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O PADRÃO DE LEXICALIZAÇÃO DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO: EVENTO DE MOVIMENTO
●
THE LEXICALIZATION PATTERN OF BRAZILIAN
PORTUGUESE: MOTION EVENT
Dorival Gonçalves SANTOS FILHO(UFSC)1
RESUMO | INDEXAÇÃO | TEXTO | REFERÊNCIAS | CITAR ESTE ARTIGO | O AUTOR
RECEBIDO EM 31/01/2017 ● APROVADO EM 14/03/2017
Abstract
Typology studies suggest that in the motion events it is possible to characterize the languages
in lexicalization patterns. Languages in which the primitives MOTION and PATH are embedded
in the verbal root belong to the pattern LFV (languages with frame on the verb). The languages
in which the MOTION and MANNER are expressed by the verb, but the PATH is expressed by a
satellite (particles bound to the verb) is called the LFS (languages with frame on the satellite).
Based on these assumptions, the aim of this paper is to show how the motion event in
Brazilian Portuguese and in cases where the language in question uses different strategies in
the expression of this event.
Resumo
Estudos em tipologia sugerem que, nos eventos de movimento, é possível caracterizar as
línguas em padrões de lexicalização. Línguas em que os primitivos MOVIMENTO e TRAJETÓRIA
estão embutidas na raiz verbal pertencem ao padrão LFV (línguas com frame no verbo). Já as
línguas em que o MOVIMENTO e MODO são expressos pelo verbo, mas a TRAJETÓRIA é
expressa por um satélite (partículas ligadas ao verbo) são chamadas de LFS (línguas com frame
no satélite). Partindo desses pressupostos, o objetivo deste trabalho é mostrar como funciona
o evento de movimento no Português Brasileiro e os casos em que a língua em questão utiliza
diferentes estratégias na expressão desse evento.
Entradas para indexação
KEYWORDS: motion event, manner of movement, typological patterns.
PALAVRAS-CHAVE: de movimento. modo de movimento. padrão de lexicalização.
Texto integral
INTRODUÇÃO
Talmy (2000b), Batoréo (2000), Matsumoto (2003), Slobin (2004),
Cifuentes Férez (2008), sugerem que, a partir do evento de movimento (doravante
EM), é possível caracterizar as línguas do mundo em padrões de lexicalização.
Talmy (1972, 2000b), o precursor da teoria, inicialmente, classifica as línguas em
três padrões distintos: LFS (línguas com frame no satélite), LFV (línguas com frame
no verbo) e LFF (línguas com frame na figura)2. O padrão LFF, posteriormente, foi
abandonado pelo autor com a justificativa de não haver falantes nativos dessa
língua desde 20083
O autor observou que o modo como as línguas expressam gramaticalmente
os elementos semânticos no EM indica à qual padrão tipológico ela pertence. Para
chegar a essa conclusão, isolou elementos do domínio do significado e elementos
do domínio da estrutura morfossintática. Do domínio do significado, os elementos
isolados pelo autor foram: (i) MOVIMENTO (Motion), (ii) FIGURA (Figure), (iii)
TRAJETÓRIA (Path), (iv) FUNDO (Ground), (vi) MODO (Manner) e (vii) CAUSA
(Cause).4 Jackendoff (1983, 1990) propõe regras de formação para a estrutura
conceitual elencando os seguintes primitivos: ENTIDADE (Thing), EVENTO (Event),
ESTADO (State), AÇÃO (Action), LUGAR (Place), TRAJETÓRIA (Path),
PROPRIEDADE (Property) e QUANTIDADE (Amount). Esses primitivos são
relacionados entre si por funções que definem tipos diferentes de eventos. Apesar
de serem considerados mais refinados e formal, para os objetivos deste estudo, os
primitivos considerados serão os de Talmy (2000b). Os elementos da estrutura
morfossintática isolados são: verbos, adposições, orações subordinadas e algumas
partículas que o autor nomeia de satélites. Essa relação não é de um-para-um. Isso
quer dizer que a combinação de elementos semânticos com elementos
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morfossintáticos pode se dar de diversas formas: uma combinação de elementos
semânticos pode ser expressa por um único elemento morfossintático, ou um
único elemento semântico pode ser expresso por uma combinação de elementos
morfossintáticos, ou ainda, diferentes tipos de elementos semânticos podem ser
expressos por um mesmo tipo de elemento morfossintático.
No decorrer de seus estudos, Talmy (1972, 2000b) cunhou o que é para ele
um EM básico, como se observa na citação abaixo:
O evento de Movimento básico consiste em um objeto
(Figura) movendo-se ou localizado em relação a outro objeto
(o objeto de referência ou Fundo). É analisado como tendo
quatro componentes: além de Figura e Fundo, há a
Trajetória e Movimento. A Trajetória (com T maiúsculo) é o
caminho ou local ocupado pelo objeto Figura em relação ao
objeto do Fundo. O componente de Movimento (com M
maiúsculo) refere-se à presença per se ou movimento ou
situação estática no evento. Apenas estes dois estados
motrizes são estruturalmente distinguidos pela linguagem.
(Talmy, 2000b, p.25, tradução nossa).5
MOVIMENTO significa que um determinado objeto, que está em repouso,
muda a sua localização. O objeto em movimento é chamado de FIGURA e se desloca
em relação a outro objeto de referência, chamado de FUNDO. A TRAJETÓRIA6 é o
caminho transcorrido pela FIGURA. MODO e CAUSA são eventos que se relacionam
com o MOVIMENTO, caracterizando o MODO ou a CAUSA do movimento da
FIGURA. A partir desse esquema básico, Talmy (2000b) assevera que é possível
agrupar as línguas, dependendo do modo como elementos semânticos se
combinam com elementos morfossintáticos e são expressos gramaticalmente.
