Impacto Científico e Social na Pesquisa

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Faculdade Meridional IMED
IMPACTO CIENTÍFICO E SOCIAL
NA PESQUISA
IX Mostra de Iniciação Científica e Extensão Comunitária e
VIII Mostra de Pesquisa de Pós-Graduação da IMED
Artigos convidados
Passo Fundo
Editora IMED
2016
© 2016 Autores
Diretor Geral
Eduardo Capellari
Diretora Acadêmica
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e Urbanismo
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Conselho Editorial
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Eduardo Capellari
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Responsável Editora IMED
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Editora IMED
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M915i
Mostra de Iniciação Científica e Extensão Comunitária (9.:
2015: Passo Fundo, RS)
Impacto científico e social na pesquisa : artigos
convidados / [coordenação editorial] Faculdade Meridional.
– Passo Fundo : IMED, 2016.
1, 18 Mb ; e-BOOK.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-99924-83-9
1. Pesquisa – Congressos. 2. Abordagem
interdisciplinar do conhecimento. 3. Ciência. I. Mostra de
Pesquisa de Pós-Graduação da IMED (8.: 2015: Passo
Fundo, RS). II. Faculdade Meridional – IMED.
CDU: 001.8: 061.4
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Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Administração
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Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo
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Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito
Márcio Ricardo Staffen
DOI: 10.18256/978-85-99924-83-9
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cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/
licenses/by/4.0/.
SUMÁRIO
Apresentação...............................................................................................5
Sociologia da sociedade líquida autopoiética...........................................7
Gabriel Zanatta Tocchetto, Salete Oro Boff
Projeção e estratificação quantitativa de circulação de unidades
veiculares na cidade de Passo Fundo (RS), Brasil:
proporção e análise....................................................................................12
Maurício Kunz, Tales Gonçalves Visentin, Tauana Bertoldi, Alcindo Neckel
Relações entre Psicologia Social, Ideologia e Humanismo.....................20
Sandra Mara Fim Chies, Edemilson Meazza, Mariuá Ferreira Frozza,
Israel Kujawa
As contribuições da Política Jurídica e a importância do Cuidado
para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente......................28
Rafaela Rovani de Linhares, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino
Diferenciando a realização dos direitos fundamentais...........................37
José Paulo Schneider dos Santos, Fausto Santos de Morais
Um novo olhar sob os aspectos históricos da justiça restaurativa..........44
Camila Bianchi da Silva, Raquel Tomé Soveral
Evolução histórica da psicologia organizacional e do trabalho..............52
Thayla Dalbosco, Amanda Martinello da Rosa,
Kelly Zanon De Bortoli Pisoni
A criminologia crítica e seus limites epistemológicos no debate
sobre os danos causados pela indústria da carne no Brasil.....................59
Jenifer Patrícia Fragoso Bonatto, Karine Agatha França,
Marília De Nardin Budó
Os benefícios da religiosidade na velhice.................................................67
Luana Cristina Zick Queiroz, Monalisa Col Debella
A atuação instrutória do juiz no processo penal brasileiro....................74
Ana Claudia de Lima, Muriele de Conto Boscatto
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APRESENTAÇÃO
Não me considero especialista nem em ciência nem em filosofia. Tenho,
contudo, tentado com afinco, durante toda a minha vida, compreender
alguma coisa acerca do mundo em que vivemos. O conhecimento científico e
a racionalidade humana que o produz são, em meu entender, sempre falíveis
ou sujeitos a erro. Mas são também, creio, o orgulho da humanidade. Pois o
homem é, tanto quanto sei, a única coisa no universo que tenta entendê-lo.
Espero que continuemos a fazê-lo e que estejamos também cientes
das severas limitações de todas as nossas intervenções.
Karl Popper*
Prezado leitor,
É com imensa satisfação que apresento a obra Impacto científico e social na pesquisa, fruto da IX Mostra de Iniciação Científica e Extensão Comunitária e VIII
Mostra de Pesquisa de Pós-Graduação da IMED. O cotidiano da pesquisa e iniciação
científica da IMED, nas suas diversas áreas do conhecimento, saúde, politécnica,
direito e administração, materializa-se neste trabalho.
A atividade de pesquisa científica no Brasil tem sofrido críticas quanto a seus
resultados no tocante a aplicação prática de seus resultados, bem como ao posicionamento de nossas pesquisas no âmbito internacional. A comunidade científica
brasileira vem debatendo constantemente, em seus diversos fóruns, alternativas de
melhor posicionar nossa investigação científica. Os indicadores mostram que nos
últimos anos o Brasil avança em termos de quantidade de publicações científicas, o
que não se reflete na qualidade dos estudos, ou seja, o impacto gerado pelo conhecimento publicado. Isso nos leva a refletir sobre o papel da pesquisa no Brasil e a buscar novas formas de executar essa nobre atividade. Além disso, é possível salientar
a dificuldade crescente na busca de fomento para pesquisa, atividade que por natureza é dispendiosa em termos de recurso. O contexto atual de exaustão do sistema
público de fomento direciona instituições de ensino superior com foco em pesquisa
a encontrarem soluções de financiamento junto a iniciativa privada. Historicamente
o Brasil não tem tradição desse tipo de parceria, pois academia e empresa andaram
por caminhos diferentes. Contudo, é consenso entre as próprias agências de fomento
público à pesquisa que essa aproximação é natural e necessária para subsidiar pesquisas
com impacto social e econômico que contribuam para o desenvolvimento do nosso
país. Como disse bem o Sr. Hernan Chaimovich (Presidente do CNPq) no Fórum de
Pró-Reitores de Pós-Graduação e Pesquisa – FOPROP 2015, realizado em Goiânia, o
sistema nacional de pesquisa não se sustenta pelos resultados individuais dos estudos
a serviço apenas da promoção de poucos, no seu estrito grupo de cientistas, mas
sim, pelos impactos práticos desses resultados à sociedade.
* POPPER, Karl. O mito do contexto: em defesa da ciência e da racionalidade. Lisboa: Edições 70,
1999.
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Apresentação
Fundamentada nessa crença, a IMED investe recursos próprios e busca fomento
público e privado para desenvolver pesquisas com foco no desenvolvimento social
e econômico. Projetos que incluam iniciação científica e tecnológica desempenham
papel fundamental neste sistema, pois oportunizam o nascimento do interesse e da
vivência da atividade de pesquisa. O esforço do corpo de docentes pesquisadores tem
sido reconhecido pelas agências de fomento públicas que têm financiado programas
de iniciação científica júnior (PICMEL – FAPERGS) que permite a realização de
atividades de pesquisa com jovens estudantes do ensino médio de escolas públicas
de Passo Fundo, projeto esse cujos resultados foram reconhecidos e premiados
pela FAPERGS. Contamos também com bolsas de iniciação científica e tecnológica FAPERGS, CNPq e IMED que estimulam a participação de nossos alunos de
graduação em projetos de pesquisa liderados por nosso qualificado corpo docente
formado por mestres e doutores, salientando, é claro, a importante contribuição
nesse processo de nossos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu recomendados
pela CAPES, em Direito, Administração e Arquitetura e Urbanismo.
