Este é o convite de Heidegger para a metodologia da pesquisa do

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO
ISABELA SANTANA DOS SANTOS
METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO E A VISÃO
HEIDEGGERIANA DO MÉTODO
ISABELA SANTANA DOS SANTOS
METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO E A VISÃO
HEIDEGGERIANA DO MÉTODO
Trabalho apresentado ao Programa de PósGraduação em direito público, da Universidade
Federal da Bahia, como requisito para a
obtenção de créditos da disciplina Metodologia
da Pesquisa.
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 3
1.
METODOLOGIA DA PESQUISA: a ciência e método .................................................. 4
2. A VISÃO HEIDEGGERIANA DO MÉTODO E A SUA APLICAÇÃO NA
METODOLOGIA DA PESQUISA NO DIREITO .................................................................. 8
3.
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 22
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 23
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como proposta tratar sobre metodologia da pesquisa, tendo por
objetivo analisar a visão heideggeriana da fenomenologia. A ideia é apresentar a
construção metodológica de Martin Heidegger, de forma acessível e linear, para
possibilitar a compreensão do pensamento do filósofo reconhecido pela densidade das
ideias e complexidade dos escritos, acentuada pela utilização de termos próprios e
vocabulário singular.
Para tanto, inicia-se o texto apresentando ao leitor noções básicas acerca da metodologia
da pesquisa, bem assim da ciência e do método, procurando contextualizar o percurso
historicamente percorrido pelo pensamento científico até se deparar com a necessidade
de sistematização do saber e a organização dos resultados das pesquisas desenvolvidas.
Firma como marco o surgimento da fenomenologia com Edmund Husserl, precursor
deste modelo de pensamento, para introduzir a construção científica edificada por
Martin Heidegger, em oposição à fenomenologia husserliana.
Assim, faz breve análise sobre as principais obras de Martin Heidegger, Ser e Tempo,
Sobre a essência da verdade, O que é a metafísica? e O fim da filosofia e a tarefa do
pensamento, salientando os aspectos que firmam a compreensão da fenomenologia na
visão heideggeriana, para ao fim analisar sua aplicabilidade na metodologia da pesquisa
no direito.
1. METODOLOGIA DA PESQUISA: a ciência e método
Para muitos, a metodologia da pesquisa é compreendida a partir de uma visão açodada e
superficial, ficando reduzida às regras práticas de desenvolvimento do texto científico.
E só. Porém, a metodologia da pesquisa possui uma faceta epistemológica, de conteúdo
denso que apresenta as verdadeiras ferramentas para o trabalho científico: aprender a
pensar.
Metodologia da pesquisa é mais que um conjunto de regras para apresentação de teses e
dissertações. Vai muito mais além da fixação das margens, fontes, tabulação e
referências. É o estudo sistemático e complexo de como desenvolver a pesquisa
científica e apresentar o caminho percorrido pelo cientista para a resposta buscada no
projeto.
É sistemático, porque constitui um passo-a-passo organizado, que contempla várias
formas e caminhos para se alcançar o conhecimento científico e apresentar seus
resultados. Por outro lado, é complexo porque permite o diálogo entre as mais diversas
fontes do pensamento, daí sua densidade, sem com isto tornar-se intransponível.
Para compreender a metodologia no seu caráter pragmático e epistemológico necessário
se faz antes compreender ciência e método.
Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins 1, o conhecimento
científico surgiu no século XVII, a partir da revolução de Galileu Galilei, simbolizado
pelo rompimento entre ciência e filosofia que passam a andar cada uma por seu
caminho. As autoras lecionam que:
No pensamento grego ciência e filosofia achavam-se ainda vinculadas e só
vieram a se separar na idade moderna, buscando cada uma delas seu próprio
caminho, ou seja, seu método. A ciência moderna nasce ao determinar um
objeto especifico de investigação e ao criar um método pelo qual se fará
controle desse conhecimento2.
É importante lembrar que quando se fala que o conhecimento científico surgiu a partir
do século XVII não quer significar que antes disso não existisse ciência, mas sim que
este marco traduz um momento em que o conhecimento científico passou a ser mais
estruturado, organizado e prático. Antes disso, o saber atrelava-se à filosofia sem
1
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; Maria Helena Pires Martins. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2ª
edição revista e atualizada – São Paulo, Ed. Moderna, 1993, p. 129.
2
Idem, ibidem, p. 129.
qualquer sistematização e sem a utilização de método, fundando-se basicamente no
senso comum.
Entende-se por senso comum a experiência do homem obtida através da extração de
conhecimento das coisas do dia a dia, aprendidas, herdadas e reconhecidas de forma
espontânea, pois simplesmente ocorrem. Esta forma de saber deu lugar a um saber
organizado, dotado de objeto específico de investigação e de método para alcançar os
resultados: o saber científico.
Certo é que no século XVII, o conhecimento científico surge muito mais atrelado à
matemática, valendo-se basicamente de experimentação e fórmulas com status de lei,
inerentes às chamadas ciências da natureza.
As ciências humanas, no entanto, oriundas do século XIX já nascem com um problema
que acompanha toda sua evolução – o método. Como definir e estabelecer um método
que seja adequado e suficiente à compreensão do homem em sua complexidade, distinto
daqueles utilizados pelas ciências naturais?
Enquanto todas as outras ciências tem como objeto algo que se encontra fora
do sujeito cognoscente, as ciências humanas tem como objeto o próprio ser
que conhece. Daí ser possível imaginar as dificuldades da economia,
sociologia, da psicologia, da geografia humana, da história para estudar com
objetividade aquilo que diz respeito ao próprio homem tão diretamente3.
O direito, como ciência humana, também se depara com esta questão metodológica, que
acompanha toda a evolução da ciência do direito, assim como os outros ramos
humanistas.
Analisando o método jurídico, Machado Neto apresenta um conceito bastante
elucidativo: “[...] O método é, pois, um pressuposto de que se há de achar armado o
cientista quando parte para a investigação do aspecto da realidade que cabe á sua ciência
tematizar e dominar” 4.
Munido do armamento necessário, como sugere Machado Neto, o cientista dirige suas
investigações voltadas ao estudo do objeto de pesquisa. Este andar e modo de proceder
é o método e o seu passo é a metodologia.
3
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; Maria Helena Pires Martins. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2ª
edição revista e atualizada – São Paulo, Ed. Moderna, 1993, p. 167.
4
MACHADO NETO, Antônio Luís. Teoria da Ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 168.
De acordo com Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, a idade
moderna foi o período em que o método foi mais discutido na filosofia5. Filósofos como
René Descartes e Francis Bacon pertencem a esta época de ampla discussão acerca do
método e trouxeram importantes contribuições sobre o tema.
