Consulta Nefrologia em 10 minutos Hematúria Microscópica Dr. Luiz Felipe Santos Gonçalves - UFRGS Hematúria microscópica é uma das principais causas de encaminhamento para o nefrologista. É necessária a confirmação em, pelo menos, duas amostras de urinas coletadas em diferentes momentos. Devido a sua alta prevalência e a característica freqüente de ausência de outros sinais e sintomas que encaminhem o diagnóstico etiológico a avaliação da mesma pode ser demorada e laboriosa. Outro aspecto que deve ser considerado na avaliação inicial é o grande número de possíveis etiologias e a ampla variação anatômica de sua origem no aparelho urinário, desde o glomérulo até a uretra distal. Assim, a investigação deve ser sistematizada partindo das possibilidades diagnósticas mais prevalentes e dos exames laboratoriais e de imagem mais simples, menos invasivos e menos onerosos. Definição • 2 hemácias/campo 400 x em exame microscópico do sedimento urinário. • 10 a 20 hemácias/ uL em exames quantitativos ou por citometria de fluxo. Importância Não há evidência suficiente que justifique a detecção rotineira de hematúria para o diagnóstico precoce de Doença Renal Crônica. Da mesma forma as baixas sensibilidade e especificidade deste achado como marcador de neoplasia do aparelho urinário não justificam a sua inclusão na rotina de rastreamento destas doenças. Entretanto, como o exame de urina é usualmente empregado em avaliações de ”check up” é freqüente o achado de hematúria microscópica assintomática. Embora na maioria dos casos tal achado possa estar relacionado a situações fisiológicas (menstruação, exercício físico e atividade sexual), transitórias (instrumentação urológica, infecção urinária) ou doenças de caráter não evolutivo, a sua presença deve ser investigada pela possibilidade de associação com doenças potencialmente graves como neoplasias, infecções e obstrução do trato urinário. Questões Iniciais 1. Algum achado de história ou exame físico aponta para o diagnóstico? A presença de algum destes achados deve ser investigada no exame clínico porque pode apontar para uma causa específica e abreviar a investigação (ver tabela 1). 2. Trata-se de doença potencialmente grave ou existem fatores de risco para tal? Estes são essencialmente os fatores de risco para obstrução e/ou neoplasias do aparelho urinário e a sua presença determina a necessidade de inves tigação urológica mais extensa. Nesta investigação deve ser contemplada a realização de tomografia computadorizada helicoidal, cistoscopia e exame citopatológico da urina. 3. Qual a origem da hematúria? Na ausência de causas simples e rapidamente identificáveis ou de fatores de risco para doença relevante é necessária uma abordagem inicial que avalie a função renal e a presença de outros achados sugestivos de dano renal assim como um exame de imagem para a avaliação do aparelho urinário. Esta avaliação incluiria os seguintes exames: exame do sedimento urinário com a pesquisa de cilindros e de dismorfismo das hemácias, cultura de urina, Tabela1. Achados de história e ex. físico e diagnóstico etiológico da ematúria Achados da história / ex. fisico Disúria + piúria Infecção respiratória recente História familiar positiva Cólica renal Sintomas prostáticos Trauma Exercício físico intenso Hematúria cíclica em mulher Etnia afro-descendente Desidratação severa Edema Infarcto Miocardio Fibrilação Atrial Hipertensão Sopro Abdomen Aumento Próstata Fimose Estenose Meatal Diagnóstico Urinária Glomerulonefrite difusa aguda, Nefropatia IgA Nefrite hereditária, Rins Policísticos Urolitíase, coágulos HiperplasiaPróstata/Neoplasia Traumatismo renal Hematúria por exercício Endometriose do trato urinário Doença ou traço falciforme Trombose Veia Renal Síndrome Nefrótica, Vasculite Êmbolo/Trombo Arteria Renal Êmbolo/Trombo Arteria Renal Glomeruloesclerose Fistula Arteriovenosa Infecção Trato Urinário Infecção Trato Urinário Infecção Trato Urinário creatinina sérica ou DCE, proteinúria de 24h ou o índice proteinúria/ creatininúria em amostra de urina ou microalbuminúria, provas de coagula ção e ecografia do aparelho urinário. Caso não seja estabelecida a causa da hematúria após esta avaliação a investigação pode ser orientada pelo fluxograma exposto na figura 1. Assim, a presença de cilindrúria e/ou dismorfismo de hemácias e/ou proteinúria direcionariam a investigação para as causas renais e essencialmente glomerulares tendo como primeiro passo a investigação de causas secundárias de glomerulopatias, doenças sistêmicas e hereditárias. A extensão desta investigação depende do contexto epidemiológico (idade, etnia, sintomas, e história familiar) mas pode incluir os seguintes exames: hemograma, VSG, glicose, proteinograma sérico, complemento sérico, VDRL, HBsAg, anti-HCV, antiHIV, ANCA, avaliação de hematúria na familia, ASLO, FAN, anti-DNA e eletroforese de hemoglobina. Se esta investigação for negativa e o paciente não tiver proteinúria e a função renal for normal trata-se de hematúria microscópica renal isolada, sendo recomendado acompanhamento ambulatorial anual com repetição do exame de urina, função renal e avaliação de proteinúria. Caso haja proteinúria inferior a 1g nas 24h também está indicado acompanhamento ambulatorial e eventualmente o início de tratamento com inibidores da ECA. A presença de diminuição da função renal e/ou de proteinúria de 24h maior do que 1g seria indicação da realização de punção biópsia renal. Vale ressaltar que esta é uma das situações em que a análise do fragmento de biópsia com microscopia eletrônica é fundamental. No caso da avaliação inicial apontar para uma causa extra-renal o paciente deve ser encaminhado para avaliação urológica. Caso não existam fatores de risco para neoplasia do aparelho urinário a investigação pode ser seguida com a realização de PSA, citologia urinária, pesquisa de clamídia, BAAR na urina e calciúria e uricosúria de 24h. Após, estaria indicado a realização de cistoscopia e tomografia computadorizada. Assim como no caso das hematúrias glomerulares, a ausência de diagnóstico etiológico definitivo deve ser seguida de acompanhamento ambulatorial com a realização de citologia urinária e eventualmente repetição da cistoscopia e de exame de imagem periodicamente. Em resumo, o objetivo do manejo diagnóstico deve ser a pronta detecção e tratamento de causas potencialmente graves e a racionalização e minimização de testes diagnósticos empregados na avaliação de pacientes assintomáticos com causas benignas. AVALIACÃO INICIAL GLOMERULAR Investigar GN 2ª. Doença Sist. Hereditária NEGATIVO Ñ GLOMERULAR Ca/Ac. Úrico Urinários BAAR, PSA, Clamídia, Cito Cistoscopia TC Prot > 1g FR Prot < 1g Hemat Isolada NEGATIVO PBR Seguimento Seguimento Figura 1. Fluxograma de investigação de hematúria microscópica. Bibliografia Recomendada 1. Malmström P. Time to abandon testing for microhematuria in adults? Brit Med J 2003;326:813-5. 2. Cohen RA, Brown RS. Microscopic Hematuria. N eng J Méd 2003;348(23):1330-8. 3. Kincaid-Smith p, fairley kF. The investigation of hematuria. Seminars in Nephrology 2005;25:127-35. 4. Grossfeld Gd et al. Asymptomatic microscopic hematuria in adults: summary of the AUA best practice policy recommendations. Am Fam Physician 2001;63(6):1145-54. 5. Chow KM, Kwan BC, Li PK and Szeto CC. Asymptomatic isolated microscopic hematuria: long-term follow-up. Q J Med 2004 ;97:739-45.