Partindo de exemplos retirados da obra O Hobbit7 , de Tolkien, nas versões em
português, inglês e latim8 , e de algumas construções de EM da rede social Twitter9
, este trabalho objetiva descrever o funcionamento do EM no Português Brasileiro
(doravante PB). Para este intuito, dividimos o artigo nas seguintes seções.
Na seção 2, intitulada Padrões de lexicalização, trataremos do conceito de
satélite (2.1), do padrão LFS (2.2) e do padrão LFV (2.3). Cada padrão de
lexicalização apresentado será exemplificado com sentenças retirados da obra O
Hobbit e ilustrado por setas que mostrarão a relação entre os elementos
semânticos e a expressão gramatical. Na seção 3, Propostas de reformulação da
teoria de Talmy, apresentaremos alguns exemplos que corroboram a afirmação de
alguns estudiosos, como Kopecka (2004, 2008, 2013), Slobin (2004, 2006),
Matsumoto (2003), Beavers et al. (2010), Iacobini e Fagard (2011) quando dizem
que as línguas podem se comportar com um padrão distinto do prototípico. Nesse
sentido, faremos uma discussão sobre o padrão do PB, levando em consideração o
fato de que há indícios de que a língua apresenta traços de padrões de lexicalização
distintos. Nesta parte, os exemplos escolhidos são extraídos da rede social Twitter.
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Na seção 4, são apresentadas as conclusões do estudo, e na seção 5, encontram-se
as referências bibliográficas usadas neste trabalho.
2 PADRÕES DE LEXICALIZAÇÃO
Para Talmy (2000b, p. 24), lexicalização é a associação regular de um
significado ou um conjunto de significados a um morfema particular ou item
lexical. Na expressão do EM, há três tipos principais de lexicalização na raiz verbal:
MOVIMENTO mais coevento, MOVIMENTO mais TRAJETÓRIA e MOVIMENTO mais
FIGURA. Embora as línguas possam lexicalizar padrões menores, segundo o autor,
cada língua expressa só um padrão mais característico.
2.1 Satélite
Um termo importante para essa teoria foi citado no início deste trabalho:
trata-se do satélite. Apesar de polêmico, o satélite, tal como conceituado por Talmy
(2000b), é um importante elemento gramatical que está presente na teoria
tipológica do autor. Isso quer dizer que a sua presença ou ausência pode
determinar em que padrão uma dada língua se encaixa. Nas definições talmyanas,
o conceito de satélite abrange vários elementos que se relacionam com o verbo,
mudando o seu conteúdo semântico. O autor oferece a seguinte definição de
satélite:
É a categoria gramatical de qualquer constituinte que não
seja um sintagma nominal, preposicional ou um
complemento e que está em uma relação de irmã para a raiz
do verbo. Refere-se à raiz verbal como dependente de um
núcleo. O satélite, que pode ser um afixo ou uma palavra
livre, visa, assim, abranger todas as seguintes formas
gramaticais, que tradicionalmente têm sido amplamente
tratadas independentemente umas das outras [...] (Talmy,
2000b, p. 102, traduzimos).10
Então, para o autor, satélite abrange as partículas verbais do inglês, afixos
aspectuais do alemão, prefixos verbais do latim e do russo, complementos verbais
do chinês etc. Uma possível fonte para o conceito de satélite se encontra em
Pittman (1948), que postula uma atração gravitacional entre certos morfemas ou
grupo de morfemas. Nesse sentido, ele defende que certos constituintes imediatos
(CI) podem ser rotulados de principal ou central, como, raízes, radicais, bases,
temas, núcleos, substantivos, verbos, oração principal etc.; e a outros ele atribui o
status de subordinado ou lateral, que podem ser afixos, enclíticos, formativos,
atributos, modificadores, orações subordinadas etc. Os CI centrais são chamados
de núcleo e os CI laterais são chamados de satélite. Pittman (1948) menciona a
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vantagem de tratar esses elementos linguísticos em centrais e laterais fazendo uma
comparação pertinente:
Assim como um astrônomo acha mais fácil descrever a
relação da lua com a terra do que a sua relação com o sol,
para um linguista, ao analisar a sentença Eat your bread
(Coma seu pão), é mais fácil descrever a relação your (seu)
para bread (pão) que sua relação com eat (comer). (Pittman,
1948, p. 288, traduzimos).11
Pittman (1948, p. 287-288) observa que em cada estrutura constituída por
dois CI, a presença de um deles é explicável pela presença do outro componente.
Para o autor, há um ranking de grau de parentesco entre os constituintes que ele
nomeia de “afinidade” ou concomitância. Vale destacar que essa afinidade é
explicada em dois níveis distintos: a relação predicado-objeto de Eat mais your
bread no nível da oração e a relação possessivo-núcleo de your mais bread no nível
do constituinte. Nesse sentido, alguns critérios são fundamentais para distinguir
núcleo e satélite:
a) Se um dos dois elementos é opcional, ele é satélite.
b) Se um dos dois CI pertence a uma classe com mais membros do que
a outra, geralmente, será considerado núcleo e sua concomitante
satélite.
c) Se um dos dois CI ocorre nas mais diferentes classes (critério da
versatilidade), geralmente, será considerado núcleo e sua concomitante
satélite.
d) Se um constituinte pertence à mesma classe como um dos seus CI,
geralmente, é interpretado como um núcleo e a concomitante um
satélite.
