culturas ditas humanas que já existiram e existem no mundo atual. Acredita-se que a morte é uma das experiências mais traumáticas para o ser humano por originar uma carga de perda e de dor para si e por também ser, culturalmente, um assunto tabu e evitado de ser abordado na maioria das sociedades. Dar suporte aos indivíduos e a suas famílias em momentos cruciais diante da morte é a política assistencial da emergente abordagem dos cuidados paliativos. Esta abordagem é interdisciplinar e visa a melhorar a qualidade de vida dos pacientes em estados terminais e das suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento, com foco no tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual1. Acredita-se atualmente que essa abordagem deve ser aplicada o mais breve possível a pacientes com doenças crônicas ou potencialmente fatais, e não somente em seu estado terminal (WHO, 2012). Inicialmente, esta abordagem foi oferecida a indivíduos com câncer, passando a ganhar maior reconhecimento e visibilidade e ser utilizada com indivíduos portadores de outras doenças. De acordo com Milicevic (2002), o serviço de informações do St. Christopher’s Hospice2 evidencia que existem mais de 7000 hospices ou serviços de cuidados paliativos em 90 países no mundo. Na América Latina, há mais de 100 serviços destinados ao cuidar no final da vida e, já no Brasil, há indícios apenas de 30 serviços que oferecem cuidados paliativos (Melo, A. G., 2003, conforme citado por Floriani, 2008). Floriani (2008) aponta que a política de cuidados paliativos no Brasil ainda se apresenta tímida, incipiente e desarticulada, enfrentando o desafio de incorporação desta 1 Definição da abordagem dos cuidados paliativos obtida no site oficial da Organização Mundial da Saúde: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs297/en/ 2 The Hospice Information Service. Hospice and Palliative Care Facts and Figures 2001, St. Christopher’s Hospice, London, 2001 13 prática ao sistema de saúde vigente. O primeiro hospice (lugar onde são atendidos os pacientes fora dos recursos de cura) brasileiro surgiu no ano de 1944 na cidade do Rio de Janeiro, atendendo à demanda de cuidado a pacientes com câncer avançado. O mesmo autor observa que o movimento dos cuidados paliativos somente veio a crescer nos anos 1980, com o surgimento de novos centros para tratamento de pacientes oncológicos em estado avançado e com dor crônica. Aprender a lidar com perdas e com a morte são desafios enfrentados pela família e pelos profissionais envolvidos no contexto de cuidados paliativos. Destaca-se a vivência do luto, o qual é considerado como uma reação à perda e pode ter um percurso normal ou patológico. Os sintomas mais característicos do luto são episódios agudos de dor, com grande ansiedade e sofrimento psíquico (Parkes, 1998). O autor também afirma que a dor do luto faz parte da vida, bem como a alegria de viver, e que talvez seja o preço que paguemos pelo amor. Em um contexto de cuidados paliativos, destaca-se a especificidade da vivência do luto antecipatório, por ocorrer anteriormente ao marco objetivo da data da morte. O luto antecipatório pode ser considerado como um fenômeno que favorece uma adaptação à situação, o qual permite que haja uma preparação emocional e cognitiva para a ocorrência da morte, tanto para o paciente quanto para a família (Fonseca, 2012). De acordo com Santos (2009), quando se tratam dos profissionais de saúde, uma grande dificuldade enfrentada é seguir os principais pressupostos da sua formação profissional, que são prevenir, curar e salvar vidas. Destaca-se ainda uma inadequada formação do profissional de saúde no que se refere a lidar com a morte, faltando-lhe subsídios para que enfrente sentimentos de impotência, de culpa e de insatisfação consigo mesmo, o que termina por distanciá-lo do paciente e, consequentemente, da família (Santos, 2009). Na revisão de literatura realizada para o presente estudo apresentada na Figura 1, observa-se reduzida produção, principalmente nacional, e podem ser identificados seis eixos temáticos referentes à produção na área dos cuidados paliativos: dor/sintomas; humanização; profissionais (formação, dificuldades enfrentadas, percepção do cuidado e comunicação); cuidador (dificuldades enfrentadas, enfrentamento da morte, assistência ao cuidador); metodologia de pesquisa; gestão do cuidado paliativo (questões éticas e dificuldades, concepção do cuidado paliativo e modelos assistenciais). 14 No que se refere à produção de artigos sobre os cuidados paliativos na pediatria, o número encontrado foi ainda mais restrito, consistindo em uma clara lacuna a demandar maior investigação por parte da comunidade científica. Na definição de cuidados paliativos na infância3, a OMS afirma que esta abordagem abrange o cuidado à criança em sua totalidade (corpo, mente e espírito), fornecendo suporte também à sua família. Os profissionais de saúde possuem o objetivo de aliviar o sofrimento físico, psicológico e social do paciente pediátrico, podendo essa assistência ser prestada em instalações de atendimento terciário, em centros comunitários de saúde e até mesmo nas casas das crianças. O tema morte surge, socialmente, associado à conspiração do silêncio e à dificuldade de comunicação, o que dificulta a compreensão acerca desse fenômeno e do seu impacto na vida humana. No entanto, a construção social acerca da mesma, ainda que silenciada, interfere tanto nos comportamentos diante de tal fenômeno, quanto em outras esferas mais amplas da vida humana. Neste sentido, a situação de cuidados paliativos surge como um momento privilegiado para nos permitir o confronto mais direto e uma reflexão mais vívida acerca da morte. Por tais características, este contexto configura-se como uma situação na qual se tornam mais evidentes nossas crenças, sentimentos, e atitudes em relação à morte, as quais estão geralmente circunscritas aos medos e receios de enfrentá-la. Assim, levando-se em conta tais peculiaridades, é possível supor o momento dos cuidados paliativos como um cenário adequado para compreensão acerca dos significados envolvidos na morte. Vygotsky (1989) acredita que o significado é uma generalização ou um conceito, sendo este um fenômeno do pensamento verbal e da fala significativa. De acordo com Mesquita (2005), são os significados que orientam a ação do homem e sua relação com o mundo, configurando-se como zonas mais estáveis e compartilhadas. Significados, neste trabalho, são tomados em referência à perspectiva histórico-cultural, a qual compreende o sujeito como constituído nas suas relações sociais, o que permite analisá-lo enquanto práticas de atores sociais, construídas culturalmente. 3 Definição obtida no site oficial da Organização Mundial da Saúde: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs297/en/ 15 “Através do conhecimento de significados culturais acerca de determinado objeto, é possível compreender a prática que se dispensa a esse mesmo objeto” (Mesquita, 2005, pp. 16) Desta forma, a análise dos significados associados aos cuidados paliativos permite a compreensão do que está instituído e compartilhado nesta situação, incluindo as ações e práticas de assistência à saúde, assim como a análise dos sentidos permite a compreensão das emoções e os aspectos particulares de cada sujeito nessa realidade. As experiências singulares de cada indivíduo produzem novos sentidos pessoais para os significados compartilhados socialmente (Mesquita, 2005). Considerando a clara lacuna de estudos sobre cuidados paliativos, especialmente na oncologia pediátrica, e a centralidade que a sua compreensão desempenha na determinação de práticas, vivências e conflitos entre os atores envolvidos na situação, o objetivo deste estudo é analisar os significados sobre cuidados paliativos de crianças com câncer a partir da perspectiva dos profissionais de saúde e identificar como estes atores atuam na área. 16 FIGURA 1: Mapa ilustrativo da revisão de literatura sobre os Cuidados Paliativos 17 2. REVISÃO DE LITERATURA Para a revisão de literatura mais específica ao tema abordado nesta pesquisa, foram selecionadas produções relacionadas ao cuidado paliativo na pediatria e à perspectiva dos profissionais de saúde nesta abordagem. Na revisão de literatura, foram selecionados 36 artigos produzidos na área dos cuidados paliativos pediátricos. Para a organização da revisão, foram construídas quatro categorias referentes ao foco do tema abordado, sendo elas o profissional de saúde, o cuidador, a gestão dos cuidados paliativos e o tema morte. Dentro de cada categoria, foram elaboradas subcategorias para maior especificação dos estudos, sendo estes apresentados no mapa correspondente à Figura 2. Foi possível observar um equilíbrio entre a literatura nacional e a literatura internacional, sendo que a maior parte das pesquisas empíricas corresponde a estudos estrangeiros e, na literatura nacional, a maior parte caracteriza-se como uma revisão de literatura. A maior parte dos estudos selecionados corresponde às questões da gestão do cuidado paliativo, discutindo os modelos de assistência e as questões éticas, as dificuldades e os conflitos diante desse contexto. Destaca-se a maior produção no campo da enfermagem, de uma maneira geral, e, na literatura nacional, foi possível selecionar diversos artigos produzidos pela psicologia. Na literatura nacional, foi possível encontrar artigos relacionados às questões éticas, dificuldades e conflitos na gestão dos cuidados paliativos, às práticas de assistência, à formação dos profissionais de saúde, à concepção dos cuidados paliativos, à perspectiva da morte pela equipe de saúde e à associação do câncer à iminência da morte. Já na literatura internacional, foi encontrado um maior número de artigos empíricos e os temas foram as questões éticas, dificuldades e conflitos na gestão dos cuidados paliativos, as práticas de assistência, a formação dos profissionais de saúde, o luto do profissional e o cuidador, conforme apresentado na Figura 2 a seguir. 18 FIGURA 2: Mapa ilustrativo da revisão de literatura sobre os Cuidados Paliativos na Pediatria 19 Morte Na literatura nacional foram encontrados poucos artigos científicos empíricos com o objetivo de explorar o contexto dos cuidados paliativos pediátricos. Mendes, Lustosa & Andrade (2009) em seu estudo buscaram descrever os aspectos fundamentais presentes na relação da equipe de saúde com o paciente terminal e os seus familiares, com foco nos estágios psíquicos diante da morte. Trata-se de um estudo de revisão de literatura, no qual foi evidenciada a importância do psicólogo no contexto de cuidados paliativos, para facilitar essas relações, visando melhor comunicação, além do suporte psicológico no momento crucial da morte. Quando se trata do paciente terminal, Mendes, Lustosa & Andrade (2009) destacam a valorização de um trabalho preventivo diante do luto antecipatório, para facilitar a experiência diante da morte. O resultado deste estudo pode reforçar a visão do efeito positivo do luto antecipatório diante de uma evolução saudável do luto normal, pós morte. Evidencia também que o luto antecipatório pode ser entendido como um processo adaptativo para o luto normal (Rando, 1986; Rando, 2000 apud Fonseca, 2012). Froelich (2011), através de uma revisão de literatura, buscou apresentar a relação entre o diagnóstico de câncer e a ideia eminente da terminalidade. A autora foca nos trabalhos acerca do ciclo de vida e morte e conclui que o temor de morte quase sempre acompanha o diagnóstico oncológico. Desta forma, o adoecimento de um filho desencadeia uma série de reações emocionais dos pais, que podem requerer um suporte psicológico diante de tal experiência. Na conclusão do artigo é ressaltada a importância da psico-oncologia, com o objetivo de promover intervenções preventivas e facilitar o enfrentamento no contexto de cuidados paliativos. Novamente observa-se a indicação de uma atuação do psicólogo com foco na prevenção, para facilitar a experiência dos familiares diante da perda de um ente querido. No caso do estudo de Froelich (2011), propõe-se um trabalho do psicólogo anterior à morte em si, no qual deve ser considerada a vivência do luto antecipatório, desde o momento em que se tem o diagnóstico de câncer e a sua associação com a iminência da morte. O estudo discute também a importância de trabalhar com a prevenção para facilitar o processo do luto parental, ou seja, realizar um trabalho com 20 o luto antecipatório conduzindo um processo de adaptação para os pais que vivem com suas crianças em adoecimento e/ou estado terminal. Um artigo encontrado durante a revisão da literatura, foi o de Combinato & Queiroz (2011), que realizaram entrevista individual semiestruturada com 13 profissionais da área de saúde (6 médicos e 7 enfermeiros), com o objetivo de explorar a concepção de morte em geral, a sua construção social. Os autores concluíram, a partir dos dados, que são identificadas três principais concepções de morte: como consequência da vida, como processo biológico e como benção divina. Foram identificadas também dificuldades para acessar o tema, no momento em que não há um campo apropriado para o seu desenvolvimento mais sistemático, com o espaço para as representações do profissional acerca da morte. De acordo com o estudo de Hermes & Lamarca (2013), foi possível observar que a morte é um tabu para todas as categorias profissionais de saúde. Os autores afirmam que a morte contemporânea implica em um cuidado dos profissionais com o fim da vida com dignidade para o paciente, fornecendo voz ao mesmo e permitindo escolhas. Apesar da dificuldade em lidar com o assunto, a filosofia da morte contemporânea está começando a ser discutida socialmente, principalmente pelo envelhecimento da população. Diante da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, observa-se a importância de compreender o significado para poder intervir na ação dos indivíduos. Desta forma, torna-se importante a compreensão acerca da morte para se entender e poder trabalhar/facilitar a experiência dos profissionais, assim como dos pacientes e familiar, diante da morte. Combinato & Queiroz (2011) apontam a necessidade de explorar o tema e modificar o contexto institucional e de educação na saúde. Profissional de saúde Alguns estudos apontam uma falha na formação dos profissionais de saúde para o enfrentamento da morte e do luto. Bifulco & Iochida (2009) propõem uma educação para a morte, voltada para cursos de cuidados paliativos, objetivando formar uma atitude humanitária nos futuros profissionais em relação ao paciente em iminência da morte. Os autores identificaram uma necessidade de capacitar os 21 profissionais de saúde a enfrentarem o cuidado deste paciente, através de uma formação voltada para o conhecimento do processo da morte e do morrer. O estudo de Yazdani, Evan, Roubinov, Chung & Zeltzer (2010) buscou explorar possíveis efeitos do currículo de cuidado paliativo pediátrico no nível de conforto do residente ao cuidar de uma criança gravemente enferma. Foi possível observar que apenas 7% dos residentes se sentiram preparados adequadamente para lidar com a morte e o morrer. Os residentes apresentam um maior conforto em algumas áreas do cuidados paliativos após o ano da residência e não se sabe a causa desta relação. Roth, Wang, Kim & Moody (2009) buscaram analisar o impacto do treinamento em cuidados paliativos para os profissionais e identificaram uma lacuna significante na formação profissional no que se refere ao processo do morrer Os participantes (oncologistas pediátricos) consideraram a importância do treinamento em cuidados paliativos, porém pontuaram que não há a disciplina de cuidados paliativos em nenhum dos currículos dos programas de residência médica na área. Em entrevista com dois professores de enfermagem na área de cuidados paliativos para compreender os aspectos envolvidos no ensino da abordagem, Nicholl & Price (2012) concluíram que há uma ambiguidade na terminologia e lacuna na clareza do conceito de cuidado paliativo, assim como pontuaram uma complexidade em ensinar tópicos relacionados à sensibilidade do sujeito para grandes grupos. Hermes & Lamarca (2013) realizaram uma revisão bibliográfica de artigos relacionados à perspectiva do cuidado paliativo a partir das categorias profissionais, sendo elas a medicina, o serviço social, a psicologia e a enfermagem. Puderam observar que existem poucos serviços de cuidados paliativos no Brasil, e que há uma carência na formação dos profissionais no que se refere ao tema da morte. Além disso, identificaram barreiras para a um novo olhar sobre o paciente terminal e, para todas as categorias profissionais abordadas, o conceito de cuidados paliativos adotado foi o formulado pela OMS. Hermes & Lamarca (2013) identificaram, também, que os cuidados paliativos pressupõem a ação de uma equipe multiprofissional, pela necessidade de cuidar do paciente nos diversos aspectos: físico, espiritual, mental e social. O serviço social 22 possui o papel de informar à equipe sobre quem o paciente é em seus aspectos sociais e também estabelece um elo entre o paciente, a família e a equipe. Nos estudos analisados, Hermes & Lamarca (2013) identificaram os temas que associam o serviço social e os cuidados paliativos: o trabalho do serviço social com as famílias dos pacientes terminais, a importância de uma equipe multiprofissional no cuidado aos pacientes, e a comunicação do óbito aos familiares. No que se refere à psicologia, Hermes & Lamarca (2013) pontuam o papel do psicólogo diante da terminalidade e da busca por uma qualidade de vida do paciente, reduzindo o sofrimento, a ansiedade e a depressão perante a morte. Nos artigos encontrados que se referem à psicologia, os autores identificaram os seguintes temas: a apresentação da morte no tempo e no espaço, a importância da equipe multiprofissional nos cuidados paliativos, bioética, ansiedade, depressão, eutanásia, mistanásia, ortotanásia e distanásia. Na enfermagem, Hermes & Lamarca (2013) identificaram o maior número de artigos produzidos sobre cuidado paliativo e os temas foram: a carência de disciplinas na formação profissional voltadas para a morte e despreparo para lidar com pacientes terminais. Os profissionais de enfermagem utilizam o conceito de cuidados paliativos formulado pela OMS, o que condiz com uma perspectiva mais humanizada do cuidado. Os autores observaram que a enfermagem é uma das categorias que mais sofre desgaste emocional devido ao contato intenso com os pacientes enfermos e, consequentemente, com a dor, o sofrimento e a morte. Hermes & Lamarca (2013) afirmam que o médico possui uma formação voltada para o diagnóstico e tratamento das doenças, o que se contrapõe à abordagem dos cuidados paliativos, no qual o foco se torna o doente. Os autores destacam o desafio de mudança de paradigma do cuidado, o sentimento de fracasso por não conseguir curar e a necessidade de aprender a trabalhar em equipe, para poder alcançar a demanda do paciente por completo. Um estudo realizado por Nascimento et al (2013) buscou compreender a visão da equipe multiprofissional diante da criança portadora de leucemia em cuidados paliativos, em uma pesquisa qualitativa com 17 profissionais. Identificou-se que há uma pouca experiência na área e os profissionais expressaram a dificuldade em lidar com os sentimentos diante da angústia e da iminência da morte. Apesar do 23 sofrimento, os profissionais demonstraram gostar do trabalho, o que favorece o acolhimento e o respeito ao paciente e aos familiares. A gestão dos cuidados paliativos Menezes & Barbosa (2013) trazem uma reflexão acerca da perspectiva do cuidado paliativo, que possui o objetivo de fornecer uma morte digna, pacífica, tranquila, aceita e compartilhada socialmente. Os autores diferenciam a abordagem dos cuidados paliativos para adultos e para crianças e destacam que, na infância, a doença terminal se torna um drama social, por ser uma etapa da vida tão valorizada na sociedade ocidental contemporânea. De acordo com Menezes & Barbosa (2013), uma análise documental do modelo de cuidados paliativos na pediatria sugeriu que os profissionais valorizam o autocuidado, por atribuírem um significado terapêutico ao próprio ego. É necessário que o profissional trabalhe de modo racional, afetivo e humanizado, com autocuidado e autocontrole emocional, para que tenha uma interação adequada com os pacientes e com os familiares. No que se refere ao processo de tomada de decisão, Menezes & Barbosa (2013) identificaram que o cuidado paliativo pediátrico possui uma diferença na inclusão do paciente, por ser uma criança – um ser em formação. Os autores destacam que os paliativistas incluem, no processo de tomada de decisão, as crianças tidas como autônomas, ou seja, crianças que já alcançaram um determinado desenvolvimento emocional e cognitivo. Como prática de assistência à criança em cuidado paliativo, Menezes & Barbosa (2013) afirmam ser necessária a facilitação da expressão dos desejos da criança e cabe à equipe e aos pais possibilitar a sua concretização, se possível. No que se refere à concepção da boa morte, há uma especificidade na pediatria pois a criança não possui desenvolvimento emocional suficiente para participar da decisão do seu cenário de morte, além de ser difícil conceber a beleza na morte de uma criança. Foram encontrados alguns estudos da enfermagem referentes aos cuidados paliativos na pediatria. Costa & Ceolim (2010), em uma revisão de literatura, 24 buscaram identificar as ações da enfermagem e concluíram que o trabalho em equipe, o cuidado domiciliar, o manejo da dor, o diálogo, o apoio à família e as particularidades do câncer infantil são fundamentais para a enfermagem na assistência no contexto de cuidados paliativos. Foi possível destacar, também, a importância do cuidado com solidariedade, compaixão, apoio e com o objetivo de aliviar o sofrimento. O cuidado da enfermagem deve atender às necessidades biopsicossociais do paciente e do familiar, garantir a dignidade, promover a qualidade de vida e respeitar a individualidade, como aspectos importantes para a humanização do cuidado. Já Silva & Sudigursky (2008), em uma revisão de literatura, buscaram identificar as concepções de cuidados paliativos apresentados pelos enfermeiros. Os autores identificaram uma lacuna na oferta dos cuidados paliativos no Brasil e a concepção da abordagem refere-se à um cuidado integral, com ênfase no aspecto físico, psicossocial e espiritual do indivíduo e da família, na qualidade de vida, no cuidado baseado em uma abordagem humanística e de valorização da vida, no controle da dor e dos demais sintomas, nas questões éticas sobre a vida e a morte, na abordagem multidisciplinar, no morrer como processo natural, na prioridade do cuidado sobre a cura, na comunicação, na espiritualidade e no apoio ao luto. O estudo realizado por Avanci, Góes, Carolindo & Netto (2009), através de entrevista com cinco enfermeiros com o objetivo de discutir os cuidados prestados à criança com câncer sob cuidados paliativos, concluiu que o cuidar da criança com câncer é um processo de sofrimento e um misto de emoções para o profissional. Foi possível observar também que os cuidados voltam-se para a promoção do conforto, para o alívio da dor e dos sintomas, para o atendimento às necessidades biopsicossociais e espirituais, e para o apoio à família. Em um estudo realizado com 303 pediatras, com o objetivo de descrever as barreiras para o cuidado paliativo, Knapp & Thompson (2011) identificaram que as barreiras mais apontadas foram a relutância da família em aceitar o cuidado paliativo e a visão da família de que o cuidado paliativo é uma desistência. Os autores sugerem intervenções educativas para os familiares. 25 Cuidador No que se refere à perspectiva do cuidador (familiar), foram selecionados apenas dois trabalhos, que demonstraram estar relacionados às práticas da equipe de saúde, o que condiz com os objetivos do atual estudo. No estudo de Meyer, Ritholz, Burns & Truog (2006), foram entrevistados 56 pais que perderam seus filhos em uma situação de cuidados paliativos. Os participantes destacaram seis prioridades na assistência à saúde: informações honestas e completas, acesso fácil à equipe, cuidado e comunicação coordenados, expressão emocional e suporte pela equipe, preservação da integridade da relação entre pais e filhos, e a fé. Já no estudo de Widger & Picot (2008), no qual foram entrevistadas 38 famílias acerca do cuidado recebido no final da vida de seus filhos. Os participantes identificaram áreas problemáticas na assistência na situação de cuidados paliativos: comunicação entre os profissionais de saúde, relacionamento com os profissionais de saúde, cuidado no momento da morte e a atenção ao processo de luto dos familiares. No contexto de cuidados paliativos, o trabalho é realizado em equipe multiprofissional e o foco da atenção se torna o doente e a família, principalmente quando se trata da pediatria. Observa-se que, no estudo de Meyer et al (2006), as necessidades expressas pelos familiares corroboram com os princípios éticos dos cuidados paliativos como integrar aos cuidados os aspectos psicossociais e espirituais e oferecer um sistema de suporte para que os familiares sintam-se amparados durante o processo da doença (WHO, 2007), assim como o não-abandono (estar junto ao paciente, estabelecendo uma comunicação empática e aceitando o desafio de lidar com a finitude humana) e a veracidade (comunicação clara com o paciente e familiares) (Pessini, 2001). 26 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Considerando-se os objetivos da pesquisa, a fundamentação teórica será guiada pela abordagem da Psicologia Cultural, sendo dada ênfase à definição de cultura e a relação com a construção do significado. A primeira seção, Cultura e significado, consiste em um aprofundamento de tais conceitos sob a luz de autores como Vygotski e Valsiner. Na segunda seção, Morte, cultura e significado, serão apresentados significados construídos acerca da morte ao longo da história humana. Na terceira seção, Luto e construção de significado, destaque será dado para a vivência do luto enquanto construção do significado, questões centrais para a elaboração do presente estudo. 3.1 CULTURA E SIGNIFICADO Este trabalho apresenta como referencial teórico a perspectiva da Psicologia Cultural do Desenvolvimento. Esta abordagem ressalta a importância do tempo e do espaço para a compreensão do comportamento humano. Para o presente estudo, o valor do contexto cultural, a consideração do momento de vida e a noção do tempo enquanto irreversível para os atores envolvidos no contexto de cuidados paliativos na oncologia pediátrica, são fundamentais para a exploração do tema. Além disso, a abordagem da Psicologia Cultural contribui para a compreensão das trajetórias da vida humana através das evidências das ambivalências e tensões presentes. Ao buscar compreender o fenômeno dos cuidados paliativos no contexto da oncologia pediátrica, pode-se perceber que a noção cultural sobre a morte vem associada a valores sociais e são internalizadas individualmente. É possível observar que a morte, além de um fenômeno biológico, se caracteriza também como uma situação social e culturalmente regulada através da combinação de diversos signos compartilhados que atuam como um guia social. A literatura e a experiência social demonstram que a morte é um fenômeno complexo e polissêmico, devido aos diversos significados e sentidos produzidos pelas 27 diferentes pessoas, grupos e comunidades. Tal diversidade pode ser refletida na diferentes conceitualizações do fenômeno da morte, as quais orientam todos os que trabalham e vivenciam tal temática. A perspectiva histórico-cultural tem ajudado a compreender a subjetividade humana através da compreensão e explicação do significado (Mesquita, 2005). A relação do homem com o mundo e com os outros ocorre através dos significados (Mesquita, 2005). De acordo com Vygotsky (1989), o significado da palavra é uma unidade do pensamento verbal. O autor afirma que do ponto de vista da psicologia, o significado pode ser considerado como uma generalização ou um conceito, sendo este um fenômeno da fala significativa ou do pensamento verbal, ou seja, uma união do pensamento e da palavra. O significado pode ser considerado como uma ideia e representação, mas também como as ações e disposições práticas, ajudando na compreensão do comportamento humano. Tal compreensão implica em uma relação social, o que nos permite concluir que o processo de significação é uma construção social (Mesquita, 2005). De acordo com a autora, o significado é um fenômeno social e pode ser considerado como organizador da consciência humana. A análise do significado só é possível no contexto específico no qual é produzido, pois, de acordo com Mesquita (2005), o significado é histórico, determinado e indissociável de uma cultura específica e das relações sociais de uma determinada época na qual surge. O significado depende tanto do contexto social no qual emerge quanto dos sujeitos diversos de cada situação. Vygotsky (1989) diferencia sentido e significado e afirma que há um predomínio do sentido sobre o significado. De acordo com o autor, o sentido é um complexo fluído e dinâmico, sendo ele a soma dos eventos psicológicos da consciência despertados pela palavra. O significado desta vez é apenas uma zona do sentido, sendo mais estável e preciso. Vygotsky (1989) afirma que o sentido da palavra é adquirido no contexto em que surge e este é alterado com a mudança dos contextos. Já o significado permanece estável, mesmo com todas as mudanças do sentido. Ele se caracteriza como conteúdos instituídos que são fixos e compartilhados, sendo apreendidos pelo sujeito (Aguiar e Ozella, 2006). 