Francis Bacon defendia o chamado método indutivo6, como a única forma capaz de o
homem compreender a natureza. Já Descartes, através do método que ficou conhecido
por cartesiano, encontrou o cogito e firmou a máxima “penso, logo existo” 7, além de
afirmar a existência de Deus como algo que é certo, sobre o qual não paira dúvida, e que
é dotado de perfeição.
O percurso do pensamento filosófico foi marcado ainda pela tentativa de superação da
metafísica – a filosofia primeira na acepção conferida por Aristóteles – pelos filósofos
do século XVIII. A guisa de exemplo de crítico da metafísica, cita-se Immanuel Kant.
Passada a idade moderna, no auge do século XIX a chamada ciência moderna entra em
crise e com ela os métodos até então debatidos na filosofia. Novos postulados se
sobrepuseram às concepções clássicas e novas orientações críticas às ciências
formaram-se no cenário histórico.
Augusto Comte desenvolveu, já na metade do século XIX, o pensamento do
positivismo. Também não admitia a metafísica como resposta as questões. Para Comte,
apenas aquilo que pudesse ser comprovado cientificamente, testado, sentido,
experimentado é que poderia ser admitido. Como positivismo, o pensamento cientifico
ganha novas cores, sendo Comte o responsável por fazer uma classificação das ciências
e destacar a sociologia como uma delas.
Sob estes novos matizes é que surge a fenomenologia, já no final do século XIX,
representada por Edmund Husserl e Martin Heidegger, entre outros filósofos adeptos
desta abordagem.
5
Idem, Ibidem, p. 154.
“O silogismo é constituído de proposições, as proposições consistem em palavras e as palavras são
substitutas das noções. Portanto, se as próprias noções (que são a base da matéria) são confusas e
abstraídas das coisas sem nenhum cuidado, nada do que é construído sobre elas está seguro. A única
esperança está na verdadeira indução”. (BACON, Francis. Novo Órganon [Instauratio Magna]. Tradução
e Notas: Daniel M. Miranda, EDIPRO, 2014, p. 49).
7
“[...]E, notando que esta verdade – penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as mais
extravagantes suposições dos cépticos não eram capazes de a abalar, julguei que podia admiti-la como o
primeiro princípio da filosofia que buscava” (DESCARTES, René. O discurso do método. Tradução:
Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, WMF Martins Fontes, 3ª Tiragem, 2014, p. 59).
6
Ana Maria Monte Coelho Frota assim define:
A fenomenologia surgiu no final do século XIX, rompendo com o modelo
cartesiano e a perspectiva metafísica, afirmando a existência de uma verdade
universal, pura e imutável, possível de ser alcançada pelo homem através da
razão. Para a Fenomenologia, não existe uma verdade absoluta, já que
conhecemos e habitamos uma representação do mundo e não um mundo
real8.
A fenomenologia, portanto, não surge no contexto como uma mera objeção ao
pensamento filosófico até então vigente, mas sim como uma verdadeira ruptura de
paradigmas, rechaçando todas as construções metodológicas em voga naquela época.
8
FROTA, Ana Maria Monte Coelho. O rigor na pesquisa fenomenológica com orientação heideggeriana.
In Anais IV SIPEQ. Disponível em http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/11.pdf. Acesso em
01.Dez.2014.
2. A VISÃO HEIDEGGERIANA DO MÉTODO E A SUA APLICAÇÃO NA
METODOLOGIA DA PESQUISA NO DIREITO
Martin Heidegger é tido como um dos expoentes dentre os filósofos do mundo moderno
tendo se dedicado ao ramo da ontologia9. Para Heidegger, interessava discutir o que é o
ser humano e a qual a sua essência.
Heidegger (1889-1976) nasceu em Messkirch, Alemanha e durante sua vida teve
aspirações de ser sacerdote10. Passou, no entanto, a dedicar-se a filosofia a partir do
momento em que conheceu os textos de Edmund Husserl, influência marcante e
decisiva para a opção pela abordagem da fenomenologia.
Edmund Husserl foi professor de Heidegger na Universidade de Freiburg. Movido pela
necessidade de demonstrar a certeza, Husserl aproximou-se do método cartesiano
proposto por René Descartes e instaurou a fenomenologia.
Segundo Dante Augusto Gallefi, a fenomenologia ocupa-se do fenômeno, termo que
vem “do grego phainómenon, significa ‘aquilo que aparece’. A palavra deriva do verbo
grego phainomenai: ‘eu apareço’. O que ‘aparece’ é aquilo que se mostra à luz, o
‘brilhante’ (phaino)” 11.
Na obra Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica, Husserl
assentou as principais ideias acerca da fenomenologia:
Quão diferente é na fenomenologia! Não apenas porque ela precisa de um
método antes mesmo de todo método de determinação das coisas, isto é, de
um método para trazer à apreensão do olhar o campo de coisas da
consciência transcendental pura; não apenas porque nela é preciso desviar
laboriosamente o olhar dos dados naturais de que não se cessa de ter
consciência, e que, portanto, estão por assim dizer entrelaçados àqueles
novos dados que se intenta alcançar, e assim é sempre iminente o risco de
confundir uns com os outros: falta também tudo aquilo de que podíamos tirar
proveito na esfera dos dados naturais, a intimidade c om eles graças ao treino
da intuição, a vantagem de possuir uma herança teórica e métodos adequados
às coisas. Falta também, obviamente, confiança na metodologia já
A ontologia, segundo o glossário constante de O Livro da filosofia, [Tradução Douglas Kim] – São
Paulo: Editora Globo, 2011, p.342, é o “ramo da filosfia que indaga o que realmente existe, enquanto
distinto da natureza do nosso conhecimento sobre ele – essa natureza é investigada pelo ramo da
epistemologia. Ontologia e epistemologia, conjuntamente, constituem a tradição central da filosofia”.
10
O livro da filosofia. [Tradução Douglas Kim] – São Paulo: Editora Globo, 2011, p. 255.
11
GALLEFI, Dante Augusto. o que é isto — a fenomenologia de Husserl?. In Revista Ideação, Feira de
Santana, n.5, p. 25, jan./jun. 2000. Disponível em < http://www.uefs.br/nef/dante5.pdf> . Acesso em 01.
Dez. 2014.
9
desenvolvida, confiança que poderia se nutrir das muitas aplicações bemsucedidas e verificadas nas ciências conhecidas e na práxis da vida 12.
Como bem salienta Ailton Schramm de Rocha e Karin Almeida Weh de Medeiros,
Husserl “propõe uma nova ciência eidética”, dividida em duas fases de análise: intuição
imediata e fase descritiva13.