Passemos agora aos três padrões de lexicalização definidos por Talmy
(2000b).
2.2 Padrão LFS
O primeiro padrão de que vamos tratar é o LFS. Segundo a teoria talmyana,
no EM das línguas pertencentes a esse grupo, fundem-se na raiz verbal os
elementos semânticos de MOVIMENTO e MODO ou CAUSA, deixando para o
satélite a função de expressar a TRAJETÓRIA. A partir de agora, os exemplos serão
ilustrados com setas, indicando a relação entre os elementos morfossintáticos e
elementos semânticos. As traduções dos exemplos em língua estrangeira foram
retirados das obras na versão em português Comecemos com uma sentença da
língua inglesa, extraída do livro The Hobbit:
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1. The dwarves
25)12
FIG.
rushed
out of their great gate [...] (The Hobbit, p.
MOV. + MOD. TRAJ.
(fusão)
(Sat.)
FUND.
“Os anões correram para fora pelo seu grande portão [...]” (O Hobbit, p. 30)13
No exemplo (1), temos um típico EM: the dwarves representa a FIGURA que
se movimenta; o verbo rush representa o MODO como o objeto se movimenta, e é o
momento em que há a fusão dos elementos semânticos MOVIMENTO e MODO na
raiz verbal. A partícula out é um satélite que representa a TRAJETÓRIA da FIGURA
e, por fim, great gate representa o FUNDO e é o ponto de referência a partir do qual
a FIGURA se desloca. Cabe agora mostrar as especificidades do EM:
a)
b)
c)
d)
FIGURA: the dwarves
FUNDO: great gate
MOVIMENTO (representado pelo verbo rush)
TRAJETÓRIA (representado pelo satélite out)
Dependendo de como é sintaticamente expresso, o EM pode conter os
quatro elementos acima: uma entidade chamada de FIGURA, uma entidade
chamada de FUNDO, que serve de ponto de referência para a FIGURA, um processo
de ativação que equivale ao fator de dinamismo (MOVIMENTO) e uma função de
associação que estabelece uma relação particular entre a FIGURA e o FUNDO.
Em seguida, daremos um exemplo de como o latim, que é uma língua de
padrão LFS, expressa gramaticalmente o EM. A escolha dessa língua para também
representar esse padrão de lexicalização é pertinente porque mais adiante
teceremos algumas considerações, mostrando que o PB, às vezes, se comporta de
forma semelhante à língua da qual deriva.
2. Bertus et Tomas ad cupam
exierunt. (Hobbitvs Ille, p. 60)
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FIG.
FUND.
TRAJ. MOV.
(Sat.) +
MOD.
(fusão)
“Bert e Tom dirigiram-se para o barril” (O Hobbit, p. 40)
Essa frase codifica o EM no padrão LFS de uma forma diferente da língua
inglesa. Mesmo a expressão sintática do latim sendo tão diversa da língua inglesa,
pode-se fazer uma generalização que permite inserir essas línguas em um mesmo
grupo tipológico: trata-se do papel desempenhado pelo satélite. Como mencionado
anteriormente, o satélite é um elemento importante para definir se uma dada
língua pode pertencer a um padrão ou a outro. Basicamente, se, na expressão do
EM, uma determinada língua usar esse elemento gramatical para expressar a
TRAJETÓRIA, então, será uma língua de padrão LFS. Por outro lado, a ausência de
satélite para expressão da TRAJETÓRIA indica que essa língua é de outro padrão,
levando em conta que o verbo já expressa esse domínio em sua raiz. Talmy
(2000b) alerta que essas generalizações se aplicam quando a língua utiliza esses
padrões em sua expressão mais característica, ou seja, estilo mais coloquial e mais
frequente na fala.
Em (2), a FIGURA é representada por Bertus e Tomas que se deslocam de
determinado ponto a outro. O verbo latino eo e as traduções caminhar, andar e
marchar podem indicar o MODO do movimento. Dependendo da escolha traduzida,
caminhar, andar e marchar indicam como ocorre o MOVIMENTO. Esse MODO do
movimento é expresso na raiz verbal. O MOVIMENTO é expresso pelo verbo eo (ir,
dirigir-se, caminhar, andar etc.) no pretérito perfeito da terceira pessoa do plural
(ierunt). Em suma, MOVIMENTO e MODO estão amalgamados na raiz verbal e são
expressos conjuntamente. O satélite ex- é um prefixo que determina a direção da
TRAJETÓRIA (para fora). Nesse caso, o prefixo é um satélite verbal, pois está
gravitando em torno do verbo, mudando o seu conteúdo semântico. Sem a
adjunção deste prefixo ex-, a raiz verbal, por si só, não seria capaz de exprimir a
ideia de movimento para fora.