28 Quando o conteúdo de uma palavra se altera, o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra também se altera (Vygotsky, 1989). Desta forma, o autor ressalta a dinâmica na formação dos significados das palavras. Pode-se considerar o sentido de uma palavra com um caráter mais individual, no momento em que é um fenômeno móvel e variável, a depender da situação e da mente que o utiliza e o constrói. Mesquita (2005) acredita que os sentidos se relacionam com a realidade particular do sujeito e com as emoções, sendo eles um elemento de ligação entre a subjetividade do sujeito e o contexto social mais amplo. O significado é construído em um contexto social de interação verbal, sendo permeado por uma experiência individual que reflete uma realidade psicológica única. Desta forma, o sentido pode ser considerado como construtor de tal individualidade, integrando as emoções, valores e experiências com o mundo e participando também da construção dos significados (Mesquita, 2005). Valsiner (2000) ressalta a principal contribuição da teoria de Vygotsky, que foi a demonstração de que o processo de viver através de experiências constrói novidade. O autor destaca a mediação semiótica e afirma que o uso dos signos permite a distinção das funções psicológicas mais avançadas. O uso dos signos permite a síntese de novos significados, sendo distintiva no sistema psicológico abordado na teoria de Vygotsky a questão da síntese desenvolvimental através dos significados culturais e semióticos. Aguiar e Ozella (2006) afirmam que o significado da palavra nos permite compreender o movimento do pensamento. O instrumento psicológico que representa o objeto na consciência é o signo, o qual facilita a compreensão do pensar, ser e agir do sujeito. A relação do homem com a natureza é de transformação, sendo o significado um elemento constitutivo do processo de produção cultural, social e pessoal do sujeito. O mundo com o significado pode ser analisado através da mediação semiótica. De acordo com Aguiar e Ozella (2006), a mediação é uma categoria de grande importância para a abordagem histórico-cultural e pode ser considerada o centro organizador da relação singularidade e universalidade, as quais se constituem 29 mutuamente através de um processo dialético. A linguagem se caracteriza como um instrumento fundamental na emergência do novo, no qual o indivíduo modifica o social, transformando-o em psicológico. A semiótica é a ciência dos signos e seus usos (Valsiner, 2012). De acordo com Mesquita (2005), a mediação semiótica permite a compreensão e expressão dos significados, através do uso dos signos. Os signos estão associados aos significados, os quais são internalizados pelo sujeito, orientando a sua ação. Os signos e significados são instrumentos para a comunicação e posteriormente são utilizados para o controle e reflexão acerca do comportamento humano (Mesquita, 2005). Através da mediação semiótica, a forma de agir sobre o meio social modifica, sendo possível estabelecer relações com objetos sem necessitar da sua presença concreta. Torna possível também estabelecer diálogos e planejar e prever ações futuras, ao considerar o tempo enquanto irreversível (Mesquita, 2005). A Psicologia Cultural assume a idéia de que a cultura e a mente são inseparáveis. Tal abordagem lida com o estudo e impacto da cultura, tradição e práticas sociais na psiquê que confere a unidade do ser humano. Segundo Valsiner (2012), o mundo dos seres humanos é cultivado, através da transformação dos recursos naturais em um mundo significativo dos objetos. O sujeito possui um papel ativo no seu curso de desenvolvimento e na construção de conhecimento, transformando e sendo transformado pelas mensagens culturais, o que implica a construção da novidade (Valsiner, 2012). Segundo o autor, é papel do estudo do desenvolvimento compreender a relação de troca entre o sujeito e o seu ambiente cultural. Valsiner (2012) considera, desta forma, a cultura enquanto algo dinâmico e processual que ocorre dentro dos sistemas psicológicos humanos. A cultura pode ser compreendida através dos processos pelos quais o sujeito se relaciona com o mundo, ou seja, uma interação mútua entre indivíduo e ambiente que caracteriza a constituição dos mesmos (Valsiner, 2007). A cultura pode ser abordada como o organizador do desenvolvimento humano. 30 Os significados possibilitam a regulação do self através de uma construção hierarquicamente organizada. A pessoa está constantemente construindo, demolindo e reconstruindo hierarquias de significados, as quais regulam a ação da pessoa no contexto do aqui-e-agora, permitindo a emergência da novidade (Valsiner, 2000). Diferentes pessoas em um mesmo contexto constroem diversos significados acerca do mesmo, utilizando signos semióticos de diferentes níveis de generalização (Valsiner, 2000). O fenômeno psicológico humano é considerado como um processo, o qual funciona através de mediadores semióticos – os signos. Os signos são recursos que apresentam e representam certos aspectos de uma determinada realidade (Abbey e Valsiner, 2004). Diante da demanda de adaptação às constantes e inúmeras incertezas das experiências pessoais, ao longo do tempo, os signos exercem a função de facilitar a compreensão de fenômenos pessoais e/ou sociais complexos. Abordando o uso e as funções dos signos na vida humana, Valsiner (2005) afirma que o signo é um instrumento de mediação semiótica e abrange o passado para o futuro possível, o que permite que o indivíduo lide com o presente frente a tantas possibilidades do futuro. Os signos não apenas nomeiam, mas relacionam eventos e podem ser caracterizados como um campo de possibilidades de significação. O signo pode ser visto como o promotor do desenvolvimento (Valsiner, 2007). A construção do signo ocorre com o objetivo de superar demandas de um determinado processo. Eles emergem para modificar o processo e, da mesma forma, podem desaparecer, conduzindo a construção de ferramentas culturais que serão utilizadas em outras aplicações (Valsiner, 2012). Tais aplicações adicionais são orientadas através da construção pessoal de regulação de alguns processos em outro contexto temporal. Através da mediação semiótica, pode-se afirmar que as mentes fabricam os signos e são por eles operadas (Valsiner, 2012). A construção humana de significados é repleta de ambiguidades, sendo atravessada por limites de tempo. Tanto as experiências vividas no passado quanto as possibilidades futuras são afetadas pelo presente através da construção pessoal semiótica. De acordo com Valsiner (2012), tal fluxo temporal garante a emergência da novidade dos processos semióticos constantemente. 31 De acordo com Valsiner (2000/2012), é através da construção e utilizações dos mecanismos semióticos que o sujeito apreende a capacidade de se manter distante do seu contexto de vida imediato. Desta forma, a pessoa se torna tanto ator da situação quanto um agente reflexivo sobre o seu contexto imediato. O papel de agente reflexivo do contexto permite que o sujeito possa considerar em seu sistema psicológico os eventos passados e imaginar os contextos futuros, considerando também a perspectiva de outras pessoas (Valsiner, 2000). O desenvolvimento da pessoa e do mundo ao redor é um fenômeno cultural, e é possível fazer uma distinção entre cultura pessoal e cultura coletiva, conceitos que se assemelham aos conceitos de significado e sentido. A pessoa, em sua individualidade, relaciona-se com o mundo cultural e com os significados emergentes no contexto através de um processo constante de internalização e externalização (Valsiner, 2000). De acordo com Valsiner (2000), a cultura pessoal não se refere somente ao fenômeno subjetivo internalizado, mas também as externalizações imediatas deste processo, que são visíveis publicamente. O sistema pessoal de significados se reflete no mundo através de arranjos importantes para a pessoa, na construção pessoal dos domínios simbólicos que são publicamente visíveis, como na decoração do corpo, nas organizações de objetos pessoais e nos rituais pessoais de interação interpessoal. A externalização das culturas pessoais ocorre de maneira única e individualizada, mesmo nas diferentes pessoas ligadas a uma mesma entidade social (como a família), o que caracteriza a multivocalidade do discurso social (Valsiner, 2000). A cultura coletiva, por sua vez, é composta pelas externalizações dos sistemas pessoais de significados. A cultura coletiva é uma entidade mais estável e funciona como um input na construção das culturas pessoais, no momento em que a pessoa em desenvolvimento está constantemente exposta às sugestões sociais do ambiente. A construção da cultura coletiva ocorre através das trocas comunicativas entre as pessoas que a constroem e reconstroem (Valsiner, 2000). De acordo com Valsiner (2012), o processo de internalização é construtivo e se caracteriza pela análise do material semiótico contido no mundo externo e a síntese de uma nova forma no domínio intrapsicológico. Já a externalização é o processo de 32 análise dos conteúdos pessoal-culturais expressos no contexto e a síntese de tal material, evidenciada na modificação do ambiente externo. Os processos de internalização e externalização das culturas pessoal e coletiva permitem a individualidade do sujeito, a sua maneira única de ser, mesmo estando apoiado sobre um contexto mais geral da cultura coletiva (Valsiner, 2012). Ao construir um significado para se relacionar com o ambiente, o sujeito encontra-se implicado em um campo de significados opostos automaticamente. Essa tensão ocorre da interação entre a cultura pessoal e o contexto social no qual o sujeito está imerso. Desta forma, a pessoa está constantemente em uma fronteira: do que é conhecido e do que ainda não lhe é conhecido, mas é sugerido pelo contexto social através de dispositivos semióticos (Valsiner, 2012). A vida psicológica do ser humano por ser considerada afetiva em sua natureza, no momento em que os sentimentos estão presentes nas construções simbólicas, sendo eles próprios, culturalmente organizados pela via da criação e uso de signos (Valsiner, 2012). Destacam-se diferentes níveis de generalização nos três domínios nos quais a experiência humana flui continuamente (microgenético, mesogenético e ontogenético), nos quais ocorre a regulação da afetividade através da sugestão social codificada em signos. No nível microgenético incluem-se as experiências de enfrentamento da pessoa aos momentos próximos e inéditos da sequência do tempo irreversível; no nível mesogenético situam-se os diversos cenários e contextos de atividade que são relativamente repetitivos (rezar, ir à escola...) e que canalizam a subjetividade humana ao estabelecer uma gama de experiências possíveis; por fim, no nível ontogenético, agregam-se as estruturas de significados relativamente estáveis que orientam a pessoa durante sua vida (Valsiner, 2012). Segundo o autor (Valsiner, 2012), momentos singulares na vida de uma pessoa que conservam um caráter profundamente afetivo (a exemplo da perda de um filho) podem ser culturalmente assistidos por eventos mesogenéticos (rituais), de forma a amortecer o seu impacto no nível ontogenético de organização subjetiva. Entretanto, o autor também ressalta a possibilidade de um evento microgenético impactar 33 diretamente significados mais estáveis do nível ontogenético, evidenciando a dinâmica na construção dos significados. Conforme apontado pelo autor (Valsiner, 2012), os campos afetivos superiores regulam a experiência humana em sua totalidade, e podem aparecer como significados hipergeneralizados que deixaram o contexto original em que emergiram, para ensaiar novas experiências. De acordo com Valsiner (2007), os significados hipergeneralizados das vivências sociais orientam o comportamento humano, a sua conduta, pensamento e afetos, destacando a centralidade da cultura na mente humana. Na presente pesquisa, destaca-se o contato com a morte e a vivência do luto, que podem ser apreendidos como signos hipergeneralizados, conduzindo as ações dos atores neste contexto em um tempo irreversível. Os signos no presente auxiliam na significação acerca da variedade de possíveis construções de experiências futuras, possibilitando que elas sejam antecipadas subjetivamente. Isto significa que o indivíduo se orienta para situações futuras através da construção antecipada de significado, com base em vivências passadas (Valsiner, 2005). Desta forma, entende-se que são construídos signos com níveis suficientes de abstração que funcionam como guias para as futuras ações e construções semióticas, sendo estes os signos promotores do desenvolvimento humano. De acordo com Valsiner (2004), a mediação semiótica permite um distanciamento psicológico do aqui-e-agora, favorecendo uma dialogicidade com o sistema do self. Esse processo é guiado pelo signo promotor, o qual consiste em significados generalizados tipo campo que orientam o self na construção de significados em qualquer contexto. O processo de mediação semiótica envolve signos em alto nível, os quais flexibilizam a hierarquia de signos para futuras transformações necessárias. O signo promotor também funciona como um tradutor particular de experiência do nível microgenético para o ontogenético. O signo promotor enfatiza a extensão temporal orientada para o futuro. Os signos promotores possuem uma maior abstração e têm a função de guiar diante das diversas possibilidades de construções futuras. Todo mediador semiótico pode funcionar como um signo promotor – isso ocorre no processo microgenético no 34 presente. O papel desses signos é de feed-forward – eles disponibilizam a gama de possibilidades de significados para futuras experiências com o mundo. O signo se torna promotor ao canalizar as ações futuras e internalizá-las na forma de sentimentos (Valsiner, 2004). Desta forma, o signo promotor organiza o significado para o tempo futuro, sendo essencial para analisar e compreender as ações e práticas de atores sociais. Quando se trata do contexto de cuidados paliativos, o signo promotor morte é capaz de organizar os significados e sentimentos associados à perda, permeando o modo de enfrentamento do luto. Acredita-se que há um impacto da visão cultural sobre a morte na construção de significados pessoais acerca dessa experiência. A morte pode ser vista como um signo hipergeneralizado e promotor, mas que adquire diversos significados a depender das experiências singulares – cada um constrói um significado particular para o conceito. Observa-se um grande nível de abstração no signo morte, que apresenta a capacidade de conduzir e guiar o comportamento humano frente aos desafios da vida. Desta forma, a partir do significado atribuído ao signo morte, diferentes atitudes serão encontradas na sociedade frente a esse fenômeno. 3.2 MORTE, CULTURA E SIGNIFICADO Menezes (2004) discute a política de cuidados paliativos e afirma que esta foi criada com o objetivo de aplacar o sofrimento do indivíduo em contraposição à prática médica eminentemente tecnológica e institucionalizada, buscando uma nova representação sobre a morte e um espaço para discussão de tal tema. A morte não pode ser considerada apenas um fato biológico, mas também um processo construído socialmente. Como nos coloca Menezes (2004), “Como outros fenômenos da vida social, o processo do morrer pode ser vivido de distintas formas, de acordo com os significados compartilhados por essa experiência. (...) Os sentidos atribuídos ao 35 processo do morrer sofrem variação segundo o momento histórico e os contextos socioculturais” (pp. 24). Ariès (1977) apresenta o comportamento humano diante da morte, na sociedade ocidental cristã, destacando o ponto de vista histórico e sociológico. O autor busca compreender as atitudes diante da morte sob a ótica do momento histórico e social da vivência, sendo que algumas atitudes permanecem praticamente inalteradas, enquanto outras surgem em determinados momentos e são peculiares a determinado período histórico. No início da Idade Média, a morte era considerada um fenômeno familiar, no qual o indivíduo era advertido e apresentava conhecimento acerca da morte. Ou se tratava da morte terrível pela peste, ou era uma morte súbita, a qual se apresentava como excepcional e não era mencionada. Por saber que o fim estava próximo, o moribundo, conforme cita Ariès (1977), tomava as suas providências e a morte era esperada no leito, sendo uma cerimônia pública e organizada. A morte era aceita socialmente por ser um evento da natureza e os rituais eram cumpridos com simplicidade. A partir do século XI, na Idade Média, alguns novos fenômenos introduziram a preocupação com a particularidade de cada indivíduo. A crença no juízo final e na vida após a morte, no qual eram julgadas as ações do indivíduo ao longo da vida, trouxeram a prática de se pensar na própria biografia e no apego às coisas e aos seres ao longo da vida. Desta forma, a morte destacou-se como um momento em que o homem melhor toma consciência de si mesmo (Ariès, 1977). Uma nova representação é dada à morte a partir do século XVIII. A morte passa a ser vista como uma ruptura e não mais como algo familiar. Destaca-se a exaltação e a dramatização, no momento em que se passa a se preocupar com a morte do outro, cuja saudade e as lembranças estabelecem o culto aos cemitérios. Segundo Ariès (1977), há uma complacência para com a morte e o moribundo delega aos mais próximos todos os seus poderes e decisões. Destaca-se a perspectiva do luto excessivo, sendo este ritualizado por duas finalidades: permitia um espaço para a família manifestar a dor que experimentava e apresentava o efeito de defender o sobrevivente por submetê-lo a um tipo de vida social. 36 De acordo com Ariès (1977), “a morte, tão presente no passado, de tão familiar, vai se apagar e desaparecer. Torna-se vergonha e objeto de interdição” (p. 53). Os amigos e familiares que cercam o moribundo passam a poupá-lo das informações e da gravidade do seu caso e a verdade se torna problemática. Na modernidade, a dor passa a ser evitada a qualquer custo e a morte passa a ocorrer no hospital e não mais nas casas. Desta forma, a morte se torna um fenômeno técnico e as manifestações do luto passam a ser condenadas, sendo a dor demasiadamente visível um sinal de perturbação mental. Ariès (1977) afirma que “o luto não é mais um tempo necessário e cujo respeito a sociedade impõe; tornou-se um estado mórbido que deve ser tratado, abreviado e apagado”. Como pode ser visto na atualidade, há uma tentativa do ser humano de evitar a morte a qualquer custo e uma dificuldade em se debater tal tema. A morte torna-se então um tema tabu e o luto envolvido, desta forma, pouco reconhecido e respeitado socialmente. 3.3 LUTO E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO O ciclo de vida é marcado não somente por regularidades e continuidades progressivas, como principalmente por momentos nos quais essas continuidades são interrompidas, desafiadas e reorientadas. Esses momentos podem ser considerados como pontos de bifurcação nos quais o indivíduo necessita desenvolver novas condutas. As rupturas na vida geram questões e situações estranhas, as quais buscam respostas e um ajustamento, sendo este compreendido como uma transição (Zittoun, 2012). A ruptura assinala o final de um modo de ajustamento, a emergência de ambivalências, e um período no qual novas dinâmicas e mudanças mais profundas precisam ser estabelecidas. Os processos através dos quais esses ajustes são produzidos, por sua vez, são conceituados pela mesma autora, como transições. Assim, concebe-se que é ao longo das transições que mudanças mais significativas são produzidas, visando um novo encaixe mais sustentável entre a pessoa e o seu 37 ambiente, e uma espécie de reequilíbrio e restauração do senso de continuidade e integridade do self (Zittoun, 2009). De acordo com Zittoun (2012), o processo de transição após a ruptura pode ser analisado através de três níveis: 1. Processo de aprendizagem: aquisição de conhecimento e habilidades, o qual reflete na capacidade de resolver problemas; 2. Processo de identidade: elaboração de uma identidade social, um posicionamento e um reconhecimento, envolvidos na própria definição do self (crenças e valores); 3. Dinâmica de construção de sentido: sistema de organização entre os níveis de análise, o qual ocupa um papel central nas mudanças que envolvem a identidade e a aprendizagem. Para facilitar a transição, Zittoun (2012) aponta recursos necessários que a pessoa encontra em si ou no ambiente. As classes dos recursos são: institucionais, nas relações interpessoais, recursos semióticos/simbólicos (conhecimento social, informações, conhecimento científico, elementos culturais) e recursos pessoais (capacidade reflexiva e experiências passadas). Esse conjunto de noções (rupturas e transições) constitui, segundo Zittoun (2009), uma unidade metodológica muito proveitosa para a análise e estudo do desenvolvimento de trajetórias de vida. Segundo a autora, os pontos de bifurcação e a sequência de comportamentos e estratégias que os seguem, podem ser vistos como laboratórios naturais de mudanças e emergências de novidades, na vida das pessoas. No entanto, a autora pontua que metodologicamente, os estudos dos processos de transição precisam identificar pontos de ruptura significativos que justifiquem a investigação. Embora esses pontos sejam geralmente identificados com base em critérios externos (representações sociais, fatos observáveis ou critérios definidos pelo pesquisador), é preciso que as rupturas sejam percebidas como significativas pela própria pessoa que conta sua história. A morte pode ser considerada uma ruptura, no momento em que é uma das experiências mais traumáticas para o ser humano, tanto por originar uma carga de perda e dor para si mesmo, como também por culturalmente ser considerada um 38 assunto tabu na maioria das sociedades. De acordo com Carter e McGoldrick (1995), a morte causa uma ruptura no sistema familiar e o grau de impacto é influenciado pelos seguintes fatores: contexto social e étnico da morte; a história de perdas anteriores; o timing da morte no ciclo de vida; a natureza da morte ou da doença; a posição e função da pessoa no sistema familiar e a abertura desse mesmo sistema. O processo do luto é normal e esperado para a elaboração de alguma perda, proporcionando ao indivíduo a reconstrução de recursos e adaptação às mudanças impostas pela ruptura. Ele pode então ser considerado como um processo de organização e transformação, no qual não se apaga a crise, mas ocorre uma adaptação à nova realidade (Casellato, 2005). "O processo de luto é necessário na medida em que nós precisamos dar sentido ao que aconteceu em nossas vidas e retomarmos o controle sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre as relações afetivas" (Casellato, 2005, pp. 20). De acordo com Bowlby (1985), duas mudanças psicológicas estão implicadas no processo do luto: "reconhecer e aceitar a realidade; e experimentar e lidar com as emoções e problemas que advém da perda", as quais podem ser prejudicadas ou favorecidas pelo contexto no qual a elaboração ocorre. O trabalho de luto implica no teste de realidade no qual se constata que o objeto de investimento emocional não está mais acessível. Desta forma, a aceitação dessa nova realidade permite que o indivíduo possa investir em outras relações afetivas e assim reorganizar-se emocionalmente e continuar a viver (Casellato, 2005). Além de ser uma reação à perda, acompanhada de um pesar, o luto nos confronta com ameaças à segurança e mudanças importantes na vida e na família, podendo ou não estar associada às lembranças terríveis de eventos, culpa pela morte (dirigida a si ou a outras pessoas) e vergonha ou culpa por sua negligência ou cumplicidade (Parkes, 2009), como se pode observar em muitos casos de luto paterno/materno. Para Carter e McGoldrick (1995), a morte de um filho pode ser considerada como a maior tragédia da vida familiar, principalmente por inverter a ordem natural da vida. As autoras sugerem que o grande pesar pela perda de um filho tem como 39 maior explicação o processo de projeção familiar, no qual os filhos são o foco emocional importante da família. Além disso, projetam-se nos filhos os sonhos e esperanças de vida dos pais, sendo a morte deles um golpe existencial para esse sistema familiar (Carter e McGoldrick, 1995). Silva (2006) afirma que a perda de um filho se caracteriza como um tipo singular de luto, o qual requer um ajustamento emocional para enfrentar a sua dor assim como enfrentar as alterações no sistema familiar. Apesar de existir um grande pesar em toda a família pela perda da criança, a mãe talvez seja quem mais sente pela culpa e pela crença de que poderia ter feito algo para salvar o filho, por imaginar ter falhado em seus cuidados maternos. No que se refere ao tema morte, Freud foi um dos primeiros a se atentar ao fenômeno cientificamente e definiu os traços mentais distintivos do luto como uma reação à perda de alguém que se ama e consequentemente uma mudança de interesse no mundo externo. De acordo com Freud (1996), o luto refere-se também a perda da capacidade de substituir o objeto de amor perdido e um afastamento de experiências que evoquem o pensamento sobre ele. O ego realiza o teste de realidade que revela que o objeto amado (ente querido ou alguma abstração que ocupa o lugar dele) não existe mais, então, a partir disso é exigido que a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Porém, isso se torna difícil porque nem sempre as pessoas aceitam facilmente deixar uma posição libidinal, mesmo quando já existe um substituto. Quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido (Freud, 1996). É quando o tempo passa, a dor e a ferida da perda cicatrizam e a pessoa passa a “viver” novamente. Diferentemente de Freud e apresentando uma visão mais abrangente sobre o enlutamento, Parkes (2009) discorre acerca do Harvard Bereavement Project (Pesquisa de Harvard), uma primeira tentativa de analisar o processo de luto e identificar fatores que influenciam no resultado do luto, destacando a vulnerabilidade pessoal do enlutado; a relação com a pessoa falecida; eventos e circunstâncias que levaram à morte e o apoio social e outras circunstâncias após a morte. A Pesquisa de Harvard evidenciou que o apego à pessoa que morreu seria um forte determinante do resultado do processo de luto e de virem a acontecer reações problemáticas. 40 Em seus estudos acerca do luto, Parkes (2009) introduz o conceito de mundo presumido, que se caracteriza por ser o nosso mundo interno que acreditamos ser verdadeiro. Nele estão incluídas as experiências de vida passadas e a estrutura complexa cognitiva que produz o nosso senso de significado e propósito de vida. Desta forma, qualquer acontecimento que provoque mudanças importantes na vida, principalmente quando inesperado, introduzem uma crise ao desafiar o nosso mundo presumido. Até que as mudanças sejam realizadas, observam-se sentimentos de inquietude, tensão, ansiedade e indecisão (Parkes, 2009). Tal fenômeno pode ser observado no processo de luto, no qual mudanças são necessárias na rotina e no significado em torno da vida. Segundo Parkes (2009), pesquisas indicam que há uma maior probabilidade de se desenvolverem complicações no processo de luto quando este é consequência de mortes súbitas, inesperadas e prematuras, comparando-as a mortes que podem ser antecipadas e haver um preparo, como é o caso do luto frente ao contexto de cuidados paliativos. Na Pesquisa de Harvard, observou-se que, nas perdas traumáticas, a pessoa possuía maior dificuldade para acreditar na morte e confrontar a perda. Além disso, originava com maior frequência isolamento social, ansiedade duradoura, depressão, solidão e auto-reprovação (Parkes e Weiss, conforme citado por Parkes, 2009). No caso da morte de uma criança no contexto de cuidados paliativos, pode-se considerar como uma morte prematura e inesperada, apesar de haver um preparo e uma antecipação ao longo do agravamento da doença. Casellato (2005) ressalta que o enfrentamento da morte na nossa sociedade é marcado pela negação e pela evitação, o que dificulta o reconhecimento de situações de perdas, as condições para expressão do pesar e o compartilhamento dos sentimentos e pensamentos frente à crise desencadeada em situações de luto. Esse aspecto dificulta o recebimento de apoio social e profissional, e, consequentemente, a reorganização do indivíduo diante do momento de ruptura. Franco (2008) nos trás que a natureza e os significados relacionados à perda estão intimamente associados ao luto e à sua estratégia de enfrentamento. A autora acredita que o próprio processo do luto apresenta a ideia de reaprender o mundo através da construção de significados para tal vivência. Franco (2008) afirma então 41 que o processo do luto favorece uma revisão da identidade, das relações sociais, da relação com a morte e do sistema de crenças do indivíduo. 