Husserl propõe que o senso comum, por se tratar de uma postura pouco crítica da
ciência deve ficar em suspenso enquanto se busca por outras significações que se pode
ter. Na visão de Husserl, necessário se faz reduzir, isto é, utilizar um termo que seja
possível englobar qualquer espécie naquela mesma acepção, para assim chegar-se a um
conceito original, alcançando a essência do objeto – o eidos.
Do maior interesse para nós são as considerações metódicas que não se
referem à expressão, mas às essências e nexos eidéticos a serem apreendidos
e expressos por intermédio dela. Se o olhar investigador se direciona para
vividos, eles se oferecem em geral num vazio e numa vaga distância, que os
torna inutilizáveis tanto para uma constatação singular, quanto para uma
constatação eidética. Isso se passaria de outra forma se, em vez de nos
interessarmos por eles, nós nos interessássemos pelo modo como se dão e
investigássemos a própria essência do vazio e da vagueza, os quais, por seu
turno, surgem aqui não vagamente como dados, mas na mais plena clareza.
Se, contudo, é o vagamente trazido à consciência que deve proporcionar as
suas essências próprias, por exemplo, aquilo que vacila obscuramente na
memória ou na fantasia, o que ele proporciona só pode ser algo imperfeito;
isto é, onde as intuições individuais que estão na base da apreensão eidética
são de um nível inferior de clareza, também as apreensões eidéticas são, e
correlativamente o apreendido é "obscuro" seu sentido, ele tem suas
turvações, suas imprecisões externas e internas. Será impossível decidir, ou
possível "apenas grosso modo", se àquilo que é apreendido aqui e ali é o
mesmo (isto é, a mesma essência) ou algo diferente; não se pode estabelecer
de que componentes efetivamente consiste, e o que "são propriamente" os
componentes que eventualmente já se mostram em vago relevo, que se
indicam de modo vacilante14.
Analisando a fenomenologia transcendental15 de Husserl, Dante Augusto Gallefi
esclarece que “a ‘redução’ se confundiria com o próprio método fenomenológico, pois
12
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica:
introdução geral a uma fenomenologia pura. [Tradução Márcio Suzuki]. Aparecida, Ed. Ideias e Letras,
2006, p. 144.
13
ROCHA, Ailton Schramm de; MEDEIROS, Karin Almeida Weh de. A metodologia da ciência do
direito e Husserl in Metodologia da pesquisa em direito e a filosofia. Rodolfo Pamplona Filho, Nelson
Cerqueira (coordenadores), São Paulo: Saraiva, 2011, p.31
14
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica:
introdução geral a uma fenomenologia pura. [Tradução Márcio Suzuki]. Aparecida, Ed. Ideias e Letras,
2006, p. 148.
15
Segundo Dante Augusto Galeffi, Husserl formula uma fenomenologia transcendental, pois propugna
pelo “retorno às coisas mesmas”. GALLEFI, Dante Augusto. o que é isto — a fenomenologia de
seria um ‘caminho’ para se alcançar e clarificar filosoficamente a essência universal do
conhecimento absoluto” 16.
Ainda para o professor adjunto da FACED/UFBA, a fenomenologia de Husserl teria a
importante missão de constituir o conhecimento filosófico independente do
conhecimento obtido pelas ciências naturais, a partir da compreensão dos atos
intencionais que compõem a consciência:
Portanto, a tarefa da Fenomenologia Transcendental é a de elucidar e rastrear
gradualmente todos os possíveis dados da consciência, segundo as suas
modalidades e possíveis modificações de comportamento. Trata-se da
construção de uma ciência das essências, construção edificada “passo a
passo”; uma ciência das essências capaz de “descrever” a estrutura dos
fenômenos da consciência; uma ciência dos fenômenos cognoscitivos em
duplo sentido: Ciência dos conhecimentos como fenômenos (Erscheinungen),
manifestações, atos da consciência em que se exibem, se tornam conscientes,
passiva ou ativamente, estas e aquelas objetividades; e, por outro lado,
ciência destas objetividades enquanto a si mesmas se exibem deste modo [...]
17
.
Com o método fenomenológico, Husserl pretendia ter uma abordagem que pudesse ser
aplicada para qualquer área do conhecimento, partindo da análise do dado, sem
presumir, nem deduzir, para se chegar à verdade. Uma ideia, no mínimo, audaciosa e,
como é sabido, para fazer ciência é necessário pelo menos ser audaz. Isto ele cumpriu.
Heidegger dedicou-se a desenvolver o método fenomenológico de Husserl em seus
escritos. Ocorre que, a ideia de Husserl de desenvolver uma base sobre a qual todas as
ciências poderiam se desenvolver, sofreu em severas criticas da comunidade científica e
filosófica, notadamente do próprio discípulo – Heidegger.
Sobre as divergências entre Husserl e Heidegger, Marco Antônio Valentim citando a
conhecida carta de Heiddeger à Husserl apresenta-nos:
Na célebre carta que Heidegger dirige a Husserl em 22 de outubro de 1927,
ano de publicação de Ser e tempo, lemos: Estamos de acordo sobre o seguinte
ponto: que o ente, no sentido em que você o denomina “mundo”, não poderia
ser esclarecido em sua constituição transcendental pelo retorno a um ente do
mesmo modo de ser. Mas isso não significa que o que constitui o lugar do
transcendental não é absolutamente nada de ente – ao contrário, o problema
que se põe imediatamente é o de saber qual é o modo de ser do ente no qual o
Husserl?. In Revista Ideação, Feira de Santana, n.5, p. 19, jan./jun. 2000. Disponível em <
http://www.uefs.br/nef/dante5.pdf> . Acesso em 01. Dez. 2014
16
GALLEFI, Dante Augusto. o que é isto — a fenomenologia de Husserl?. In Revista Ideação, Feira de
Santana, n.5, p. 20, jan./jun. 2000. Disponível em < http://www.uefs.br/nef/dante5.pdf> . Acesso em 01.
Dez. 2014
17
Idem, Ibidem, p.24.
“mundo” se constitui. Tal é o problema central de Ser e tempo – a saber, uma
ontologia fundamental do Dasein18.
Ana Maria Monte Coelho Frota destaca os principais pontos de divergência entre a
fenomenologia husserliana e a hermenêutica ontológica heideggeriana. Segundo Frota,
Heidegger não admite a redução fenomenológica nos termos propostos por Husserl, por
entender que “não é adequada, nem possível, por deixar de lado, o modo-de-ser,
preocupando-se tão somente com o conteúdo” 19.
Além disso, também há dissonância entre Husserl e Heidegger no tocante à
compreensão do que seja a verdade. Isto porque, de acordo com Frota, enquanto para
Heidegger a verdade é o desvelamento ou desocultamento, “é diferente da ideia de
veritas, do latim, apresentada pela fenomenologia husserliana, que entende a verdade
como adequação ou concordância”20.