Finalmente, agradeço imensamente a todos que contribuíram para a realização da
IX Mostra de Iniciação Científica e Extensão Comunitária e VIII Mostra de Pesquisa
de Pós-Graduação da IMED, corpo docente, discente e técnico administrativo, pois
sem eles essa obra não seria possível.
Grande abraço e ótima leitura.
Dr. João Alberto Rubim Sarate
Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu da IMED
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SOCIOLOGIA DA SOCIEDADE LÍQUIDA
AUTOPOIÉTICA
Sociology of the liquid autopoietic society
Gabriel Zanatta Tocchetto
Estudante do curso Direito da IMED, participante do grupo
de pesquisa Modelos Constitucionais Sistêmicos Autopoiéticos,
bolsista do Núcleo de Inovações Tecnológicas IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Salete Oro Boff
Orientadora. Pós-Doutora em Direito – UFSC. Professora do PPG Direito IMED.
Grupo de Estudos em Desenvolvimento, Inovação e Propriedade Intelectual – GEDIPI.
Coordenadora do projeto de extensão NIT – Núcleo de Inovação Tecnológica IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
A sociedade apresenta-se como hipercomplexa no século XXI. Nesse meio, o artigo
ora proposto traz o elemento da subjetividade, presente na liquidez de Bauman, e
analisa-o com a objetividade e pontualidade apresentadas pela autopoiese. Ao mesmo tempo, critica a objetividade apontando que ela, na Teoria Sistêmica Autopoiética, causou uma periferização de certas discussões que são necessárias a uma sociologia crítica na pós-modernidade, momento em que equipara a autopoiese com a
sociologia crítica da liquidez em Bauman.
Palavras-chave: Autopoiese. Liquidez. Economia. Comunicação.
Abstract
Society in itself is presented as hipercomplex in the 21st century, what this article
makes is bringing the element of subjectivity brought by Bauman’s liquidity and
analyses it with the objectivity and punctuality presented by autopoiesis; while
at the same time bringing a critic to the objectivity , pointing that it, in Systemic
Autopoiesis, has caused a peripheralization of certain discussions which are necessary to a critic sociology in post-modernity, moment in which this article matches
autopoiesis with liquidity in Bauman.
Keywords: Autopoiesis. Liquidity. Economy. Communication.
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-1
7
G. Z. Tocchetto, S. O. Boff
1 Introdução
A sociedade líquida, nos seus mais diversos âmbitos, representa um evento observado por Zygmunt Bauman, em diversas publicações1, que influenciou tanto a
sociologia quanto a filosofia no século XXI. Ele remete o leitor para uma visão crítica da sociedade consumista na qual estamos inseridos no contexto pós-moderno2 .
A observação praticada pelo autor mostra-se tão profunda e atual que mesmo as
teorias sociológicas mais complexas podem ser utilizadas em cúmulo com parte de
sua obra, elemento que será aqui melhor desenvolvido e estudado.
A Teoria Sistêmica Autopoiética é uma teoria trazida para a sociologia pelo autor
e sociólogo Niklas Luhmann (2012). Um dos grandes destaques da teoria, em âmbito científico, acontece pelo fato de não se objetivar mais a produção de conhecimento voltado para quaisquer objetivos tidos pelo observador/estudioso; e, sim, permitir
única e objetivamente a colocação e explicação do Sistema Social como um todo de
uma forma metodologicamente coesa, apesar de ocorrerem certas “periferizações”
teóricas ao longo do caminho.
Um estudo de ambas as teorias aponta para uma situação na qual é possível
estruturá-las de forma interdependente. Esse contexto contempla certos elementos
metodológicos e bases pontuais; a teoria sistêmica, em uma observação atual do Sistema Social (em que o aspecto econômico aparece exaltado em relação aos outros),
pode ser complementada e associada em muitos sentidos ao que é construído por
Bauman em Modernidade Líquida (2000) e nos aprofundamentos da referida obra,
publicados posteriormente pelo autor.
2 Desenvolvimento
O estudo em tela será dividido em duas partes que, com o objetivo de simplificar
sua estruturação, focarão as explicações na comunhão teórica que o artigo constrói.
A economização social é um elemento latente na pós-modernidade e que muitas
vezes pode, por si só, descrever todo o contexto social no qual o século XXI se ambienta. Importante salientar que, nesse primeiro momento, se fala de economização
social não como simplesmente “capitalismo” ou no domínio de mercados, mas considerando que a comunicação social como um todo tem dado uma ênfase extremamente exacerbada a tudo o que envolve a comunicação econômica.
O grande problema de uma comunicação econômica exacerbadamente praticada
ocorre no momento em que ela deixa em segundo plano, “periferiza”, outros elementos sociais – seja pelo fato de que para comunicar passa a ser necessário consumir (contexto da digitalização social3), seja pelo fato de que a própria comunicação,
nos meios de comunicação em massa mesmo, passa a ignorar elementos que não são
de preocupação da economia.
1 A título exemplificativo: Modernidade Líquida (2000), Amor Líquido (2003), Vida Líquida (2005),
Medo Líquido (2006), Tempos Líquidos (2006), Vida a Crédito (2010).
2 O presente artigo não busca a discussão do termo “pós-moderno” e sequer ousa qualificá-lo
como termo correto. A expressão é simplesmente utilizada por comodidade de entendimento,
por remeter ao período pós-2ª Guerra Mundial, podendo ser substituído em qualquer contexto
por “hipermodernidade” ou mesmo outro termo análogo.
3 Sobre o tema da digitalização do Sistema Social, vide: TOCCHETTO, Gabriel Zanatta; TONET,
Fernando. Limites Constitucionais. Revista do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha,
n. 17, 2015. Disponível em: <http://ojs.fsg.br/index.php/direito/article/view/1384>.
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8
Sociologia da sociedade líquida autopoiética
Ao juntar os referidos elementos, chega-se ao aspecto do qual o artigo buscará
tratar: a sociedade passa, gradativamente, por um processo que (independentemente da digitalização ou da comunicação dos meios de comunicação em massa, mas
instrumentalizando-os, no dado momento histórico) infla o sistema econômico em
detrimento de todos os outros sistemas sociais, e relativizando mesmo o elemento
que constitui a própria sociedade, a “comunicação”.
2.1 Tempos de liquidez
Desde a modernidade (segunda metade do século XV), o dinheiro, como objeto em
si, adquire uma característica peculiar que tende a se acentuar vertiginosamente com o
passar do tempo: a característica de comunicação universal. O maior, mais dinâmico e
mesmo mais objetivo modo de praticar a comunicação no mundo é pela via financeira.
A acentuação vertiginosa desse elemento é passível de análise sob dois pontos de
vista (o primeiro muito mais limitado que o outro): em um momento inicial, essa
comunicação dinâmica e objetiva possibilita avanços tecnológicos que a humanidade “jamais pensou possível”; em um segundo momento, percebe-se que a dinâmica
do sistema do capital faz muito mais do que proporcionar avanços para a humanidade, ela nos apresenta um contexto em que a irracionalidade do capital subverte a
sociedade a uma batalha de seres sociais contra seres sociais em busca de dinheiro.