Os outros elementos relevantes são o FUNDO, que é representado pelo
substantivo cūpa (cuba – barril –, que pertence à primeira declinação e está no
caso acusativo). O ad é uma preposição que rege o acusativo e indica aproximação
de um limite ou movimento em direção a um limite. Nas definições talmyanas, ad
seria um subcomponente da TRAJETÓRIA, chamado de vetor. Segundo Talmy
(2000b), vetor compreende a direção do movimento da FIGURA em relação ao
FUNDO. Abaixo, são enumerados os elementos de EM, que ocorrem na sentença (2)
acima:
a)
FIGURA: Bertus, Tomas
b)
FUNDO: cupa
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c)
MOVIMENTO (representado pelo verbo eo)
d)
TRAJETÓRIA (representado pelo satélite ex)
Em suma, línguas que pertencem ao padrão tipológico LFS, como o inglês e
o latim, têm a particularidade de usar um elemento gramatical para expressar a
TRAJETÓRIA, embora façam isso por meio de estruturas gramaticais distintas. O
MOVIMENTO e MODO/CAUSA, por sua vez, são expressos diretamente na raiz
verbal.
Por outro lado, línguas como o PB normalmente expressam a TRAJETÓRIA
na raiz verbal, dispensando o uso do satélite nos casos mais prototípicos.
2.3 Padrão LFV
O padrão a ser tratado agora é o LFV, que tem como exemplos as línguas
neolatinas, japonesa, coreana, turca etc. A diferença básica, conforme a teoria
talmyana, se dá pelo fato de que, nessas línguas, fundem-se na raiz verbal os
elementos semânticos de MOVIMENTO e TRAJETÓRIA. Se o MODO for expresso,
será por uma construção adverbial ou gerundiva, como se observa a seguir:
3.
As águias
FIG.
desceram
MOV. + TRAJ.
rápidas para o topo da rocha (O Hobbit, p.111)
MOD.
FUND.
(fusão)
Podemos observar que a sentença (3) representa um típico EM do padrão
LFV. As águias representam a FIGURA que se desloca, o verbo descer representa o
MOVIMENTO e a TRAJETÓRIA do movimento da FIGURA. Sintetizando esse evento:
a FIGURA águias se desloca (de cima para baixo) de um determinado MODO
(rapidamente) para um determinado lugar, ou seja, o FUNDO (topo das rochas). É
importante ressaltar que a TRAJETÓRIA é expressa na própria raiz verbal,
indicando a direção (de cima para baixo) do movimento. Em outras palavras, a
TRAJETÓRIA é rizotônica nas línguas do tipo LFV, e arrizotônica nas línguas do
tipo LFS.
Vale ressaltar que, nas línguas LFV, MODO do movimento quando não é um
primitivo da raiz verbal é conhecida nas gramáticas de Cunha e Cintra (2001),
Bechara (2005), Azeredo (2008) como adjunto adverbial, que é o termo que indica
a circunstância em que a ação ocorre ou que intensifica o sentido de um adjetivo,
de um advérbio ou de um verbo. Perini (2005), dá um tratamento diferente para
funções sintáticas quando se trata do coevento MODO. O autor elenca diversos
traços sintáticos que podem ocorrer dentro do grupo tradicional de advérbios,
considerando as marcações14 [-CV, + Ant, -Q, +CN]. Nesse sentido, coevento no
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padrão LFV do PB é chamado de atributo por esse gramático. Talmy (2000b, p.
222, traduzimos) afirma
Línguas com frame no satélite, regularmente, mapeiam o
coevento no verbo principal, o qual pode, assim, ser
chamado um verbo coevento. Por outro lado, as línguas com
o frame no verbo mapeiam o coevento em um satélite ou em
um adjunto, tipicamente uma frase adpositional ou um tipo
de componente gerundivo. Tais formas são por isso
chamadas de um satélite de coevento, de um evento
gerundivo, e assim por diante.15
De acordo com Talmy (2000b), esses coeventos são tipos diferentes de
satélites que eventualmente participam do EM, no caso de línguas de padrão LFV.
Desmembrando os componentes, temos os seguintes elementos, em relação à
sentença (3):
a)
b)
c)
d)
FIGURA: as águias
FUNDO: o topo da rocha
MOVIMENTO (representado pelo verbo descer)
TRAJETÓRIA (representado pelo verbo descer)
Em (3) temos: a entidade FIGURA, representada pelas águias, a entidade
FUNDO, representada pelo topo da rocha, o processo de ativação equivalente ao
fator de dinamismo (MOVIMENTO) expresso pelo verbo descer, e a função de
associação que estabelece uma relação entre FIGURA e FUNDO, sendo
representada pela TRAJETÓRIA e expressa também pelo verbo descer. Note-se
que, nesse padrão de lexicalização, o verbo amalgama os elementos semânticos de
MOVIMENTO e TRAJETÓRIA na raiz verbal, como já mencionado anteriormente.
Vejamos agora mais um exemplo:
4.
Então Gandalf subiu até o topo de sua árvore. (O Hobbit, p. 104))
FIG.
MOV.
TRAJ.
(fusão)
FUND.
Em (4), o EM se configura da seguinte maneira: A FIGURA é representada
por Gandalf, que se movimenta para cima. O verbo expressa o MOVIMENTO e a
TRAJETÓRIA desse MOVIMENTO, ou seja, de baixo para cima, mas nada nos diz
sobre o MODO como esse MOVIMENTO foi realizado. Como mencionado acima,
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MODO e CAUSA são domínios secundários que poderiam ser suprimidos do EM,
sem causar prejuízo algum para o desenvolvimento da cena, no caso de a
expressão focalizar os primitivos MOVIMENTO e TRAJETÓRIA.
A frase (5), abaixo, apresenta duas TRAJETÓRIAS distintas
5. Gollum entrou no barco e afastou-se da ilha [...] (O Hobbit, p. 73)
FIG.
MOV.
FUND.
MOV.
TRAJ.
TRAJ.
(fusão)
(fusão)
FUND.