Neste contexto de divergências e críticas, Heidegger deu início a uma fenomenologia
oposta àquela instaurada por Husserl. Nas palavras de Pedro Germano dos Anjos e
Nirlana Teixeira:
Tais incongruências originaram uma série de escolas filosóficas que se
posicionavam de forma diferente ante a teoria fenomenológica de Husserl.
Ernildo Stein as agrupou em cinco principais, sendo Heidegger componente
da fenomenologia transcendental, na Universidade de Freiburg, e orientador
da fenomenologia hermenêutica da Universidade de Marburg, com seus
seguidores Hans-Georg Gadamer e Thomas Kuhn.
Vários termos são atribuídos à fenomenologia proposta por Heidegger: Fenomenologia
existencialista,
fenomenologia
ontológica,
fenomenologia
transcendental,
fenomenologia hermenêutica, que compreendemos como tentativas de identificar
diferentes momentos do pensamento filosófico heideggeriano e diferentes aspectos
agitados em suas obras.
18
VALENTIM, Marco Antônio. Heidegger sobre a fenomenologia husserliana: a filosofia transcendental
como ontologia. In Revista O que nos faz pensar nº 25, agosto de 2009. Disponível em <
http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/heidegger_sobre_a_fenomenologia_husserliana:_a
_filosofia_transcendental_como_ontologia/25_13_Marco_Heidegger.pdf>. Acesso em 05. Dez. 2014.
19
FROTA, Ana Maria Monte Coelho. O rigor na pesquisa fenomenológica com orientação heideggeriana.
In Anais IV SIPEQ. Disponível em http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/11.pdf. Acesso em
01.Dez.2014, p.04.
20
Idem, Ibidem, p.04.
É de saber corrente o fato de que Heidegger teria negado a posição de existencialista21,
no entanto, é reconhecido e apontado como existencialista por vários autores, daí porque
qualificam a sua fenomenologia como existencialista.
O próprio Heidegger deixa evidente a sua predileção pela acepção ontológica, sendo
importante observar tal aspecto na medida em que o filósofo fazia das palavras um
instrumento para fortalecimento da sua própria filosofia, ora criando a partir de prefixos
e sufixos gregos para dar-lhe o destaque e a significação intencionalmente buscada, ora
extraindo o sentido léxico do termo de forma de direcionar a interpretação do termo na
sua forma mais original.
Segundo afirma Heidegger: “É por isso que se deve procurar, na analítica existência da
pre-sença a ontologia fundamental de onde todas as demais podem originar-se”22. Vejase que é neste contexto da busca pela ontologia fundamental que se assenta a
fenomenologia ontológica heideggeriana, pois para ele a questão ontológica não se
confunde com a questão existencial.
A analítica existencial, por sua vez, possui, em ultima instancia raízes
existenciárias, isto é, ônticas. Só existe a possibilidade de uma abertura da
existencialidade da existência, e com isso a possibilidade de se captar
qualquer problemática ontológica suficientemente fundamentada, caso se
assuma existenciariamente o próprio questionamento da investigação
filosófica como uma possibilidade de ser da pre-sença, sempre existente.
Assim, esclarece-se se o primado ôntico da questão do ser23.
A denominação de fenomenologia transcendental é comumente atribuída à
fenomenologia husserliana24, que tem base kantiana, cabendo a Heidegger uma posição
oposta por entender que a transcendentalidade dar lugar à ontologia.
Ernildo Stein, estudioso brasileiro sobre o pensamento heideggeriano, é quem bem
esclarece a questão:
21
Por todos, confira Maria Lúcia de Arruda Arranha e Maria Helena Pires Martins, op. cit, p.
305“Embora tenha se preocupado com a questão da existência, Heidegger recusa ser enquadrado entre os
filósofos existencialistas, argumentando que as reflexões sobre a existência são, na sua filosofia, apenas
introdução à nálise do problema do Ser, e não propriamente da existência pessoal”.
22
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petropolis,
Bragança Paulista, Editora Vozes, Editora Universidade São Francisco, 15ª edição, 2005, p. 40
23
Idem, Ibidem, p. 40.
24
Neste sentido, confira-se VALENTIM, Marco Antônio. Heidegger sobre a fenomenologia husserliana:
a filosofia transcendental como ontologia. In Revista O que nos faz pensar nº 25, agosto de 2009.
Disponível
em
<
http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/heidegger_sobre_a_fenomenologia_husserliana:_a
_filosofia_transcendental_como_ontologia/25_13_Marco_Heidegger.pdf>. Acesso em 05. Dez. 2014
Não se compreende a verdadeira dimensão que separa a fenomenologia
transcendental de Husserl da fenomenologia hermenêutica de Heidegger,
quando não se desvela o modo como este rompeu toda tradição ocidental, em
pondo o homem, como sua vida concreta, na previa compreensão do ser. A
fenomenologia hermenêutica se separa da fenomenologia transcendental no
ponto de interseção em que a vida assume o espírito e o espírito assume a
vida. [...] foi precisamente a retenção do problema do ser que possibilitou a
Heidegger a ultrapassagem da solução diltheyana e husserliana ao problema
da história, da vida fáctica[...]25.
Deste modo, não conseguimos vislumbrar uma fenomenologia transcendental na obra
heideggeriana, mas sim uma clara crítica a ela.
Já compreensão de fenomenologia hermenêutica atribuída a Heidegger pode ser extraída
da obra Ser e Tempo, na medida em que assevera:
Na tarefa de interpretar o sentido do ser, a pre-sença não é apenas o ente a ser
interrogado primeiro. É, sobretudo, o ente que, desde sempre, se relaciona e
comporta com o que se questiona nesta questão. A questão do ser não é senão
a radicalização de uma tendência ontologia essencial, própria da pre-sença, a
saber, da compreensão pré-ontológica do ser26.
Em um capítulo dedicado à fenomenologia hermenêutica heideggeriana, Ernildo Stein
pontua que a saída que Heidegger encontrou para não desembocar na filosofia moderna
e não retroceder na sua filosofia, foi retornar a Nietzsche “e lá Heidegger encontra
também o lugar onde emerge o esquecimento do ser na filosofia ocidental”.
Este resgate do ser esquecido é o ponto de encontro da facticidade, noção de que o “seraí” (o homem) não está dissociado do mundo, mas sim permeado por sua cultura,
valores, além das condições de tempo e lugar que vive e que exerce importante
influencia na sua constituição.
Heidegger joga a faticidade num súbito começo. A vida, a existência, já é
compreensão do ser. A facticidade se constitui na pré-compreensão. A forma
radical de exercício da facticidade é compreender. Não é preciso a redução do
espírito, nem ao eu transcendental, nem a colocação do problema da
compreensão na região das ciências do espirito, para captar o compreender na
sua radicalidade. O compreender já sempre é fato, é vida. A própria redução
transcendental, o próprio ver já radicam na compreensão e são formas
derivadas.[...] diante desse fato, Heidegger instaura sua hermenêutica da
facticidade; com ela ultrapassa a ontologia da coisa[...]27.
