Moda e Identidade Social Fashion and Social Identity Hugo Cristo Sant’Anna · [email protected] Resumo A moda é vendida pelos meios de comunicação de massa como um dos principais canais para que os indivíduos expressem seu estilo individual e distinção dos seus pares. No entanto, partindo de estudos antropológicos sobre o campo da moda (Bergamo, 1997), da teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2003) e da Categorização Social (Tajfel, 1981), este artigo propõe uma leitura psicossociológica da temática analisando o processo de incorporação das tendências da moda ao cotidiano das pessoas, desde o projeto dos designers, passando pelos críticos e formadores de opinião até a chegada às ruas e aos consumidores finais. Palavras Chave: moda, mercado de consumo, comunicação de massa Abstract Fashion is sold on mass media as one of the main channels which individuals could express their individual style and distinctiveness from their pairs. However, following anthropological researchs about the fashion system (Bergamo, 1997), the theories of Social Representations (Moscovici, 2003) and Social Categorization (Tajfel, 1981), this paper proposes a psychosocial review of the subject analysing the process of incorporing fashion tendencies on people's everyday life, departuring from the designer's project, passing through critics and opinion formers util the arrival at the streets and at the final consumers. RS da Moda Identidade Social através do Consumo Moda Mídia Identidade Social através das RS da Moda Jovem Desejo Consumo Ter = Ser Estereótipos Sociais da Juventude Identidade Social através dos Estereótipos Sociais Identidades Socias múltiplas em Processo Mercado Keywords: fashion, consumption market, mass communication Introdução Provavelmente, uma das questões mais presentes nas discussões sobre o mercado de consumo contemporâneo diz respeito à Moda, e esse conceito mantém uma relação de simbiose com a mídia e com os fenômenos sociais. Nos últimos anos, vários veículos de comunicação passaram a destinar espaço para assuntos relacionados ao universo da Moda, que numa conceituação do senso comum corresponderia ao reflexo das transformações da sociedade contemporânea, dos costumes e do comportamento em geral. Criticando tal conceito, Alexandre Bergamo (1998), afirma que a condição da sociedade contemporânea é a de mudança constante, de maneira que “[...] tomar algo, seja o que for, como reflexo disso, é não só uma desmesurada redundância, mas também uma tentativa de encontrar um abrigo contra os riscos de uma análise mais consistente e objetiva”. Segundo Bergamo, o senso comum encontraria em tal conceito uma morada segura para o entendimento disso que conhecemos como Moda, ao mesmo tempo em que criaria a necessidade para a especialização desse discurso da redundância, abrindo espaço para que “[...] uns poucos qualificados possam emitir novos pareceres – de igual redundância – sobre o tema”. Em uma outra perspectiva, complementar à primeira, Bergamo recupera o sentido da Moda enquanto “manifestação artística das mudanças sociais”. A compreensão da Moda enquanto forma de arte, segundo o autor, implicaria no emprego de instrumentos próprios de análise para a sua compreensão, reforçando a necessidade dos especialistas e seus pareceres. Essa concepção parece retirar a Moda do lugar comum, colocando-a numa posição à margem da sociedade, compreendida e destinada a poucos, quando na verdade a questão central da Moda estaria justamente nas relações ordinárias do cotidiano das pessoas: “o sentido da moda está nas vivências, nas representações e naquilo que orienta a relação das pessoas com as roupas, aprovando e desaprovando, emitindo juízos de valor” (Ibid, 1998). Moda e Representações Sociais Representações Sociais (RS) “são uma modalidade de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989 apud Pereira de Sá 1995). Partindo do conjunto de características definidas para as RS, pode-se fazer uma aproximação interessante desse conceito com a Moda, especialmente se a considerarmos enquanto linguagem. Identidade Social através das RS da Moda Os elementos das representações sociais que os indivíduos criam sobre seus ídolos ou referenciais manifestam-se através das roupas, atitudes, opiniões sobre assuntos di- versos, das relações com as famílias, amigos e instituições. Ser punk, mauricinho ou funkeiro implica não só em vestir-se de uma determinada maneira, mas também se apresentar como membro desses grupos em diversas instâncias da dinâmica social. A participação da Moda no processo de construção das identidades sociais (Tajfel, 1981) dependeria não apenas do acesso ao discurso especializado ou daquilo que é veiculado na mídia. Os indivíduos formariam e compartilhariam Representações Sociais