O elemento da sobreposição da comunicação econômica é o que trará cientificidade
ao argumento da “fluidez” social (BAUMAN, 2000, p. 9) e também o elemento com
o qual a Teoria Sistêmica Autopoiética trabalhará no contexto da sociedade líquida.
Esse elemento é tão presente na sociedade que, mesmo em um contexto de desumanização da produção (a criação de máquinas que façam o trabalho de pessoas, na
indústria ou em qualquer setor da sociedade), não houve uma melhora na qualidade
de vida da população mundial. Em vez de um contexto em que as pessoas trabalhem
menos e possuam uma qualidade de vida maior em escala global, pelo fato de a
produção ser mais eficiente e praticada por máquinas e não pessoas, o que a realidade nos mostra é uma situação em que a produção continua pagando pouco para
o trabalhador, que agora tem um medo crescente de ser substituído por máquinas.
Estar sem emprego implica ser descartável, talvez até ser descartado de uma vez por
todas, destinado ao lixo do “progresso econômico” – essa mudança que se reduz, em
última instância, a fazer o mesmo trabalho e obter os mesmos resultados econômicos,
porém como uma força de trabalho mais reduzida e com “custos de mão-de-obra” menores que antes. (BAUMAN, 2007, p. 75).
A liquidez da sociedade é exatamente o que permite que o sistema econômico
trabalhe a escassez na fartura; ao mesmo tempo que a facilidade, quantidade e qualidade da produção aumentam, a qualidade de vida diminui e as riquezas se concentram cada vez mais nas mãos dos que já as possuem.
2.2 O sistema econômico
Na teoria sistêmica autopoiética, o sistema econômico se caracteriza por trabalhar com o paradoxo da escassez. Esse elemento proporciona ao referido sistema a
maior “quantidade” de independência observada hoje em todo o Sistema Social4 .
4 Tem-se ciência de que a discussão acerca do elemento da independência do sistema econômico
fica em aberto, por não caber no desenvolvimento do presente trabalho; porém, sem dúvida,
será um elemento futuramente explorado.
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9
G. Z. Tocchetto, S. O. Boff
A escassez em si apresenta ao sistema econômico uma espécie muito peculiar
e célere de hiperciclo em que a escassez só ocorre de um ponto a outro (quando
um tem e outro não tem) e se reproduz pela própria operação do sistema econômico (onde se transporta a escassez de um ponto a outro). Sendo assim, “O efeito
é observado como motivo e o motivo é também efeito” (CORREIA, 2014, p. 69). A
economia é capaz de gerar o seu próprio paradoxo antes mesmo de operacionalizar
comunicação ou observação.
Isso significa que o sistema econômico, além de possuir a referida espécie peculiar
de hiperciclo, se encontra em um contexto em que é capaz de praticar uma seleção
(segunda fase da autopoiese) que rechace absurdamente qualquer variação interna
que não sirva diretamente ao paradoxo da escassez. Assim, é capaz mesmo de submeter outros sistemas a esse paradoxo, por meio de acoplamentos estruturais que
acabam reforçando a autonomia autista do sistema econômico em detrimento de
todo o seu entorno – de todo o Sistema Social.
A exigência de simultaneidade “garante que os horizontes de passado e futuro do sistema e do ambiente se integrem, isto é permitir sua combinação com horizontes mundiais”. Entretanto, não há garantia de que os eventos no ambiente do sistema se ordenarão de acordo com a noção de tempo do sistema, a “simultaneidade de todos os
eventos”, como sublinha Luhmann, “significa a incontrolabilidade de todos os eventos”.
(KING, 2009, p. 70-71).
O elemento principal da tese levantada acontece exatamente na evidência da simultaneidade do Sistema Social, que acaba não acontecendo em detrimento do sistema
econômico que operacionaliza da forma que o faz sob o paradoxo que o constitui.
3 Considerações finais
O sistema econômico dentro do Sistema Social é atualmente estudado, por parte
dos doutrinadores, de forma muito condescendente, contexto que revela uma possível limitação que a sociologia autopoiética apresenta em relação à sociologia crítica
da era digital. A apresentação de certas diferenças do sistema econômico em relação
a outros subsistemas sociais serve de fato ao estudo objetivo do subsistema em questão, porém a teoria não pode fazer de parte da sociedade periférica da própria teoria.
O contexto apresentado monta quase que um cenário no qual a teoria vestiu
roupas de gala e deixou de tratar do que é periferia da própria teoria (ou ao menos
do que se fez dela em alguns textos pontuais), não por exaltar o sistema econômico
em si, mas por deixar de lado, muitas vezes, análises objetivas do sistema da saúde
ou mesmo elementos como a preservação ambiental.
Esse é o motivo pelo qual a liquidez social foi escolhida como teoria a ser
colocada lado a lado com a autopoiese, situação em que se pode trazer mais da
sociologia crítica, e também muitos elementos de realidade, para dentro dos escritos de Luhmann e dos que hoje sobrevêm e constroem constantemente a Teoria
Sistêmica Autopoiética.
Enquanto o elemento de periferização de elementos faz da liquidez extremamente
útil à autopoiese, são a objetividade e pontualidade desta que servem como ‘uma
luva’ ao estudo daquela, sendo que a Teoria Sistêmica torna possível muito mais do
que um estudo da liquidez da modernidade: um estudo de toda a estrutura social
que compõe a modernidade.
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10
Sociologia da sociedade líquida autopoiética
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
______. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
CORREIA, José Gladiston Viana. Sociologia dos Direitos Sociais. São Paulo: Saraiva, 2014.
LUHMANN, Niklas. The Reality of the Mass Media. Stanford: Stanford University Press, 2000.
______. Theory of Society. Stanford: Stanford University Press, 2012. (Volume 1).
______. Theory of Society. Stanford: Stanford University Press, 2012. (Volume 2).
KING, Michael; SCHWARTZ, Germano; ROCHA, Leonel Severo. A verdade sobre a
autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
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PROJEÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO QUANTITATIVA
DE CIRCULAÇÃO DE UNIDADES VEICULARES NA
CIDADE DE PASSO FUNDO (RS), BRASIL:
PROPORÇÃO E ANÁLISE
Projection and units movement quantitative stratification in vehicular step city Passo Fundo/RS - Brazil: e ratio analysis
Maurício Kunz
Graduando em Arquitetura e Urbanismo IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Tales Gonçalves Visentin
Graduando em Arquitetura e Urbanismo IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Tauana Bertoldi
Graduando em Arquitetura e Urbanismo IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Alcindo Neckel
Professor doutor da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
As pesquisas voltadas à mobilidade urbana são de grande importância no contexto
atual das cidades, uma vez que possibilitam melhorias nos deslocamentos de pedestres e veículos no espaço urbano, seus modos e formas, e, consequentemente,
na qualidade de vida para a população. Transitar em algumas cidades no Brasil, a
exemplo de Passo Fundo (RS), em horários de pico está, cada vez mais, se tornando
insustentável. Isso se deve à grande quantidade de veículos transitando em vias que
não foram adequadamente projetadas em se tratando do material, configuração e/
ou dimensão, ou até mesmo pensadas em diferentes formas dentro do espaço geográfico. Nesse contexto, o diagnóstico e planejamento da mobilidade urbana com
bases sustentáveis para a Cidade de Passo Fundo (RS) é de extrema importância;
é objetivo principal deste trabalho avaliar a mobilidade urbana do município passo-fundense, propondo possíveis soluções quanto ao intenso fluxo veicular em determinadas artérias da cidade. Passo Fundo, atualmente, sofre com diversificados
problemas de mobilidade urbana devido ao grande volume e intensidade do fluxo
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-2
12
Projeção e estratificação quantitativa...
de veículos e ao exíguo número de vias alternativas de acesso e circulação na cidade.