25
STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto alegre: EdiPUCRS, 2011
(coleção Filosofia; 152), p 50
26
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petropolis,
Bragança Paulista, Editora Vozes, Editora Universidade São Francisco, 15ª edição, 2005, p. 41.
27
STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto alegre: EdiPUCRS, 2011
(coleção Filosofia; 152), p. 49.
Estas concepções metodológicas são melhor compreendidas pela leitura de suas obras,
que passamos a analisar de forma sintética.
A obra Ser e Tempo foi publicada por Heidegger em 1927, período pós-primeira guerra
mundial, durante a República de Weimar, na Alemanha. Trata-se de uma das principais
obras de Heidegger, na qual ele dividiu a metafísica em três setores: o conhecimento do
conjunto da natureza, o conhecimento da alma humana e o conhecimento de Deus,
derivando daí a divisão das metafísicas especiais: cosmologia, psicologia e teologia28.
Para tratar sobre a ontologia, Heidegger retomou as lições de Platão e Aristóteles,
conferindo à ontologia a sua leitura sobre o ser:
[...] No solo da arrancada grega para interpretar o ser, formou-se um dogma
que não apenas declara supérflua a questão sobre o sentido do ser como lhe
sanciona a falta. Pois se diz: “ser” é o conceito mais universal e o mais vazio.
Como tal, resiste a toda tentativa de definição. Este conceito mais universal e,
por isso, indefinível prescinde de definição. Todo mundo emprega
constantemente e também compreende o que, cada vez, pretende
designar[...]29.
Heidegger identificou o que ele denominou de primado ôntico da questão do ser, uma
questão primeira a ser enfrentada em relação ao ser:
Em geral, pode-se definir ciência como o todo de um conjunto de
fundamentação de sentenças verdadeiras. Essa definição não é completa e
nem alcança o sentido da ciência [...]. A pesquisa científica não é o único
modo de ser possível desse ente e nem sequer o mais próximo. Ademais, se
comparada a qualquer outro a pre-sença é um ente privilegiado [...]30.
Delimitou o método fenomenológico, relacionando-o com a ontologia advertindo:
O método de investigação, ao que parece, já foi delineado juntamente com a
caracterização provisória de seu objeto temático (o ser dos entes, o sentido do
ser em geral). A prender o ser dos entes e explicar o próprio ser é tarefa da
ontologia. O método fenomenológico, no entanto, permanecerá altamente
questionável caso se queira recorrer às ontologias historicamente dadas ou a
tentativas congêneres[...]. O uso do termo ontologia não visa a designar uma
determinada disciplina filosófica dentre outras. Não se pretende de forma
alguma, cumprir a tarefa de uma dada disciplina previamente dada. Ao
contrário, a partir da necessidade real de determinadas questões e do modo de
28
SEGATO, Antônio Ianni. Em busca da essência da verdade. Resenha. Ser e Verdade, de Martin
Heidegger (a questão fundamental da filosofia e da essência da verdade). Tradução Emanuel Carneiro
Leão. Petropolis, Bragança Paulista: Vozes, 2007. In Cadernos de Filosofia Alemã nº 12 – p. 149-157 –
jul.-dez. 2008. Disponível em http://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/viewFile/64801/67418.
Acesso em 23.Set.2014.
29
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petropolis,
Bragança Paulista, Editora Vozes, Editora Universidade São Francisco, 15ª edição, 2005, p. 27.
30
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petropolis,
Bragança Paulista, Editora Vozes, Editora Universidade São Francisco, 15ª edição, 2005, p. 38.
tratar imposto pelas “coisas em si mesmas” que, em todo caso, uma disciplina
pode ser elaborada31.
O livro Ser e Tempo é considerado por Paulo Afonso de Araújo 32 como uma obra prima
inacabada por Heidegger que, segundo ele, na tentativa de passar do Dasein “o ser em si
mesmo” para o ser geral, teria esbarrado em sérias dificuldades, que lhe teria levado a
abandonar o projeto inicial.
Parece-nos, contudo, que a lacuna deixada por Heidegger é proposital, como uma forma
de convidar o cientista-leitor a preencher as noções de ser e ente, em cada momento
histórico a partir de suas próprias vivências, já que a temporariedade é um traço bastante
evidente nos escritos deste filósofo alemão33.
Em 1929, dois anos após publicar Ser e Tempo, Heidegger publicou o texto “que é
metafísica?”.
A primeira coisa que chama atenção é a formulação interrogativa, sugerindo uma
pergunta direta para uma resposta igualmente direta. Tal formulação foi adotada não
sem razão por Martin Heidegger. Trata-se de postura intencional, direcionada a reviver
a tradição da filosofia grega que apresentava grandes debates filosóficos justamente em
torno desta construção: o que é? E isto o filósofo alemão ilustrou por outras partes do
texto, não ficando limitado a utilizá-la na formação do título.
Quanto à metafísica, Heidegger fez questão de apresentar uma compreensão própria do
que considera como tal:
Nossa interrogação pelo nada tem por meta apresentar-nos a própria
metafísica. O nome metafísica vem do grego: tà metà physiká. Esta
surpreendente expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da
interrogação que vai meta — trans “além do ente enquanto tal. Metafísica é o
perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade,
para a compreensão34.
31
Idem, Ibidem, p. 56.
ARAUJO, Paulo Afonso. A questão do ser em geral em Ser e Tempo, de Martin Heidegger. In Revista
Ética e Filosofia Política – Número XVI – Volume II – dezembro de 2013. Disponível em
<http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/16_2_araujo.pdf>. Acesso em 05. Dez. 2014.
33
Esta intenção proposital é confirmada pelo próprio Martin Heidegger no texto Sobre a essência da
verdade, publicado em 1943 onde ele afirma: “A questão decisiva (ser e tempo, 1927) do sentido, uqer
dizer (Ser e Tempo, 151) do âmbito do projeto, quer dizer, da abertura, ou ainda , da verdade do ser e não
apenas do ente, fica propositalmente não desenvolvida[...].” HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da
verdade. Tradução Ernildo Stein. In: Conferências e escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo:
Abril Cultural, 1979. Coleção Os Pensadores
34
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica, Tradução: Ernildo Stein, versão eletrônica disponível em
<http://livros01.livrosgratis.com.br/cv000036.pdf>. Acesso em 05.dez.2014.