sobre os padrões estéticos criados pelos especialistas e a partir dessas informações estabeleceriam relações de pertença (ou não pertença) a grupos que contribuiriam positivamente para aspectos de suas identidades. Moda na Juventude Os jovens são o foco de um mercado de consumo cada vez mais competitivo e sofisticado. Lado a lado com as fantásticas inovações tecnológicas aparecem estratégias de venda igualmente revolucionárias, captando a atenção da juventude com extrema eficiência. Todo o arsenal publicitário está voltado para a formação de desejos de consumo indefinidamente, criando a noção de que seria impossível obter felicidade a não ser pela aquisição de bens materiais. A Moda, devido à sua natureza efêmera e necessidade de renovação constante, provavelmente se apresenta como um dos principais exemplos das técnicas de sedução do mercado de consumo contemporâneo. Mas quem a Moda seduz? Como identificar os desejos de grupos sociais tão heterogêneos e influenciados por tantos fatores? Através do conjunto de argumentos apresentados até o momento, pudemos levantar algumas hipóteses sobre as questões envolvidas nos hábitos de consumo do jovem, tanto na necessidade do consumo em si quanto nos fatores que influenciam a determinação social do objeto que deve ser consumido. O que interessa neste momento é identificar a forma através da qual esse objeto foi concebido e que permite que o mesmo seja inserido na dinâmica descrita até o momento. Naturalmente, ao falarmos de meio social, de tendências, de interpretações, estamos lidando com o universo das Representações Sociais. E se nos pareceu possível na discussão anterior a idéia de que o jovem forma representações sobre a Moda, parece também razoável a idéia de que o mercado pode manter elementos de RS sobre a juventude para articular as tendências no processo de concepção dos objetos de consumo. As perguntas “quem a Moda seduz” e “como identificar os desejos de grupos sociais tão heterogêneos e influenciados por tantos fatores” poderiam ser respondidas através da análise dos elementos das representações que permeariam as características funcionais, estéticas e simbólicas dos produtos industriais. A diferença fundamental entre as representações que os jovens poderiam manter sobre a Moda e as representações que o mercado manteria sobre o jovem consiste no fato de que no primeiro caso, lidaríamos com interpretações socialmente partilhadas sobre uma linguagem, enquanto no segundo estariam em questão interpretações sobre grupos sociais específicos, resultando inevitavelmente na formação de estereótipos sociais. Uma proposta de articulação para os conceitos de estereotipia e identidade social Na prática, o que significaria para o indivíduo identificar-se como punk, mauricinho ou funkeiro? Tratam-se de termos que designariam um conjunto generalizante de atributos estéticos e de comportamento socialmente compartilhados. A própria noção de público-alvo poderia ser entendida através das representações estereotipadas de determinados grupos, rapidamente identificáveis e categorizáveis por meio de uma palavra que cristalizaria uma série de atributos. Se falarmos em juventude enquanto público-alvo de algum produto, e o fazemos considerando como reconhecemos um jovem – o que gosta, onde vai, como se comporta – estamos inevitavelmente referindo-nos a um determinado estereótipo de jovem, capaz de ser sintetizado e generalizado através de algum termo socialmente designado para tal função. A própria natureza homogeneizante do mercado de consumo parece ser ideal tanto para o emprego dos estereótipos sociais quanto para a aplicação dos modelos universalizantes de qualquer grupo. A indústria da Moda produz para um modelo geral de consumidor conforme tendências e por meio de categorizações sociais estereotipadas: os mauricinhos, as patricinhas, os hippies, metrossexuais, aventureiros, badboys etc. O que interessa no emprego desses termos são os valores simbólicos, atributos estéticos e necessidades funcionais a que remetem, no meio social. Pode-se concluir que ao mesmo tempo em que os estereótipos sociais forneceriam subsídios para a identificação de algumas tendências, interagiriam naturalmente com os grupos nos processos de formação de suas identidades sociais, uma vez que os produtos que incorporariam as representações sociais estereotipadas poderiam vir a desempenhar funções categorizantes – as relações de pertencimento a determinados grupos passariam a ser definidas pela posse ou não de algum objeto socialmente relevante (Darriba e Castro, 1998). De certa forma, a lógica do mercado de consumo e do sistema da Moda depende que o indivíduo se veja nos produtos que consome e simultaneamente que o produto consiga refletir a imagem que o indivíduo deseja ver.