42 4. DELINEAMENTO DO OBJETO DE ESTUDO 4.1 O CONTEXTO DE CUIDADOS PALIATIVOS A assistência à saúde torna-se cada vez mais voltada ao processo de cura, baseada em um direcionamento aos cuidados críticos através da medicina de alta tecnologia. Através deste movimento e do aumento da dependência tecnológica, as práticas humanistas e o paradigma do cuidar se enfraquecem no contexto da saúde. A preocupação, o apreço e a presença solidária junto aos pacientes perdem espaço e identifica-se um esforço da medicina de prolongar a vida a qualquer custo (Pessini, 2001). O paradigma do cuidar parte do pressuposto de aceitação da morte como um processo natural e como condição do ser humano, a finitude. Tal paradigma permite um enfrentamento mais concreto dos limites da mortalidade humana e, de acordo com Pessini (2001), “a medicina orientada para o alívio do sofrimento estará mais preocupada com a pessoa doente do que com a doença da pessoa” (p. 218). Essa visão favorece uma assistência na qual a dor e o sofrimento das pessoas tenham a prioridade no cuidado, com um compromisso direto com o bem-estar do paciente. O autor ressalta que curar é aliviar a dor e auxiliar o paciente a viver e enfrentar a fragilidade, tanto no âmbito corporal, quanto mental ou funcional. A medicina paliativa trabalha com a filosofia de reconhecer a morte como um processo natural do viver. Desta forma, o objetivo não é acelerar a morte e nem adiála, mas de assumir uma postura holística de cuidado às dimensões físicas, psicológicas, sociais e espirituais do ser humano (Pessini, 2001). Os hospices, então, são conhecidos como uma forma especial de cuidar de pessoas em fase terminal da vida e envolve uma equipe de profissionais especializada, que esteja atenta às necessidades físicas, sociais, emocionais e espirituais do paciente, assim como fornecer suporte aos familiares/cuidadores (Wolfe, Hinds & Sourkes, 2008). Considera-se importante para a compreensão da abordagem dos cuidados paliativos, algumas notas históricas sobre o desenvolvimento dos hospices, 43 destacando-se que hospice corresponde a uma filosofia de cuidado, e não somente a um espaço físico. A origem dos hospices, de acordo com Pessini (2001), ocorre no século IV da era cristã, na qual uma matrona romana (Fabíola) abriu a sua casa aos necessitados (famintos e sedentos, enfermos, prisioneiros, estrangeiros) com o objetivo de praticar misericórdia cristã, sendo mais tarde assumido pela Igreja. Na cidade de Lyon, em 1842, foi onde surgiu o primeiro hospice dedicado aos moribundos, através do contato da Madame Jeanne Garnier com pacientes com câncer que morriam em suas casas. A filosofia foi se expandindo e surgindo em outros lugares do mundo, como na Grã-Bretanha e em Londres. Em 1967, destaca-se o surgimento do St. Christopher Hospice, sob a coordenação de Cicely Saunders, assistente social e posteriormente médica, que dedicou os cuidados a pacientes em fase final da vida. O seu interesse surgiu após o contato com um judeu refugiado que estava morrendo de câncer e, juntos, refletiram sobre a melhor forma de suprir as necessidades do mesmo, ou seja, aliviar a dor e ter alguém que o cuidasse como pessoa (Pessini, 2001). Cicely Saunders liderou um movimento a favor da medicina paliativa e dos hospices, analisando estratégias para lidar com os sintomas dos pacientes, através de medicação e apoio sociopsicológico e espiritual. O novo campo criado da medicina paliativa envolve uma equipe de saúde especializada, com o foco no controle da dor e no alívio dos sintomas (Melo, 2011). Conforme nos traz Pessini (2001), tal movimento cresceu e o Reino Unido foi o primeiro país no qual foi reconhecida a medicina paliativa como uma especialidade para a medicina. Atualmente, a filosofia da medicina paliativa tem se expandido em diversos locais do mundo, inclusive no Brasil. Melo (2011) nos traz os obstáculos presentes na implementação de programas de cuidados paliativos em nível nacional: falta de uma política de alívio da dor e aspectos ligados ao cuidado paliativo, defasagem na formação dos profissionais de saúde, preocupação referente ao abuso no uso de morfina e opióides e limitação de fornecimento de outras drogas utilizadas para alívio da dor e de outros sintomas, limitação de recursos financeiros para a pesquisa na área de cuidados paliativos. Para a implementação de uma unidade de cuidados paliativos é necessária uma mudança de postura, na qual se assuma que é possível fazer algo para pacientes em 44 sofrimento ou alcançando os momentos finais da vida, evitando tratamentos agressivos (Melo, 2011). Conforme a autora, a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP) foi fundada em São Paulo, em 1997, com o objetivo de proporcionar uma interação científica e profissional da equipe de saúde que atua e pesquisa aspectos ligados ao cuidado de pacientes crônicos ou em fase avançada no processo terminal, assim como qualificar a atenção aos enfermos e incentivar as pesquisas no campo dos cuidados paliativos. Tal iniciativa propõe também prestar assistência técnica sobre o conteúdo e promover discussões sobre problemas éticos e implicações na prática dos cuidados paliativos. No Brasil, foram identificados em 2011, trinta serviços de cuidados paliativos, de acordo com um levantamento realizado pela ABCP (Melo, 2011). O trabalho de cuidados paliativos é regido por princípios que devem ser seguidos em todas as atividades desenvolvidas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2007), os princípios dessa abordagem são: promover o alívio da dor e de outros sintomas estressantes; olhar a morte como um processo natural, reafirmando a vida; não antecipar e nem postergar a morte; integrar aos cuidados os aspectos psicossociais e espirituais; oferecer um sistema de suporte para que o paciente possa viver ativamente o quanto possível; oferecer um sistema de suporte para que os familiares sintam-se amparados durante o processo da doença; e, deve ser iniciado o mais precocemente possível. Dentre os princípios éticos da abordagem da medicina paliativa, destacam-se a proporcionalidade terapêutica (deve-se levar em conta a utilidade da medida, alternativas, riscos e benefícios, prognóstico diante da ação, assim como os custos em todas as dimensões para o sujeito e para a equipe), o duplo efeito (deve haver uma razão proporcional para a medida terapêutica e o possível efeito colateral), a prevenção, o não-abandono (estar junto ao paciente, estabelecendo uma comunicação empática e aceitando o desafio de lidar com a finitude humana) e a veracidade. No que se refere à veracidade, destacam-se os aspectos da comunicação, na qual se exige clareza na comunicação com o paciente e com a família, para torná-los ativos no processo de tomada de decisões fortalecendo a sua autonomia (Pessini, 2001). De acordo com o autor, há uma conspiração do silêncio, principalmente na cultura latina, com o objetivo de proteger o paciente da verdade, o que traz o risco de expor o paciente e seus familiares a novas formas de sofrimento. 45 No contexto de cuidados paliativos, o trabalho é realizado em equipe multiprofissional e o foco da atenção se torna o doente, e não somente a doença a ser curada. Entende-se doente como um ser ativo, o qual possui direito a informação e autonomia diante das decisões acerca da sua saúde (Maciel, 2008). Maciel (2008) pontua que a cura nem sempre é uma verdade na medicina e, desta forma, a abordagem paliativa deve ocorrer concomitantemente com o tratamento curativo. Ressalta-se a importância do trabalho multiprofissional, que possa atuar sobre os sintomas de forma ampla, não apenas abrangendo o aspecto biológico, como também o entorno afetivo do paciente, buscando, além de aliviar, prevenir um sintoma ou uma situação de crise. No que se refere aos cuidados paliativos na pediatria, a atenção é centrada na família e no favorecimento da qualidade de vida, atendendo a todos os aspectos envolvidos no sofrimento da criança gravemente enferma (Zhukovsky & Robert, 2011). Torna-se importante ressaltar a especificidade da infância e a necessidade de uma abordagem adaptada a esse momento da vida. É necessário o conhecimento acerca do desenvolvimento e das diferentes fases que a infância possui, destacando-se os momentos em que a criança é capaz de expressar seus pensamentos e os momentos em que ainda não o consegue (Barbosa, Lecussan & Oliveira, 2008). Em nossa sociedade ocidental, é comum se deparar com a crença de que as crianças não sabem informar o que sentem, não são capazes de identificar o que seria melhor para elas, não compreendem informações sobre o adoecimento e a morte, e evidencia-se uma tendência para protegê-las. Barbosa, Lecussan & Oliveira (2008) ressaltam que as crianças apresentam mudanças intensas ao longo do seu desenvolvimento e apresentam maior resiliência em comparação aos adultos assim como uma maior variabilidade de respostas às intervenções de saúde. Como as crianças estão em desenvolvimento, torna-se mais difícil prever a resposta ao tratamento, além disso, a criança é representada por um responsável e o luto da família é frequentemente mais intenso e com maior duração, devido ao ciclo de vida familiar. Barbosa, Lecussan & Oliveira (2008) trazem que pais que perdem filho correm o risco de desenvolver um luto complicado, devido ao sofrimento de perdas múltiplas, pois morrem também sonhos e esperanças e fortalece a impressão de fracasso por 46 parte dos pais. Quando se trata da criança, pode ocorrer a vivência do luto antecipatório, decorrente da perda das suas funções, bem como de um isolamento progressivo e comprometimento da vida social e familiar. A Academia Americana de Pediatria afirma que a oferta dos cuidados paliativos deve iniciar no momento do diagnóstico e permanecer de forma contínua até a cura ou até o momento da morte. Apresenta princípios para um modelo integrado de Cuidado Paliativo como o respeito à dignidade dos pacientes e do familiar, o acesso a um serviço competente, que apresente suporte aos profissionais de saúde, a melhoria do suporte profissional e social, assim como melhora contínua da assistência através da educação e de pesquisas (Barbosa, Lecussan & Oliveira, 2008). Como se trata de cuidados paliativos na pediatria, as crianças, na maior parte das vezes, como pontuado anteriormente, são representadas pelos seus responsáveis, que atuam na tomada de decisões. Do ponto de vista ético, os responsáveis devem prezar pelo maior beneficio para a criança e esta deve ser envolvida no processo de tomada de decisões pertinentes ao seu cuidado, o máximo possível (Barbosa, Lecussan & Oliveira, 2008). Destaca-se a importância da comunicação clara e sincera, que possa fornecer segurança para que os familiares possam decidir com base em suas crenças, valores e interesses da criança. A abordagem do cuidado paliativo ressalta, a todo o momento, o fenômeno da morte com o objetivo de aplacar o sofrimento envolvido na mesma, tanto para o paciente quanto para a sua família (Menezes, 2004). Desta forma, o contexto de cuidados paliativos convida o paciente, os familiares e os profissionais de saúde a envolverem-se em um processo de busca de significados relativos ao viver e morrer (Prade, Casellato e Silva, 2008). Concordando com os autores, a busca desses significados é o foco principal do presente trabalho. Os significados compartilhados socialmente, embasados no momento e contexto histórico e social, assim como os sentidos construídos pelos indivíduos guiam as atitudes que se apresentam frente à morte. Desta forma, podemos obter uma melhor compreensão sobre o fenômeno dos cuidados paliativos ao explorar as crenças, os sentimentos e as estratégias de enfrentamento da morte envolvidos nos processos de significação frente ao morrer. 47 No contexto de cuidados paliativos, destaca-se a vivência do luto antecipatório, mais evidenciado na experiência dos familiares e da criança, mas sendo também uma vivência possível para os profissionais que lidam com a perda de um paciente. Desta forma, busca-se também, no presente estudo, identificar crenças, sentimentos e estratégias para tal enfrentamento. A Figura 3 a seguir apresenta o modelo teórico criado para indicar os conceitos e os fenômenos a serem estudados na presente trabalho, evidenciando as suas relações e interações. FIGURA 3: Modelo teórico ilustrativo sobre os fenômenos estudados no presente trabalho. 48 4.2 LUTO ANTECIPATÓRIO A vivência do luto antecipatório destaca-se no contexto de cuidados paliativos, mais evidenciado na experiência dos familiares e do paciente. O luto antecipatório é aquele luto pela perda futura concreta, o qual permite uma reorganização de recursos para enfrentamento da perda iminente, propiciando um desenvolvimento normal do luto (Fonseca, 2012). O fenômeno do luto antecipatório se caracteriza como um processo, sendo desta forma dinâmico, singular e não linear. Da mesma forma que o processo de luto normal após a perda, o luto antecipatório também apresenta “... reações intensas e sobrepostas de choque e negação, ansiedade e busca, desorganização e desespero, recuperação e reorganização” (Prade, Casellato & Silva, 2008, p. 154). A principal função do luto antecipatório talvez seja facilitar um desenvolvimento do luto normal. Por ser um luto por uma perda futura, este possibilita que, no momento em que a família conseguir assumir a vivência de um membro doente e em fase terminal, ela seja capaz de organizar os seus recursos para enfrentar a perda iminente do ente querido (Fonseca, 2012). O autor ressalta que o processo de luto antecipatório não extingue o impacto da morte quando ela ocorre. De acordo com Kovács (2008), a antecipação do luto permite a elaboração de perdas que acontecem ao longo da vida, o que produz significado para a existência do sujeito. A autora destaca que o luto antecipatório envolve perdas adquiridas com o adoecimento e que o trabalho deste luto e a busca por um sentido para a dor possui um caráter preventivo. Rando (1986) identificou divergências no que se refere às opiniões acerca do luto antecipatório, pontuando três vertentes: um grupo de pesquisadores que acreditam haver um efeito positivo no luto normal pós-morte quando vivenciado o luto antecipatório, sendo este uma possibilidade de evitar o luto complicado; outro grupo de pesquisadores que não identificam uma relação entre luto antecipatório e o luto pós-morte e, por último, aqueles que consideram que o luto antecipatório pode trazer um efeito negativo para o luto pós-morte, por conduzir a uma separação prematura entre o paciente e seus familiares (Rando, 2000 apud Fonseca, 2012). No luto antecipatório, é necessário observar que existem diversas perspectivas para se analisar a experiência, sendo estas a do paciente, a das pessoas mais íntimas, a 49 de outras pessoas envolvidas e a do cuidador. Cada pessoa envolvida no processo apresenta seus sentimentos, pensamento, valores, princípios e crenças que devem ser respeitados e ouvidos, sendo que a ênfase deve ser dada ao paciente em primeiro lugar. Outro aspecto a se destacar no luto antecipatório é o foco temporal, já que diante de um diagnóstico de terminalidade, a experiência de enlutamento é influenciada por perdas que ocorreram no passado, pelas atuais, assim como pelas que possam vir (Rando, 1986; Fonseca, 2012). O processo do luto no contexto de cuidados paliativos é vivido pelo paciente, pela família e pela equipe de saúde. De acordo com Prade, Casellato e Silva (2008), o luto do profissional de saúde frente à iminência da morte do paciente é um fenômeno complexo e pode se tornar um fator de risco para a sua saúde física e mental. A complexidade do fenômeno ocorre principalmente devido ao fato do processo de luto ser vivido de forma velada, negada e negligenciada por esses atores envolvidos no contexto. O luto experienciado pelos profissionais de saúde pode ser considerado um luto não reconhecido, no momento em que existem regras na sociedade que determinam como, quem, quando, onde e por quanto tempo devem ser expressos os sentimentos do luto. De acordo com Maso, Campos, Gianini & Padovan (2005), o agravamento do estado do paciente ou a iminência da morte podem mobilizar a equipe de saúde com sentimentos como angústia, choque, negação, fracasso, tristeza, culpa, vergonha e fantasias variadas. Os sentimentos diante da perda do paciente podem ter uma duração longa e, caso não sejam elaborados, podem retornar no contato com outros pacientes e outras situações futuras, provocando um estresse no profissional. No ambiente de trabalho, os profissionais estão submetidos a uma série de estressores e de demandas de tarefas e cobranças institucionais, as quais podem interferir nas necessidades pessoais dos mesmos, dificultando o enfrentamento de determinadas situações. Sendo assim, é possível observar a utilização de mecanismos de defesa em resposta ao estresse no ambiente de trabalho (Maso et al, 2005). O estresse vivenciado pelos profissionais pode ocorrer muitas vezes devido à um processos de luto não reconhecido, o qual não é validado socialmente e não há um 50 espaço para que o profissional expresse os seus sentimentos, pensamentos e comportamentos (Maso et al, 2005). Desta forma, o luto antecipatório pode ser um facilitador para o luto do profissional, como uma possibilidade de despedida do paciente e de manejar as questões ligadas ao mesmo e à sua família nos momentos finais da vida (Prade, Casellato e Silva, 2008). 4.3 PRÁTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE No que se refere às práticas de atenção à saúde, alguns aspectos se tornam importantes para a compreensão da dinâmica envolvida no contexto de cuidados paliativos: os cuidados físicos, a tomada de decisões e a comunicação. 4.3.1 Cuidados físicos Quando não é mais possível a cura, o tratamento no contexto de cuidados paliativos oferece intervenções que permitam uma boa qualidade de vida para o paciente. Segundo Kitajima e Cosmo (2008), a família demonstra a necessidade de participar dos cuidados ao paciente, da mesma forma que deseja confiar e ter seguranças nos cuidados oferecidos pela equipe. A dor é o sintoma mais persistente no contexto de cuidados paliativos na oncologia pediátrica. De acordo com Canan (2007), a dor não pode ser considerada apenas biologicamente, como também psicologicamente e associada a um contexto social específico. Desta forma, a avaliação dos fatores envolvidos no controle da dor envolve a atuação de uma equipe multiprofissional assim como a atuação da família. 4.3.2 Tomada de decisões De acordo com Kurashima & Camargo (2007a), vários fatores estão associados à trajetória da doença, que se caracteriza como uma experiência pessoal, como o prognóstico, o impacto das estratégias de tratamento e a incapacidades preexistentes. Acredita-se que o planejamento e a tomada de decisões ao longo do adoecimento podem ser facilitados através da compreensão dos tipos de trajetória da 51 doença e a sua relação com a morte (Ingham & Kachuik, 20024 apud Kurashima & Camargo, 2007a). Kurashima & Camargo (2007a) afirmam que não há uma única conduta no processo de tomada de decisões, sendo esta uma avaliação individual e embasada nos fatores momentâneos, na evolução clínica do paciente assim como nos próprios sentimentos dos profissionais envolvidos, que interferem nas discussões com a família. Os autores ressaltam que há uma recomendação para que o profissional seja honesto, aberto e que esteja disposto a “escutar”. A comunicação é um fator importante e que facilita o processo de tomada de decisões. 4.3.3 Comunicação A comunicação, segundo Kitajima e Cosmo (2008), é um ato de emitir, transmitir e receber mensagens com o objetivo de compreender o mundo, relacionarse com outros sociais e transformar a si mesmo. No contexto hospitalar, a comunicação pode ser considerada a base central para uma qualidade na assistência. As famílias que possuem um parente internado diante de um diagnóstico considerado grave, encontram-se em circunstâncias emocionais difíceis e em um nível elevado de estresse. Tal contexto torna a comunicação entre equipe e família um processo complicado, no qual se evidencia a necessidade da equipe manter um bom relacionamento com a família, ambos estando disponíveis para um processo de comunicação clara, efetiva e dinâmica (Kitajima e Cosmo, 2008). De acordo com Kitajima e Cosmo (2008), a comunicação envolve um complexo de comportamentos como o verbal, tonal e postural. Desta forma, as autoras ressaltam que, na comunicação, não devemos atentar apenas ao conteúdo transmitido, mas, acima de tudo, a forma como essa interação ocorre na tríade paciente-famíliaequipe. Kitajima e Cosmo (2008) destacam as duas partes da comunicação, o conteúdo e o sentimento, e definem dois tipos de comunicação: a verbal e a não-verbal. A 4 Ingham, J. M. &Kachuik, L. E. (2002). Epidemiology of câncer at the end-of-life in Principles & Practice of Palliative Care & Supportive oncology – second edition. Editors: Ann M. Berger, Russel K. Portenoy, David E. Weissman. Lippincott Williams & Williams, pp. 615-634. 52 verbal refere-se à expressão escrita ou falada e a não-verbal ocorre através dos gestos, silêncio, expressões faciais e postura corporal. Desta forma, os autores ressaltam a impossibilidade de não se comunicar, já que mesmo o silêncio pode ser uma forma de comunicação. A comunicação pode ser considerada uma questão central para a atuação profissional, a qual se torna ainda mais difícil no contexto de cuidados paliativos (Kurashima & Camargo, 2007b). Os autores afirmam também que uma boa comunicação facilita o processo do morrer e favorece a qualidade de vida nesse período. O objetivo da comunicação e esclarecimento acerca das informações sobre a doença e o tratamento é favorecer a compreensão, fortalecer o auto-cuidado, reduzir o stress e conseguir uma maior adesão às condutas terapêuticas. Desta forma, “... uma comunicação rica, boa e produtiva facilita muito o enfrentamento da situação. A comunicação pobre, fraca e ruim é uma fonte de problemas” (Kurashima & Camargo, 2007b, pp. 116). As dificuldades e as incertezas vividas no momento de internação hospitalar e, principalmente, no momento de iminência da morte, levam a níveis elevados de ansiedade. A comunicação afetiva e efetiva pode ser um instrumento para aliviar e reduzir o as dificuldades enfrentadas em tal situação, fornecendo clareza para a família poder se organizar (Kreicbergs, 2007; Kitajima e Cosmo, 2008). Para o presente estudo, considera-se que a morte é uma experiência traumática para o ser humano por originar uma carga de dor devido à perda, sendo também considerada, culturalmente, um assunto tabu e evitado de ser abordado na maioria das sociedades. Para os profissionais de saúde, aprender a lidar com perdas e com a morte são desafios enfrentados em sua rotina de trabalho na situação de cuidados paliativos. Desta forma, torna-se importante explorar os significados associados aos cuidados paliativos, a partir da perspectiva dos profissionais de saúde, para melhor compreender a experiência desses atores, assim como, também, as práticas de assistência à saúde dispensadas aos pacientes pediátricos e aos seus familiares. 53 4.4 PERGUNTA DE INVESTIGAÇÃO E PRESSUPOSTO Como se configuram os significados sobre os cuidados paliativos de crianças com câncer para os profissionais de saúde e como estes atores atuam nesta área? 4.5 OBJETIVOS 4.5.1 Objetivo geral Compreender os significados sobre cuidados paliativos em crianças com câncer presentes nos relatos dos profissionais de saúde envolvidos na assistência e identificar as práticas imbricadas nestes significados. 4.5.2 Objetivos específicos 1. Caracterizar as práticas de assistência à saúde presentes no cuidado paliativo através das atitudes relacionadas à comunicação, à tomada de decisões e aos cuidados físicos oferecidos ao paciente; 2. Descrever a percepção dos profissionais da equipe de saúde sobre a participação da família nas práticas de assistência à saúde, assim como sobre a vivência da mesma; 3. Verificar como os profissionais da equipe de saúde significam a morte, analisando na construção do significado as crenças, os sentimentos e as estratégias de enfrentamento perante a morte; 4. Analisar as estratégias de enfrentamento do luto antecipatório para os profissionais da equipe de saúde. 54 5. DELINEAMENTO METODOLÓGICO 5.1 ESTRATÉGIA GERAL DA PESQUISA A pesquisa no campo da saúde reflete uma realidade complexa, a qual demanda o diálogo entre conhecimentos distintos que compõem a perspectiva biopsicossocial, colocando em foco o problema da intervenção e da assistência à saúde. De acordo com Minayo (1992), “... a questão do homem enquanto ator social ganha corpo e faz emergirem, com toda a sua força, as ciências sociais que se preocupam com os significados” (Minayo, 1992, pp. 33). Este é um estudo exploratório e descritivo, de cunho qualitativo, o qual é caracterizado por usar o texto como dado empírico, possuir como base a construção social da realidade em estudo e está interessado na perspectiva do participante, através da compreensão do seu cotidiano e da sua prática diária (Flick, 2009). De acordo com Mesquita (2005), a abordagem qualitativa permite uma exploração mais particular sobre as atitudes, crenças, valores e significados da população estudada. Estrutura-se, em seu delineamento, como um estudo de casos. Esta estratégia de investigação permite um maior aprofundamento sobre um fenômeno (seja este um caso, um grupo, um meio ou um acontecimento), cujo destaque aumenta a compreensão acerca do mesmo (Laville & Dionne, 1999). 5.2 PARTICIPANTES Os participantes foram profissionais da equipe de saúde multidisciplinar que trabalham na assistência a essas crianças na situação de cuidados paliativos, sendo os responsáveis pela tomada de decisão, comunicação e cuidados físicos com o paciente e família. 55 Por ser um estudo de caso, buscou-se identificar pessoas que pertencessem a essa caracterização, sendo a definição da quantidade de participantes estabelecida através do critério de saturação. No momento em que as informações começaram a ser tornar repetidas e não agregaram mais novos dados a serem analisados, foi possível considerar uma quantidade satisfatória de participantes. As entrevistas foram realizadas nas próprias unidades de oncologia pediátrica. Foi realizado um contato prévio com as psicóloga alocadas nestas unidades e o critério de seleção dos participantes se baseou na dinâmica da unidade de oncologia pediátrica: foram convidados a participar da pesquisa os profissionais que compõem a equipe de saúde da unidade (um de cada área). Dentre os diversos hospitais na cidade de Salvador, foram selecionadas duas instituições que possuem serviço de oncologia pediátrica. O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em ambas as instituições. A escolha de duas instituições ocorreu apenas com o intuito de ampliar o rol de participantes, já que não é objetivo deste trabalho comparar os dois serviços de oncologia pediátrica. Hospital 1 O hospital 1 é caracterizado por ser um hospital geral e filantrópico, o qual possui um serviço de oncologia pediátrica. Tal serviço presta atendimento ambulatorial e tem seis leitos para internamento. A estrutura física comporta recepção, internamento, sala de quimioterapia, sala de exames, consultórios médicos, consultório odontológico, consultório psicológico, brinquedoteca. A equipe é composta por quatro médicos, uma psicóloga, uma dentista, fisioterapeutas, uma assistente social, enfermeiras, técnicas de enfermagem, nutricionistas, uma pedagoga. Foram selecionados para participar da pesquisa um profissional de cada uma das áreas nas quais há o contato direto com os pacientes da oncologia pediátrica. Nem todos os profissionais se disponibilizaram a participar; no caso de algumas áreas, como a fisioterapia e a nutrição, há uma rotatividade dos profissionais, o que dificultou a participação na pesquisa, principalmente por não acompanharem a trajetória do paciente desde o adoecimento até o momento de cuidados paliativos. 