No exemplo (5), temos um macroevento, no sentido de que toda a cena
contempla pelo menos duas TRAJETÓRIAS. Primeiramente, a FIGURA Gollum se
movimenta para dentro do barco que é o FUNDO. O verbo entrar sintetiza, em sua
raiz, os elementos semânticos de MOVIMENTO e TRAJETÓRIA. Nessa
interpretação, o coevento foi suprimido e nada nos é informado sobre o MODO
como esse MOVIMENTO aconteceu. Mas podemos observar que isso não é
relevante para a interpretação desse EM. Na segunda parte que compõe esse
macroevento, a FIGURA realiza outro MOVIMENTO em que se afasta da ilha. A ilha
é, nesse EM, o FUNDO de onde a TRAJETÓRIA da FIGURA se inicia. Aqui, podemos
verificar que Gollum e o barco formam uma única FIGURA em MOVIMENTO.
No exemplo (6), abaixo, a oração gerundiva indica o MODO do movimento:
6. Alguns dos mais tolos saíram correndo da cabana [...] (O Hobbit, p. 179)
FIG.
MOV.
MOD.
FUND.
TRAJ.
(fusão)
Em (6), a FIGURA é Alguns dos mais tolos, que se movimentam para fora de um
FUNDO. O verbo sair expressa, na raiz verbal, MOVIMENTO mais a TRAJETÓRIA
realizado pela FIGURA. Esse MOVIMENTO e TRAJETÓRIA foram realizados de um
determinado MODO, ou seja, correndo. Esse MODO é expresso pelo satélite de
coevento correndo, e não pela raiz verbal. Ou seja, o MODO é arrizotônico, quer
dizer, não pertencente à raiz verbal.
O FUNDO é representado pela cabana, que é o lugar de onde a FIGURA começou
o MOVIMENTO e, consequentemente, a TRAJETÓRIA.
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Com esses exemplos, esperamos ter apresentado como se configura o EM no PB
em sua forma mais prototípica.
3 PROPOSTAS DE REFORMULAÇÃO DA TEORIA DE TALMY
Após a publicação de seus trabalhos, muitos autores questionaram a
tipologia talmyana, apresentando trabalhos em que diversas línguas não se
encaixavam perfeitamente no padrão tipológico proposto pelo autor. Slobin (2004,
2006) propõe acrescentar uma terceira tipologia16 que ele chama de frames
equipolentes. O autor diz: “Esta terceira classe de padrões de lexicalização pode ser
designada como frames equipolentes, que é um tipo de concepção em que tanto
TRAJETÓRIA quanto MODO têm aproximadamente igual estatuto morfossintático”
(SLOBIN, 2006, p. 5). O autor cita línguas que possuem verbos seriais, ou seja, a
TRAJETÓRIA e a MANEIRA são expressas por formas gramaticais equivalentes e
nem sempre é evidente qual verbo da série (se houver) é o principal, como o nigercongo, sino-tibetano etc. Refere-se ainda a línguas com verbos genéricos, como a
língua australiana jaminjung e a línguas com verbos bipartidos, como os idiomas
Hokan e Penutian. Ao criar esse novo padrão, Slobin espera abarcar muitas línguas
que, segundo ele, não são representadas pela caracterização tipológica de Talmy.
LFE (Línguas com frames equipolentes) possuem três subtipos, conforme se
observa no segmento a seguir:
• Línguas que possuem verbos seriais como o Niger-Congo, Hmong-Mien,
Sino-Tibetano, Tai-Kadai, Mon-Khmer, línguas austronésias etc.
•
Línguas que possuem verbos genéricos como a australiana jaminjung.
•
Línguas que possuem verbos bipartidos como os idiomas Hokan e Penutian.
Esse terceiro padrão tipológico proposto por Slobin (2004, 2006) foi refutado
por Talmy (2012) que afirma que os críticos que propõem reformular sua tipologia
tratam, primeiramente, dos elementos dos elementos semânticos, como
constituídos apenas de um par especial TRAJETÓRIA e MODO dentre os cinco que
constituem o EM (FIGURA, MOVIMENTO, TRAJETO, FUNDO, MODO/CAUSA. Nesse
sentido, para o autor, as línguas nem sempre privilegiam os componentes
TRAJETÓRIA e coevento como sendo o verbo principal ou algum outro tipo de
núcleo ou outra categoria dominante; nem atribuem ao constituinte coevento
como sendo exclusivamente um tipo de satélite ou outra categoria dependente ou
subordinada. No entender de Talmy (2012), os autores que pretendem reformular
sua tipologia não levam em consideração os subcomponentes da TRAJETÓRIA,
nem consideram a CAUSA como um coevento. Assim, para o autor, não há motivo
para uma reformulação na sua teoria, já que, também, são casos raros.
Beavers et al (2010) também propõem uma reformulação na teoria de Talmy.
Eles são partidários de que em uma língua pode haver mais de um padrão de
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lexicalização, dependendo de como codificam a TRAJETÓRIA no EM. Os autores
chamam a atenção para o fato de que o MODO e a TRAJETÓRIA podem ser
expressas por diferentes meios. Argumentam, também, exemplificando com
orações clivadas em inglês, que os satélites, um dos elementos essenciais para
separar as línguas em padrões, nem sempre estão numa relação de irmã para a raiz
do verbo. Os autores põem em questão o conceito de satélite proposto por Talmy
(2000), sugerindo a ampliação desse conceito. Para justificar a proposta de
ampliação, os autores citam alguns dados de Nikitina (2008), que corroboram com
as suas ideias. Nikitina (2008, apud BEAVERS et al. 2010, p.12) apresenta os
seguintes exemplos:
(8)
a) John ran in (the house).