32
Nesse texto, Heidegger deixa evidente a sua crítica à metafísica no sentido clássico até
então utilizado na ciência para assim defender a necessidade de uma metafísica da
subjetividade, demonstrando com isso preocupação pela utilização da técnica que
justificaria atrocidades, como a própria guerra.
É bom lembrar que naquele momento histórico do pós-primeira guerra, houve um
crescimento das pesquisas científicas em relação a materiais bélicos, reflexo da
preocupação dos povos com possuir poderio para defesa e ataque em situação de
beligerância. Nesta linha de intelecção, Heidegger propugnou por uma metafísica da
subjetividade:
O ser-aí humano somente pode entrar em relação com o ente se se suspende
dentro do nada. O ultrapassar o ente acontece na essência do ser-aí. Este
ultrapassar, porém, é a própria metafísica. Nisto reside o fato de que a
metafísica pertence à “natureza do homem”. Ela não é uma disciplina da
filosofia “acadêmica”, nem um campo de ideias arbitrariamente excogitadas.
A metafísica é um acontecimento essencial no âmbito do ser-aí. Pelo fato de
a verdade da metafísica residir neste fundamento abissal possui ela,
vizinhança mais próxima, sempre à espreita, a possibilidade do erro mais
profundo. E por isso que nenhum rigor de qualquer ciência alcança a
seriedade da metafísica. A filosofia jamais pode ser medida pelo padrão da
ideia da ciência35.
O texto “Que é metafísica?” é um escrito diferente de Heidegger. Segundo Ricardo
Ernesto Rose “é uma aula inaugural dada na Universidade de Friburgo em 1929, onde
Heidegger assumiria uma cátedra de professor regular. [...]”36.
A densidade das ideias e pensamentos explanados na referida aula inaugural e
condensados no texto por Heidegger não impedem a compreensão da sua visão sobre o
método fenomenológico37. É possível inferir do texto que Heidegger manteve-se fiel às
ideias acerca da fenomenologia compartilhadas em Ser e Tempo, acrescentando em Que
é metafísica? críticas a metafísica tradicional, para apontar a fenomenologia como uma
forma de superação desta.
Já em Sobre a essência da verdade, temos um novo Heidegger, que se dedica a
compreender não mais a essência do ser, mas sim a essência da verdade. Inicia o texto
questionando o que vem a ser a verdade e mais uma vez vale-se da formulação
35
Idem, Ibidem.
Cf. ROSE, Ricardo Ernesto. “O que é metafísica”, porta de entrada ao pensamento
de Martin Heidegger. Disponível em < http://www.consciencia.org/o-que-e-metafisica-porta-de-entradaao-pensamento-de-martin-heidegger>, acesso em 05.dez.2014.
37
Não quer significar que a leitura de heidegger seja fácil, mas sim que questão muito mais tormentosa
dentro do texto é alcançar a compreensão do nada e da angústia, que renderiam muitas outras linhas e
afastariam o presente texto do seu próposito.
36
interrogativa: “o que, pois, se entende ordinariamente por verdade?”, questiona
Heidegger.
Tal obra foi publicada em 1943, durante a segunda guerra mundial. Nesse texto
percebemos com mais peso a força linguística de Heidegger. O vocabulário próprio,
cheio de criações preocupadas com o sentido léxico dos termos se espraia por toda obra
do autor, porém a compreensão em Sobre a essência da verdade fica muito prejudicada
caso o leitor não tenha tido qualquer outro contato com os conceitos da obra
heideggeriana.
Para Heidegger, a verdade “constitui o verdadeiro enquanto verdadeiro”38, de modo que
a essência da verdade é aquilo que a caracteriza como tal. Para ilustrar imagine-se uma
porta. Na linha do pensamento de Heidegger, para compreendermos a essência da porta
temos que identificar o que a caracteriza como tal, assim investigando a porta em sua
“portice39” – qualidade de ser porta, o que lhe torna uma porta – é que se vai desvelar a
sua essência de porta.
A ideia de desvelamento sustentada por Heidegger quer significar retirar o véu e
mostrar o que de fato há. Não poderia ser revelar, porque da forma como suas palavras
são prudentemente colocadas em cada texto, revelar, nada mais é do que re-velar, isto é,
mostrar novamente o que já foi demonstrado. Logo, para a obra de Heidegger é
importantíssima a noção de desvelamento no sentido de tirar o véu existente sobre o
objeto da pesquisa.
Heidegger analisa a verdade relacionando-a com a ideia de real verdadeiro e falso, bem
assim com a ideia de autêntico, concluindo que haverá autenticidade quando houver
uma concordância entre o que se presume da coisa e o seu significado.
Este duplo caráter de concordância traz á luz a definição tradicional de
essência da verdade: veritas est adequatio rei et intelectus. Isto pode
significar: verdade é a adequação da coisa com o conhecimento. Mas se pode
entender assim: verdade é a adequação do conhecimento com a coisa 40.
Em resenha ao escrito ora sob comento, Antônio Ianni Segatto analisa as concepções de
verdade formuladas por Heidegger e a utilização do termo desvelamentom tão relevante
para a construção do pensamento heideggeriano:
38
HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade. Tradução Ernildo Stein. In: Conferências e
escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Coleção Os Pensadores, p. 333.
39
Este neologismo foi utilizado apenas para dar ilustrar a forma como Heidegger construiu seu
vocabulário e modo próprio de conceituar a essência.
40
Idem. Ibidem, p. 333
Tais colocações já adiantam o comentário que Heidegger faz, nas preleções
de 1933 e 1934, à alegoria da caverna de Platão. Toda a análise centra-se em
dois aspectos fundamentais: a distinção de duas concepções concorrentes
acerca da verdade e a vinculação entre a essência da verdade e a essência do
homem. Traduzindo o termo grego αλήθεια por “desvelamento” ou
“descobrimento” (como prefere o tradutor do volume resenhado), Heidegger
nota que a verdade aqui é entendida como reação ao fato originário do velar,
do encobrir41.
Questão curial é saber qual a importância deste texto para a construção e a reafirmação
do método fenomenológico. Parece-nos que o próprio Heidegger diz como quer ser
compreendido ao afirmar:
[...] Aparentemente o pensamento movimenta no caminho da metafísica e,
contudo, realiza, em seus passos decisivos - que conduzem da verdade como
conformidade para a liberdade, ek-sistente e desta para a verdade com o
dissimulação e errância —, um a revolução na interrogação, revolução; que já
pertence à superação da metafísica. [...] As fases da interrogação constituem
em si o caminho de um pensamento que, em vez de oferecer representações e
conceitos, se experimenta e confirma com a revolução da relação com o ser42.
Com este texto Heidegger não deixa margens para dúvidas. Para o filósofo, a construção
do pensamento científico e do próprio método é um constante caminhar, em que se
interroga, experimenta, constrói, confirma e não se esgota, porque o homem “ser-aí” se
re-presenta no tempo e espaço num processo contínuo de revolução ontólogica.