Por meio da identificação dos variados tipos de mobilidade urbana na cidade de
Passo Fundo (RS) será possível desenhar as formas de mobilidade urbana ligadas à
morfologia, com bases representativas em mapas de fluxos. Portanto, este trabalho
visa quantificar e estratificar a circulação de veículos e pedestres em cinco das mais
importantes vias da cidade de Passo Fundo (RS) para identificar os comportamentos relacionados à mobilidade urbana e, assim, propor melhorias a serem feitas em
relação a infraestrutura e modos de utilização das vias.
Palavras-chave: Mobilidade urbana. Transporte público. Diagnóstico de fluxo.
Abstract
The research focused on urban mobility are of great importance in the current context
of the cities, as possible improvements in pedestrian and vehicle movements in urban
areas, their ways and forms, and consequently the quality of life for the population.
Transit in some cities in Brazil, like Passo Fundo (RS), at peak times are, increasingly becoming unsustainable. This is due to the large number of vehicles transiting
in ways that were not properly designed, in the case of material, configuration and
/ or size, or even thought of in different ways within the geographical space. In this
context, diagnosis and urban mobility planning with a sustainable basis for the city
of Passo Fundo (RS) is of utmost importance, being the main objective of this work
was to evaluate the urban mobility of the mentioned passo-fundense municipality,
proposing possible solutions regarding the heavy vehicle flow in certain arteries of
the city. Passo Fundo currently suffer from diverse problems of urban mobility due
to the sheer volume and intensity of the flow of vehicles and the small number of
alternative forms of access and circulation in the city. By identifying the various
types of urban mobility in the city of Passo Fundo (RS) you can draw the shapes
of urban mobility related to morphology, with representative bases in flow maps.
Therefore, this study aims to quantify and stratify the movement of vehicles and
pedestrians in five of the most important roads in the city of Passo Fundo (RS) to
identify behaviors related to urban mobility and thus propose improvements to be
made in relation to infrastructure and usage modes of the roads.
Keywords: Urban mobility. Public transport. Diagnostics flow.
1 Introdução
O acelerado processo de urbanização das cidades brasileiras resulta no crescimento
do tráfego de veículos automotores, causando congestionamentos, poluição atmosférica e sonora, além de dificultar a mobilidade urbana por meio da saturação dos
sistemas viários existentes. A preferência pela utilização de transportes individuais
motorizados em detrimento do transporte público contribui consideravelmente
para o excessivo número de veículos nas ruas, principalmente nos horários de pico.
Assim, os sistemas viários, que não foram devidamente projetados para escoar tais
quantidades de veículos, encontram-se saturados, ocasionando problemas como
congestionamentos, poluição sonora e atmosférica e redução da qualidade de vida.
Esse espaço urbano encontra-se em constante (re)produção, segundo Silva
Junior e Rutkovski (2011, p. 18); isso torna as cidades um ambiente de intensas muVoltar ao sumário
13
M. Kunz, T. G. Visentin, T. Bertoldi, A. Neckel
danças, “implicando, assim, o avanço das técnicas que, ao se inserirem no espaço
produzido pelo homem, desenvolvem as estruturas e infraestruturas que possibilitam
a produção do capital e da sociedade”. Essa maneira de materializar, pensar ou (re)
pensar o que foi urbanizado requer o avanço de técnicas que reproduzam melhorias
na mobilidade urbana.
Para melhor avaliar a mobilidade urbana, deve-se entender o motivo dos deslocamentos dos habitantes dentro da cidade. Esses diferentes fatores também influenciam
a escolha do transporte a ser usado, motivado principalmente pelo senso comum, por
exemplo, as pessoas tendem a escolher um meio de transporte visto pelos demais como
“normal” ou desejável. O uso de carros privados é o que melhor se encaixa nisso, já
que se considera que o uso de um carro gera mais status que o uso do transporte coletivo (WANG; FENG; LIANG, 2008; DONDI et al., 2011; GARCÍA-PALOMARES;
GUTIÉRREZ; LATORRE, 2012; OGILVIE; GOODMAN, 2012; HANKEY et al., 2012).
A alternativa seria o uso de transportes não motorizados; haveria menor congestionamento, menos acidentes, além da contribuição para o meio ambiente (não
provocando poluição), favorecendo uma melhor qualidade de vida para a população
usuária (KLEIN; BIESENTHAL; DEHLIN, 2015).
Outra solução, segundo Fuji e Kitamura (2006), seria a escolha de modais de
transporte, que também é influenciada pelo nível de qualidade do sistema de transporte, juntamente com os fatores psicológicos – percepções, atitudes e hábitos. Ora, para
uma mudança de padrão de uso dos modais de transporte, é latente a necessidade
de mudança desses fatores psicológicos.
Dentre os problemas relacionados à mobilidade urbana, destaca-se a utilização
massiva do automóvel, que causa problemas na qualidade de vida urbana e na acessibilidade a diversos destinos, além de poluição ambiental (STEG, 2005). Os estudos
de Steg (2005) demonstram que a utilização do carro, frequentemente relacionada a
fatores instrumentais como velocidade, conveniência e flexibilidade, não é motivada
somente por suas funções como instrumento, mas também por fatores simbólicos e
afetivos, como sensação de poder, status social e realização pessoal.
Para Klein, Biesenthal e Dehlin (2015), com vistas à melhoria da mobilidade
urbana, considerando os problemas citados, uma das atitudes a ser tomada é atrair
o maior número de pessoas para o transporte público ou meios alternativos de deslocamento, como caminhadas ou uso de bicicletas. Para atingir esse objetivo, é importante conhecer os fatores psicológicos que influenciam na escolha do tipo de
transporte, a qualidade dos serviços oferecidos pelo transporte público e as medidas
necessárias para diminuir a dependência de carros (BEIRÃO; CABRAL, 2007).
Ao considerar a importância de analisar e repensar o planejamento das vias urbanas, este artigo se contextualiza pelo seguinte objetivo geral: avaliar a mobilidade
urbana da cidade de Passo Fundo (RS), propondo possíveis soluções quanto ao intenso fluxo veicular em determinadas artérias.