“João correu para dentro (da casa).”
b) John ran to the store.
“João correu para a loja.”
A autora argumenta que tanto (8a) in the house quanto (8b) to the store
indicam a meta do MOVIMENTO, ou seja, o local para onde a FIGURA se desloca.
Para ela, essas construções, aparentemente, são expressões alternativas de um
mesmo conteúdo semântico. Nesse sentido, em (8a), um satélite codifica a
TRAJETÓRIA, enquanto, em (8b), um sintagma preposicional (SP) codifica a
TRAJETÓRIA.
Em suma, esses autores tentam provar que as línguas podem codificar a
TRAJETÓRIA por meio de recursos morfológicos, lexicais ou sintáticos bastante
distintos entre si. O estudo de Beavers et al (2010) tem grande importância nas
tipologias linguísticas de EM, uma vez que abre opções para a codificação da
TRAJETÓRIA. Os autores enfatizam: “Sugerimos que os SPs não sejam excluídos da
noção de satélite, reconhecendo assim uma ampla gama de opções de codificação
de TRAJETÓRIA sob uma interpretação estrita da tipologia de Talmy.” (BEAVERS et
al. 2010, p.12).
O PB também apresenta uma variedade de recursos na expressão do satélite, o
que leva a um certo hibridismo de seu padrão de lexicalização. Partilhamos das
ideias da Di Sciullo (1997, p. 52-53) ao considerar os prefixos como elementos que
são adjuntos ao núcleo. A autora separa os prefixos em duas subcategorias:
internos e externos. Os externos são adverbiais porque afetam o todo da projeção
verbal, oferecendo especificações externas à projeção verbal; já os prefixos
internos são preposicionais e alteram os parâmetros internos do evento ou
fornecem especificações aspectuais internas: direção e orientação. Assim, o PB,
tipicamente associado ao padrão LFV, possui algumas construções em que o
satélite especifica a TRAJETÓRIA, assim como nas línguas do padrão LFS, como se
pode ver nos exemplos abaixo:
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(9) [...] os últimos orcs foram expulsos das Montanhas Sombrias (O Hobbit, p.
269)
FIG.
Sat. MOV.
FUND.
MAN.
(fusão)
No exemplo (9), temos um caso em que o PB se comporta como línguas do
padrão LFS, como se observa no último esquema. Nesse exemplo, a oração está na
voz passiva, portanto o verbo expulsar está no particípio. Mas o que interessa é que
temos que olhar para o verbo expulsar sob outra ótica. Esse verbo tem a sua
origem no verbo latino expēllō que significa expelir, expulsar, desterrar etc. O
verbo complexo expēllō apresenta duas propriedades importantes para o EM: o
prefixo ex, que especifica a TRAJETÓRIA (para fora), e o verbo pēllō, que tem o
significado de impelir, lançar, ferir etc. que são MOVIMENTOs. Em relação ao verbo
expulsar da sentença (9), também temos duas propriedades: o prefixo ex especifica
a direção da TRAJETÓRIA (para fora) e o verbo pulsar significa impelir, repelir, pôr
em movimento por meio de impulso etc. Nesse sentido, o prefixo ex é um autêntico
satélite nas definições talmyanas, e o PB se comporta como uma língua de um
padrão não prototípico. Embora as pesquisas tipológicas careçam de estudos que
atestem se o falante tem ou não a percepção de que o prefixo indica a TRAJETÓRIA,
isso caracteriza que o PB possui resquícios de um padrão não prototípico, mas que
é relevante para compreender a evolução do padrão de lexicalização. A seguir, o
detalhamento desse EM:
a) FIGURA: os últimos orcs
b) FUNDO: montanhas sombrias
c) MOVIMENTO (representado pelo verbo pulsar)
d) TRAJETÓRIA: (representado pelo satélite ex).
Em seguida, temos mais um exemplo em que o PB se comporta como uma
língua do padrão LFS.
(10)
Avançou [...] e irrompeu no círculo como trovão. (O Hobbit, p. 265)
Sat. MOV
FUND
MAN.
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(fusão)
Verificamos que a FIGURA Beorn está oculta nessa sentença, mas é
recuperável pelo contexto. Novamente temos um verbo português, irromper,
originário do verbo latino irrūmpō. Nele, temos a junção do prefixo in na forma ir,
que significa movimento para dentro, e do verbo rūmpo, que significa quebrar com
força, romper etc. O verbo irromper também apresenta essas propriedades. Temos
o prefixo in na forma ir que significa movimento para dentro e o verbo romper que
possui os significados de dividir-se em partes, quebrar-se, avançar com ímpeto etc.