Heidegger tem uma vasta produção científica, porém escreveu um único livro Ser e
Tempo. Os demais escritos são compostos de preleções, aulas inaugurais, seminários,
exercícios e colóquios.
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento, por exemplo, é resultado de uma
conferência, em que Heidegger apresenta-nos um título que poderia levar a crer
inicialmente que a proposta seria o marco final da filosofia. Longe da ideia de
encerramento, o que Heidegger traz em seu texto é a ideia de conclusão de um ciclo do
pensamento filosófico.
[...]quando falamos do fim da Filosofia queremos significar o acabamento da
Metafísica. Acabamento não quer dizer, no entanto, plenitude no sentido que
a Filosofia deveria ter atingido, com seu fim. a suprema perfeição. Falta-nos
41
SEGATO, Antônio Ianni. Em busca da essência da verdade. Resenha. Ser e Verdade, de Martin
Heidegger (a questão fundamental da filosofia e da essência da verdade). Tradução Emanuel Carneiro
Leão. Petropolis, Bragança Paulista: Vozes, 2007. In Cadernos de Filosofia Alemã nº 12, jul.-dez. 2008.
Disponível em http://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/viewFile/64801/67418. Acesso em
23.Set.2014, p. 154.
42
HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade. Tradução Ernildo Stein. In: Conferências e
escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Coleção Os Pensadores, p. 343
não apenas qualquer medida que permitisse estimar a perfeição de uma época
da Metafísica em comparação a outra[...]Fim da Filosofia quer dizer: começo
da civilização mundial fundada no pensamento ocidental-europeu.[...].
Heidegger sustenta que cada filosofia com sua própria necessidade e em sua época tem
sua importância, de modo que não há uma melhor que a outra, tampouco uma que seja
preferida em detrimento das demais. Afirma: “Cada época da Filosofia possui sua
própria necessidade. Que uma Filosofia seja como é, deve ser simplesmente
reconhecido. Não nos compete preferir uma a outra, como é possível quando se trata das
diversas visões do mundo”.
Heidegger analisa a tese do primado do método proposto por Husserl e contrapõe-o em
relação ao que ele denomina de “caminho a elucidação ‘à questão mesma’ ”, para
concluir que “ambos os métodos são radicalmente diferentes. A questão como tal,
porém, que devem representar é a mesma, ainda que seja experimentada de maneiras
diferentes”.
Com este texto, Heiddeger coloca na clareira e na presença a sua fenomenologia ônticohermenêutica. Resta evidente que o fundamento não é o ser, mas sim a época do ser e
forma como ele foi preenchido e como é reconhecido, tal como está aí, como se
apresenta.
Esclarecidos tais aspectos, finalmente se impõe analisar: qual a aplicabilidade da
fenomenologia ôntico-hermeneutica de heiddeger e metodologia da pesquisa no direito?
A principal contribuição de Heidegger para metodologia da pesquisa no direito é a
possibilidade para a qual ele acena de que a técnica científica não só pode, como deve
andar ao lado dos sentimentos humanos e da própria compreensão do ser em si, como
ele é.
A visão heideggeriana sinaliza que não se deve valer-se da técnica para justificar
atrocidades nem desumanidades. Neste passo, não se coaduna com a fenomenologia
ôntica-hermenêutica a aplicação da literalidade da norma, sem contextualizar o tempo e
o ser, na lógica da facticidade proposta por Heidegger.
Ademais, não pode se justifica uma interpretação dissociada do senso de humanidade e
de justiça, pois na linha do pensamento heideggeriano não se pode em nome da técnica
esquecer a essência do ser na compreensão dos fatos cotidianos.
Heidegger, portanto, dá forma, essência e substância ao Humanismo que deve permear a
pesquisa do direito e sua aplicação, porque deve estar revestindo o próprio sujeito da
pesquisa, o operador do direito, o homem, o ser-aí.
Muito se fala sobre a utilização da visão heideggeriana pela ideologia nazista, daí
porque relacionar Heidegger com o Humanismo pode causar estranheza. No entanto, é
bom que se diga que quando se cria uma concepção, uma filosofia ou um método não se
direciona a interpretação que irá ser dada, muito menos a sua aplicação, de modo que é
o homem que molda as concepções e dá-lhes o contéudo com sua carga valorativa e
seus pré-conceitos.
Certo é que a intelecção dos fatos jurídicos, que nada mais são do que fenômenos,
reclamam, portanto, a abordagem fenomenológica, que, por sua vez, deve voltar os
olhos para o ser.
Advirta-se, contudo, que não se trata de meras abstrações, tendo aplicabilidade prática e
concreta. A guisa de exemplo, é possível citar, recente voto proferido pelo Ministro
Cezar Peluso, no qual para fundamentar a improcedência do pedido da arguição de
descumprimento de preceito fundamental n.º 54, sustentou, ao analisar a condição do
feto anencefálico, a concepção heideggeriana de que o homem é um ser voltado para
morte, para rechaçar o argumento de que o feto anencefálico estaria fadado ao óbito.
Exarou:
Por outro lado, falar-se em “morte inevitável e certa” chega a ser pleonástico,
pois ela o é para todos. Disse eu, noutra ocasião, não me seduzir nem
comover “o argumento de que o feto anencéfalo seja um condenado à morte.
Todos o somos, todos nascemos para morrer. A duração da vida é que não
pode estar sujeita ao poder de disposição das demais pessoas. Esta é a razão
jurídica fundamental por que não apenas as normas infraconstitucionais,
mas também a Constituição tutela a vida”. Acrescento, agora, que a alegação
de que a morte possa ocorrer “no máximo algumas horas após o parto” em
nada altera a conclusão segundo a qual, atestada a existência de vida em certo
momento, nenhuma consideração futura é forte o bastante para justificar-lhe
deliberada interrupção. Doutro modo, seria lícito sacrificar-se, igualmente, o
anencéfalo neonato43.
Sobreleva notar que a posição adotada pelo Ministro em seu voto carrega consigo dois
marcos importantes na visão heideggeriana. O primeiro é o Dasein, o ser aí, neste caso
compreendido como um ser voltado para morte, porém isto não justifica a interrupção
43
Arguição de Descumprimento preceito fundamental n.º 54, voto exarado pelo Ministro Cezar Peluso,
disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334, Acesso 05
Dez. 2014.
da gravidez, segundo o seu prolator. O segundo, é que tal compreensão desenvolvida no
voto dá-se naquele momento, pois as decisões judiciais carregam consigo a ideia de
Heidegger de aqui e agora.