56 Hospital 2 O hospital 2 é caracterizado por ser um hospital especializado em oncologia e filantrópico, o qual possui um serviço destinado à pediatria. A estrutura física apresenta recepção, ambulatórios, sala de curativos, centro cirúrgico, brinquedoteca, sala de quimioterapia, sala de fisioterapia, sala da nutrição, sala do serviço social, consultório psicológico, consultório odontológico, sala de aula, apartamentos individuais e área administrativa. A equipe é composta por seis médicos, duas psicólogas, uma assistente social, uma nutricionista, uma fisioterapeuta, enfermeiras, técnicas de enfermagem. Dentre as entrevistas realizadas nas duas instituições, foram selecionadas cinco para compor a análise dos dados do presente estudo, sendo estas dos seguintes profissionais: médico, técnica de enfermagem, enfermeira, dentista e psicóloga. A seleção de cinco entrevistas ocorreu de acordo com o critério de saturação das informações relevantes para atender aos objetivos deste estudo. 5.3 COLETA DOS DADOS “Não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de uma narrativa” (Jovchelovitch & Bauer, 2008, p. 91) Foram realizadas entrevistas narrativas com os profissionais da equipe de saúde multidisciplinar. Esta técnica é característica de uma pesquisa qualitativa, na qual não se segue o esquema “pergunta-resposta” ou um roteiro dirigido, mas, sim, temas amplos a serem propostos aos entrevistados. Desta forma, há um incentivo para a espontaneidade por parte do participante e para o ‘contar histórias’. Aqui, a entrevista narrativa, baseada em um temário previamente elaborado (Apêndice A), buscou explorar as dimensões envolvidas no significado sobre os cuidados paliativos e as práticas e vivência dos atores envolvidos neste contexto. Entre esses domínios da experiência, foram tópicos relevantes: cuidados paliativos, câncer, estratégias de enfrentamento, sociabilidade (redes sociais e redes de apoio), família, crenças religiosas. Especial atenção foi dada aos signos emergentes quanto ao 57 fenômeno da morte, bem como aos significados e práticas a eles associados ao longo da narrativa. Grandesso (2011) define narrativa como um discurso organizado, que reflete um fluxo de experiência vivida, atribuída de significados e uma sequência temporal. A autora reforça que as narrativas são construções complexas e que não são estáticas, havendo sempre reconstruções em torno delas; ela chega a adotar a narrativa como “uma chave para a construção do conhecimento humano”, afirmando que a mesma é a base para estudar as experiências pessoais. De acordo com Bruner (2002), na arte narrativa fazem-se presentes a memória, as ideias, os sentimentos, as crenças e a subjetividade de um sujeito, sempre em interação com a opinião das outras pessoas e de expectativas presentes na cultura da qual está imerso. Nesse sentido, como assinala Grandesso (2011), pode-se observar que a narrativa serve como um instrumento para se compreender os valores, crenças e significados que uma pessoa e/ou uma sociedade possuem acerca de um fenômeno. A autora ainda ressalta a característica de construção social que a narrativa possui, sendo que as histórias vividas e narradas possuem sempre uma co-autoria. No entanto, é a perspectiva do participante que ocupa a cena no caso da entrevista narrativa (Jovchelovitch & Bauer, 2008). Grandesso (2011) afirma que o ‘contar histórias’ permite que o indivíduo construa sentidos para as suas experiências, tanto passadas, quanto presentes e futuras no seu contexto social. Desta forma, a habilidade da narrativa confere uma identidade ao indivíduo e um sentido de existência e de atuação no mundo ao longo do tempo. De acordo com a autora, as narrativas se caracterizam como um instrumento cultural para a produção de sentidos. 5.4 ANÁLISE DOS DADOS O modelo para a leitura, interpretação e análise de narrativas, proposto por Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber (1998), possui duas dimensões: holístico x categórico e conteúdo x forma, sendo que tais dimensões caracterizam-se por ser um 58 contínuo e combinar entre si, configurando a possibilidade de quatro maneiras básicas para se analisar e interpretar narrativas. A abordagem mais adequada para a análise deve ser escolhida após a coleta dos dados, baseada nos objetivos da pesquisa. A primeira dimensão refere-se à unidade de análise, na qual há a possibilidade de criação de temas, em uma análise de conteúdo tradicional, sendo que trechos ou palavras da narrativa são inseridas em determinados temas. Em contraste, na abordagem holística, a história de vida da pessoa é considerada como um todo e as sessões da narrativa são analisadas baseadas no contexto de outras partes que compõem a narrativa. A segunda dimensão se caracteriza pela distinção entre a forma e o conteúdo, dicotomia tradicional na literatura. A abordagem orientada pelo conteúdo se preocupa com o significado apresentado na narrativa e com quais características e motivações do indivíduo são expressas. No entanto, a abordagem centrada na forma, se caracteriza pela orientação através da estrutura do texto, a sequência dos eventos narrados e a relação com o tempo, o estilo e a coerência da narrativa, os sentimentos evocados, entre outros aspectos. Esse modelo de análise proposto por Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber (1998) guiou a análise dos dados do atual projeto a partir de duas abordagens: 1) holística baseada em conteúdo, e 2) categorial baseada em conteúdo. A primeira abordagem enfatiza a narrativa completa do indivíduo, a partir do conteúdo apresentado por ele, favorecendo uma visão mais ampla sobre o fenômeno estudado. Já a segunda, privilegia o conteúdo das narrativas como apresentado em partes separadas, aqui definidas por temas associados aos cuidados paliativos. As entrevistas realizadas foram gravadas com o consentimento dos participantes, e posteriormente transcritas, como procedimento inicial para possibilitar a análise dos dados. Em seguida, foi feita a leitura exaustiva das entrevistas, com o objetivo de melhor compreender o discurso do participante. A cada leitura, foram selecionados elementos importantes na narrativa e, posteriormente, as anotações iniciais foram transformadas em temas que pudessem expressar a fala do participante. 59 A partir da definição de temas, foi possível buscar elementos e conexões entre as narrativas para auxiliar na compreensão da vivência e significados no contexto de cuidados paliativos. Foram explorados os sentimentos, crenças, atitudes, práticas de assistência à saúde e estratégias de enfrentamento. As falas foram organizadas de forma a responder os objetivos específicos da pesquisa. Após a organização dos dados a partir de temas, foi selecionado um caso para ser apresentado em uma análise detalhada à luz da Psicologia Cultural do Desenvolvimento. Sob o direcionamento dado pelo objetivos desta pesquisa, buscouse compreender os significados de cuidados paliativos, sendo possível explorar os conceitos de ruptura e transição (Zittoun, 2012), de ambivalência (Abbey & Valsiner, 2004) e a compreensão da dinâmica dos signos e da mediação semiótica (Valsiner, 2012). 5.5 QUESTÕES ÉTICAS Esta pesquisa está de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo, pela Resolução CFP N° 011/97, de 20 de outubro de 1997, e pela Resolução CFP N° 016/2000, que trata da realização de pesquisa em Psicologia com seres humanos. O projeto da pesquisa foi enviado ao Comitê de Ética, de modo a considerar todos os aspectos éticos envolvidos na mesma, especialmente sobre o recorte empírico envolvendo seres humanos no delicado contexto dos cuidados paliativos. Foram garantidos os princípios éticos de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, e aplicado o Termo de Consentimento livre e esclarecido (Apêndice B). O projeto foi aprovado através da Plataforma Brasil. Ficou esclarecida, para os participantes, a possibilidade de interromper a sua participação no momento que julgasse necessário. A pesquisadora também ficou atenta a situações em que pudesse ser preciso interromper as entrevistas, para garantir que esta experiência seja superior a qualquer inconveniente do processo. 60 Como benefícios aos participantes, acredita-se que esta é uma oportunidade de expor as dificuldades associadas à situação dos cuidados paliativos e, consequentemente, ao tema morte, buscando favorecer a assistência da equipe de saúde em tal contexto assim como a vivência e o enfrentamento do paciente e dos familiares. 61 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nessa seção, será apresentada a análise dos dados obtidos nas entrevistas. Inicialmente, serão explorados, através de um sistema de temas e subtemas propostos, os dados referentes às entrevistas com os profissionais de saúde da oncologia pediátrica, que possuem contato com os pacientes em cuidados paliativos. O objetivo foi buscar, nas narrativas dos participantes, dados que respondam aos objetivos específicos da pesquisa, nos quais se baseou o temário da entrevista. Em um segundo momento, será apresentada uma análise mais detalhada, à luz da Psicologia Cultural do Desenvolvimento, da narrativa de um dos participantes da pesquisa. De acordo com os objetivos deste estudo, buscou-se compreender os significados envolvidos nos cuidados paliativos, com base nos conceitos de ruptura e transição (Zittoun, 2012), de ambivalência (Abbey & Valsiner, 2004) e na compreensão da dinâmica dos signos e da mediação semiótica (Valsiner, 2012). Dentro desta perspectiva, foram construídas redes de significados sobre cuidados paliativos a partir das narrativas dos participantes. Tais redes serão apresentadas em um último momento. 6.1 Os significados de cuidados paliativos narrados pelos profissionais de saúde A partir da transcrição e da leitura cuidadosa das entrevistas, foi possível elaborar temas para melhor compreender o fenômeno dos cuidados paliativos pediátricos a partir da perspectiva dos profissionais de saúde que atuam na área. Os temas propostos para a análise foram: a caracterização geral sobre os cuidados paliativos, as práticas de assistência à saúde, a relação com a família, a percepção do paciente a partir da visão dos profissionais, o significado de morte e o processo de luto. Foram construídos também subtemas para melhor explorar os dados coletados, conforme se observa na Figura 4, a seguir. 62 CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS CUIDADOS PALIATIVOS • De$inição • Desa$ios na atuação • Aspectos positivos • Estratégias de enfrentamento PRÁTICAS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE • Comunicação • Tomada de decisão • Cuidados $ísicos • Função do pro$issional RELAÇÃO COM A FAMÍLIA • Formação de vinculo • Vivência da família • Impacto do diagnóstico PERCEPÇÃO DO PACIENTE • Percepção do adoecimento • Criança x adolescente MORTE • Crenças • Sentimentos • Estratégias de enfrentamento PROCESSO DE LUTO • Sentimentos • Estratégias de enfrentamento FIGURA 4: Temas e subtemas elaborados para a análise dos dados 6.1.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL SOBRE OS CUIDADOS PALIATIVOS A caracterização dos cuidados paliativos envolve as definições que emergiram nas narrativas dos profissionais, assim como as dificuldades encontradas e os aspectos positivos que auxiliam no enfrentamento desta realidade. O trabalho nos cuidados paliativos é regido por princípios que devem ser seguidos em todas as atividades desenvolvidas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2007), os princípios dessa abordagem são: promover o alívio da dor e de outros sintomas estressantes; olhar a morte como um processo natural, reafirmando a vida; não antecipar e nem postergar a morte; integrar aos cuidados os aspectos psicossociais e espirituais; oferecer um sistema de suporte para que o paciente possa viver ativamente o quanto possível; oferecer um sistema de suporte para que os familiares sintam-se amparados durante o processo da doença; e 63 deve ser iniciado o mais precocemente possível. Foi possível observar que os profissionais pontuaram muitos destes princípios ao longo das suas narrativas. Nas entrevistas realizadas com os profissionais de saúde que atuam na oncologia pediátrica, são trazidas as definições sobre os cuidados paliativos que envolvem as medidas de conforto, a redução da dor e do sofrimento, assim como a compreensão de que o cuidado paliativo é decidido quando não há mais possibilidade de cura para a doença. Tais definições estão de acordo com alguns dos princípios e com a definição apontada pela WHO (2007): "Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais" (WHO, 2012). A identificação precoce com uma perspectiva preventiva foi também enfatizada por Golan, Bielorai, Grebler, Izraeli, Rechavi & Toren (2008), o qual destacou que a introdução precoce da abordagem permite uma transição gradual do controle de sintomas até o momento da morte. Não foi possível identificar tal perspectiva nas narrativas dos profissionais ao descreverem as práticas de assistência e a compreensão acerca dos cuidados paliativos. Nas narrativas surge a definição de que o cuidado paliativo é estabelecido quando a doença já está em um estágio avançado e não há mais procedimentos curativos possíveis a serem aplicados. Como compreensão acerca dos cuidados paliativos, Leila, dentista, afirma que são procedimentos para a diminuição da dor e a tentativa de ofertar o maior conforto possível para o paciente e para a sua família. A situação de cuidados paliativos envolve conforto, frustração e suporte religioso. Leila destaca a espiritualidade como um forte apoio para o enfrentamento. Não se observou, na narrativa de Leila, uma definição mais elaborada e que abrangesse os diferentes domínios objetivados pela prática dos cuidados paliativos. Essa prática, se assumida em toda sua amplitude, favorece uma assistência na qual a dor e o sofrimento das pessoas tenham prioridade no cuidado, com um compromisso direto com o bem-estar do paciente, como apontam os estudos de Costa & Ceolim 64 (2010) e Silva & Sudigursky (2008). Curar torna-se, então, o alívio da dor e o suporte para que o paciente possa enfrentar a fragilidade diante da iminência da morte (Pessini, 2001). Nas narrativas dos profissionais, a definição de cuidados paliativos parece demonstrar algumas dimensões dos cuidados paliativos pautadas no alívio da dor e no conforto, promovendo uma qualidade de vida, conforme se vê na fala a seguir. “Cuidados paliativos, o conceito é justamente esse: paliativo é você dar uma qualidade de vida um pouco melhor, mesmo aqueles que estão fora de possibilidade terapêutica.” (Carlos, médico) Ao definir o contexto de Cuidados Paliativos, Leila (dentista) afirma que não passou por um curso de formação e acredita que essa falha na formação profissional interfere na atuação. Caso houvesse um protocolo fechado, acrescenta ela, algo mais claro e determinado que se pudesse aplicar, seria mais fácil lidar com essa situação, por facilitar um distanciamento emocional. Diante dos desafios enfrentados no contexto de cuidados paliativos, destaca-se o sentimento de frustração e derrota, por não ter conseguido vencer a doença, além de uma dificuldade para aceitar que não há mais tratamento possível para aquele paciente. Leila enfatiza a falta de um suporte para os profissionais que lidam com esse contexto em sua rotina de trabalho. “E a gente tem como dificuldade a frustração. De não ter conseguido... Meio que a doença venceu o tratamento. Não adiantou a gente ser uma equipe multidisciplinar, estar trabalhando todo mundo junto, um monte de cabeça pensando e a derrota. Tem essa frustração. Fora o envolvimento afetivo, com o paciente, porque sempre acaba ruim. É muito difícil aceitar que não tem mais tratamento.” (Leila, dentista) Ao longo das narrativas, os profissionais trazem o trabalho da equipe multidisciplinar – o que é essencial para o suporte ao paciente em todos os níveis (uma perspectiva biopsicossocial), e pontuam também a importância do cuidado para além dos sintomas físicos, abrangendo os aspectos sociais, psicológicos e, em algumas entrevistas, como a da dentista, principalmente, os aspectos espirituais. 65 Diante dos desafios da atuação profissional neste contexto, são pontuadas pela enfermeira e pela psicóloga a falta de clareza na definição dos cuidados paliativos e uma divergência de opiniões entre os membros da equipe médica, o que dificulta a assistência prestada pela equipe de saúde. Para Jéssica, enfermeira, o maior obstáculo na situação de cuidados paliativos é a divergência na compreensão da equipe, o que dificulta o enfrentamento e a oferta de uma qualidade para a morte do paciente. A equipe, de uma forma geral, não possui o conhecimento satisfatório sobre os cuidados paliativos ao ponto de os profissionais trabalharem o tema como uma equipe multiprofissional, com os papéis e as funções de cada profissional delimitados. Poliana, psicóloga, também aponta como maior dificuldade encontrada no contexto de cuidados paliativos a falta de posicionamento da equipe, associada a uma dificuldade da equipe médica em definir os limites dos cuidados paliativos e até onde e de que forma a assistência deve ocorrer. Essa falta de segurança e esclarecimento acerca da definição de cuidados paliativos é vista, por Poliana, como um obstáculo para a sua própria atuação. Poliana relaciona essa dificuldade a um sentimento de frustração do médico por não conseguir solucionar o problema do adoecimento da criança. No que se refere à definição de cuidados paliativos, observa-se, na narrativa de Poliana, uma dificuldade para realizar o seu trabalho devido à superficialidade encontrada na definição das medidas de assistência ao paciente que está sob esses cuidados. “Hoje em dia eles tem colocado no prontuário, não é? [...]contraindicação de manobra Heróicas, que é muito superficial, eu acho né. O que são manobras Heróicas? Eu não sei. [...] Quando isso acontece, quando não está muito claro, fica difícil pra mim sustentar né, [...] mas assim, fica difícil guiar meus atendimentos” (Poliana, psicóloga) Apesar de pontuar o conflito advindo da divergência de opiniões dentro da equipe, Jéssica traz o trabalho em equipe como um apoio na rotina diária de trabalho. Ela destaca a união da equipe e o suporte de outras especialidades na atuação no contexto de cuidados paliativos, como a clínica da dor. Como exemplos, Jéssica relata que ocorrem reuniões multiprofissionais, normalmente de quinze em quinze dias, nas 66 quais são discutidas as informações principais acerca dos pacientes, favorecendo a comunicação entre os profissionais equipe de saúde. A ambivalência é definida como uma tensão produzida em um sistema devido à divergência entre o que está presente e o que poderia ocorrer no momento seguinte (Abbey, 2012). Para Abbey e Valsiner (2004), os signos possuem uma dimensão de incerteza no tempo futuro do processo de emergência semiótica, ao mesmo tempo em que os signos podem representar algo satisfatoriamente no momento presente. Desta forma, o processo pode ser marcado por níveis variados de ambivalência. É possível dizer que a relação de Jéssica dentro da equipe de saúde é marcada por ambivalência, havendo, por um lado, o conflito pela divergência entre as opiniões e, por outro, o suporte advindo do trabalho em equipe como espaço para compartilhar a experiência. Como estratégia para enfrentar a situação de cuidados paliativos, Leila relata buscar um distanciamento dos pacientes através da diminuição de visitas e de não memorizar a idade dos pacientes, como tentativa para reduzir o vínculo e o impacto da perda. Afirma que ter conhecimento sobre o sofrimento já é difícil, porém, vivenciar o momento de dor se torna ainda mais difícil. Busca, então, evitar o contato através da crença de que essa atitude favorece um distanciamento da situação dos cuidados paliativos e da morte iminente do paciente, sendo este um recurso semiótico (Zittoun, 2012), que funciona como estratégia para a proteção emocional. “Já na fase mais final. Começa a ter desconforto respiratório... começa a ter crises de dor... Vou, visito, claro... faço a assistência... Se precisa de tratamento, realmente, precisa aplicação de laser, precisa que eu vá e faça algum diagnóstico... mas eu tento não ficar muito envolvida.” (Leila, dentista) Foi comum, nas diferentes narrativas, a dificuldade para enfrentar a dor, o sofrimento e a iminência da morte, característicos do contexto de cuidados paliativos. Essa dificuldade foi também destacada no estudo de Nascimento et al (2013), sobre a percepção dos profissionais diante da criança com leucemia em cuidados paliativos, e no estudo de Avanci et al (2009) sobre a percepção dos enfermeiros diante da criança com câncer em cuidados paliativos. 67 Como aspectos positivos, são apontados, por alguns profissionais, o vínculo formado com os pacientes e familiares e o aprendizado acerca da vida e da morte. As narrativas da técnica de enfermagem e da enfermeira destacam um envolvimento e uma admiração pela força que as mães normalmente apresentam diante do momento de dor e sofrimento pela perda iminente dos filhos. Observa-se, na entrevista com Tina, uma atenção especial ao cuidado dispensado ao paciente e ao seu familiar, o qual envolve um afeto e uma sensibilidade para compreender a dor deles. É destaque também, nas narrativas, o trabalho em equipe como um apoio/suporte para o enfrentamento do contexto de cuidados paliativos, sendo valorizados a união, a comunicação e o compartilhamento da dor ou angústia entre os profissionais, resultado também observado no estudo de Neilson, Kai, MacArthur & Greenfield (2011) realizado com profissionais que atuam com o cuidado paliativo em homecare. Como apoio para enfrentar as dificuldades, a dentista relata que a equipe vivencia, em conjunto, um sentimento de esperança no cuidado junto ao paciente e à sua família e compartilha as dificuldades enfrentadas. A técnica de enfermagem destaca também a união da equipe e afirma que esta favorece o trabalho de cada profissional individualmente. Tina relata que, com os pacientes em cuidados paliativos, a equipe se une ainda mais e atua como um suporte emocional para enfrentar o contexto. De acordo com Zittoun (2012), o apoio do trabalho em equipe pode ser visto como um recurso interpessoal para o enfrentamento da transição, o qual fornece um espaço possível para compartilhar a experiência e dialogar. Diante do contexto de cuidados paliativos, Leila ressalta a competência técnica da equipe e a clareza do que deve ser feito na assistência ao paciente e à família, oposto ao que foi apontado pela psicóloga e pela enfermeira anteriormente. Porém, quando se trata do aspecto afetivo, não há um preparo para lidar com a dor do paciente, da família e com a perda, faltando um suporte adequado para a equipe de saúde. “ ...o aspecto afetivo é uma coisa que a gente tem que estudar mais e elaborar mais. [...] E eu não vejo nenhum trabalho voltado para equipe, só voltado pras famílias. A gente tem um psicólogo para 68 atender a família, a gente não tem tempo nem para gente sentar para ver como é que está a equipe.” (Leila, dentista) Em grande parte das narrativas, a dimensão temporal se torna relevante para o processo de adaptação. Os participantes relatam que o tempo favorece sua adaptação ao contexto da oncologia e dos cuidados paliativos na pediatria. A percepção de uma adaptação após um tempo de trabalho também foi observado no estudo de Yazdani et al (2010) com residentes de medicina no contato com o cuidado paliativo. A única participante cujo posicionamento parece apontar para uma direção diferente foi a psicóloga, que expressa um sentimento de desgaste emocional devido ao constante contato com a dor, com o sofrimento e com a perda dos pacientes. Ela afirma que tem se tornado cada dia mais difícil enfrentar o contexto dos cuidados paliativos. No que se refere ao processo de adaptação, Tina (técnica de enfermagem), relata que foi um grande desafio defrontar-se inicialmente com o trabalho na oncologia pediátrica, principalmente pela associação do câncer com a morte. Com o passar do tempo, a participante afirma ter aprendido a lidar com as dificuldades que surgem nesta situação. A aprendizagem envolve administrar as dificuldades do ambiente dos cuidados paliativos e saber fornecer os cuidados necessários para o paciente e para a sua família. Na narrativa de Leila (dentista), é possível observar um processo de maior aceitação ao longo do tempo. A participante relata que, ao experienciar a progressão da doença e o tratamento intensivo, o momento da morte torna-se em alguns casos um alívio da dor. É possível observar, em sua narrativa, uma dificuldade maior de lidar com casos que se tornam paliativos e vão a óbito mais repentinamente. As dificuldades enfrentadas por Jéssica (enfermeira), na situação dos cuidados paliativos, também reduziram-se com o passar do tempo. Enfrentar o contexto de cuidados paliativos na pediatria é bastante difícil, porém, destaca-se um processo de adaptação àquela realidade através de uma tentativa de distanciamento emocional do sofrimento experienciado pelo paciente e pelos familiares. Mais uma vez se observa o papel de recursos semióticos para que tal distanciamento ocorra: no caso, o entendimento de um caminho, de um papel próprio ao profissional. É possível que esse distanciamento tenha uma função adaptativa às demandas da situação de cuidado paliativo. 69 “É difícil... Mas, assim, antes era pior. No começo eu me apegava muito aos pacientes. [...] E depois eu fui entendendo que o caminho, realmente, não era esse, porque eu levava tudo para casa e absorvia muito tudo isso. Chorava... era horrível.”(Jéssica, enfermeira) 6.1.2 PRÁTICAS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE Este tema apresenta a compreensão dos profissionais acerca das práticas de assistência à saúde oferecidas ao paciente em cuidados paliativos, englobando os subtemas sobre o processo de comunicação, a tomada de decisão, os cuidados físicos e a função do profissional neste contexto. No que se refere ao processo de comunicação, há um consenso nas cinco entrevistas realizadas de que é responsabilidade da equipe médica informar à família e ao paciente, quando possível, acerca da decisão dos cuidados paliativos. Além disso, foi observado nas narrativas que há uma comunicação clara com a equipe, porém só ocorre com o paciente quando este questiona ou pergunta sobre o seu estado de saúde. No que se refere ao processo de comunicação, Poliana (psicóloga) afirma que a forma como ocorre varia de acordo com o médico responsável no momento, sendo, em alguns casos, a comunicação mais clara e direta. Ressalta-se a necessidade de avaliar a idade do paciente e utilizar estratégias de comunicação mais adequadas à capacidade cognitiva e emocional da criança ou do adolescente. Em algumas situações, a própria família comunica ao paciente e há um destaque, nas narrativas da psicóloga e da dentista, para a importância de desenvolver uma forma lúdica de comunicar o prognóstico à criança ou ao adolescente. A psicóloga observa que alguns médicos da equipe apresentam dificuldade no momento da comunicação com a família, devido a uma resistência em falar sobre a morte, segundo a participante. Ela considerada que sua função, nesse contexto, é justamente a de dar suporte à equipe médica e à família, auxiliando na mediação desta relação. Poliana afirma que também aqui se deve pensar acerca da comunicação pois, em sua opinião, alguns detalhes sobre a evolução da doença não precisam ser ditos ao paciente e ao familiar. 70 “Eu não acho que a pessoa precise saber de forma muito cruel tudo isso, sabe? Por exemplo que o testículo dele não vai diminuir, que não vai desinchar eu sei, mas ele poderia ter dito – ‘Ó, é, no momento’, o no momento amenizaria essa dor dele; ele se desesperou, ele desesperou depois que soube de tudo isso, entendeu? E o paciente ficar instável emocionalmente nesse momento é muito complicado, até porque a intervenção da psicologia é quase mínima, ele dorme o tempo inteiro, ele se queixa de dor o tempo inteiro...”.