Então, temos um prefixo que é um satélite nos termos de Talmy (2000), pois
expressa a TRAJETÓRIA; e mais uma vez o PB se comporta como línguas do padrão
LFS. A decomposição morfológica desses verbos complexos atestam que os
critérios sugeridos por Pittman (1948) são capazes de atestar que os prefixos são
genuinamente satélites. Observe as especificidades desse EM:
a) FIGURA: oculta
b) FUNDO: círculo
c) MOVIMENTO (representado pelo verbo romper)
d) TRAJETÓRIA (representado pelo satélite in na forma ir)
Nesses exemplos, a TRAJETÓRIA em PB são expressas morfologicamente por
um satélite que, no caso, são prefixos. A seguir, apresentaremos algumas
construções do PB que, verificadas principalmente na fala, são consideradas por
algumas gramáticas normativas como pleonasmos viciosos ou redundantes. Visto
sob a ótica de padrões de lexicalização, ganham outra interpretação. Essas
construções são formadas por verbos de movimento inerentemente direcionados
(doravante VMID), segundo Levin (1993). Para a autora, “O significado destes
verbos inclui uma especificação da direção do movimento, mesmo na ausência de
um complemento direcional evidente.” (LEVIN, 1993, p. 264). Isso quer dizer que a
direção da TRAJETÓRIA está codificada na raiz verbal sem a presença de um
complemento que faça esse papel. Mas algumas construções do PB, como
mencionado anteriormente, subvertem esse paradigma.
Alguns exemplos retirados da rede social Twitter ilustrarão a posição assumida
de que o PB utiliza mais de uma estratégia para codificar a TRAJETÓRIA.
(11)
a) O fogo subiu pra cima da panela.
b) Deixou a marcha no ponto morto e o carro desceu pra baixo.
c) Meu pai pegou meu notebook e entrou pra dentro do quarto e trancou.
d) Ele pegou minha mochila e saiu pra fora da sala.
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e) Tah ligado que eu fui dar re e o carro avançou pra frente! Nao sei como isso
aconteceu...
f) Na festa um cara perguntou meu signo e quando eu disse que era áries ele
recuou pra trás e disse " tu é brabona né?! " HEUEHUEHUEHUE
Os exemplos em (11) mostram que o PB usa outra estratégia para codificar a
TRAJETÓRIA por meio de SPs que também codificam a TRAJETÓRIA, embora o
verbo já expresse isso na raiz verbal. Kewitz (2010) nomeia essas construções de
Double Path. A autora demonstra que algumas dessas construções já eram
encontradas em cartas formais no século XVIII. Double Path é uma construção em
que o verbo principal do EM, que já expressa a TRAJETÓRIA na raiz verbal, se
combina com um SP que também informa ou reforça a TRAJETÓRIA. Para Kewitz
(2010, p. 18, traduzimos): “O fenômeno da TRAJETÓRIA redobrada é um entre
outras formas de expressão de evento de movimento no PB.17” . A autora levanta a
hipótese de que vários fatores contribuem para a ocorrência desse fenômeno no
PB:
(i) desativação do sentido de base desses verbos, levando à
ativação de outros elementos (como as preposições
complexas) para expressar o percurso do movimento; (ii)
reativação dos elementos que redobram o percurso com a
função discursiva de ênfase; (iii) ativação de propriedades
prosódicas, sobretudo com a presença de dêiticos, como em
sobe lá em cima, saí lá fora, entra aqui dentro etc. (Kewitz,
2011, p. 96)
Considerando a proposta de ampliação do conceito de satélite de Beavers et
al (2010), observamos que o PB pode utilizar outra estratégia para codificar a
TRAJETÓRIA. Nota-se, também, que o PB codifica a TRAJETÓRIA por meio de
prefixos que são satélites autênticos nas definições talmyanas. Essa variação na
codificação da TRAJETÓRIA parece não invalidar a classificação tipológica de
Talmy (2000b), em virtude de o próprio autor salientar que as línguas têm um
padrão central e que em alguns casos cruzam as fronteiras de outros padrões.
4 Conclusão
Apresentamos, neste trabalho, algumas características da tipologia de
Leonard Talmy (1972, 2000b, 2012). Ao longo de seus estudos, esse autor
demonstrou que o modo como os elementos semânticos FIGURA, FUNDO,
MOVIMENTO, TRAJETÓRIA, MODO e CAUSA são gramaticalmente expressos pelas
línguas do mundo permitem classificá-las em padrões de lexicalização distintos. O
autor classificou, inicialmente, três padrões: LFS, LFV e LFF. Após a publicação de
seus trabalhos, inúmeros estudos surgiram com proposta de reformular a
tipologia, uma vez que algumas línguas não se encaixavam perfeitamente na
tipologia talmyana. Slobin (2004, 2006) criou outro padrão de lexicalização
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chamado de LFE (Línguas com frame equipolente) que, segundo o autor, abarcaria
as línguas que não se encaixam nos padrões propostos por Talmy. Já Beavers et al.
(2010) também reformularam a tipologia talmyana, mas, diferentemente de Slobin
(2004), esses autores sugeriram ampliar o conceito de satélite para que as outras
estratégias usadas pelos falantes para codificar a TRAJETÓRIA fossem levadas em
consideração.
Após apresentar a configuração do padrão de lexicalização do PB,
contrapondo com o padrão do inglês e do latim, apresentamos, de forma reduzida,
alguns exemplos que demonstram que, de fato, o PB, sendo uma língua do padrão
LFV, às vezes se comporta como a sua língua mãe, que pertence ao padrão LFS. Isso
pode ser atestado quando, no EM, o verbo principal contém o primitivo MODO em
sua raiz. Alguns verbos, como pular, andar, correr, nadar, rodar, rolar, balançar etc,
que são de MODO de movimento, combinados com um SP ou que possuem a noção
de TRAJETÓRIA no próprio aspecto lexical configuram o padrão LFS. Apesar de
Levin e Rappaport (2015, p. 6) afirmarem que verbos de MODO de movimento, na
descrição do EM, é muito restrito em línguas neolatinas, não é bem isso que ocorre
no PB. O PB possui uma variedade menor de verbos de MODO de movimento em
comparação com o inglês, mas o suficiente para que a língua figure no rol do
padrão LFS.
