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LECTIO DIVINA
Domingo 8 de Novembro de 2009
32º Domingo Comum Ano B
Marcos 12,38-44 (Cf. Lucas 20,45-47;21,1-4)
38 E dizia [Jesus] no seu ensinamento: “Guardai-vos dos escribas que
gostam de circular de toga, de ser saudados nas praças públicas, 39 e de
ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e os lugares de honra nos
banquetes, 40 mas devoram as casas das viúvas e simulam fazer longas
preces. Esses receberão condenação mais severa.”
41 E, sentado frente ao Tesouro do Templo, observava como a multidão
lançava pequenas moedas no Tesouro, e muitos ricos lançavam muitas
moedas. 42 Vindo uma pobre viúva, lançou duas moedinhas, isto é, um
quadrante. 43 E chamando a si os discípulos, disse-lhes: “Em verdade eu
vos digo que esta viúva que é pobre lançou mais do que todos os que
ofereceram moedas ao Tesouro. 44 Pois todos os outros deram do que
lhes sobrava. Ela, porém, na sua penúria, ofereceu tudo o que tinha,
tudo o que possuía para viver.”
1 – LEITURA: O que diz o texto?
Introdução: O relato evangélico tem duas partes bem diferenciadas e,
ligadas talvez, pela palavra-chave “viúva”. O pensamento principal, que
está na base desta passagem, é a dura crítica de Jesus aos escribas, pela
maneira como se apresentavam, acusando-os de “devorarem as casas da
viúvas”. Logo em seguida a esta crítica, aparece esta pobre viúva, cuja
função é certamente ilustrar a afirmação anterior. É com este
“pensamento de fundo” que se deve interpretar a descrição do que se
passou com esta viúva. Jesus observa os que dão a sua oferta para o
Templo e Jesus sabe perfeitamente tudo que vai no íntimo de cada um.
Jesus vê. Jesus sabe. Jesus compreende.
1. A condição social da mulher viúva: Tenhamos presente que na época
de Jesus, trabalhava “fora de casa” somente o homem. Quando uma
mulher ficava viúva, não voltava para sua casa paterna; se não tivesse
filhos homens que a pudessem sustentar, ficava a mercê da “caridade” do
povo. A viúva, se não tivesse pelo menos um filho, que pudesse herdar as
terras de seu pai, continuava de certa maneira ligada ao seu falecido
marido, e de acordo com Deut. 25,5-10 deveria esperar que algum dos
seus cunhados a tomasse como mais uma de suas mulheres em respeito
pela memória de seu irmão. Só depois dos seus cunhados a rejeitarem e
depois de cumpridos os rituais que constam do texto que mencionamos
em Deut. é que ela poderia tentar novo casamento. Assim, a expressão
que aparece no texto de Marcos e de Lucas “viúva pobre”, nesse contexto
cultural, leva-nos a imaginar uma viúva que não tivesse filhos, nem
cunhados que a recebessem, nem quaisquer meios de subsistência.
Perguntas para a leitura
· O que é que Jesus faz?
· Para quem está Ele a falar? O que lhes diz?
· O que é que os mestres da lei ou escribas gostam de fazer?
· O que é que realmente estava mal?
· Como se comportavam os escribas com as viúvas?
· Como irá tratá-los Deus, por esta atitude?
· Onde se encontra Jesus na segunda parte do relato?
Supõe-se que Jesus se tivesse sentado diante daqueles complexos cofres
onde eram colocadas as ofertas ao Templo, ao qual só podiam aceder os
hebreus. Este lugar situava-se no primeiro patamar do Templo, um espaço
amplo logo após a entrada no santuário por onde todos os fiéis tinham de
passar. Era nesse cofre que normalmente se depositava o tributo anual e
pessoal para suprir as necessidades do Templo. Este ambiente,
denominado nos evangelhos de gazofilácio (Lc 22,1; Jo 8,20) faz lembrar
um moderno escritório financeiro, onde um sacerdote verificava se a
moeda era verdadeira ou falsa, declarando-o em voz alta às autoridades
presentes. Nada se poderia processar sem discrição, o que contrasta logo
com a atitude de Jesus!
· O que vê quando está diante das caixas das ofertas?
· O que fazem os ricos?
· Que tipo de viúva faz a oferta?
· O que é que a viúva pobre faz?