(Poliana, psicóloga) O posicionamento da psicóloga converge claramente com sugestões encontradas na literatura, que destacam a importância da comunicação clara e sincera, que possa fornecer segurança para que os familiares possam decidir com base em suas crenças, valores e nos interesses da criança (Barbosa, Lecussan & Oliveira, 2008). No que se refere à comunicação com a criança/adolescente, Torres (2002) aponta a importância de preservar a integridade psíquica do paciente e afirma que a falta da resposta ou uma resposta inadequada aos questionamentos da criança/adolescente sobre a morte tem o poder de fragilizar ou até romper essa integridade. No caso especial dos Cuidados Paliativos na Pediatria, há que se observar também que as crianças, na maior parte das vezes, são representadas pelos seus responsáveis, que atuam na tomada de decisões. Do ponto de vista ético, os responsáveis devem prezar pelo maior benefício para a criança e esta deve ser envolvida no processo de tomada de decisões pertinentes ao seu cuidado, o máximo possível (Barbosa, Lecussan & Oliveira, 2008). De acordo com os participantes do atual estudo, os indícios são de que a criança participa pouco da comunicação com a equipe e consequentemente do processo de tomada de decisões sobre a sua própria vida. Assim como a comunicação, a tomada de decisão também é vista pelos participantes como responsabilidade da equipe médica. A dentista chega a explicitar que cabe aos demais profissionais atuar nesse processo como um suporte para os médicos. De acordo com a revisão de literatura realizada por Piva, Garcia & Lago (2011), a tomada de decisão fica centralizada no médico principalmente pelo domínio sobre os conhecimentos técnicos da saúde, assim como por receios legais diante do 71 processo do morrer, o que impede uma maior participação da família no processo de decidir sobre a vida do paciente. Leila (enfermeira) destaca a dificuldade para o médico em decidir acerca da vida de outra pessoa, decisão esta que, em cuidados paliativos, pode implicar na morte. Carlos, o médico, relata compartilhar a responsabilidade da decisão com a família, através de uma comunicação clara, o que facilita, para ambos, o enfrentamento da situação. No estudo realizado por Piva, Garcia & Lago (2011), foi possível observar que o envolvimento da família na situação de cuidados paliativos participa da base para o sucesso do tratamento paliativo. O processo de tomada de decisão caracteriza-se como um momento delicado principalmente pela angústia e pela dificuldade de lidar com a morte, típica do ser humano, segundo a psicóloga. Um aspecto que Poliana (psicóloga) considera difícil é, além de definir os cuidados paliativos, a decisão acerca de como isso será feito e quais serão os procedimentos para a assistência ao paciente e a sua família. "... pra mim é muito difícil a questão do que fazer, né? Como os médicos têm dificuldade de entrar nesse consenso, porque eles têm dificuldade de lidar com a morte (como todo mundo tem) aí fica naquela questão, é.... vai perder o paciente na enfermaria, morrendo por...vai perder ele por asfixia? Não vai levar para a UTI?”.(Poliana, psicóloga) Poliana acredita que o momento mais difícil é o limite entre a possibilidade e o momento em que se concretiza e decide os cuidados paliativos. Este é o momento em que a família se questiona e busca métodos alternativos para tentar evitar a morte do paciente. Tanto a psicóloga quanto a enfermeira apontam uma divergência de opiniões e uma falta de clareza referentes à conduta entre a equipe médica, o que favorece uma insegurança e interfere na atuação dos outros profissionais da equipe de saúde. O estudo de Nicholl & Price (2012) buscou compreender a oferta de ensino de cuidados paliativos na graduação de enfermagem e constatou que há uma falha na formação no que se refere ao tema da morte e que a ambiguidade na terminologia, assim como a 72 lacuna na clareza do conceito de cuidados paliativos, dificulta o processo de aprendizagem acerca da abordagem. Tratando-se dos cuidados físicos, observa-se que esta dimensão é mais presente na narrativa da técnica de enfermagem, que relata a permanência do cuidado, sem alteração, após a decisão dos cuidados paliativos. O que parece se modificar é a mudança de foco na esperança da cura para a perspectiva da morte – o que também é observado por Torres (2002) em seu estudo. Diante do comprometimento com a cura, muito presente na formação do profissional de saúde, torna-se difícil encarar a morte e esta aparece como uma falha. Essa vivência é claramente descrita pela técnica de enfermagem, a qual expressou a mudança no sentimento, sendo que, ao invés de lutar por uma cura, o foco maior é no carinho e no afeto para a terminalidade. “Não há diferença não, a diferença é só interna mesmo, que no início a gente faz querendo vencer – a gente vai fazer perfeito porque a gente quer vencer - a gente pensa né, e no final a gente já pensa – infelizmente nós perdemos, mas vamos continuar fazendo o que a gente veio fazendo desde o início.” (Tina, técnica de enfermagem) No que se refere à afetividade na assistência aos cuidados paliativos, Tina valoriza o cuidado ao paciente e ao familiar e acredita que a assistência da equipe deve envolver uma relação de afeto e carinho. Embora afirme que não há mudança no cuidado ofertado pela equipe após a definição dos cuidados paliativos, é possível observar que a intenção do cuidado e o sentimento associado da participante sofrem alterações após a definição de que o paciente encontra-se fora de possibilidade terapêutica. Observa-se, no relato do cuidado de Tina, um nível de ambivalência entre a prática exercida e o sentimento experienciado diante de uma criança em cuidados paliativos. Ao mesmo tempo em que a participante afirma que o cuidado permanece o mesmo, apesar de já ter sido relatado anteriormente o foco nas medidas de conforto, Tina expressa uma mudança no sentimento e no objetivo do cuidado – como uma perspectiva de derrota. A dentista também descreve o cuidado físico que ocorre com o paciente, mesmo quando não há possibilidade de cura. O foco torna-se o conforto e a redução 73 da dor e do sofrimento, presente na narrativa dos cinco profissionais. Esse mesmo foco é encontrado em alguns trabalhos da literatura os quais destacam, na compreensão acerca dos cuidados paliativos, o cuidado, o manejo da dor e o controle dos sintomas (Costa & Ceolim, 2010; Silva & Sudigursky, 2008; Avanci et al, 2009). A função do profissional na situação dos cuidados paliativos é apresentada em cada entrevista. O médico coloca-se como facilitador do processo de morrer, destacando a importância de favorecer uma morte digna ao paciente, com o menor sofrimento possível. A técnica de enfermagem destaca a importância da sensibilidade, assim como no estudo realizado por Costa & Ceolim (2010) sobre a prática da enfermagem nos cuidados à criança e ao adolescente com câncer, e afirma que a sua função, além dos cuidados físicos, é tratar o paciente e a sua família com carinho e afeto. A enfermeira destaca o papel de reduzir a dor do paciente através dos cuidados físicos e da atenção, assim como a dentista pontua a sua função de dar conforto ao paciente, mesmo quando não há mais a possibilidade de cura. Tina, a técnica de enfermagem, ao fazer uma reflexão acerca do papel do profissional no contexto dos cuidados paliativos, relata que é necessário gostar do trabalho, ter um comprometimento específico e compreender a dor do outro. De acordo com Menezes & Barbosa (2013), é necessário que o profissional, que atua com cuidados paliativos na pediatria, trabalhe de modo racional, afetivo e humanizado, com autocuidado e autocontrole emocional, para que tenha uma interação adequada com os pacientes e com os familiares Ao construir essa identidade profissional, Tina parece fortalecer a sua perspectiva de cuidado ao paciente e aos familiares. Acrescenta que o profissional também sofre, ao ver uma criança doente e hospitalizada. Destaca-se novamente a importância de uma formação adequada para os profissionais de saúde lidarem com o contexto de cuidados paliativos e iminência de morte: “São pessoas que precisam né, de profissionais capacitados e que sejam sensíveis né, acima de tudo tem que ser um ser humano, tem que entender a dor do outro né, tem que entender quando o outro não está legal...” (Tina, técnica de enfermagem) 74 Na narrativa da psicóloga, é trazida a importância da psicologia no suporte aos cuidados paliativos, tanto para o paciente quanto para a família. É realizado um trabalho de favorecer o processo de organização e adaptação à nova realidade, assim como um suporte emocional para o momento de dor e sofrimento, com a iminência da morte: “...do medo de como é que vai ser a hora, o que é que vai fazer, não da parte burocrática, mas assim, de vestir o corpo né, então assim, esse momento eu tento trazer pra ver se elas conseguem pelo menos tentar se organizar né, porque preparado ninguém tá, eu acho. [...]tentar fazer com que eles ressignifiquem, esse momento, entre estar aqui ainda e não estar mais, do filho.”(Poliana, psicóloga) A psicóloga destaca o seu papel de, além de dar suporte à equipe e à família, mediar a comunicação entre ambas. Tal perspectiva da atuação do psicólogo foi apontada e valorizada nos estudos de Mendes et al (2009) e de Froelich (2011), que defendem a importância da atuação do profissional de psicologia no contexto dos cuidados paliativos desde os primeiros momentos, com intervenções preventivas, facilitando a comunicação entre a equipe e a família, até fornecer suporte psicológico no momento crucial da morte. Tal processo não é vivido sem angústia, sentimento, para Poliana, que cresce no momento de cuidados paliativos e na terminalidade, levando a dificuldades na realização de atendimento psicológico ao paciente por resistência ou falta de desejo do mesmo de falar sobre a sua vivência. Um sentimento de impotência é expresso pela profissional: “Quando nesse momento o paciente prefere recuar, prefere ficar mais na dele. Respeitar é o ideal, mas, pra gente, que tem uma função de tentar, de estar ali na escuta o tempo todo, é difícil, é difícil, pra mim é.” (Poliana, psicóloga) 6.1.3 A RELAÇÃO COM A FAMÍLIA 75 Este tema descreve a perspectiva dos profissionais sobre a relação que estabelecem com a família, englobando a formação do vínculo, a vivência da família e o impacto do diagnóstico. Sobre a formação do vínculo, nas narrativas dos cinco profissionais está presente a força do vínculo formado com os pacientes e com os seus familiares. Destaca-se o longo período de tratamento e o constante contato entre a equipe, o paciente e a família, o que favorece o fortalecimento da relação. A dentista relata estabelecer uma amizade com muitas mães de pacientes, o que intensifica nela mesma o processo de luto antecipatório na iminência da morte e o luto vivido após a perda. Piva, Garcia & Lago (2011) discutem os principais dilemas e dificuldades nas decisões de terminalidade na pediatria, concluindo, em seu estudo, que o envolvimento da família e a boa relação com a equipe são fundamentais para o sucesso do tratamento paliativo. Rabello & Rodrigues (2010) também destacaram, em seu estudo sobre os cuidados paliativos na Saúde da Família, a percepção positiva dos profissionais acerca do vínculo formado com a família e o acolhimento ofertado. Apesar de apontado como um aspecto positivo, no estudo de Rabello & Rodrigues (2010), o médico ressalta que a formação do vínculo com o paciente e com os familiares dificulta o seu trabalho e a tomada de decisões no momento em que se torna necessário o cuidado paliativo. A formação de vínculo com a família e com o paciente vem associada nas narrativas do presente estudo a uma ambivalência entre uma boa relação e, por outro lado, a um sofrimento diante da iminência da morte e diante da perda de um paciente. A literatura aponta que a clareza na comunicação, o contato próximo com a família e o acompanhamento do processo de morte auxilia a equipe a compreender melhor a realidade dos pais, o que pode favorecer a assistência nesse contexto de cuidados paliativos (Souza et al, 2009). Contrariamente a essa tendência, o médico entrevistado apontou uma dificuldade na prática e um sentimento de que a assistência fica também prejudicada devido ao vínculo formado com o paciente e com os familiares. Tina, técnica de enfermagem, destaca que, em muitos momentos, a família cria uma barreira para proteger a criança e fazer as vontades da mesma, e isto dificulta 76 o trabalho da equipe de saúde. Ao mesmo tempo, ressalta o vínculo que é formado com os familiares, expressando a dor de vivenciar o sofrimento da família e do paciente. Pode-se dizer que, na interação com os pacientes e familiares, Tina permanece tomada por um sentimento de ambivalência entre a vivência da dor e do sofrimento e, ao mesmo tempo, pelo contato com a esperança e a força que as crianças e seus familiares expressam. É marcante na narrativa da profissional a força do que é aprendido no cotidiano do seu contexto de trabalho: “Logo inicialmente eu achei que eu não ia conseguir, [...] mas você vê tanta doçura, é uma fase que você vê a situação deles tá tão crítica e eles estão te trazendo lições de vida, não é? [...] Contagia você sempre. Eu aprendo mais com eles, eles me ajudam mais do que eu acho que eu ajudo eles, emocionalmente né?” (Tina, técnica de enfermagem) Essa força que as crianças e familiares apresentam, ao ser identificada pela profissional como um valor, passa a ser apropriada por ela enquanto um recurso semiótico (Zittoun, 2012) que auxilia seu enfrentamento diante das dificuldades do contexto de cuidados paliativos e no processo de transição após o contato constante com a morte em seu ambiente de trabalho. Tratando-se da vivência das famílias e seu impacto sobre os profissionais, das narrativas em seu conjunto, apreende-se que o contato inicial com o contexto de cuidados paliativos e com a morte, caracteriza-se enquanto ruptura, no sentido proposto por Zittoun (2012), não apenas para o paciente e para os familiares, mas também para os profissionais. Tal momento pode ser considerado uma ruptura já que interrompe uma trajetória e exige da pessoa um ajustamento a uma nova realidade, que é percebida de tal modo exigente que alguns chegam a expressar a crença de que não seriam capazes de suportar. Souza et al (2009) apontam para a importância da equipe de saúde estar atenta ao sofrimento da família no contexto dos cuidados paliativos pediátrico. Os autores ressaltam o impacto da perda de um filho para os pais, a qual envolve a perda de projetos, desejos de vida e futuro, ocasionando um grande conflito interior. Afirmam, ainda, que não há muito o que se fazer para aplacar a dor dos familiares; porém, os profissionais de saúde podem evitar que este sofrimento seja ampliado, ofertando um 77 acolhimento, um suporte e um apoio e, para isto, os profissionais devem ser capacitados. O câncer pediátrico necessita de um tratamento prolongado, com procedimentos médicos aversivos que podem envolver dor, desconforto e sensações perturbadoras que podem ser piores do que a própria doença (Torres, 2002). Em todas as entrevistas deste estudo, exceto na da técnica de enfermagem, aparece o sentimento de alívio, na morte, diante do fim do sofrimento que o paciente vive durante todo o tratamento, ressaltando que há um grande desgaste emocional ao longo do processo. Segundo Torres (2002), observar e conviver com a dor de uma criança com câncer é uma dura experiência, tanto para os familiares quanto para os profissionais de saúde. Os participantes apresentam em suas narrativas a visão que possuem acerca da experiência da família e do paciente, e destacam a força que as mães possuem para enfrentar o adoecimento do filho. A dentista e a enfermeira destacam a importância do suporte espiritual/religioso para familiares enfrentarem a perda da criança ou do adolescente. Assim, Leila considera que a religião se torna um suporte para as famílias através de crenças que trazem conforto e permitem lidar com a dor, tais como a crença de que a morte é uma passagem e que o filho está sendo entregue a Deus: “A gente vê todo aquele processo de sofrimento e no belo momento que aquele responsável está mais próximo, está mais ligado, emocionalmente, à criança... [...] E eles relatam quando entregam a Deus, “que cuide do meu filho”. Ou seja, eles começam a acreditar também que não é mais fim. Que é passagem. Minutos depois, horas depois, começa diminuir os batimentos cardíacos, começa a diminuir as funções... e a criança para e vai a óbito. Então... é difícil a gente se afastar de religião vivenciando isso tanto tempo. Ela traz um conforto”. No que se refere ao impacto do diagnóstico, pode-se afirmar que diagnóstico e o tratamento oncológico envolvem uma sequência de intervenções sobre o paciente, implicando em sucessivas hospitalizações. As hospitalizações são consideradas por Torres (2002) como marcos de crise e stress ao longo do adoecimento, pois retiram a 78 criança e o seu responsável do meio familiar, implicando em uma nova rotina, com novas leis e normas. Tanto a enfermeira quanto a técnica de enfermagem afirmam que o momento mais difícil é o diagnóstico da doença, o qual modifica por completo a vida daquele paciente e dos seus familiares. Tal perspectiva é confirmada por Torres (2002), que aponta que o momento do diagnóstico é a primeira situação de crise experienciada pela criança e por seus familiares. Para Tina, o momento do diagnóstico se apresenta como um choque para a família, gerando um desejo excessivo de proteção da criança. Pode-se observar na narrativa da participante, o diagnóstico como um momento de ruptura para a família, no qual a vida da criança aparece de forma tão frágil: “Quando confirmava o diagnóstico é o baque da família, né? É um baque assim, grande... porque criança a gente quer preservar de tudo né, que nada de mal aconteça e tal e de repente é um negócio tão frágil.” Apesar da dificuldade que acredita existir na introdução dos cuidados paliativos, Jéssica também afirma que o momento mais difícil para a família parece ser o do diagnóstico oncológico, que surge, na sua narrativa, como uma ruptura. O desgaste do tratamento e as dificuldades encontradas ao longo desta trajetória, parecem facilitar o processo de aceitação para as mães no momento da decisão dos cuidados paliativos, conforme demonstra sua fala a seguir: “[...] já passa por tantas dificuldades no tratamento... E em muitos momentos eu acho que elas perdem a esperança... [...] o que eu vejo é que é com menos sofrimento do que o diagnóstico. Porque eu acho que elas pensam assim ‘poxa, já sofreu tanto com o tratamento, que talvez seja melhor”. Poliana (psicóloga) observa uma dificuldade da família, mais especificamente das mães, em utilizar o termo paliativo, por mais que estejam esclarecidas acerca do prognóstico de seus filhos. Há a formação do vínculo da participante com o paciente e com a sua família, assim como um envolvimento e a esperança de que o tratamento tenha sucesso. Destaca-se o sentimento de frustração e a dificuldade de enfrentar a situação de cuidados paliativos. 79 Em sua experiência na área como psicóloga, ela observa que há uma resistência das mães em levar os filhos para morrer em casa devido a um medo da terminalidade e de como será o processo do morrer. Por outro lado, há um predomínio de desejo dos pacientes de morrer em casa e ela ressalta a importância de respeitar essa vontade. Poliana acredita que a equipe de saúde deve refletir sobre esse aspecto. Ao contrário do que ocorre com familiares de alguns pacientes adultos,as mães, como cuidadoras principais, normalmente apresentam uma grande demanda para atendimento psicológico quando os filhos estão em cuidados paliativos. Poliana explica que as mães apresentam uma demanda para falar sobre o tema e buscam ajuda para tentar adaptar-se à realidade vivida com seus filhos. Diante da experiência de luto das mães, são identificados sentimentos como a angústia e o medo da morte e do sofrimento que o filho irá passar. Após o óbito, Poliana observa que as mães apresentam uma dificuldade para enfrentar a perda e o vínculo com a equipe de saúde, em muitos casos, permanece. Na função de psicóloga, Poliana descreve o seu papel diante da terminalidade da criança numa linha convergente com a definida por Torres (2002), para quem o suporte à criança permite que ela expresse as suas fantasias e os seus medos, que ela pense sobre o tema, e que seja trabalhado o seu luto antecipatório diante da iminência da morte, levando em conta que a linguagem mais utilizada pela criança é a linguagem simbólica não-verbal. Alguns pacientes crianças ou adolescentes falam sobre o medo e a proximidade da morte e demonstram estar esclarecidos, mesmo quando não há a comunicação direta sobre o assunto. Ao longo dos atendimentos psicológicos, a psicóloga observa como questões frequentes o medo da morte, o medo de como será o processo do morrer e a preocupação com a sofrimento da família. Acerca da experiência da criança e do adolescente diante da morte, é enfatizada, na narrativa da psicóloga, a vivência da temporalidade no momento presente, no aqui e agora e, desta forma, observa que não há uma preparação dos pacientes para o processo do morrer. Não é identificada uma organização emocional ou uma conformação dos pacientes acerca da finitude da vida. Há uma preocupação 80 com o momento presente e com as questões práticas voltadas para o processo do morrer. “É difícil, eu não me lembro de nenhum caso assim da criança ou do adolescente estar organizado no sentido assim do conformado, com uma organização que eu acho que é muito do adulto[...]Na criança não tem isso, é muito mais no aqui agora, [...] o prático né, como é que vai ser no dia, no momento da morte? Como é que eu vou deixar meus pais? Como é que eles vão ficar sem mim?” (Poliana, psicóloga) 6.1.4 A PERCEPÇÃO DO PACIENTE A PARTIR DA VISÃO DOS PROFISSIONAIS Ao longo da análise das narrativas, foi possível observar a percepção dos participantes acerca da experiência da criança em cuidados paliativos, sendo, desta forma, definido este tema para explorar os aspectos relacionados à vivência do paciente. Torna-se, portanto, importante refletir sobre o que significa a morte para a criança, sendo algumas questões suscitadas como: a criança possui consciência acerca da morte? Quais os significados atribuídos? É uma possibilidade falar sobre a morte com uma criança terminal? Segundo Torres (2002), a criança em fase terminal experiencia um silêncio, o qual antecipa o silêncio da sua própria morte. De acordo com Souza et al (2009), a literatura aponta que a criança doente percebe o perigo da morte e utiliza uma linguagem simbólica, verbal ou não verbal, para expressar a sua experiência e compreensão. É possível observar que a criança é capaz de sentir as mudanças corporais e a progressão da doença, o que pode provocar intensa angústia. Os autores destacam a importância de fornecer um espaço de escuta para a criança, para continência da dor e do sofrimento psíquico, que pode ser através da brincadeira e da linguagem simbólica. No que se refere à experiência do paciente, encontra-se em todas as narrativas a afirmação de que tanto a criança quanto o adolescente sentem a progressão da doença e a iminência da morte, mesmo quando não lhes é formalmente comunicado. A psicóloga relata, em maior profundidade, a experiência do paciente e os medos e fantasias presentes no momento do cuidado paliativo. 81 Torres (2002) propõe uma discussão acerca da comunicação com a criança em fase terminal e coloca a questão: “...se não há dúvidas de que a criança tem conhecimento de que está morrendo, por que se faz segredo deste seu conhecimento?” (p. 150). Segundo Torres (2002), a psicologia aponta que este silêncio advém da forma como a sociedade lida com a morte, como um tabu, proibido, e o mecanismo de negação se torna o mais utilizado para o enfrentamento. Desta forma, a experiência da criança e do adolescente é determinada principalmente pelas relações com as pessoas que são centrais em sua vida, como a família e a equipe de saúde, que influenciam na oscilação entre a negação e a aceitação da morte. A comunicação clara com o paciente (criança ou adolescente) e com a família permite uma maior assimilação, compreensão e integração das informações acerca do adoecimento e do tratamento, de acordo com a capacidade cognitiva e emocional da pessoa. A comunicação clara permite também um fortalecimento da relação médicopaciente, o que pode facilitar o enfrentamento e as decisões no final da vida (Souza et al, 2009). Torres (2002) afirma que a ruptura do silêncio com a criança se torna terapêutico e ressalta a importância de ofertar um espaço de escuta para criança, esclarecendo as suas dúvidas e acolhendo a sua angústia. O foco central é que a criança perceba que pode compartilhar com o adulto as suas indagações e os seus medos perante a morte. Ao longo das narrativas, os profissionais destacam algumas diferenças entre a experiência e a assistência a uma criança e a um adolescente. No que se refere ao processo de comunicação, observa-se, nas narrativas, que o médico comunica acerca do prognóstico com os adolescentes com maior facilidade, por uma crença de que a criança possui uma capacidade cognitiva mais limitada para compreender o processo. Esse aspecto é relatado nas entrevistas, apesar do consenso – já comentado anteriormente - de que tanto a criança quanto o adolescente percebem a evolução e progressão da doença. Essa percepção do médico é partilhada por Tina (auxiliar de enfermagem), ao relatar, em sua narrativa, que muitas crianças já apresentam uma noção sobre a morte e demonstram estar esclarecidas quando este momento se aproxima: 82 “[...] nos últimos momentos que ele vê, nos últimos dias que ele vê o corpinho bem fraquinho eles sentem mesmo né, algo diferente mas, a maioria deles tem essa imagem o tempo todo de que tá todo mundo unido né pra cuidar dele”. Ressalta-se, novamente, a dificuldade na comunicação com a criança/adolescente quando se trata do tema da morte, já que não é esclarecida, para o paciente, a decisão acerca dos cuidados paliativos. Jéssica (enfermeira) é outra voz que converge com seus colegas de equipe, afirmando que os pacientes sentem a piora do quadro clínico ou a decisão acerca dos cuidados paliativos, mesmo que não seja comunicado abertamente a eles: “Mesmo quando ele não sabe, quando os pais optam por não contar, você vê que o paciente está entendendo tudo que está acontecendo, que está chegando a hora dele mesmo... e ele fala. Às vezes não fala para mãe, nem pro pai, mas fala para você”. Poliana (psicóloga) ressalta o grande desgaste do tratamento oncológico e afirma que, em alguns casos, as crianças sentem um alívio ao saber que não há mais tratamento possível, pois este se torna aversivo. Diante da sua experiência no contexto de cuidados paliativos, foi possível observar que muitas crianças e adolescentes, depois de um determinado tempo, já não acreditam mais que o tratamento funcionará, e se apresentam esclarecidos acerca da possibilidade de morte iminente. Ao diferenciar a experiência da criança e do adolescente, Poliana relata maior dificuldade para trabalhar a questão da morte com o adolescente, que possui maior clareza acerca do assunto. Quando se trata da criança, há o lúdico e a fantasia na hora da comunicação, o que facilita a assistência da psicologia: “A criança não tem tanta noção, e a criança ela se protege com a fantasia, não é? É, é impressionante, tem uma coisa, um dom infantil, uma coisa que é muito deles assim, de minimizar a realidade com a fantasia mesmo”. No que se refere ao processo de comunicação, Leila (dentista) comenta a dificuldade de enfrentamento no momento em que o paciente verbaliza e questiona o 83 seu quadro clínico. Refere não ser autorizada e não ser de sua responsabilidade a comunicação de diagnóstico e prognóstico. Ao trazer o exemplo de um caso, a profissional afirma que a decisão por comunicar ao paciente parte normalmente da família: “Ele me questionou. “Por que a minha gengiva está assim?”. [...] E eu falei “é a doença ativa”, e ele me perguntou “vai melhorar?”. “Talvez”. Porque eu não podia dizer a ele que ele não foi... a mãe não autorizou que ele soubesse que era cuidados paliativos...” A participante aborda um dilema ético diante da impossibilidade de comunicar ao paciente acerca do seu prognóstico, evidenciando angústia em tal vivência. Ressalta que o paciente possui o direito de ser informado acerca da sua condição de saúde. É destaque também na narrativa de Leila, a questão da forma utilizada na comunicação, mostrando, como um meio de facilitação do processo, o uso da fantasia e a ludicidade para se comunicar com a criança. “É certo eu negar resposta ao paciente? Eu devo mentir para o paciente porque a mãe decidiu? [...] A criança a gente diz que um dia vai aparecer uma fada, que aquilo tudo vai sumir... Ou que ali vai crescer porque vai nascer outra coisa mais bonita... Adolescente, vou falar assim? Não posso. Então eu me apeguei ao código de ética. Você pode omitir, já que não está no prontuário, é omisso... [...] Não menti para o paciente, mas eu omiti”. (Leila, dentista) 6.1.5 MORTE Este tema foi definido para explorar os significados sobre morte apresentados nas narrativas dos profissionais. De maneira geral, foi possível encontrar significados associados a um processo de aprendizagem na prática profissional, a uma falha na formação dos profissionais de saúde para lidar com a morte, à falta de suporte e espaço para compartilhar os sentimentos e a uma dificuldade de aceitação da morte da criança. Para melhor contextualizar tais significados, são retomados nos próximos parágrafos aspectos da literatura sobre mudanças na representação de morte e morrer. 