Parece evidente que, no curso de sua evolução, o PB guarda alguns
resquícios do padrão de lexicalização latino. A presença de alguns verbos
prefixados, em que se pode separar prefixo e verbo, mostra que, no EM, tais verbos
se comportam como no padrão LFS. Levando em consideração a ampliação do
conceito de satélite formulado por Beavers et al.(2010), em que SP são
considerados satélites, pode-se afirmar que, em alguns casos, o PB assume o
padrão LFS. O padrão de lexicalização do PB é bem marcado com VMID, conforme
classificação de Levin (1993). Mas o uso, principalmente na fala, do redobro da
TRAJETÓRIA sugere que algum tipo de mudança está em curso, no que se refere à
tipologia linguística. Da mesma maneira que há resquícios do padrão latino no PB –
isso indica uma mudança de padrão sob a ótica diacrônica – parece haver, num
primeiro momento, indícios de que o PB, ao utilizar outros recursos para a
expressão mais prototípica, está no início de uma reconfiguração do seu padrão.
Notas
Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa
Catarina/UFSC. Mestre em Linguística e doutorando em Linguística.
[email protected]
1
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Proponho as siglas LFS, LFV e LFF usadas na dissertação: Padrão tipológico do
português: um estudo dos vestígios de satélites na expressão do movimento e do
trajeto. (2013)
2
O atsugewi, língua estudada por Talmy em sua tese de doutorado, é prototípica
do padrão LFF.
3
Ressaltamos que os elementos ou primitivos conceituais mencionados
anteriormente costumam, na literatura, desde Dowty (1979) serem apresentados
em caixa alta.
4
O original é: The basic Motion event consists of one object (the Figure) moving or
located with respect to another object (the reference object or Ground). It is
analyzed as having four components: besides Figure and Ground, there are Path
and Motion. The Path (with capital P) is the path fallowed or site occupied by the
Figure object with respect to the Ground object. The component of Motion (with a
capital M) refers to the presence per se of motion or locatedness in the event. Only
these two motive states are structurally distinguished by language.
5
O componente TRAJETÓRIA possui subcomponentes que não serão
substancialmente abordados nesse trabalho, razão pela qual recomendo, aos que
se interessarem pelo assunto, consultar a dissertação intitulada Padrão tipológico
do português: um estudo dos vestígios do satélite na expressão do movimento e do
trajeto (2013).
6
A obra O Hobbit foi publicada em 1937 e tem como personagem principal, Bilbo
Bolseiro. A história se passa na chamada Terra Média, universo mitológico, onde o
mago Gandalf e uma companhia de anões levam Bilbo numa expedição para
resgatar um tesouro. Foi escrita por Tolkien no início de 1930 quando buscava
uma carreira acadêmica na Universidade de Oxford
7
Para este trabalho, a versão em português é a comemorativa de 75 anos da 1ª
edição, a versão em inglês é a de 1998 e a versão latina é de 2012.
8
O Twitter é uma rede social e microblogging que permite que seus participantes
enviem e leiam mensagens, os chamados “tweets” (postagens baseadas em texto
com até 140 caracteres), de outros usuários.
9
O original é: It is the grammatical category of any constituent other than a nounphrase or prepositional-phrase complement that is in a sister relation to the verb
root. It relates to the verb root as a dependent to a head. The satellite, which can be
10
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either a bound affix or a free word, is thus intended to encompass all of the
following grammatical forms, which traditionally have been largely treated
independently of each other […]
O original é: Just as an astronomer finds it simpler to describe the moon’s
relation to the earth than its relation to the sun, so a linguist, in analyzing the
sentence Eat your bread, finds it simpler to describe the relation of your to bread
than its relation to eat.
11
Utilizamos as seguintes abreviações: FIG. (FIGURA), MOV. (MOVIMENTO), MOD.
(MODO), FUND. (FUNDO), Sat. (satélite).
12
A escolha do corpus nas versões em português, inglês e latim se justifica pelo fato
de que a tradução é uma das melhores maneiras de contrastar os padrões de
lexicalização.
13
CV = concordância verbal, Ant = anteposição, Q = retomável através de (o)
que/quem, CN = concordância nominal, NdP = núcleo do predicado.
14
O original é: Languages with a framing satellite regularly map the co-event into
the main verb, which can thus be called a co-event verb. On the other hand,
languages with a framing verb map the co-event either onto a satellite or into an
adjunct, typically an adpositional phrase or a gerundive type constituent. Such
forms are accordingly called a co-event satellite, a co-event gerundive, and so on
15
16
Lembramos que o padrão LFF, posteriormente, foi descartado por Talmy.
O original é: “Double path phenomenon is one among other ways of expressing
motion event in BP”
17
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Para citar este artigo
SANTOS FILHO, Dorival Gonçalves. O padrão de lexicalização do português brasileiro: evento
de movimento. Macabéa – Revista Eletrônica do Netlli, Crato, v. 5, n. 2, p. 97-117, jul.-dez.
2016.
Macabéa – Revista Eletrônica do Netlli | V. 5, N. 2, p. 97-117, jul.-dez. 2016
O autor
Dorival Gonçalves Santos Filho Graduado em Letras Português/Francês pela
Universidade Estadual Paulista/UNESP Mestre em Linguística pela Universidade
Federal de Santa Catarina/UFSC (2013). Doutorando em Linguística pela
Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC
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