Esta pesquisa torna-se de fundamental importância ao destacar os variados tipos de deslocamentos realizados nos trechos analisados na área urbana, para assim
identificar padrões instrumentais e psicológicos determinantes da escolha entre os
diversos meios de transporte e, a partir disso, repensar os modos de mobilidade
urbana, no intuito de promover propostas de melhorias no transporte público, com
meios alternativos de transporte.
Voltar ao sumário
14
Projeção e estratificação quantitativa...
2 Metodologia
O município de Passo Fundo, situado no norte do estado do Rio Grande do Sul,
entre as coordenadas geográficas 28º07´ e 28º25´ de latitude Sul e 52º17´ e 52º41’ de
longitude Oeste, perfaz atualmente uma área territorial de 754,40 km² (IBGE, 2015).
Os pontos de análise correspondem a locais de maior fluxo das duas avenidas
principais (Brasil e Presidente Vargas) e três ruas coletoras paralelas à Avenida
Principal (Moron, Paissandú e Uruguai) (Figura 1). Para a escolha dos locais, considerou-se a importância dessas vias na mobilidade dentro da área central da cidade.
Figura 1 – Localização dos pontos de amostragem no mapa urbano de Passo Fundo (RS)
Fonte: Adaptado de Prefeitura Municipal de Passo Fundo.
O levantamento de dados foi feito por contagem in loco de veículos, divididos
nas categorias carros, camionetes, motocicletas, caminhões, ônibus, além de
pedestres e ciclistas. As coletas ocorreram em dias úteis, em três intervalos de
uma hora, nos períodos das 08:00/09:00h, 13:00/14:00h e 17:00/18:00h. Foram
realizadas três repetições por horário e local de amostragem, gerando um contingente de 9 contagens por ponto de coleta, 3 em cada intervalo de uma hora
mencionado anteriormente.
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15
M. Kunz, T. G. Visentin, T. Bertoldi, A. Neckel
3 Resultados e discussões
Pelos quantitativos obtidos com as análises, fica evidente a relação entre a tipologia da vias (Figura 2) e a forma como são usadas. Além da tipologia, a ambiência e
os usos predominantes da via também influenciam em sua utilização.
Figura 2 – Perfis das vias analisadas
Fonte: Elaboração própria.
A Rua Moron, de vocação comercial e com arborização em ambos os passeios,
cria uma ambiência favorável à circulação de pedestres, de modo que o maior fluxo
de pedestres entre os pontos analisados foi observado ali, chegando a cerca de 1750
pessoas no intervalo de uma hora no horário de pico (13:00/14:00).
Por outro lado, o ponto de coleta na Avenida Presidente Vargas, localizado a
cerca de dois quilômetros do centro da cidade, mostra um outro comportamento
em relação ao fluxo. Tendo essa avenida uma ligação com a RS-324, acaba servindo
como acesso à cidade para as pessoas vindas de Marau, Vila Maria, Casca e outros
municípios. Assim, a tipologia da via (arterial), juntamente com os aspectos mencionados, além do pequeno número de comércios no entorno, explica o baixo fluxo
de pedestres verificado nos levantamentos, assim como o alto fluxo de veículos de
passeio e de carga.
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16
Projeção e estratificação quantitativa...
Figura 3 – Quantitativos obtidos no levantamento de fluxo
Fonte: Elaboração própria.
17
M. Kunz, T. G. Visentin, T. Bertoldi, A. Neckel
A comparação entre os dados do levantamento apresentados na Figura 3, que
relata as diferentes quantidades de fluxos, com a eficiência dos diversos meios de
transportes, representada pela Figura 4 (necessidade de determinado sistema de
transporte conforme o tamanho da população usuária), nos mostra uma evidente
preferência pelo transporte com menor eficiência para a mobilidade urbana: o uso
do carro privado. Além disso, pode-se considerar a Rua Moron como exemplo de
eficiência em mobilidade peatonal, já que conta com um fluxo de aproximadamente
1750 pedestres por hora nos horários de pico, distribuídos em seus dois passeios
com largura de 3,50 metros.
Figura 4 – Capacidade de corredor: número de pessoas/hora em via urbana com
largura de 3,50 metros
Fonte: adaptado de Botma e Papendrecht (1991).
A Avenida Brasil contempla a totalidade de fluxo de 1781 veículos identificados
por hora. Conforme a estimativa de Botma e Papendrecht (1991), pela quantidade
de habitantes que se somou aos 184.826 habitantes do censo de 2010 (IBGE, 2015),
seria importante pensar sistemas metroviários de transporte para a cidade de Passo
Fundo (RS), juntamente com outros transportes alternativos (bicicletas).
Atualmente, a Avenida Brasil continua sendo importante acesso a outras regiões, pois é via de tráfego intenso de veículos que interligam duas importantes
rodovias: uma federal, a BR-285, e uma estadual, a BR-153, que faz conexão especialmente de São Paulo com o todo o estado do Rio Grande do Sul, além de fazer
ligação direta com os países do MERCOSUL – muitas vezes, esses veículos comprometem toda a mobilidade urbana da cidade de Passo Fundo (RS), pois passam
pela área central da cidade.
3 Considerações finais
Considerando os dados do levantamento do fluxo nas vias mencionadas e sua
infraestrutura, percebe-se que a configuração atual visa à circulação de carros, não
Voltar ao sumário
18
Projeção e estratificação quantitativa...
de pessoas, dificultando a introdução de meios de transporte alternativos. Fica evidente a necessidade de estimular as pessoas a usarem meios de deslocamentos alternativos, como caminhadas e bicicletas, ou até mesmo priorizarem o uso do transporte público em detrimento do individual. Um dos procedimentos recomendados
é a definição de uma prioridade de meio de deslocamento para cada tipo de rua,
possibilitando que existam ruas dedicadas a pedestres e ciclistas.
Nesse aspecto, fica evidente a pré-disposição da Rua Moron, principalmente no
trecho analisado (entre a Rua Bento Gonçalves e a Rua Capitão Eleutério), ao trânsito
exclusivo de pedestres e ciclistas. O baixo fluxo de veículos seria facilmente desviado,
permitindo a criação de um espaço de convivência no local da atual faixa. A criação
desse espaço público seria tão boa para os pedestres quanto para os comerciantes
locais, visto que o número de pedestres aumentaria e, consequentemente, o número
de clientes, já que são os pedestres que frequentam as lojas para fazer suas compras.
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19
S
U
M
Á
R
I
O
RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA SOCIAL,
IDEOLOGIA E HUMANISMO
The Relation among Social Psychology,
Ideology and Humanism
Sandra Mara Fim Chies
Graduada em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná. Pós-Graduada
em Psicopedagogia pela Universidade Educar Brasil; Pós-Graduada
em Educação Especial pela Universidade Anglo-Americano.
Graduanda em Psicologia pela IMED (Passo Fundo, RS).
E-mail: <[email protected]>.
Edemilson Meazza
Graduado em Psicologia pela IMED (Passo Fundo, RS).
Professor Didata de Biodanza titulado pela International Biocentric Foundation IBF.