84 A política de cuidados paliativos surgiu justamente com o objetivo de reduzir o sofrimento do doente em contraposição à prática médica eminentemente tecnológica e institucionalizada, buscando uma nova representação sobre a morte e um espaço para discussão de tal tema (Menezes, 2004). Diante da reflexão de Ariès (1977) acerca do comportamento humano perante a morte na sociedade ocidental cristã, é possível observar uma mudança de paradigma da Idade Média até a Modernidade. A morte era considerada um fenômeno familiar, sobre o qual o indivíduo era advertido e apresentava conhecimento acerca da morte. Já na perspectiva da modernidade, a dor passa a ser evitada a qualquer custo e a morte passa a ocorrer no hospital e não mais nas casas. Desta forma, a morte se tornou um fenômeno técnico associado à fracasso e impotência, e as manifestações do luto passam a ser condenadas, sendo a dor demasiadamente visível um sinal de perturbação mental. O processo de autoconhecimento, entrando em contato com impulsos primitivos e com o próprio corpo, envolve o confronto com a finitude e a mortalidade. Kovács (2001) afirma que a negação da morte é uma estratégia para evitar o contato com a dor e o sofrimento. Desta forma, o processo de negação permite que o sujeito viva em mundo de fantasia, no qual existe a ilusão da imortalidade. De acordo com Kóvacs (2009), a morte, para o profissional de saúde, torna-se diferente do que para as outras pessoas em geral, por fazer parte do seu cotidiano e se tornar a sua companheira de trabalho. No hospital, torna-se prioridade a ação de curar o paciente a qualquer custo e, quando isto não ocorre, é vivido pela equipe de saúde como algo frustrante, desmotivador e sem significado. Observa-se também que não conseguir evitar a morte, adiá-la ou não poder aliviar o sofrimento do paciente confronta o profissional de saúde com os seus próprios limites, o sentimento de impotência e a finitude, sendo este um processo doloroso (Kóvacs, 2003). Schliemann (2009) afirma que, para a pessoa lidar com a morte, é necessário um processo exaustivo de incorporação envolvendo as condições afetivas, cognitivas e emocionais, de forma que o sujeito seja ajudado a refletir sobre si mesmo e sobre os outros, desde a sua adolescência até a sua prática profissional. No presente trabalho, é 85 indispensável, portanto, analisar os significados de morte expressos nas narrativas dos participantes e as estratégias de enfrentamento a eles associados. Nas narrativas dos profissionais, o tema da morte vem associado ao sofrimento; porém, surgem múltiplos significados nas entrevistas. Os profissionais abordam, em seus relatos, as experiências pessoais e o trabalho na oncologia pediátrica aparece como um processo de aprendizagem para se lidar com a morte. Esse dado remete à afirmação de Luca (1997, apud Schliemann, 2009), de que lidar com a morte e o morrer envolve uma aprendizagem, que pressupõe conhecimento teórico e experiência prática, para permitir que o sujeito enfrente os seus medos, preconceitos, angústias e alegrias dentro de sua profissão. “...hoje eu consigo administrar esse sentimento né, consigo entender melhor; quando você vê, vez após vez aquela situação... alguma reação você tem, é positiva ou negativa né, cabe a você transformar; saber lidar com a situação, e hoje eu lido muito bem com a morte, eu sei que é algo que é normal, acontece né, dói, machuca muito. [...] com isso você aprende a administrar, ter um conceito né, você passa a estudar... [...] Os conceitos, como você deve agir, porque é preciso para um profissional dessa área, né, ter consciência disso, se preparar um pouco...” (Tina, técnica de enfermagem) No que se refere ao tema morte, a enfermeira Jéssica cita o medo, o apoio da religiosidade e a experiência pessoal como suporte para enfrentamento. Afirma que, após a primeira experiência de perda na vida pessoal, passou a frequentar rituais religiosos para melhor compreender o fenômeno da morte. A participante refere que o ritual religioso funcionou como um “divisor de águas” para a sua compreensão e enfrentamento diante da morte. Tratando-se da experiência profissional, Jéssica afirma que familiares e amigos de sua rede social acreditam que ela tenha se tornado uma “pessoa fria”, por conseguir lidar com a morte e enfrentá-la constantemente. Desta forma, o contato inicial com a morte no ambiente de trabalho pode ser considerado como um momento de ruptura, definido como aquele momento em que os modos de ajustamento existentes são interrompidos (Zittoun, 2012), pressupondo um processo de transição e adaptação posterior, através do suporte de recursos necessários para enfrentamento. 86 Segundo Jéssica, foi necessário buscar mecanismos para se adaptar ao contato constante com a morte. “É que, querendo ou não, você acaba se acostumando, você acaba criando mecanismos para aquelas situações para que [a morte] seja menos sofrida possível.” (Jéssica, enfermeira) Para Leila (dentista), a morte, vista através da ótica de sua crença religiosa, é compreendida como uma passagem e transformação. Afirma que a morte vem associada à dor e à saudade, porém, ao acreditar que não é o fim, isso permite uma maior aceitação do processo, associada à experiência de calma e paz. No que se refere à experiência da família, Leila acredita que quando não há a serenidade e a crença de que a morte é uma passagem, o enfrentamento vem associado à revolta, aos questionamentos, à negação e à não aceitação do processo. Ao falar sobre a morte, Leila enfatiza a visão de que a vida está além do corpo e que isso a ajuda a enfrentar o processo do morrer. Há uma crença de que, quando o corpo morre, perde o brilho e a luz, e essa vida passa a existir de uma outra forma, como uma transformação. Para Leila, o significado de morte vem associado a um tabu social. Esse aspecto aparece também na pesquisa realizada por Hermes & Lamarca (2013), sobre a visão dos profissionais de saúde acerca da morte. Há uma dificuldade geral em falar sobre o assunto e em aceitar o processo do morrer, mesmo para os profissionais que lidam com isso no seu contexto de trabalho. Ela destaca o processo de negação da morte pela própria equipe: “Aceitar que é morte, aceitar que é fim, é difícil para todo mundo, mesmo para quem trabalha dentro de um hospital com uma coisa tão delicada. [...] E ninguém nunca está preparado para dizer “acabou”. E muito menos para ouvir. [...] Entre equipe também não é fácil não... a gente meio que fala baixinho “olha, fulaninho”. [...] E a gente nega, até a própria equipe tenta negar ‘será mesmo?’”. A dentista queixa-se por não haver espaço e suporte emocional/psicológico para os profissionais diante do contexto de cuidados paliativos e que há poucos momentos em que a dor é compartilhada entre a equipe. A morte é parte do contexto 87 hospitalar e da rotina dos profissionais de saúde. Quando esta começa a causar angústia e dificuldade para lidar, é necessário falar sobre a morte em equipe (Souza et al, 2009). “...a gente tem que engolir a frustração que está sentindo para conseguir consolar. E a gente não tem apoio para equipe. A gente está sempre apoiando o paciente, a família, e cadê? Onde a equipe é sustentada? [...] tá, a gente suporta o paciente, a gente suporta a família, e a gente chega em casa, quem suporta a gente é o travesseiro”. (Leila, dentista) Poliana (psicóloga) acredita que há uma angústia universal no que se refere ao tema morte e expressa a dificuldade de dar suporte e escutar um adolescente ou criança falar sobre o medo da morte. Ela relata uma dificuldade pessoal de lidar com a morte e destaca não ter vivido experiências pessoais que lhe trouxessem tal aprendizagem. Pensar em morte, para ela, vem associado à angústia e ao sofrimento: “...eu lido muito mal, muito mal mesmo, e é muito assim, que muito das minhas amigas falam, - é impressionante como você trabalha com morte intensamente e lida muito mal com (a possibilidade de) morte na família -, lido mesmo.” Como psicóloga, Poliana assinala a dificuldade de trabalhar a questão da morte com a criança. O cuidado paliativo é visto como a certeza de que não há mais tratamento possível e é o contato com a certeza da morte iminente. Quando não há ainda esta certeza, trabalha-se com a possibilidade da cura, com a tentativa de adaptação à realidade do adoecimento e do tratamento. Porém, diante da definição de cuidados paliativos, Poliana traz a dificuldade de enfrentar e trabalhar com o tema da morte, gerando angústia na equipe de saúde também. Em sua narrativa, Poliana faz uma reflexão acerca da experiência na área, relembrando casos e processos de luto vividos com diversos pacientes. Conclui que tem se tornado a cada dia mais difícil enfrentar o contexto dos cuidados paliativos e a morte. Evidencia cansaço e desgaste: “...pra mim hoje em dia é muito mais difícil lidar com a morte do que no início. Normalmente é o contrário, você vai se acostumando com o 88 tempo, pra mim não. [...]...por mais um que eu vou perder, não aguento mais sabe? Você começa a desacreditar do tratamento. [...]Muito por isso assim, eu acho que por cansaço mesmo da realidade. Eu acho que a oncologia pediátrica tem vida útil pra qualquer profissional.” Apesar do constante contato com a morte após algum tempo de experiência no trabalho, é identificada, pela enfermeira, uma falha na formação profissional direcionada a esse tema. Seu relato vai na mesma direção que Schliemann (2009) aponta, a da existência de uma falha na formação dos profissionais de saúde no que se refere à morte e ao morrer. Essa falha, para a autora, remonta à graduação dos profissionais de saúde, na qual a morte é desqualificada nos dois âmbitos de aprendizagem direta, teórico e prático, sendo que no primeiro não há espaço para a discussão do tema e no segundo, o foco se torna o trabalho direto com o paciente e a família, sem uma reflexão sobre a morte e o morrer. Essa discussão acerca de uma educação para a morte, que envolve a falha na formação dos profissionais de saúde para lidar com tal tema, está também presente nos estudos de Yazdani et al (2010), Roth et al (2009), Nicholl & Price (2012), Combinato & Queiroz (2011), Bifulco & Iochida (2009), Piva, Garcia & Lago (2011), Hermes & Lamarca (2013). Schliemann (2009) vai além, promovendo uma discussão acerca da formação dos profissionais de saúde, mais especificamente dos médicos, propondo estratégias que auxiliem os futuros profissionais a lidarem com a morte e o morrer. Dentre elas estão a realização de debates, treino de habilidades específicas e um processo de sensibilização para o contato com a morte. Um outro aspecto da formação profissional, ressaltado pela dentista, coloca que o aprendizado é focalizado na cura, e se torna difícil lidar com a morte. Desta forma, a morte vem associada a um sentimento de impotência. No que se refere à dificuldade para lidar com a morte, a dentista problematiza, em sua narrativa, a questão da morte como um tabu social em nossa sociedade, o que produz um impacto sobre a assistência, principalmente no que se refere ao processo de aceitação da morte. 89 “Até a gente tem tabu de falar sobre morte. Todos nós. Até em casa. [...] Aceitar que é morte, aceitar que é fim, é difícil para todo mundo, mesmo para quem trabalha dentro de um hospital com uma coisa tão delicada. [...] Como é que a gente vai dizer sem ferir a pessoa? E ninguém nunca está preparado para dizer “acabou”. E muito menos para ouvir. [...] a resposta inicial é uma negação...”. (Leila, dentista) Tratando-se da esfera pessoal, alguns profissionais trazem as perdas de amigos/familiares que sofreram ao longo da vida e a forma como encaram a morte. Na entrevista da dentista, é muito marcante o papel central que a espiritualidade possui quando se trata da morte. No estudo realizado por Combinato & Queiroz (2011) sobre a concepção de morte por profissionais de saúde, destacaram-se três definições sobre o processo do morrer: uma consequência da vida, um processo biológico e uma benção divina. Na narrativa do médico, observa-se que a morte é vista como um processo natural e que, ao longo da sua experiência profissional, houve um processo de ressignificação sobre a vida. O médico expressa uma maior aceitação diante do processo de morrer, apesar de pontuar a dificuldade de enfrentar a morte da criança, por ser um processo inverso ao que se espera do ciclo vital. Esse aspecto é assinalado também pela dentista, associado a um sentimento de revolta e de raiva. O medo da morte aparece em algumas narrativas, como na do médico, da enfermeira e na da psicóloga. No que se refere ao significado da morte, Tina acredita ser um processo natural, doído, difícil e que não deveria existir. A profissional fala da dor da perda e relata, como estratégia para enfrentamento, tentar separar a vida no trabalho da vida pessoal. Ao enfrentar a morte com certa frequência no seu contexto de trabalho, Tina traz uma ressignificação da vida e uma nova forma de viver. Pode-se considerar o contato inicial com a morte, para o profissional, como uma ruptura, no sentido proposto por Zittoun (2012). Mais uma vez, constata-se a emergência de novos significados, próprios do período de transição que se segue à ruptura: “Você aprende a dar valor também às coisas pequenas, a dar valor à vida, tudo, não é? É muita coisa pra mim que antes eu me irritava, que 90 antes eu achava que era uma coisa e eu vejo que não é nada né, você passa a ser mais flexível com as coisas; porque você releva muita coisa, é como se você é descobrisse o verdadeiro significado pra vida, eu não estou aqui pra isso né, a vida é curta demais para me preocupar ou perder tempo com isso né.” (Tina, técnica de enfermagem) Um sentimento de impotência ao lidar com a morte de um paciente aparece também na narrativa de Tina: “Diante de certas situações, a gente não é nada, não é, só um ser humano. [...] É uma impotência muito grande você ver que não pode fazer nada; e o que você fez e toda equipe fez, não pôde vencer a doença.” A técnica de enfermagem relata fazer um acompanhamento psicológico (terapia) para enfrentar as dificuldades encontradas no seu contexto de trabalho, destacando o sentimento único envolvido na perda de cada paciente. “Eu busco apoio psicológico também porque é preciso, não tem como. Por mais experiência que você ganhe, as crianças são diferentes, cada criança é especial... [...] Então cada criança é uma perda, é um sofrimento diferente, entendeu?” (Tina, técnica de enfermagem) Além do suporte psicológico, Tina desenvolveu uma estratégia de evitar e afirma buscar esquecer que determinado paciente está em cuidados paliativos, pois afirma que o termo é doloroso. Busca cuidar do paciente com o maior carinho, independente das condições clínicas. Observa-se que a narrativa da técnica de enfermagem constrói-se dentro de um campo afetivo fortemente realçado, evidente em cada definição e em cada tópico abordado acerca dos cuidados paliativos. A participante trouxe sempre em sua narrativa, primeiramente, os sentimentos envolvidos na experiência, para depois tentar descrevê-la. 6.1.6 PROCESSO DE LUTO 91 Este tema refere-se ao processo de luto vivido na situação dos cuidados paliativos pediátricos, focalizando o luto antecipatório, o qual antecede o óbito do paciente, e o próprio processo de luto após a morte daquela criança ou adolescente. A experiência de sofrimento e de luto é inevitável para os profissionais que lidam com crianças gravemente enfermas. De acordo com os estudos realizados por Plante & Cyr (2011) e por Keene, Hutton, Hall & Rushton (2010), o luto após a morte da criança é intenso para os profissionais de saúde. Segundo Reich (1989, apud Keene et al, 2004), o sofrimento pode ser definido como “uma angústia experimentada como uma ameaça à nossa compostura, à nossa integridade, ao cumprimento de nossas intenções, e mais profundamente como uma frustração para o significado concreto que encontramos em nossa experiência pessoal. É a angústia sobre a lesão ou ameaça de prejuízo para si mesmo e, assim, o sentido do eu que está no âmago do sofrimento” (p. 225). De acordo com Prade, Casellato e Silva (2008), o processo de luto dos profissionais de saúde é um fenômeno complexo principalmente por ser vivido de forma negada, velada e negligenciada por todos os atores envolvidos no contexto. Desta forma, a experiência deste luto para o profissional, frente à iminência da morte do paciente, pode se tornar um fator de risco para a sua saúde física e mental. O contexto hospitalar impõe um silêncio à morte, o que destaca a solidão do paciente, o isolamento da família e o distanciamento da equipe de saúde, a qual evita o confronto com a sua própria angústia. Os sentimentos dos profissionais que perdem um paciente devido ao vínculo formado com o mesmo e com a sua família são destacados nas narrativas. De acordo com Prade, Casellato e Silva (2008), o luto do profissional de saúde frente à iminência da morte do paciente é um fenômeno complexo e pode se tornar um fator de risco para a saúde física e mental dos profissionais. A complexidade do fenômeno ocorre principalmente devido ao fato do processo de luto ser vivido de forma velada, negada e negligenciada por todos os atores envolvidos no contexto. As narrativas dos profissionais contemplam vários dos aspectos trazidos pela literatura. De um modo geral, como expresso na fala de Tina (técnica de 92 enfermagem), o contexto para os significados e sentimentos relatados é a percepção de si mesmo enquanto ser humano e o fato do paciente ser tão jovem: “É isso que nos diferencia né, das máquinas né. Nós temos sentimentos. [...] É difícil pelo fato de passar a amar a criança.” Destaca-se também a vivência do luto não reconhecido por se tratar de um profissional de saúde. Tina descreve a dificuldade de sofrer e chorar no ambiente de trabalho, reforçando a importância de ter um suporte psicológico para ajudar no enfrentamento: “... e a gente não pode se dar ao luxo de se comportar dessa forma, você tem que ser muralha sempre diante da família e do paciente, então isso é difícil.” (Tina, técnica de enfermagem) O que sobressai no transcrito acima é a própria experiência do luto não reconhecido, para o qual, segundo Maso et al (2005), não há uma validação social e não há um espaço para que o profissional expresse os seus sentimentos, pensamentos e comportamentos. Diante da experiência de um luto não reconhecido, o luto antecipatório pode ser um facilitador para o luto do profissional, como uma possibilidade de despedida do paciente e de manejar as questões ligadas ao mesmo e à sua família nos momentos finais da vida (Prade, Casellato e Silva, 2008). O luto antecipatório é expresso nas narrativas antes do óbito do paciente, desde o momento do diagnóstico da doença e principalmente quando se determina o cuidado paliativo e fica esclarecida a iminência da morte. A decisão pela introdução do cuidado paliativo configura ruptura e a partir daí é que vai ocorrer toda uma transformação na assistência e na experiência vivida pelos profissionais. Os participantes mostram-se esclarecidos acerca da evolução da doença dos pacientes: já há um conhecimento prévio e uma expectativa para aqueles pacientes que apresentam menor chance de cura. No que se refere ao luto antecipatório, foi possível identificar nas narrativas sentimentos como a angústia, a tristeza, o choro, 93 identificados também nos estudos realizados por Plante & Cyr (2011) e por Keene et al (2010). Os profissionais que são testemunhas do sofrimento e da dor de uma criança gravemente enferma poderão também experienciar sofrimento. É possível observar que os profissionais de saúde tendem a sentir frustração e angústia diante das dificuldades enfrentadas pela criança doente e por seus pais (Keene et al, 2010). Diante da perda do paciente, Leila traz sentimentos contraditórios como alívio e saudade. É possível observar uma ambivalência na experiência de luto, sendo que a participante relaciona a morte a um alívio devido ao constante sofrimento do tratamento e, ao mesmo tempo, a saudade é relatada devido ao vínculo rompido. Leila afirma sentir raiva em muitos momentos, devido ao tratamento não ter tido sucesso, questionando o fato de uma criança morrer. Sentimento de frustração e revolta aparecem também durante o processo de luto, após a perda do paciente. “Dá uma frustração, dá um sentimento de revolta também, junto com a família. Eu vou olhar para ele e vou dizer o que, que eu estou junto com você com essa mesma raiva? Eu não vou conseguir dizer para ele ‘tenha calma, tenha fé... tenha resignação...’. Porque a gente está junto nesse mesmo sentimento.” (Leila, dentista) Ao mesmo tempo em que Jéssica (enfermeira) parece desenvolver um processo de adaptação por lidar constantemente com a morte, sua narrativa expressa sofrimento e dificuldade para lidar com a perda e com a dor da família na situação de cuidados paliativos. Está presente também na narrativa a expressão do luto do profissional neste contexto e a dor de perder um paciente. É possível observar que há uma tentativa de adaptação ao contexto dos cuidados paliativos, porém a vivência do luto e de compartilhar a dor com o paciente e os familiares continua marcada por uma ambivalência (Abbey, 2012). Tratando-se do processo de luto após a perda, foi possível identificar nas narrativas expressões emocionais como choro, angústia, tristeza, frustração/impotência, dor, raiva, revolta. Emoções como estas foram relatadas também por Plante & Cyr (2011), ao buscar acessar as reações emocionais, as estratégias de enfrentamento e as necessidades dos profissionais que enfrentaram o 94 cuidado de uma criança gravemente enferma. Particularmente após a morte de uma criança, esses autores identificaram reações como a tristeza, a raiva, a ansiedade, assim como identificaram que os profissionais sentiam-se vulneráveis e descreveram o sofrimento do impacto emocional, social e espiritual do luto. A dificuldade de enfrentar o cuidado paliativo e a perda é associada por Poliana (psicóloga) ao forte vínculo formado com os pacientes e com as suas família, normalmente as mães. Esse vínculo persiste após a perda, em muitos casos, quando se mantém o contato com as mães. Ela verbaliza sentimentos de frustração, angústia, dor, choro e sofrimento pela perda. A morte dos pacientes causa uma frustração e um impacto, diante da expectativa de cura. A participante relata a dificuldade para lidar com tal contexto e com tantas perdas significativas, pois o contato com o paciente e a sua família é intenso e o vínculo se torna forte. “Tem pacientes que você vê mais do que pessoas de sua família, você vê quase todo dia né. [...] Então você cria um vínculo, você cria uma expectativa de cura não é, não tem como não criar né? Tem crianças adoráveis que eu sou apaixonada...”(Poliana, psicóloga) Observa-se também, na narrativa da psicóloga, que a grande dor e sofrimento diante da perda dos pacientes se expressa também em sintomas físicos: “É difícil, é um peso, hoje em dia eu tenho muito mais enxaqueca do que eu tinha antigamente sabe? E era para ser ao contrário. Era pra eu tá acostumada com toda essa realidade, mas eu sofro muito, sofro, me envolvo e não tem como não se envolver.” A estratégia de enfrentamento pela negação da morte, através da tentativa de distanciamento físico dos pacientes e familiares, esteve presente para todos os profissionais, em seu conjunto. Eles relatam, nas entrevistas, o distanciamento cognitivo, a busca por evitar pensar na perda e a separação entre a vida pessoal e a vida profissional. Não se envolver emocionalmente funciona como um mecanismo de defesa diante do sofrimento; porém, há indícios de que também implica em impedir o acolhimento efetivo aos familiares e à criança doente, podendo prejudicar a saúde de quem permanece vivo: os profissionais e os familiares (Souza et al, 2009). 95 Foram apontadas ainda, como estratégias de enfrentamento, o suporte religioso, o não memorizar detalhes sobre o paciente e a sua família, e recursos cognitivos utilizados com o objetivo de controlar os pensamentos. As portas do hospital aparecem como uma fronteira, que facilita a separação entre a vida profissional e a vida pessoal, com o objetivo de aliviar o sofrimento experienciado com a perda ou a iminente perda do paciente. Como estratégia para enfrentamento, a psicóloga afirma utilizar o recurso cognitivo de separar a sua vida pessoal e a sua vida profissional. Busca controlar os seus pensamentos ao sair do hospital. “Quando eu saio daqui, eu tento não pensar no que eu acabei de fazer, sabe? No que eu acabei de falar, no que eu acabei de ouvir; [...] aqueles recursos cognitivos mesmos, sabe? De trocar pensamento, de falar pouco com as pessoas daqui quando eu não estou aqui...” Segundo Tinoco (1997), na medida em que os pacientes e familiares vivenciam o processo de luto antecipatório, torna-se impreterível para o psicólogo entrar em contato com os sentimentos que a morte lhe causa, para poder compreender, acolher e dar suporte à experiência dos pacientes e dos familiares. A autora refere uma associação entre a vivência do stress pelos profissionais de saúde, devido ao contato constante com a possibilidade e a ocorrência da morte, e uma vivência de um luto do profissional diante das perdas experienciadas no ambiente de trabalho. Para lidar com a morte, Tina (técnica de enfermagem) relata que conhecer teoricamente e estudar sobre o tema da morte e da perda ajuda o enfrentamento do processo de luto. O recurso semiótico do conhecimento permite uma preparação para lidar com o tema e favorece a aprendizagem de como deve agir e se comportar como profissional da área. Como estratégia de enfrentamento, Jéssica (enfermeira) relatou um distanciamento físico dos pacientes. Afirma que agora atua mais a nível ambulatorial, o que facilita a redução do vínculo e do sofrimento ao lidar com o paciente em cuidados paliativos. Destaca também um afastamento na fase terminal do paciente para redução do sofrimento. O distanciamento da experiência do aqui e agora pode ser 96 considerado um recurso semiótico (Zittoun, 2012) que auxilia no enfrentamento da transição, possibilitando uma atitude reflexiva. “Mas o fato de você não ver, de você não estar no momento mais desesperador para família, você acaba não sentindo tanto.”(Jéssica, enfermeira) Como apoio para enfrentar a perda de um paciente, Jéssica destaca a diversidade e a rotatividade dos pacientes na unidade. Ao mesmo tempo em que se perde um paciente, chegam novos e novos vínculos são formados, o que sustenta o processo de luto do profissional, de acordo com a participante. Tina destaca o envolvimento com o paciente e a família e a dificuldade para enfrentar a decisão de cuidados paliativos e a fase terminal. Observa-se na sua narrativa o sentimento de frustração e o processo de luto após a perda de um paciente: “... durante o percurso do tratamento você se envolve com a criança e com a família e quando chega no estágio final você também não quer perder mais aquela criança, também é sua e aí você já, já passou a gostar dos familiares, [...] aí realmente é difícil, porque você fala – mas eu lutei tanto, a gente cuidou tanto e a gente perdeu, né?”. De acordo com Maso et al (2005), os sentimentos diante da perda do paciente podem ter uma duração longa e, caso não sejam elaborados, podem retornar no contato com outros pacientes e outras situações futuras, provocando um estresse no profissional, sendo um aspecto importante para a criação de um trabalho de cunho psicológico específico com os profissionais de saúde envolvidos neste contexto. Observa-se então a importância de um suporte para os profissionais que lidam com a morte e a perda de pacientes. O estudo realizado por Keene et al (2010), buscou avaliar um programa de intervenção voltado para o luto dos profissionais. As sessões de grupo para suporte ao luto foram identificadas como uma estratégia efetiva para fornecer suporte aos profissionais de saúde que passam pelo processo de luto ao lidar com crianças gravemente enfermas. A oportunidade de expressar o luto e refletir sobre a experiência de cuidar do paciente e da família permite que o profissional de saúde aprenda a lidar com a experiência de luto e facilite a sua assistência no contexto de cuidados paliativos. 97 6.2 A dinâmica da experiência dos profissionais de saúde nos Cuidados Paliativos Neste tópico, buscou-se realizar a síntese de cada caso a partir de uma visão dinâmica da rede de significados sobre os cuidados paliativos, de acordo com a narrativa de cada participante. Inicialmente, optou-se por apresentar a análise mais detalhada acerca de um único caso, para depois compor a rede de significados exposta em sua narrativa. O caso apresentado será o do médico, escolhido devido ao papel central que ocupa na equipe multiprofissional, sendo o principal responsável pela comunicação e pela tomada de decisão. Ao final, serão apresentadas apenas as redes de significados dos outros quatro casos, sendo que os mapas descritivos dos conteúdos narrados pelos participantes encontram-se no Apêndice C. 6.2.1 CASO 1: Médico Carlos A Figura 5 a seguir apresenta um mapa com os temas e a dinâmica entre estes extraídos da narrativa do participante. 