Marcos, escrevendo para os cristãos de Roma e prevendo que o seu
evangelho seria lido pelos crentes espalhados por todo o mundo romano,
coloca este esclarecimento: Os dois leptas valiam um quadrante, pois
“quadrante” era moeda do mundo romano. As moedinhas que a pobre
viúva coloca são duas Leptas. A Lepta era uma moeda grega de cobre
chamada também óbolo. As duas Leptas equivaliam a um Quadrante
(moeda romana) que é a 64º parte de um Denário (moeda romana) que
era o salário médio por um dia de trabalho. Façamos o cálculo dividindo
em 64 a diária oficial de um trabalhador de nosso país... ou seja, a
quantidade é insignificante. Os sacerdotes tinham determinado o valor
mínimo da oferta que recebiam, e as duas moedinhas eram as menores
moedas judaicas e certamente que não estavam dentro desse limite
mínimo. Portanto, para os entendidos em religião, a viúva pobre estava
em transgressão e a sua oferta era demasiado pequena para poder ter
aceitação.
· O que é que Jesus diz então aos seus discípulos?
· Como avalia Jesus a realidade?
· Quais os critérios que ele utiliza para considerar os ricos e a viúva pobre?
. Qual a mensagem de Jesus?
2 – MEDITAÇÃO: O que me (nos) diz o texto?
· Qual o impacto sobre mim a atitude observadora de Jesus? Sou
observador das “coisas da vida”? Detenho-me a olhar seriamente como
faz o Senhor ou me afasto sem me dar conta de nada…?
· Quais são minhas “riquezas” hoje? Pensar em: riquezas religiosas
(conhecer a Deus, participar numa Igreja), riquezas familiares (meus pais,
irmãos, avós), riquezas culturais (a instrução, o saber ler e escrever, poder
admirar um quadro, escutar uma boa música), riquezas humanas
(capacidade de escutar, saber aconselhar); riquezas materiais (roupa, casa,
bicicleta, carro); riquezas sociais (amigos, lugares donde inserir-me)…
· Procuro compartilhar estas riquezas ou dou do que me sobra para “ficar
tranquilo”?
· Tenho capacidade para “dar” e “doar-me” com o pouco que tenho e que
sou?
· Como são os critérios de avaliação em minha vida? Valorizo por causa da
quantidade, da aparente grandeza…?
· O que me falta para aprender a ver as coisas como Jesus vê?
· Em quais situações particulares de minha vida terei que olhar hoje mais o
coração e o que o outro pode dar?
. Sou capaz de “arriscar” tudo? De me dar todo, inteiramente?!
3 – ORAÇÃO: O que digo (dizemos) a Deus? O que dizemos a Deus?
Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade,
a minha memória, o meu entendimento e toda a minha vontade,
tudo o que tenho e possuo;
Vós mo destes; a Vós, Senhor, o restituo.
Tudo é vosso, disponde de tudo, à vossa inteira vontade.
Dai-me o vosso amor e graça, que esta me basta.
(Santo Inácio de Loyola)
4 – CONTEMPLAÇÃO: Como interiorizo (interiorizamos) a mensagem?
Ler a 2ª leitura deste domingo (Heb.9,24-28): “Cristo ofereceu-Se uma só
vez para tomar sobre si os pecados do mundo”…
5 – ACÇÃO: Com que me (nos) comprometo (comprometemos)?
É preciso doar-se até sofrer! (Madre Teresa). Isto é, viver a capacidade de
dar e de se dar, na própria existência, até o extremo”:
. doar a minha vida para que as pessoas te conheçam…
· doar o meu tempo para que muitos sejam teus discípulos…
· doar a minha capacidade de escutar para compartilhar o drama de meus
irmãos…
· Senhor, quero doar conselho de paz e de paciência, a quem não tem
serenidade em seu coração…
· Senhor quero doar…
“Não é o quanto fazemos, mas quanto amor colocamos naquilo que
fazemos. Não é o quanto damos, mas quanto amor colocamos em dar”!
(Madre Teresa de Calcutá).
ALGUMAS NOTAS
Viúvas e escribas, no contexto histórico e cultural em que Jesus viveu.
1. Viúvas
A mulher israelita do tempo de Jesus, era alvo de forte discriminação
imposta pela Velha Lei. No Templo não podia ir além do Pátio das
mulheres, e não estava de forma alguma preparada para sobreviver
economicamente sem o seu marido. As mulheres das principais famílias de
Jerusalém, raramente saíam à rua antes do seu casamento e mesmo
depois de casadas, quando saíam, passavam despercebidas com a cara
tapada por um véu. Quando criança, até aos doze anos e um dia, a mulher
aprendia os trabalhos domésticos e era propriedade de seu pai, que
inclusive a podia vender como escrava, de acordo com Êxodo 21,7.
A educação da mulher era diferente da que recebiam os seus irmãos e o
seu casamento era decidido por seus pais, muitas vezes sem seu
conhecimento. Assim, não admira que, em caso de falecimento do dono
da casa, se não houvesse filhos, as suas mulheres não estivessem
minimamente preparadas para defender os seus direitos no “mundo dos
homens” como os negócios, conselhos, tribunais etc. Aliás as mulheres
não podiam herdar os bens do seu marido, pois o território de Israel
estava distribuído pelas suas tribos que a Velha Lei tentou preservar e a
mulher poderia ser de outra tribo diferente da de seu falecido marido.