E-mail: <[email protected]>.
Mariuá Ferreira Frozza
Graduanda em Psicologia pela IMED (Passo Fundo, RS).
E-mail: <[email protected]>.
Israel Kujawa
Orientador. Professor da Escola de Psicologia, IMED, Brasil. Doutor em Psicologia
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGPSI, UFRGS.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
O objetivo central do presente artigo é analisar as relações entre a psicologia social,
a ideologia e concepções de ser humano. Autores como Robert Farr, Silva Lane,
Pedrinho Guareschi, entre outros, propõem uma psicologia social focada em uma
concepção de ser humano. Esses autores tematizam princípios individuais, sociais
e políticos para uma conduta ética; a partir da explicitação desses princípios e da
capacidade humana de elevar o bem-estar e as responsabilidades individuais e coletivas, é possível pensar o papel da psicologia social na construção do humanismo.
Palavras-chave: Psicologia social. Construção do humano. Ideologia. Alteridade.
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-3
20
Relações entre psicologia social, ideologia e humanismo
Abstract
The main objective of this paper is to analyze the relationship between social
psychology, ideology and conceptions of human being. Authors like Robert Farr,
Silva Lane, Pedrinho Guareschi, among others, propose a Social Psychology focused on a conception of the human being. These authors thematize individual, social
and political principles of ethical conduct. From the explanation of these principles
and the human capacity to raise the well-being and individual and collective responsibilities is possible to think of the role of social psychology in the construction
of humanism.
Keyword: Social Psychology. Construction Human. Ideology. Otherness.
1 Introdução
Consideramos relevante entender a história da psicologia social para explicitar
as concepções de “humanismo”. Tratar de princípios como alteridade, construção
da subjetividade, identidade psíquica e identidade cultural parece um exercício de
ficção quando nos deparamos com as condições da vida contemporânea. No entanto, necessitamos saber o que temos a ver com o mundo que nos cerca, ajustando-nos, conduzindo-nos, localizando-nos física e intelectualmente, identificando e
resolvendo problemas que ele apresenta. O objetivo central deste artigo trata das
relações entre a psicologia social, ideologia e a concepção de ser humano. No problema, estão incluídos questionamentos sobre as bases teóricas que justificam uma
concepção de ser humano individual e social. Entre os objetivos específicos, está a
tematização de duas formas de fazer psicologia: a sociológica e a psicológica. Para
tratar deste objetivo, o primeiro ponto do artigo trata da psicologia social como
ciência que procura compreender o comportamento social. Seu campo de ação é,
portanto, o comportamento analisado em todos os contextos e se relacionando com
o objeto principal da psicologia social, o indivíduo em sociedade. O segundo objetivo específico identifica a construção do ser humano a partir da produção dos meios
de vida. Para tratar deste objetivo, abordam-se concepções de humanismo identificado com uma psicologia sócio-histórica. Para finalizar, o terceiro ponto tem como
objetivo evidenciar as relações entre alteridade ou capacidade de se colocar no lugar
do outro, a ideologia que as fundamenta e as contribuições da psicologia social. A metodologia empregada na elaboração deste artigo se concentrou na leitura de teóricos,
humanistas e pensadores sociais para a compreensão e análise do tema.
2 A Psicologia e o comportamento social
A psicologia social tem como foco o estudo do comportamento do indivíduo
em sociedade. Segundo Lane (1995), o ambiente social incide no comportamento
do indivíduo antes do seu nascimento, pois o contexto familiar e as condições em
que a gestação acontece determinam a forma como esse momento será significado e
vivenciado. A psicologia estuda o convívio social, como ele se processa, quais as leis
que regem e quais as consequências do processo de interação social. O objeto principal da psicologia social é o indivíduo em sociedade, pois não vivermos isolados,
estamos em constante interação com outras pessoas.
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21
I. Kujawa, S. M. F. Chies, E. Meazza, M. F. Frozza
As principais teorias da psicologia social são as que se debruçam sobre a aprendizagem social, com base no behaviorismo, na perspectiva cognitivista, na perspectiva sociocultural e na perspectiva evolutiva baseada na influência biopsicossocial.
As principais áreas da psicologia social são a percepção no que se refere à compreensão do outro, as atitudes na tomada de decisão em relação às mudanças, agressão e conflito como fenômenos sociais na interação com o outro e as dinâmicas de
grupos que visam compreender e conhecer a própria identidade. Segundo pesquisa
realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 1988, publicada no livro Quem é
o psicólogo brasileiro, os motivos apontados quando da escolha da profissão podem
ser de três ordens:
Dos motivos voltados para si emerge a busca de mudanças; daqueles motivos voltados
para o outro se evidencia a orientação de ajuda e, finalmente, dos motivos voltados
para a profissão fica patente a atração e fascínio que o psíquico exerce sobre as pessoas.
(CARVALHO et al., 1988, p. 56).
Isso significa que boa parte dos estudantes e profissionais da psicologia no Brasil
tem a sua atuação voltada para a chamada psicologia tradicional na área clínica,
que tem, historicamente, caráter privativo e individualizado. A psicologia social se
diferencia em muitos aspectos da proposta de consultório, focando no indivíduo
que está inserido na sociedade, que faz parte de um grupo social. Segundo Lane
(2006), nosso modo de agir é determinado pelo grupo social ao qual pertencemos.
Como, nesta convivência, definimos nossa identidade? A Psicologia Social estuda
o comportamento dos indivíduos como seres influenciados pela linguagem e por
valores assimilados. Tratando do desenvolvimento da consciência social, na escola e
no trabalho, a autora nos faz compreender a transformação do indivíduo em agente
da história de sua sociedade.
Estudando o processo de interação entre as pessoas, a psicologia social permite
que se tenha uma melhor compreensão do comportamento social. Segundo Neves
(2013), essa concepção de “ser humano” recoloca a relação indivíduo e sociedade,
rompendo com a perspectiva dualista e dicotômica, na qual indivíduo e contexto
social influenciando-se mutuamente. Propõe em seu lugar a construção de um espaço de intersecção com novos temas, entre os quais, as representações sociais são
os exemplos mais representativos. Nesses temas, está incluído o estudo das causas e
efeitos do comportamento individual e da sua interação com o grupo ou sociedade;
além disso, uma compreensão dos pensamentos, atitudes e comportamentos individuais que repercutem no campo social e no campo individual.