98 FIGURA 5: Mapa descritivo dos conteúdos narrados pelo médico Carlos 99 “Eu nunca vou esquecer, pro resto da vida. Porque eu estava na enfermaria e uma auxiliar chegou pra mim e falou “doutor Carlos, Joana quer falar com você“. Eu entrei na sala, no quarto digo, e ela me fez três perguntas: a primeira pergunta foi quando ela ia pra casa [...] e eu respondi que não tinha condições de ela ir embora pra casa por causa de tudo aquilo que estava acontecendo. E ela me fez a segunda pergunta... ela fez a segunda pergunta que era o que estava acontecendo, e aí eu tive que explicar para ela que a doença na verdade não tinha respondido ao tratamento, que tinha progredido, e por conta daquilo tudo que ela estava sentindo dor [...] E a terceira pergunta, que eu acho que selou assim para o entendimento de tudo que estava acontecendo, até o entendimento de que naquele momento a vida dela tinha, pelo menos terrena, tinha dado um ponto final, ela me perguntou “e agora?”, e “agora a gente vai fazer com que você sofra o mínimo possível, tá certo?”, “tá certo“. E naquele mesmo dia, à tardinha pra noite, ela acabou falecendo.” (Relato do médico sobre o seu último contato com uma adolescente em cuidados paliativos) 6.2.1.1 Caracterização dos Cuidados Paliativos Ao longo da entrevista, Carlos apresenta a sua compreensão acerca dos Cuidados Paliativos e as dificuldades enfrentadas nesse contexto. O médico acredita que os cuidados paliativos permitem uma maior qualidade de vida para o paciente, no momento em que não há mais possibilidade de cura para a doença. Ele afirma que há estratégias para ajudar o paciente, que envolvem a analgesia e a sedação, assim como medidas de conforto psicológico e o não uso de procedimentos invasivos. A concepção de cuidados paliativos está explicitada em sua fala a seguir. “Cuidados paliativos o conceito é justamente esse: paliativo é você dar uma qualidade de vida um pouco melhor, mesmo àqueles que estão fora de possibilidade terapêutica.” (Carlos, médico) 100 6.2.1.2 Práticas de assistência à saúde De acordo com o discurso de Carlos, as práticas de assistência à saúde são caracterizadas em função do seu objetivo diante de uma situação de cuidados paliativos. Dentro desse contexto, a prática envolveria a facilitação do processo de morte através do favorecimento de uma morte que ele acredita ser mais tranquila, que é marcada pela oferta de uma analgesia e alívio do desconforto físico que possa aparecer. “Eu acho que o momento de você partir tem que ser o momento com o mínimo de sofrimento possível.” (Carlos, médico) Uma morte mais tranquila, de acordo com a perspectiva de Carlos, é marcada também por evitar medidas mais invasivas (procedimentos invasivos), por cuidados afetivos/psicológicos e por um vínculo presente entre a família e a equipe de saúde, que é vista por ele como restrita apenas aos médicos. Ao longo da entrevista, o médico não se refere aos outros profissionais que compõem a equipe de saúde. Carlos destaca a sua função como um facilitador no contexto de cuidados paliativos. No que se refere à relação com a família, evidencia compartilhar a responsabilidade e a tomada de decisões, através de uma comunicação clara. Explicita que a sua função é colocar, para a família, as opções necessárias para que “o paciente possa partir de uma forma mais tranquila”, sendo este o momento mais difícil de acordo com a perspectiva do médico. “Eu acho que comunicar a família que não tem mais nada a ser ofertado, ou seja, comunicar que aquele pequeno, que se esperava que tivesse um futuro pela frente, não terá. Eu acho que isso é o mais difícil.” (Carlos, médico) 6.2.1.3 Experiência dos pacientes e da família Observa-se, nesse trecho da entrevista, que o médico atribui aos cuidados paliativos o significado de não ter mais o que ofertar para a cura do paciente. É possível observar uma ambivalência entre o cuidado paliativo como possibilidade de 101 proporcionar um conforto e o cuidado paliativo como uma impossibilidade de ofertar a cura. Destaca-se também a ruptura (Zittoun, 2012) ocasionada pela decisão de um paciente entrar em cuidados paliativos e, no caso da criança, interromper um esperado futuro de desenvolvimento e crescimento. Na relação com o paciente, o médico expõe as condições para que haja uma comunicação clara com a criança e o adolescente, com o objetivo de protegê-los. Inicialmente, Carlos considera a idade do paciente e a sua capacidade de compreender questões relacionadas aos cuidados paliativos. O médico afirma que os adolescentes possuem conhecimento acerca do que acontece com eles durante o adoecimento, mas as crianças mais novas não apresentam tanta clareza. Ele comunica à criança e ao adolescente o que é necessário quando estes questionam e/ou procuram saber informações acerca do seu quadro clínico de saúde. “... eles que estão vivendo ali no dia a dia, no corpo, tudo o que está acontecendo com relação à progressão da doença, aos sintomas que a doença está causando. Então por mais que a gente queira preservar, a gente sabe que eles entendem. Eles têm o potencial de compreensão, e talvez até de compreender o que a gente acha que eles não compreenderiam.” (Carlos, médico) Observa-se que, apesar de acreditar que o paciente possui um conhecimento acerca dos processos que ocorrem em seu organismo e sentem a progressão da doença, o médico opta por não estabelecer uma comunicação clara com a criança/adolescente. A comunicação ocorre somente quando o paciente manifesta verbalmente o desejo de saber sobre o seu quadro clínico. É importante ressaltar que o médico coloca como maior dificuldade, na situação de cuidados paliativos, a comunicação com a família e com o paciente. Desta forma, torna-se necessário explorar esse tema e buscar ações que favoreçam o processo de comunicação na situação de cuidados paliativos. É possível observar a tentativa de proteger a criança e o adolescente do enfrentamento da morte iminente declarada, através de uma conspiração de silêncio, onde não se fala sobre o assunto. De acordo com Pessini (2001), esta conspiração, principalmente na cultura latina, surge com o objetivo de proteger o paciente da 102 verdade, o que traz o risco de expor o paciente e seus familiares a novas formas de sofrimento. Ao abordar a questão da tomada de decisões, Carlos demonstra a formação do vínculo com o paciente e com a família e os sentimentos que se desenvolvem nessa relação. Diferencia o seu papel de médico do seu lado humano e afirma sofrer junto com o paciente e sua família. O médico acredita que o sofrimento presente nesse contexto dificulta o processo de tomada de decisões, conforme explicitado na fala a seguir. “É claro que você como médico, mas acima do médico você como ser humano, você acaba se apegando muito a esses meninos e não tem como você não sofrer junto com a família, até pra tomar uma decisão dessa de sedar eu acho que é difícil pra todo mundo, tanto pra equipe médica quanto pra família, mas a gente tem que entrar num consenso e saber o momento certo, mas é complicado...” (Carlos, médico) No que se refere à percepção dos profissionais da equipe de saúde sobre a participação da família nas práticas de assistência à saúde, assim como sobre a vivência da mesma, há, no discurso de Carlos, uma preocupação em evitar que a família se depare com sintomas de dor e sofrimento, o que, para o médico, promoveria um ambiente mais favorável ao que ele concebe como uma morte "tranquila". Identifica-se uma tentativa por parte do médico de promover um ambiente mais favorável para uma morte mais silenciosa. Carlos acredita que a família cooperativa seria aquela que concorda com os procedimentos e que não entra numa posição de negar a gravidade e realidade dos fatos. Destaca também que o curso do desenvolvimento da doença e o seu tratamento longo colocam a família em uma grande exposição ao sofrimento do paciente, e isto é visto pelo médico como um dos fatores para que ela se mostre mais colaborativa com a definição de cuidados paliativos. “... então eu acho que pra eles (família) assim ver esse sofrimento muito crônico acaba facilitando um pouco da aceitação dos cuidados paliativos, do que não ter mais o que oferecer a não ser suporte né.” (Carlos, médico) 103 6.2.1.4 Morte e Luto Em relação ao significado de morte para o médico, este inclui a noção da morte enquanto uma certeza, como algo que tem o seu momento marcado no destino. O médico traz também a noção de morte enquanto um processo que pode ser vivido com maior ou menor dignidade, o que envolve o alívio do sofrimento. A dimensão temporal também é pontuada por ele ao afirmar que a morte teria uma ordem natural, cronológica, na qual os mais velhos morreriam primeiro e uma ordem inversa, em que os mais novos morrem primeiro. O participante aborda o imenso sofrimento presente quando a morte ocorre em uma ordem inversa, que é o caso das crianças em cuidados paliativos. Além da morte da criança inverter a ordem natural cronológica, Menezes & Barbosa (2013) diferenciam a abordagem dos cuidados paliativos para adultos e para crianças e destacam que, na infância, a doença terminal se torna um drama social, também por ser uma etapa da vida tão valorizada na sociedade ocidental contemporânea. Em sua narrativa, Carlos explicita que há uma ambivalência entre a certeza da morte e a capacidade de enfrentá-la, no momento em que afirma que, mesmo com o contato próximo no exercício cotidiano de sua profissão, ele não está preparado para a morte. Refere ter mudado a sua forma de encarar e lidar com a morte e afirma não ter mais medo da morte, mas sim da forma como ela irá acontecer. “... lidamos com a morte, é a única certeza que a gente tem, a gente só não sabe quando e como a gente vai partir daqui, mas é a única certeza e a gente não está preparado. E até a gente como oncologista, a gente não está preparado.(...) Quando eu falo em morte, o meu medo é de como morrer.” (Carlos, médico) O tempo cronológico e o significado de ‘morte digna’ parecem ter impacto sobre a prática deste médico em sua profissão. O participante destaca a morte inversa, a morte de uma criança, como um evento associado a muito sofrimento, o que dificulta o seu trabalho. Desta forma, pode-se considerar a morte de uma criança como um ruptura não normativa (Zittoun, 2012), não esperada diante do ciclo de vida humana, sendo necessário um processo de ajustamento à essa realidade. Diante da 104 experiência na oncologia pediátrica, Carlos afirma ter passado por um processo de mudança de significados referentes à vida e à morte, mudando a sua postura e atitudes enquanto ser humano. “... na verdade a ordem natural é eu ir primeiro, ir muito primeiro do que os pequenininhos que tem 2, 3, 4, 5, 6 anos de idade, né? Então assim, eu acho que por conta disso acabou mudando um pouquinho a minha visão. Não só de morte, mas como sobre um monte de coisa em relação à vida. [...] em relação ao fato da gente dar importância à coisas que são pequenas quando a gente compara com problemas que são muito maiores.”(Carlos, médico) Menezes & Barbosa (2013) trazem uma reflexão acerca da perspectiva do cuidado paliativo, que possui o objetivo de fornecer uma morte digna, pacífica, tranquila, aceita e compartilhada socialmente. No que se refere ao sofrimento diante do processo de morrer, o signo ‘morte digna’ parece trazer um sentido e uma esperança para a atividade do médico. Carlos afirma que é o seu papel e objetivo permitir uma morte digna e tranquila para as crianças que estão em cuidados paliativos. “Eu acho que é morrer com dignidade, é morrer sem sofrimento. Eu acho que a criança já sofreu tanto durante o tratamento, eu acho que no momento final, eu acho que se puder partir de forma tranquila e sem dor, melhor.” (Carlos, médico) Embora Carlos destaque o sentimento de impotência em relação à cura, ao longo da entrevista, evidencia-se um processo de ressignificação dos objetivos de sua própria atividade. Acredita que a sua função não está ligada somente à cura, porém mais ao alívio do sofrimento. Esta situação é de grande importância para o processo e a assistência nos cuidados paliativos. “Eu acho que a impotência do médico talvez não seja a impotência de curar, mas eu acho que a impotência talvez de não amenizar o sofrimento, ou seja, de fazer com mesmo com toda aquela situação, com tanta medicação, com tanta coisa, você não foi capaz de fazer com que o paciente não sofresse...” (Carlos, médico) 105 Além do sentimento de impotência, destaca-se também a vivência do luto do profissional, nesse caso sendo também um luto antecipatório, por ocorrer antes do momento da morte. O médico pontua que ao criar um vínculo com o paciente e com a família, principalmente por ocorrer um longo tempo de convívio no tratamento, é inevitável que haja dor e sofrimento diante da perda da criança ou do adolescente. “Mas a gente sente, porque o tratamento normalmente é aquele tratamento longo, de meses, anos em alguns casos, e não tem como você não criar vínculo, não tem como não se apegar e se identificar com algumas dessas crianças. Então é claro que você perde, você sofre, você sente né?”(Carlos, médico) Mas, ao mesmo tempo em que o vínculo aparece como inevitável, ao falar das estratégias de enfrentamento perante a morte, o médico, ambiguamente, afirma buscar um certo distanciamento da situação e da vinculação das emoções ao ambiente hospitalar, o que considera ser uma estratégia para se defender: “Mas assim, você para se proteger, em certos momentos precisa de distanciar também.”(Carlos, médico). Ele busca vincular os sentimentos associados à perda do paciente e ao seu sofrimento apenas ao ambiente hospitalar, na tentativa de se desligar ao sair da instituição e viver a sua vida pessoal. “A nossa defesa talvez é que a gente sofra durante aquele período e a gente consiga criar uma barreira para que fora do ambiente hospitalar a gente não deixe que isso interfira na vida da gente do dia a dia. [...]Mas a gente sente sim. Não tem como não sentir...”(Carlos, médico) Outra estratégia apresentada pelo profissional é a de incluir a família na decisão sobre o momento de sedar o paciente e optar de fato pelos cuidados paliativos, como uma possibilidade de compartilhar a responsabilidade com alguém. Ao final da entrevista, Carlos reflete acerca do seu papel enquanto oncologista e afirma que a inteligência emocional se mostra mais importante no contexto de cuidados paliativos do que a própria competência técnica. Observa-se que a construção do signo morte digna é também envolvida pela competência emocional do profissional de favorecer o alívio do sofrimento para o paciente e os familiares. O 106 médico pontua que sensibilidade e humanidade são características essenciais para a sua atuação enquanto profissional, enquanto oncologista pediátrico. “Eu acho que a sensibilidade, a humanidade, eu acho que a inteligência emocional vale muito mais do que a competência técnica, porque a competência técnica você estuda, você adquire, você vai em protocolo, você discute com o amigo... mas ser sensível, ser humano à dor alheia eu acho que isso é de cada pessoa. Eu acho que isso você não aprende.” (Carlos, médico) 6.2.1.5 Rede de significados sobre Cuidados Paliativos É possível observar na entrevista de Carlos um domínio e compreensão sobre os conceitos da abordagem dos cuidados paliativos e, consequentemente, sobre o seu papel enquanto profissional. No que se refere à experiência pessoal, nota-se que a definição de morte digna guia o seu comportamento e as suas atitudes diante do contexto de cuidados paliativos. Desta forma, é possível compreender o signo ‘morte digna’ como um signo promotor, o qual foi internalizado e opera como uma orientação pessoal baseada em valores, favorecendo a experiência do médico diante da antecipação de experiências futuras. A função do signo promotor é importante para o enfrentamento das necessidades futuras e imprevisíveis (Valsiner, 2012). O médico aprende, em sua formação profissional, a função de curar o paciente e, conforme a literatura aponta (Souza, 2009; Roth et al, 2009; Hermes & Lamarca, 2013), pouco se trabalha sobre a morte ao longo da formação. Desta forma, o contato com a morte, na oncologia pediátrica, apresenta-se como uma ruptura não normativa, pois como o entrevistado afirma, é uma morte que não corresponde ao esperado pela ordem natural do ciclo de vida; portanto, os modos de ajustamento existentes são interrompidos, configurando a situação que Zittoun (2012) define como ruptura. É diante da ruptura configurada pela morte de um paciente que o médico verbaliza a dor e o sofrimento, advindos do vínculo formado com o paciente e com os familiares. A transição, processo de ajustamento após a ruptura (Zittoun, 2012), se caracteriza, neste caso, por um processo de adaptação ao contexto de cuidados paliativos e à morte iminente de alguns pacientes. O profissional relata a estratégia de 107 enfrentamento de definir a porta do hospital como uma fronteira, a qual separa a sua vida pessoal da sua vida profissional. O signo ‘morte digna’ apresenta-se com um papel fundamental no processo de transição e auxilia o profissional a ressignificar a sua experiência e o seu papel no contexto dos cuidados paliativos. O profissional assume o papel de cuidador e fortalece a sua prática nos cuidados paliativos de favorecer uma morte sem dor, silenciosa e com conforto. Tais signos apresentam-se associados também à sua experiência pessoal de perdas e aos significados atribuído à morte, sendo este envolvido pelo sentimento de medo acerca do processo de morrer (com dor, com desgaste, com sofrimento). Conforme apresentado na Figura 6 a seguir, a trajetória do médico Carlos sofre uma ruptura no início do trabalho na oncologia pediátrica, no momento em que se depara com a morte iminente e a morte concreta dos pacientes. Após a ruptura, é possível observar um reajustamento à sua trajetória profissional, caracterizado como um processo de adaptação ao contexto dos cuidados paliativos. Tal processo é envolvido por dor e sofrimento, diante do vínculo formado com o paciente e com os familiares. Como estratégia de enfrentamento, o médico afirma estabelecer uma fronteira entre a vida profissional, dentro do ambiente hospitalar, e a sua vida pessoal fora deste, além do compartilhamento, com a família, das decisões acerca do paciente. Como organizador do seu comportamento, o signo morte digna é construído pelo médico para favorecer o seu ajustamento ao contexto e a sua atuação enquanto profissional. Significados como alívio da dor, ausência de sofrimento e função de facilitador compõem a construção do signo promotor morte digna, conforme apresentado na figura 6. 108 FIGURA 6: Rede de significados associados aos Cuidados Paliativos na oncologia pediátrica na perspectiva do médico Carlos De acordo com Zittoun (2012), o processo de transição após a ruptura pode ser analisado através de três níveis: processo de aprendizagem, processo de identidade e a dinâmica de construção de sentido. Desta forma, é possível observar que no caso de Carlos, o primeiro nível se caracteriza como uma aprendizagem prática de atuação na área dos cuidados paliativos e na oferta de um conforto para os pacientes e familiares, através da construção e fortalecimento do signo morte digna. Através deste signo, o médico tornou-se capaz de resolver os problemas impostos pelo contexto específico, promovendo o alívio do sofrimento e da dor do paciente em iminência da morte. O processo de aprendizagem parece favorecer um processo de definição de identidade para o médico, com a importância de sua função como facilitador do processo de morte no contexto dos cuidados paliativos. Através desta relação entre os dois níveis, é possível observar a dinâmica da construção de sentido para o participante, que destaca ao longo da narrativa a prioridade de favorecer uma morte digna, sem dor, com menor sofrimento. Tal construção de significado de morte digna envolve não somente a atuação enquanto profissional como também o próprio significado pessoal para a morte, associado a um medo da forma como irá morrer. 109 Para facilitar a transição, Zittoun (2012) aponta recursos necessários que a pessoa encontra em si ou no ambiente. As classes dos recursos são: institucionais, nas relações interpessoais, recursos semióticos/simbólicos (conhecimento social, informações, conhecimento científico, elementos culturais) e recursos pessoais (capacidade reflexiva e experiências passadas). Como recurso institucional, é possível observar, na narrativa do participante, a presença do apoio da instituição hospitalar, que fornece um local seguro para a sua atuação profissional. O conhecimento científico e o domínio técnico sobre a abordagem dos cuidados paliativos apresentado pelo médico ao longo da narrativa surge como um recurso semiótico que facilita o processo de transição neste contexto. Também como recurso semiótico, é possível observar a influência de elementos culturais na narrativa do participante. Na modernidade, a dor passa a ser evitada a qualquer custo e a morte passa a ocorrer no hospital e não mais nas casas. Desta forma, a morte se torna um fenômeno técnico e as manifestações do luto passam a ser condenadas, sendo a dor demasiadamente visível um sinal de perturbação mental (Ariès, 1977). O contexto cultural e o significado de morte presentes na sociedade ocidental aparecem também como um recurso semiótico, que favorece a construção do signo morte digna, a qual evita a dor a qualquer custo. Tal signo demonstra favorecer o enfrentamento do contexto de cuidados paliativos para o médico Carlos. 6.2.2 CASO 2: Técnica de enfermagem Tina Rede de significados sobre Cuidados Paliativos É possível observar, ao longo da narrativa da técnica de enfermagem, uma prevalência do campo afetivo e o relato dos sentimentos advindos da experiência de trabalhar na situação de cuidados paliativos. Desta forma, pontos de ambivalência foram identificados ao longo da narrativa, normalmente marcados pelo conflito entre 110 o sentimento experienciado e a assistência prestada no contexto dos cuidados paliativos. O contato com a morte no ambiente de trabalho aparece também como uma ruptura, a qual pressupõe um processo posterior de transição, de acordo com Zittoun (2012). A participante indica um processo de adaptação à situação de cuidados paliativos e de aprendizagem – de compreender a melhor forma de cuidar do paciente e dos familiares, com o passar do tempo. Com referência ao processo de identidade, a profissional constrói, ao longo da narrativa, a definição do seu papel diante do trabalho em cuidados paliativos, destacando a necessidade de possuir características como sensibilidade, empatia, presença de carinho e de afeto. Como recursos disponíveis para auxiliar no processo de transição, a participante apresenta o recurso institucional (o ambiente seguro do hospital), as relações interpessoais, os recursos simbólicos e os recursos pessoais. Tina destaca o apoio do trabalho em equipe como recurso interpessoal e, ao mesmo tempo, dá importância à um conhecimento teórico e científico para embasar a sua atuação e favorecer o enfrentamento no contexto de cuidados paliativos. Refere também possuir um suporte psicológico, como recurso pessoal. Conforme pode ser visto na Figura 7 a seguir, a narrativa de Tina acerca da sua experiência em cuidados paliativos é marcada por pontos de ambivalência – tanto nos significados atribuídos à morte (fenômeno natural, mas não deveria existir) quanto na relação com a família (sentimentos negativos como dor e sofrimento, assim como admiração e aprendizagem pela esperança e força dos familiares). Os sentimentos de dor e sofrimento estão associados ao vínculo formado com a família e o paciente e o rompimento deste na morte, o que promove o processo de luto. Há um destaque para o sentimento de impotência diante do contexto de cuidados paliativos, o qual está relacionado à interação e ao cuidado ao paciente e aos familiares. Tal sentimento de impotência parece ser amenizado pelo processo de transição no nível da identidade, na qual a profissional ressalta competências como sensibilidade, empatia e uso do afeto no cuidado ao paciente e aos familiares. 111 FIGURA 7: Rede de significados associados aos Cuidados Paliativos na oncologia pediátrica na perspectiva da técnica de enfermagem 6.2.3 CASO 3: Enfermeira Jéssica Rede de significados sobre Cuidados Paliativos De uma forma geral, observa-se que a experiência do contato com os cuidados paliativos e com a morte está associada a uma experiência na vida pessoal. A participante relata a perda de um membro da família, que lhe causou medo, choque e sofrimento. Destaca o suporte da espiritualidade e a prática de rituais como estratégia para enfrentamento. Ao se defrontar com a morte no contexto de trabalho, Jéssica refere a dificuldade para enfrentamento e o forte vínculo formado com os pacientes e familiares, ocasionando grande sofrimento. A morte vem associada, na narrativa, a um sentimento de medo e sofrimento. Ao longo do tempo, destaca-se um processo de adaptação e, como estratégia principal, um distanciamento dos pacientes para evitar 112 um vínculo maior, sendo este um recurso semiótico no processo de transição (Zittoun, 2012). Outros recursos utilizados para o processo de transição no contexto de cuidados paliativos são apresentados na Figura 8 a seguir: o recurso pessoal (espiritualidade e experiências passadas) e o recurso interpessoal (trabalho em equipe), que apresenta um nível de ambivalência pelo conflito entre o apoio da equipe e a divergência no conhecimento científico, o qual prejudica o trabalho multiprofissional. FIGURA 8: Rede de significados associados aos Cuidados Paliativos na oncologia pediátrica na perspectiva da enfermeira 6.2.4 CASO 4: Dentista Leila Rede de significados sobre Cuidados Paliativos 113 É possível observar, novamente, o contato com a morte no ambiente de trabalho como um momento de ruptura, sendo que a participante pontua a formação voltada para a cura e a dificuldade para aceitar que não há mais tratamento possível na situação de cuidados paliativos. A morte torna-se, então, um momento no qual os modos de ajustamento vividos no trabalho precisam ser modificados para se adaptar à uma nova situação. Leila relata não ter tido preparação e nem formação profissional adequada para enfrentar o contato com a morte no ambiente profissional. No processo de transição, é possível observar que a participante apresenta os recursos pessoais (espiritualidade e experiências passadas), os recursos semióticos (distanciamento afetivo, capacidade reflexiva) e os recursos interpessoais (trabalho em equipe), assim como o recurso institucional de possuir um ambiente seguro para o trabalho. Um processo de ressignificação é observado na narrativa de Leila após a experiência de lidar com a morte no contexto de trabalho. Inicialmente, a dentista relata a revolta e a dificuldade para aceitar a morte dos paciente. Diante do contato com o sofrimento dos pacientes e dos familiares, a participante constrói o significado de morte associado à um alívio da dor e um conforto, facilitando o processo de aceitação. Destaca-se, desta forma, o papel do signo alívio da dor como um promotor para o enfrentamento de Leila diante da morte no ambiente de trabalho. O signo foi internalizado e opera como uma orientação pessoal baseada em valores, favorecendo a experiência da dentista diante da antecipação de experiências futuras. Acreditar que a morte apresenta-se como um alívio da dor do paciente, favorece a aceitação da participante na situação dos cuidados paliativos. A função do signo promotor é importante para o enfrentamento das necessidades futuras (Valsiner, 2012). O processo de luto experienciado pela participante indica uma situação de ambivalência entre o sentimento de dor, frustração, revolta, saudade e, de outro lado, o sentimento de alívio diante do sofrimento vivenciado ao longo do adoecimento e tratamento. A rede de significados relacionada à experiência de atuar nos cuidados paliativos narrada pela dentista é apresentada na Figura 9 a seguir. 