Quanto à temporalidade contida da concepção heideggeriana, válido transcrever a lúcida
observação de Pedro Germano dos anjos e Nirlana Teixeira:
A temporalidade heideggeriana demonstra também sua relevância para a
metodologia em direito. A compreensão sobre o respeito a vigência de
regimes instituídos na jurisprudência não é tratada de modo satisfatório por
ela própria, pelo que a concessão de decisões com modulação de efeitos é
rara, mas deveria ser regra para o Estado Democrático de Direito. A
correlação entre a temporalidade é sobre a legitimidade dos efeitos das
decisões judiciais, bem como sobre as leis, sobre o comportamento dos
indivíduos.
Com efeito, a noção de temporalidade permeia todo o sistema jurídico, mas ao mesmo
tempo, não pode significar seu engessamento. O pensamento, bem assim as decisões,
não é estanque e impassível ao decurso do tempo. Não se apregoa, frise-se o desrespeito
à ideia de segurança jurídica também necessária à sustentação do Estado democrático de
direito, mas sim que o constante prosseguir do homem lança-nos a um re-pensar
constante do direito.
Este é o convite de Heidegger para a metodologia da pesquisa do direito: para se “estar
jogado no mundo”, para se desvelar, para “ser-aí” e ir adiante e mais além.
3. CONCLUSÃO
Metodologia da pesquisa não se resume a regras de desenvolvimento e apresentação do
texto científico, engloba e agrega elementos epistemológicos, necessários à ampliação
da visão do cientista sobre o objeto da pesquisa.
Heidegger construiu uma fenomenologia ôntico-hermenêutica distinta daquela fundada
por Edmund Husserl, que tinha como base a redução eidética e a concepção de que
poderia encaixar qualquer ramo do conhecimento científico num mesmo modelo.
A partir de um vocabulário próprio e com força na filosofia da linguagem, Heidegger
revela um novo modelo de pensamento, que se traduz num constante caminhar, em que
se interroga, experimenta, constrói, confirma e não se esgota, porque o homem “ser-aí”
se re-presenta no tempo e espaço num processo contínuo de revolução ontólogica
Daí porque o método fenomenológico sob a perspectiva heideggeriana tem
aplicabilidade na metodologia da pesquisa do direito, seja para municiar o pesquisador
com a facticidade e a temporalidade, seja para nele introjetar a ideia de constante
caminhar.
Quando se aceita o convite da sua filosofia e se caminha adiante na perspectiva
heideggeriana, descortina-se a possibilidade de se trazer o conhecimento para a clareira
e para a presença, palavras tão bem empregadas por ele.
Noções como ser-aí (Dasein) e sendo junto (Mitsein) permitem ao sujeito da pesquisa
integrar-se com o objeto e ao mesmo tempo fortalecer sua relação com o outro,
compreendendo-o como ele é, sendo.
Heidegger atribui à linguagem relevância e importância ao ponto de destacar prefixos e
sufixos com o objetivo de conferir e resignificar as expressões. No direito, valemo-nos
também da linguagem como ferramenta e, também por esta razão, as concepções
heideggerianas encontram acolhida neste campo do conhecimento científico.
REFERÊNCIAS
[sã]. O livro da filosofia. [Tradução Douglas Kim] – São Paulo: Editor Globo,
2011.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; Maria Helena Pires Martins. Filosofando:
Introdução à Filosofia. 2ª edição revista e atualizada, São Paulo, Ed. Moderna,
1993.
ARAUJO, Paulo Afonso. A questão do ser em geral em Ser e Tempo, de Martin
Heidegger. In Revista Ética e Filosofia Política, Número XVI, Volume II,
2013,
p.
50-64.
Disponível
em
<http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/16_2_araujo.pdf>. Acesso em
05. Dez. 2014.
BACON, Francis. Novo Órganon [Instauratio Magna]. Tradução e Notas:
Daniel M. Miranda, EDIPRO, 2014.
DESCARTES, René. O discurso do método. Tradução: Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão, WMF Martins Fontes, 3ª Tiragem, 2014.
FROTA, Ana Maria Monte Coelho. O rigor na pesquisa fenomenológica com
orientação heideggeriana. In Anais IV SIPEQ. Disponível em
http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/11.pdf. Acesso em 01. Dez.2014.
GALLEFI, Dante Augusto. O que é isto — a fenomenologia de Husserl? In
Revista Ideação, Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000. Disponível em <
http://www.uefs.br/nef/dante5.pdf> . Acesso em 01. Dez. 2014.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? Tradução: Ernildo Stein, versão eletrônica
disponível em <http://livros01.livrosgratis.com.br/cv000036.pdf>. Acesso em
05.dez.2014.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Tradução de Marcia Sá Cavalcante
Schuback. Petrópolis, Bragança Paulista, Editora Vozes, Editora Universidade São
Francisco, 15ª edição, 2005.
HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade. Tradução Ernildo Stein.
In: Conferências e escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril
Cultural, 1979. Coleção Os Pensadores
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica: introdução geral a uma fenomenologia pura.
[Tradução Márcio Suzuki]. Aparecida, Ed. Ideias e Letras, 2006, p. 144.
LUBISCO, Nídia Maria Lienert; VIEIRA, Sônia Chagas. Manual de estilo
acadêmico: trabalhos de conclusão de curso, dissertações e Teses. 5. Ed
revista e ampliada, Salvador: EDUFBA, 2013.
ROCHA, Ailton Schramm de; MEDEIROS, Karin Almeida Weh de. A
metodologia da ciência do direito e Husserl in Metodologia da pesquisa em
direito e a filosofia. Rodolfo Pamplona Filho, Nelson Cerqueira
(coordenadores), São Paulo: Saraiva, 2011, p.23-41.
ROSE, Ricardo Ernesto. “O que é metafísica”: porta de entrada ao pensamento
de Martin Heidegger. Disponível em < http://www.consciencia.org/o-que-e-metafisicaporta-de-entrada-ao-pensamento-de-martin-heidegger>, acesso em 05.dez.2014
TEIXEIRA, Nirlana; ANJOS, Pedro Germano dos. A metodologia da pesquisa
no direito e Martin Heidegger in Metodologia da pesquisa em direito e a
filosofia. Rodolfo Pamplona Filho, Nelson Cerqueira (coordenadores), São
Paulo: Saraiva, 2011, p.288-310.
VALENTIM, Marco Antônio. Heidegger sobre a fenomenologia husserliana:
a filosofia transcendental como ontologia. In Revista O que nos faz pensar nº
25,
agosto
de
2009.
Disponível
em
<
http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/heidegger_sobre_a_feno
menologia_husserliana:_a_filosofia_transcendental_como_ontologia/25_13_Ma
rco_Heidegger.pdf>. Acesso em 05. Dez. 2014.
Download