Se uma mulher pudesse herdar as terras de seu falecido marido e fosse de
outra tribo, poria em risco a divisão do território pelas onze tribos de
Israel, pois a tribo de Levi não tinha terras.
A viúva, se não tivesse pelo menos um filho, que pudesse herdar as terras
de seu pai, continuava de certa maneira ligada ao seu falecido marido, e
de acordo com Deuteronómio 25,5-10 deveria esperar que algum dos seus
cunhados a tomasse como mais uma de suas mulheres em respeito pela
memória de seu irmão. Só depois dos seus cunhados a rejeitarem e depois
de cumpridos os rituais que constam do texto que mencionamos em
Deuteronómio é que ela poderia tentar novo casamento.
2. Escribas
Como o próprio nome indica, o escriba era o homem que escrevia. O
número dos que sabiam escrever era bem menor em relação à nossa
época, e menor ainda era o número dos que se podiam “dar ao luxo” de
escrever, numa época em que não havia papel e a escrita era registada em
papiro ou em pele preparada para a escrita, materiais que não estavam ao
alcance da maior parte da população. No início da história de Israel, só
havia os sacerdotes, cargo reservado à tribo de Levi, mas nos últimos
séculos antes da época de Jesus, apareceu essa nova classe superior, a dos
escribas. O principal trabalho do escriba era escrever, ou copiar os textos
das Escrituras Sagradas, em especial do Pentateuco. Mas havia também
outros trabalhos para os escribas, quer nos negócios do governo de Israel,
quer como notários públicos, ou como empregados para registar o que
lhes ditavam e também se dedicavam ao ensino. Segundo nos informa o
historiador Joaquim Jeremias, era proibido ao escriba receber qualquer
remuneração pelo seu trabalho. De que viviam os escribas? “Com
frequência, os escribas do tempo de Jesus exerciam uma profissão ao lado
do ensino, mas era sobretudo de auxílios que viviam.”Podemos talvez
relacionar o escriba com o “profissional cristão” dos nossos dias. Eles
correspondiam aos leigos dos nossos dias, que se dedicam ao estudo da
teologia e dão a sua colaboração nas igrejas além da contribuição
económica, sem terem nenhum cargo eclesiástico. Duma maneira geral,
podemos afirmar que, enquanto a preocupação do sacerdote era provar a
sua genealogia, pois sendo levita tinha o seu sustento garantido pela
Velha Lei, o escriba era o vulgar israelita, que se interessava pela teologia
e tinha de estudar para ter direito a usar a capa que o identificava como
escriba.
Enquanto o sacerdote era valorizado pela sua genealogia, entre os
escribas, o saber era o único e exclusivo factor de poder. Mas também
havia sacerdotes com formação de escriba e até prosélitos gentios que se
tornaram escribas de grande prestígio. Flávio Josefo, o grande historiador
da antiguidade, também era escriba.
Segundo o historiador Joaquim Jeremias, o jovem pretendente a escriba,
estudava durante vários anos com o seu mestre até dominar toda a
matéria tradicional. A partir dessa altura era considerado “doutor não
ordenado”. Somente depois dos 40 anos de idade é que podia ser
recebido na corporação dos doutores. Somente estes doutores ordenados
transmitiam e criavam a tradição derivada da Torá, que estava em pé de
igualdade com a Lei escrita e por vezes até acima desta. As decisões dos
escribas eram altamente prestigiadas, o partido dos fariseus era quase
exclusivamente composto por escribas e eles eram os únicos que, sem
serem levitas, faziam parte do Sinédrio.
Como já dissemos, de início o escriba não podia receber qualquer
remuneração pelo seu trabalho, geralmente de ensino ou de interpretação
da Lei. Mas, como conheciam muito bem a Lei veterotestamentária, talvez
possamos dizer que correspondiam aos advogados da nossa época. É
natural que, quando algum pobre desprotegido, nomeadamente uma
viúva se sentisse perdida e abandonada, a pessoa que procurava para a
ajudar fosse o escriba, que era mais sério, desinteressado e geralmente
até mais conhecedor da Lei do que o próprio sacerdote. Podemos até
comparar ao que se passa no catolicismo romano dos nossos dias. Embora
hierarquicamente o sacerdote católico tenha um cargo mais elevado que o
frade, não há dúvida de que a humildade das ordens religiosas tornaram o
vulgar frade mais querido e respeitado que o sacerdote.
Provavelmente, o texto refere-se aos escribas parasitas, exploradores da
hospitalidade de pessoas pouco afortunadas.” Parece que os altos ideais
dos escribas que apareceram alguns séculos antes do nascimento Jesus, já
estavam esquecidos nessa época em que Jesus viveu.
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