114 FIGURA 9: Rede de significados associados aos Cuidados Paliativos na oncologia pediátrica na perspectiva da dentista 6.2.5 CASO 5: Psicóloga Poliana Rede de significados sobre Cuidados Paliativos Observa-se, na narrativa da psicóloga, que há uma formação de vínculo e, com a perda, um processo de luto. Esta experiência torna-se frequente com o passar dos anos trabalhando na área, o que ocasionou uma maior dificuldade de aceitação da morte por parte da profissional e um cansaço, um desgaste emocional. Ao longo da narrativa de Poliana foi possível observar um destaque para os significados associados à morte e como estes influenciam a sua postura e o seu enfrentamento diante do contexto de cuidados paliativos. A psicóloga relata não ter tido contato com a morte em sua vida pessoal, ao mesmo tempo em que, no ambiente 115 de trabalho, este contato é constante. A participante afirma que é um tema delicado e um tabu social, com o qual as pessoas apresentam dificuldade para lidar. Na situação de cuidados paliativos, o significado de morte vem associado a uma impotência e a um sentimento de frustração. É possível observar também a morte de um paciente como uma situação de ruptura, no momento em que a participante verbaliza a expectativa de cura e a esperança depositada no tratamento oncológico. Como estratégia para enfrentar o processo de transição, a psicóloga afirma utilizar recursos cognitivos (semióticos) em sua vida pessoal para se distanciar do contexto de trabalho. Destaca-se, na narrativa de Poliana, em contraponto aos outros profissionais entrevistados, um aumento na dificuldade para enfrentar o contexto de cuidados paliativos. O processo de luto aparece carregado de sofrimento, angústia, dor, choro, o que dificulta a própria atuação da profissional com outros pacientes que iniciam o tratamento oncológico, devido a um abalo na esperança e na crença da cura. As consecutivas perdas dos pacientes são apontadas como um fator que gera um desgaste emocional e dificulta a sua assistência aos pacientes e aos familiares, conforme apontado na Figura 10 a seguir. É possível observar, em sua narrativa, a descrição da atuação do psicólogo na situação de cuidados paliativos com a função de fornecer suporte no processo de morrer, tanto para o paciente quanto para os familiares. Desta forma, a participante encontra-se constantemente em contato direto com a morte, à qual Poliana associa uma angústia universal. De acordo com Domingues, Alves, Carmo, Galvão, Teixeira & Ferreira (2013), o paciente, que se encontra fora dos recursos terapêuticos de cura, vivencia uma situação de medo, angústia e insegurança. O psicólogo, na equipe de saúde, é o profissional capacitado para a escuta, promovendo a voz dos pacientes e dos seus familiares, fazendo com que se sintam amparados e compreendidos. O psicólogo possui o papel de mediador entre a família e o paciente, facilitando o processo de reorganização de suas vidas. O profissional é capaz de orientar a família a respeito da experiência diante da iminência de morte, assim como oferecer a ela um suporte necessário para que se fortaleça e possa manter-se ao lado do paciente nesta situação (Domingues et al, 2013). 116 Dar suporte aos familiares e ao paciente na situação de cuidados paliativos envolve amparar a angústia, oferecer a escuta qualificada e compreender a dor do outro, sem emitir nenhum juízo de valor, mas, ao contrário disso, valorizando as suas queixas e dores, assim como promover a construção e expressão de significados para a sua existência, facilitando a aceitação da morte (Domingues et al, 2013). Devido à especificidade da atuação do psicólogo, é possível compreender a carga emocional experienciada por Poliana, sendo que a participante demonstra uma dificuldade em apresentar recursos disponíveis para dar suporte a um processo de transição e adaptação na situação de cuidados paliativos. Enquanto os outros profissionais apontam como recurso para enfrentamento um distanciamento do contato com os pacientes em cuidados paliativos, a aproximação se torna mais constante no trabalho do psicólogo, ao fornecer suporte para o processo de morrer. FIGURA 10: Rede de significados associados aos Cuidados Paliativos na oncologia pediátrica na perspectiva da psicóloga 117 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo se propôs a compreender os significados de cuidados paliativos pediátricos através da perspectiva dos profissionais de saúde que atuam na área, a partir da fundamentação da Psicologia Cultural do Desenvolvimento. Assim, buscou-se explorar as narrativas dos profissionais para descrever as práticas de assistência à saúde presentes nos cuidados paliativos, assim como compreender a experiência do profissional diante da iminência da morte e do vínculo formado com os pacientes e seus familiares. Diante das entrevistas realizadas com os profissionais de saúde, foi possível identificar a compreensão acerca dos cuidados paliativos, traduzidas em uma abordagem que prioriza as medidas de conforto, a redução da dor e do sofrimento, assim como a compreensão de que o cuidado paliativo é introduzido quando não há mais possibilidade de cura para a doença. Além disso, foi possível constatar que o cuidado paliativo é iniciado no momento em que a doença já encontra-se em um estágio avançado, com um comprometimento físico para o paciente. Tal decisão acerca da introdução dos cuidados paliativos no momento em que não há mais possibilidade de cura para a doença, contrapõe ao que foi encontrado na literatura. De acordo com a OMS, os cuidados paliativos possuem o objetivo de melhorar a qualidade de vida do paciente e dos familiares que enfrentam uma doença com ameaça de vida. A OMS sugere uma atitude preventiva, através do alívio do sofrimento, da identificação precoce do tratamento da dor e dos demais sintomas físicos, espirituais, sociais e psicológicos. Desta forma, os cuidados paliativos devem participar mesmo durante o tratamento com intenção curativa, para manejar os sintomas de difícil controle, assim como os aspectos psicossociais que estão associados ao adoecimento (INCA5) O INCA enfatiza que, apesar do termo paliativo apresentar uma conotação negativa ou passiva, esta abordagem deve ser introduzida principalmente no tratamento de pacientes portadores de câncer em fase avançada, em que algumas modalidades de 5 http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=474 118 tratamento cirúrgico e radioterápico podem facilitar o manejo e o controle de sintomas específicos. De acordo com o primeiro objetivo específico proposto para este estudo, que foi caracterizar as práticas de assistência à saúde presentes nos cuidados paliativos através das atitudes relacionadas à comunicação, à tomada de decisões e aos cuidados físicos oferecidos ao paciente, foi possível observar que tanto a comunicação quanto a tomada de decisão são responsabilidades da equipe médica. Observam-se contradições nas narrativas dos profissionais, no que diz respeito a um trabalho em equipe, por vezes visto como um suporte para enfrentar a situação de cuidados paliativos e, em outros momentos, colocado como um obstáculo, devido à falta de clareza na comunicação e na definição dos cuidados paliativos. Alguns profissionais entrevistados relataram ainda uma falta de clareza na definição dos cuidados paliativos e nos limites necessários para a prática realizada nessa situação. A ambiguidade na terminologia e a lacuna na clareza do conceito de cuidados paliativos também foi expresso em entrevista com dois professores de enfermagem da área de cuidados paliativos, no estudo realizado por Nicholl & Price (2012). A responsabilidade da tomada de decisões é da equipe médica e, como abordado na entrevista com o médico, a maior dificuldade por ele enfrentada é comunicar a uma mãe que não há mais o que ser feito pelo seu filho. Desta forma, pode-se inferir uma resistência por parte da equipe médica em enfrentar a tomada de decisão referente aos cuidados paliativos. Abordando a questão da comunicação, foi possível observar nas narrativas que a comunicação ocorre claramente com a família, mas não com o paciente, apenas quando este questiona. Uma questão apontada por todos os profissionais diz respeito à percepção da criança e do adolescente sobre a aproximação da morte. Os profissionais apontam que tanto a criança quanto o adolescente são capazes de sentir no próprio organismo a evolução da doença, porém, mesmo com essa afirmação, a comunicação direta não ocorre. Tal questão leva-nos a refletir sobre os motivos que impedem o profissional de conversar com a criança e o adolescente sobre a iminência da morte. O silêncio neste contexto pode ser considerado como um reflexo da forma como a sociedade lida com a morte, como um tabu, tema proibido, e atua como uma estratégia de enfrentamento. Desta forma, a experiência da criança e do adolescente diante da 119 morte é determinada principalmente pelas relações com as pessoas que são centrais em sua vida, como a família e a equipe de saúde, que influenciam na oscilação entre a negação e a aceitação da morte (Torres, 2002). É destacada, no estudo de Souza et al (2009), a importância de fornecer um espaço de escuta para a criança, para a continência da dor e do sofrimento psíquico, que pode ser através da brincadeira e da linguagem simbólica, de acordo com o que foi apresentado nas entrevistas da psicóloga e da dentista. De acordo com as entrevistas realizadas com os profissionais, foi possível observar que a criança participa pouco da comunicação com a equipe e, consequentemente, do processo de tomada de decisões sobre a sua própria vida. Diante de tal problemática a respeito da experiência da criança diante do adoecimento e da iminência de morte, é importante discutir os direitos que a mesma possui em relação à sua saúde. Se os profissionais pontuam que a criança é capaz de perceber o agravamento da doença, por que não promover um espaço para que ela possa expressar as possíveis dúvidas, anseios e angústias diante da iminência na morte? Por que não promover um espaço para acolher e dar suporte psicológico à essa experiência complexa de contato com a morte? Nas narrativas de alguns profissionais, foi destacada a importância de adequar a forma da comunicação com a criança e a psicóloga ressalta a necessidade de avaliar a capacidade cognitiva e emocional da criança para receber determinadas informações acerca do seu quadro clínico. O segundo objetivo específico propôs descrever a percepção dos profissionais da equipe de saúde sobre a participação da família nas práticas de assistência à saúde, assim como sobre a vivência da mesma e do paciente. Destaca-se, para esse tópico, o vínculo formado com os pacientes e os familiares e o aprendizado acerca da vida e da morte. O longo período de tratamento e o constante contato entre a equipe, o paciente e a família, favorecem o fortalecimento desta relação. A formação de vínculo com a família e com o paciente vem associada, nas narrativas, à uma ambivalência entre uma boa relação (algo positivo) e um maior sofrimento diante da iminência da morte e após a perda do paciente. Verificar como os profissionais da equipe de saúde significam a morte, analisando, na construção do significado, as crenças, os sentimentos e as estratégias de enfrentamento perante a morte foi o terceiro objetivo específico proposto neste estudo. 120 Ao longo das entrevistas, o tema da morte vem associado ao sofrimento nas narrativas dos profissionais, porém surgem diferentes significados nas entrevistas, através de relatos de experiências pessoais e de experiências profissionais, sendo o trabalho na oncologia pediátrica destacado como um processo de aprendizagem para se lidar com a morte. De maneira geral, os significados sobre morte apresentados nas narrativas estavam associados a um processo natural, a uma falha na formação dos profissionais de saúde para lidar com a morte, à falta de suporte e espaço para compartilhar os sentimentos, à espiritualidade e a uma dificuldade de aceitação da morte da criança – ordem inversa. Na narrativa do médico, observa-se que a morte é vista como um processo natural e que, ao longo da sua experiência profissional, houve um processo de ressignificação sobre a vida. Pode-se observar que a formação profissional é voltada para a cura, o que dificulta o enfrentamento da morte no contexto de trabalho. Desta forma, a morte vem associada ao sentimento de impotência. No que se refere à dificuldade para lidar com a morte, a dentista problematiza em sua narrativa a questão da morte como um tabu social em nossa sociedade, reforçada nos estudos de Torres (2002) e de Hermes & Lamarca (2013), e acentua o impacto que isso tem sobre a assistência, principalmente no que se refere ao processo de aceitação da morte. Foi comum, nas diferentes narrativas, a dificuldade para enfrentar a dor, o sofrimento e a iminência da morte, característicos dos cuidados paliativos. O câncer pediátrico necessita de um tratamento prolongado, com procedimentos médicos aversivos que podem envolver dor, desconforto e angústia para os pacientes. Diante desse cenário, os participantes narraram um sentimento de alívio dado pelo fim do sofrimento que o paciente vive ao longo do tratamento, ressaltando que há um grande desgaste emocional ao longo do processo. Segundo Torres (2002), observar e conviver com a dor de uma criança com câncer é uma dura experiência, tanto para os familiares quanto para os profissionais de saúde. Desta forma, analisar as estratégias de enfrentamento do luto antecipatório para os profissionais da equipe de saúde foi o quarto objetivo específico proposto neste estudo. 121 Tratando-se do processo de luto diante da perda iminente de um paciente, foi possível observar expressões emocionais como choro, angústia, tristeza, frustração, impotência, dor, raiva, revolta. Para os profissionais, a experiência de luto pode ser considerada complexa principalmente por ser vivido de forma negada, velada e negligenciada (Prade, Casellato e Silva, 2008), conforme apontado também nas narrativas de alguns profissionais neste estudo. Desta forma, a experiência deste luto para o profissional, frente à iminência da morte do paciente, pode se tornar um fator de risco para a sua saúde física e mental. Nas narrativas dos profissionais, foi possível observar as estratégias da negação da morte, através da tentativa de distanciamento físico dos pacientes e familiares. Foi relatado, nas entrevistas, o distanciamento cognitivo, a busca por evitar pensar na perda e a separação entre a vida pessoal e a vida profissional. Porém, Souza et al (2009) apontam que a tentativa de não se envolver emocionalmente funciona como um mecanismo de defesa em relação ao sofrimento, o qual impede o acolhimento efetivo aos familiares e à criança doente e pode prejudicar a saúde de quem permanece vivo: os profissionais e os familiares. Torna-se importante refletir, desta forma, acerca da formação profissional e da preparação da equipe para lidar com a morte de um paciente, sendo as estratégias apresentadas neste estudo indicativas de uma barreira para a prestação de uma assistência adequada. É relevante pontuar, então, a importância de um suporte para os profissionais que lidam com a morte e a perda de pacientes. A oportunidade de expressar o luto e refletir sobre a experiência de cuidar do paciente e da família permite que o profissional de saúde aprenda a lidar com a experiência de luto, além de facilitar a sua assistência nos cuidados paliativos. Ao realizar uma análise e considerar a dimensão temporal e o objetivo geral de compreender os significados de cuidados paliativos pediátricos através da perspectiva dos profissionais de saúde que atuam na área, foi possível construir uma rede de significados de acordo com cada narrativa. Em grande parte das narrativas, há um destaque para a dimensão temporal. Os profissionais relatam que o tempo favorece sua adaptação ao trabalho da oncologia e dos cuidados paliativos na pediatria. A única profissional que apresentou uma experiência diferente foi a psicóloga, que aborda o desgaste emocional devido ao 122 constante contato com a dor, o sofrimento e a perda dos pacientes, e conclui que tem se tornado cada dia mais difícil enfrentar o contexto dos cuidados paliativos. O caso da psicóloga evidencia uma dificuldade de ajustamento e um desgaste emocional maior ao longo do tempo, que pode ser atribuído também à especificidade do seu trabalho e do contato mais intenso com a dor do paciente e dos seus familiares. O papel do psicólogo diante da terminalidade e da busca por uma qualidade de vida do paciente possui, como objetivo, a redução do sofrimento, da ansiedade e da depressão perante a morte (Hermes & Lamarca, 2013). O foco do cuidado da psicologia é o suporte emocional e psicológico ao paciente e aos familiares, o qual permite que o profissional compartilhe, de forma mais próxima, a dor diante do adoecimento e da iminência de morte. Dar suporte aos familiares e ao paciente na situação de cuidados paliativos envolve amparar a angústia, oferecer a escuta qualificada e compreender a dor do outro, assim como promover a construção e expressão de significados para a sua existência, facilitando a aceitação da morte (Domingues et al, 2013). Tal contato mais intenso com a morte pode proporcionar, ao profissional o contato com questões reflexivas referentes à finitude e à própria vida. Os profissionais de saúde enfrentam, na situação de cuidados paliativos, a dificuldade de seguir os principais pressupostos da sua formação, que são prevenir, curar e salvar vidas. Destacando-se ainda uma inadequada formação do profissional para lidar com a morte, não lhe são oferecidos subsídios para que enfrente os sentimentos de impotência, de culpa e de insatisfação consigo mesmo, o que termina por distanciá-lo do paciente e, consequentemente, da família (Santos, 2009). Desta forma, o contato com a morte nos cuidados paliativos apresentou-se como uma situação de ruptura (Zittoun, 2012) ao longo das narrativas, devido à formação na área de saúde ser voltada para a cura, principalmente para o médico. Hermes & Lamarca (2013) destacam o desafio de mudança de paradigma do cuidado na situação de cuidados paliativos, de uma atenção voltada para a cura à uma assistência voltada para o conforto e para a qualidade de vida, além de um sentimento de fracasso, vivido pelos profissionais de saúde, por não conseguir curar o paciente. Através de um processo de transição pós ruptura, foi possível observar uma ressignificação da experiência diante da morte e, em alguns momentos, uma nova forma de ver a vida. Identificou-se, então, que, 123 na situação de cuidados paliativos, os profissionais passam por um processo de mudança, que envolve uma ressignificação acerca da própria identidade do profissional. Como recursos disponíveis para dar suporte ao processo de transição após a ruptura, foram mais apresentados pelos profissionais, o recurso semiótico como agente reflexivo, de buscar se distanciar do contexto do aqui e agora. Outros recursos utilizados foram os recursos interpessoais (trabalho em equipe), os recursos pessoais (experiências anteriores e espiritualidade) e o apoio psicológico (terapêutico), indicado por uma profissional, como estratégia para enfrentamento. Os significados de cuidados paliativos, de uma forma geral, apresentaram-se associados à uma abordagem que prioriza medidas de conforto e a redução da dor. Foi possível observar também que os cuidados voltam-se para a promoção do conforto, para o alívio da dor e dos sintomas, para o atendimento às necessidades biopsicossociais e espirituais, e para o apoio à família, conforme também apresentado no estudo de Avanci et al (2009) com enfermeiros que atuam com cuidados paliativos na oncologia pediátrica. As práticas de atenção à saúde que mais se destacaram foram a comunicação e a tomada de decisão, ambas sob a responsabilidade do médico, sendo ressaltada a dificuldade de informar à uma mãe sobre a morte iminente de um filho, assim como a dificuldade de incluir a criança no processo de tomada de decisões. Os cuidados paliativos vieram associados a um sofrimento e a um processo doloroso, no qual são formados fortes vínculos afetivos entre a equipe de saúde, o paciente e os familiares. A iminência de rompimento de tal vínculo, foi representado nas narrativas pelo processo do luto antecipatório, o qual provoca sentimento de angústia, choro, tristeza, impotência, mas, ao mesmo tempo, um sentimento de alívio pelo fim do sofrimento do paciente ao longo do tratamento. Dentre as estratégias para enfrentamento, os participantes relataram a tentativa de um distanciamento afetivo e cognitivo do cuidado paliativo, uma separação entre a vida pessoal e a vida profissional, o apoio da equipe de saúde e a espiritualidade. O atual estudo apresenta uma reflexão acerca da falha na formação profissional e da dificuldade para enfrentar a morte de um paciente, conforme também apresentado nos estudos de Bifulco & Iochida (2009), Yazdani et al (2010), Roth et al (2009) e 124 Hermes & Lamarca (2013), porém, sendo no ambiente da oncologia pediátrica. Ressalta-se a importância de um olhar especializado para uma melhor preparação destes profissionais, com foco em uma educação para a morte, assim como um suporte para lidar com o luto vivenciado diante da perda. A preparação do profissional para enfrentar a morte no ambiente de trabalho torna-se relevante para a assistência prestada ao paciente e ao familiar na situação de cuidados paliativos. Limitações e propostas de novos estudos É importante salientar que este estudo foi desenvolvido dentro de uma situação específica de cuidados paliativos, na cidade de Salvador, em instituições filantrópicas, com pacientes e familiares da rede pública de saúde. É possível, desse modo, que aspectos relacionados às normas e características das instituições assim como aspectos relacionados à própria condição social tenham participado das redes de significados narradas pelos profissionais, os quais não foram objeto de interesse específico dessa pesquisa. Torna-se oportuno, portanto, que estudos futuros possam explorar diferentes instituições hospitalares com diversos públicos de pacientes, com o objetivo de investigar o papel das condições sociais de adoecimento e tratamento na formação e no enfrentamento dos profissionais de saúde. Além disso, novos estudos podem enfatizar o papel da instituição, enquanto facilitadora de signos coletivos que possam favorecer a promoção dos cuidados paliativos e condições específicas de suporte ao profissional de saúde. Da mesma forma, a possibilidade de aprofundar e compreender a dinâmica do processo de luto e da experiência dos profissionais diante dos cuidados paliativos seria interessante para estudos futuros, já que, no presente estudo, foram realizadas entrevistas em um determinado ponto do tempo a partir de uma perspectiva retrospectiva. Um estudo longitudinal poderia favorecer a exploração do tema dos cuidados paliativos a partir da perspectiva de processo da experiência ao longo do tempo, o que poderia também facilitar o acesso ao tema da morte, já que, em nossa sociedade, é visto como um tabu. Por fim, torna-se importante propor uma reflexão acerca da experiência da criança em cuidados paliativos e da vivência da mesma na iminência da morte em 125 futuros trabalhos. Foi possível observar, nesse estudo, que as informações acerca do adoecimento, do tratamento e do agravamento da doença são dialogadas entre a equipe de saúde e os familiares, sendo a criança afastada das decisões acerca da própria vida. Menezes & Barbosa (2013) identificaram que o cuidado paliativo pediátrico possui uma diferença na inclusão do paciente, por ser uma criança – um ser em formação. Os autores destacam que os paliativistas incluem, no processo de tomada de decisão, as crianças tidas como autônomas, ou seja, crianças que já alcançaram um determinado desenvolvimento emocional e cognitivo. Apesar de nem sempre serem incluídas no processo de tomada de decisões, Menezes & Barbosa (2013) afirmam ser necessária a facilitação da expressão dos desejos da criança e cabe à equipe e aos pais possibilitar a sua concretização. Os autores ressaltam a importância dar voz aos desejos da criança, mas, ao mesmo tempo, afirmam que há uma especificidade na pediatria, no que se refere à concepção da boa morte, pois a criança não possui desenvolvimento emocional suficiente para participar da decisão do seu cenário de morte, além de ser difícil conceber a beleza na morte de uma criança. Destaca-se a importância de realizar novos estudos acerca do enfrentamento da criança diante da morte, para avaliar o seu desenvolvimento cognitivo e emocional e sua a capacidade de compreensão. 126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abbey, E. (2012) Ambivalence and its transformations. In J. Valsiner (Ed.), The Oxford Handbook of Culture and Psychology. New York: Oxford University Press. Abbey, E., & Valsiner, J. (2004). Emergence of Meanings Through Ambivalence. Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, 6(1). Recuperado em junho, 2013, de http://www.qualitativeresearch.net/index.php/fqs/article/viewArticle/515. 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Oxford: Oxford University Press. 132 APÊNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA (TEMÁRIO PARA UMA ENTREVISTA NARRATIVA) ENTREVISTA COM OS PROFISSIONAIS Pergunta disparadora: como é para você lidar com o paciente em cuidados paliativos e com a sua família? 1. Compreensão acerca dos Cuidados Paliativos e da morte 2. Atitudes e sentimentos frente aos Cuidados Paliativos 3. Questões éticas envolvidas 4. Comunicação com a família e com o paciente 5. Cuidados físicos 6. Tomada de decisões 7. Luto e vivência da perda (crenças, sentimentos e enfrentamento) 133 APÊNDICE B Termo de Consentimento livre e Esclarecido Título do projeto: “Significados de cuidados paliativos narrados pela equipe de saúde na Oncologia Pediátrica” Essas informações estão sendo fornecidas para sua participação voluntária neste estudo, que visa descrever e analisar os significados sobre a morte de crianças com câncer sob cuidados paliativos e relacioná-los com as práticas de assistência à saúde e a vivência dos atores (profissionais de saúde) nesse contexto. Desta forma, pretende-se contribuir com reflexões acerca do contexto de cuidados paliativos e sobre a compreensão da morte, ao considerar as dificuldades enfrentadas diante de tal fenômeno. Através destas, acredita-se na possibilidade de serem identificados pontos de discussões para o aprimoramento da assistência e do enfrentamento e vivência do paciente, da família e da equipe de saúde. Para este estudo serão realizadas entrevistas narrativas com os profissionais da equipe de saúde que atuam no cuidado paliativo pediátrico. Esta técnica é característica de uma pesquisa qualitativa, na qual não se segue o esquema pergunta-resposta ou um roteiro dirigido, mas, sim, temas amplos a serem propostos aos entrevistados. Aqui, a entrevista narrativa, baseada em um temário previamente elaborado, buscará explorar as dimensões envolvidas no significado sobre da morte no contexto dos cuidados paliativos e as práticas e vivência dos atores envolvidos neste contexto. As entrevistas serão gravadas para posterior análise, a partir da assinatura desta autorização. Caso você se sinta desconfortável ao prestar estas informações, fica esclarecido que poderá interromper a sua participação no momento que julgar necessário. De qualquer forma o pesquisador deverá ficar atento a situações como estas, para garantir que esta experiência será superior a qualquer inconveniente do processo. Como benefícios, acredita-se que esta é uma oportunidade de expor as dificuldades associadas ao tema morte e, consequentemente, ao contexto de cuidados paliativos,buscando favorecer à assistência da equipe de saúde em tal contexto assim como à vivência e o enfrentamento do paciente e familiares. Porém, esta participação não proporciona outras vantagens diretas para o participante. Vale ressaltar que, em qualquer etapa do estudo, você terá acesso ao profissional responsável pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O principal investigador é Ana Clara Bastos, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFBa – Universidade Federal da Bahia, que pode ser encontrado no endereço Rua Aristidis Novis, Estrada de São Lazáro, 197, CEP 40210-730 - Salvador, Ba. Telefax.: +55 71 3283.6442/Cel.: +55 71 8707.1083. É garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem qualquer prejuízo à continuidade de seu tratamento na Instituição. As informações obtidas serão analisadas em conjunto com as de outros voluntários, não sendo divulgada a identificação de nenhum participante. Você terá direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais das pesquisas, quando em estudos abertos, ou de resultados que sejam do conhecimento dos pesquisadores. Não haverá despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, assim como não haverá compensação financeira relacionada à sua participação. 134 Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo “Cuidados paliativos na oncologia pediátrica: significados de morte narrados pela família e pela equipe de saúde”. Eu discuti com a pesquisadora Ana Clara Bastos sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido. _______________________________________ Data / / Data / / Assinatura do participante _______________________________________ Assinatura da testemunha Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste sujeito para a participação neste estudo. _______________________________________ Data / / Assinatura do responsável pelo estudo 135 APÊNDICE C FIGURA 11: Mapa descritivo dos conteúdos narrados pela técnica de enfermagem Tina 136 FIGURA 12: Mapa descritivo dos conteúdos narrados pela enfermeira Jéssica 137 FIGURA 13: Mapa descritivo dos conteúdos narrados pela dentista Leila 138 FIGURA 14: Mapa descritivo dos conteúdos narrados pela psicóloga Poliana 139