No Brasil, a psicologia social se construiu no final dos anos de 1970, e a partir
dos anos de 1980 deparou-se com uma literatura disponível que não respondia as
inquietações e reproduzia o modelo tradicional da psicologia social. Em 1980, surgiu a ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social), através das mãos de
alguns pesquisadores, que organizaram a ruptura da psicologia social brasileira. O
rompimento com a psicologia social norte-americana está claramente colocado, na
discussão do materialismo histórico-dialético. Também conhecida como psicologia
marxista, esta perspectiva rompe com a psicologia social cientificista. Na época, o
País estava mergulhado na ditadura militar, e a psicologia social se apresentou como
uma alternativa aos métodos cientificistas. Refere Farr:
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22
Relações entre psicologia social, ideologia e humanismo
No inicio da Era Moderna, a Psicologia Social nas universidades da América Latina
foi fortemente influenciada pela forma psicológica dominante da psicologia social
da América do Norte. A psicologia social na Era Moderna foi um fenômeno caracteristicamente americano. Muitos dos proeminentes professores de Psicologia Social
nas universidades latino-americanas receberam sua formação de pós-graduação
nos Estados Unidos da América. Essa é uma situação que agora está começando a
reverter, na medida em que a psicologia social está se fortificando mais na Europa
e a hegemonia da língua inglesa como veículo de publicação em psicologia social
está sendo desafiada pela literatura florescente, em psicologia social, nos idiomas
latino-americanos. (1996, p. 11-12).
Segundo Farr (1994), existem duas formas diferentes de psicologia social: formas
psicológicas e formas sociológicas. As formas psicológicas de psicologia social reduzem as explicações do coletivo e do social a leis individuais. O indivíduo é entendido
como uma entidade liberal, autônoma, independente das relações com o contexto
social que o cerca e consciente de si. Segundo Figueiredo (1991), a história da psicologia emerge quando reconhece a instância individual do homem na sociedade,
que, por motivos sociais, políticos e econômicos, necessita ser normatizada e padronizada. Desta forma, a psicologia só ganha espaço quando se tem o reconhecimento
da experiência privatizada, bem como o reconhecimento da experiência da crise
desta subjetividade. Ainda, é quando a doutrina liberal afirma a individualidade,
liberdade e igualdade dos homens que se dá o reconhecimento daquela subjetividade. Entretanto, o próprio indivíduo percebe que esses princípios são mera ilusão,
ocasionando assim a crise da subjetividade, que requer solução.
Quando os homens passam pelas experiências de uma subjetividade privatizada e ao
mesmo tempo percebem que não são tão livres e tão diferentes quanto imaginavam, ficam perplexos. Põem-se a pensar acerca das causas e do significado de tudo que fazem,
sentem e pensam sobre eles mesmos. Os tempos estão maduros para uma psicologia
científica (FIGUEIREDO, 1991, p. 30).
Temos afirmado que esse é um bom motivo para estudar a história da psicologia
(CAMBAÚVA; SILVA; FERREIRA, 1997). Estudar a história da psicologia é apreendê-la na sua totalidade como criação humana, isto é, compreender como, por que
e quando foi criada. Isso pode significar a compreensão do predomínio de linhas
teóricas, a eleição dominante de uma determinada área de atuação, o aparecimento
de novas áreas de atuação.
Mas estudar a história da psicologia vai além disso: inclui o homem como produtor
de conhecimento. Dessa forma, situa-o ante o mundo em que vive e no qual atua.
A forma de compreender a psicologia tem a pretensão de estudar a sociedade, no
entanto não pode ignorar a existência de fatores psicológicos ou individuais que
influem no comportamento social. Neste caso, o estudo da mente humana e da sua
interação na sociedade, ou de grupos específicos dentro desta, se apresenta como
um misto de psicologia e de sociologia. Em outras palavras, o estudo da psicologia
na forma sociológica se apresenta em três vertentes: conhecer o outro, as influências recíprocas entre ambos e as interações sociais. A psicologia social passa a estudar comportamento social, apoiando-se na compreensão das interações sociais,
processo cognitivo, variáveis ambientais, contexto cultural e fatores biológicos dos
Voltar ao sumário
23
I. Kujawa, S. M. F. Chies, E. Meazza, M. F. Frozza
indivíduos. Desta forma, estamos considerando que o homem produz sua história e
compreendendo como se desenvolvem ideias na sua relação com o mundo.
2.1 Concepções de Humanismo e as contingências sociais
Segundo Marx (1984), o primeiro pressuposto de toda história humana é a existência de indivíduos humanos vivos, que se distinguem dos animais não pelo fato
de pensar, mas de produzir seus meios de vida. A organização corporal desses indivíduos e sua relação com a natureza constituem a história da humanidade. Esta
relação implica transformação dos homens e da natureza, registrando pensamentos,
que apoiam o conhecimento do mundo. Dessa maneira, o conhecimento humano se
apresenta de diferentes formas: como conhecimento histórico, filosófico, teológico,
senso comum, científico e tantos outros.
Para Chaui (2002), dadas as características que trazem a humanidade ao homem,
como a liberdade, racionalidade, comunicabilidade e possibilidade de interação com
a natureza e o tempo, a sociedade e a cultura definem o homem como sujeito do
conhecimento e da ação, não podendo a violência reduzi-lo a coisa ou objeto. No
entanto, tal cultura e sociedade, ao delinearem o que têm por crime, vício e o mal
em geral, acabam por circunscrever aquilo que entendem por violência contra o
próximo e, assim, erguer os valores positivos do bem e da virtude como barreiras
éticas contra a violência. Mais uma vez, sem que se perceba, os homens são educados
e cultivados por criação histórico-cultural na busca da sociedade por uma manutenção
de seus padrões morais que, com o tempo e as gerações, são naturalizados.
Para as ideias psicológicas acerca de processos individuais e subjetivos se converterem em ciência requer-se um pensar sobre a história da humanidade, sobre o
desenvolvimento do seu pensamento como manifestação da sua condição de vida
material. Assim, apesar do fundo comum que possa haver entre sociedades com
relação a certos valores éticos, é ainda primordial que seja respeitado aquilo que
pode ser considerado como atitude ética pelas mais variadas culturas, ainda que tais
valores agridam o que se tem por valor ético em sua própria sociedade, como, por
exemplo, a manutenção da condição humana de sujeito sem que este se transforme
em coisa a ser manipulada por outros.
O humanismo é uma postura de vida democrática e ética que afirma que os
seres humanos têm o direito e a responsabilidade de dar sentido e forma às suas
próprias vidas. Defende a construção de uma sociedade mais humana através de
uma ética baseada em valores humanos e outros valores naturais, dentro do espírito
da razão e do livre-pensamento, com base nas capacidades humanas.
Desta forma, o humanismo constitui uma postura de vida que entra na esfera
da compreensão do outro. A psicologia humanista é uma reação ao determinismo
nas práticas psicoterapêuticas, compreendendo o homem como autor de sua própria
história e, ao mesmo tempo, preso a ela. Até o problema mais simples deve ser objeto
de investigação psicológica para entender o indivíduo como ser humano, incluído em
um mundo social constituído por ações e interações, subordinadas a usos, costumes
e regras e que dizem respeito a meios, fins e resultados. Resumidamente, humanismo, nesta forma de compreensão, significa, entre outras coisas, reconhecer que estamos em relação uns com os outros, que precisamos exercitar a compreensão para
atingir o mundo vivido do outro, aceitando sua racionalidade e intencionalidade.
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24
Relações entre psicologia social, ideologia e humanismo
2.2 As contribuições da psicologia social para uma concepção de humanismo
Passamos a tratar, agora, das relações que podem ser estabelecidas entre a psicologia social, ideologia e humanismo. A psicologia social deve estudar as formas
de alteridade, pensando nos modos pelos quais se estabelecem as trocas entre os
seres humanos. Ao fazê-la, identifica a construção da subjetividade de um sujeito,
constituída na relação com o outro. Implica, também, pensar a diferença, para aceitação mútua, o reconhecimento da singularidade e da identidade. Para que as ideias
psicológicas acerca de processos individuais e subjetivos se convertam em ciência,
faz-se necessário pensar sobre a história da humanidade, sobre o desenvolvimento
do seu pensamento, como manifestação da sua condição de vida material. Faz-se
necessário perguntar sobre as relações que podem ser estabelecidas entre a psicologia social, o entendimento da história e a ideologia que fundamenta as concepções de
ser humano. Na discussão sobre o homem como objeto da ciência, inclui-se a interdisciplinaridade entre as subdivisões para investigar as condições que possibilitam a
consolidação do olhar da psicologia.
As condições econômicas e sociais advindas do modelo político-econômico
vigente da globalização da economia promovem o aumento da recessão, dos privilégios e do desemprego, degradando as relações humanas. A competição pelas
ofertas cada vez menores de emprego e a consequente ameaça de perda daquilo
que garante as condições básicas para a sobrevivência, o apelo ao consumo que não
pode ser concretizado e, pior, os contingentes de excluídos e o decorrente aumento
da violência e do ódio social tornam a convivência entre as pessoas cada vez mais
problemática. Neste contexto, falar em alteridade, construção da subjetividade,
identidade psíquica e identidade cultural é um exercício árduo. Entretanto, quando
constatamos o aumento ininterrupto de pessoas que o sistema excluiu e transformou
em moradores de rua, sem-teto, sem privacidade, sem sequer um espaço que separe
o público do privado, totalmente expostos e invadidos pelos olhares curiosos ou
indiferentes dos passantes, fica difícil pensar em preservação da identidade e na
sobrevivência do sujeito. O que temos, então, são trocas marcadas pela rejeição, pelo
ódio, pela indiferença. Os investimentos afetivos são, em grande parte, da mesma
ordem, ou seja, falta amor, fundamento para a bondade e o caráter. As pessoas são
coisificadas, e as coisas, personalizadas.
Tratar do comportamento social como uma questão psicológica isolada é facilmente questionável, pois, sem situar a análise em um campo social, que leva em
consideração uma gama muito maior de fatores interdependentes, interagindo entre si, inviabiliza uma completa análise sócio-histórica (CRESPO; FREIRE, 2014).
Atualmente instala-se uma nova forma de individualismo como uma radical mudança de contrato social, o que tem produzido uma troca ideológica neoliberal, que
põe em questão o modelo antes vigente de repartimento de riquezas e a legitimidade
desse repartimento. As responsabilidades da atual constituição da sociedade e do
sujeito se constroem mutuamente num processo social, histórico, político e ético.
Portanto, segundo Guareschi (2012), a psicologia social faz a junção entre o ser
humano, sua consciência e a realidade exterior: sua consciência é resultante das respostas que conseguimos dar às seguintes perguntas: Por que sou o que sou? Por que
o mundo que me rodeia é assim? A verdadeira consciência, isto é, o fundamental,
profundo e insubstituível, o essencial do ser humano, é o que ele consegue construir
Voltar ao sumário
25
I. Kujawa, S. M. F. Chies, E. Meazza, M. F. Frozza
a partir de seu entorno existencial e do que fizeram dele, ou seja, o ser humano começa
a se subjetivar, a construir, a ter consciência no momento em que descobre respostas às perguntas. É neste sentido que precisamos ter como ponto de partida o
entendimento das interações tais como elas se apresentam neste dado momento
histórico, como as personalidades se expressam historicamente através da vida
institucional e social mais ampla que norteiam tais relações. Esta é uma das tarefas
da psicologia social; bem desempenhada, pode nos oferecer elementos necessários
para a transformação da realidade.
3 Considerações finais
A grande contribuição poderá ser vista na ênfase da experiência consciente, na
crença na integralidade entre natureza e a conduta do ser humano, no livre-arbítrio,
na espontaneidade e poder de criação do indivíduo, no estudo de tudo que tenha
relevância para a condição humana. Somente mediante a perspectiva da totalidade
que a consciência é entendida. Esta, por sua vez, deve ser submetida à temporalidade, não permanecendo estática e desmistificando a existência de uma realidade
pura. Seu valor reside na relação que estabelece entre as realidades. Segundo Guareschi (2102), a psicologia social faz a junção entre o ser humano, sua consciência e
a realidade exterior: sua consciência é resultante das respostas que conseguimos dar
a estas perguntas: Por que sou o que sou? Por que o mundo que me rodeia é assim?
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27
AS CONTRIBUIÇÕES DA POLÍTICA JURÍDICA E A
IMPORTÂNCIA DO CUIDADO PARA A EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
The contributions of legal policy and the importance of care
for effective rights of child and adolescent
Rafaela Rovani de Linhares
Acadêmica de Direito na IMED. Bolsista do Programa de Iniciação
Científica – PIC IMED. Membro do Grupo de Pesquisa Ética, Cidadania e Sustentabilidade.
E-mail: <[email protected]>.
Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino
Orientador. Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado – em Direito do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED. Professor do
Curso de Direito da IMED. Pesquisador da IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa
Ética, Cidadania e Sustentabilidade. Membro dos Grupos de Pesquisa: “Modernidade,
Pós-Modernidade e Pensamento Complexo”, “Multiculturalismo e Pluralismo Jurídico” e
“Transnacionalismo e circulação de modelos jurídicos”. Líder do Centro Brasileiro de Pesquisa “Amartya Sen: interfaces com direito, políticas de desenvolvimento e democracia”.
Membro associado do Conselho Nacional de Pós-Graduação em Direito – CONPEDI
e da Associação Brasileira do Ensino de Direito – ABEDI.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
Este artigo científico tem como objetivos analisar o contexto da legislação acerca
da criança e do adolescente; perceber de que forma o Cuidado, como valor jurídico,
desvela-se como condição das ações humanas; e demonstrar como a Política Jurídica pode servir de instrumento para a concretização dos anseios da criança e do
adolescente, sujeitos vulneráveis. A pesquisa desenvolve-se por meio do método indutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica, da categoria e do conceito operacional.
Pode-se verificar que, muitas vezes, a falta de solidariedade, do sentimento de ser
com o outro no mundo e de atuação do poder público correspondem a um óbice a
ser enfrentado pelo operador do Direito, como forma de garantia à proteção integral
dos direitos da criança e do adolescente.
Palavras-chave: Criança. Adolescente. Cuidado. Política Jurídica.
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-4
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As contribuições da política jurídica…
Abstract
This paper analyzes the legislation of child and adolescent; to understand how care
such as legal status, is revealed as a condition of human actions and to prove how legal policy can serve as an instrument for achieving the child and adolescent desires,
while vulnerable subjects. The research is developed through the inductive method
and technique bibliographic search, category and operational concept. It can be seen
that, often, the lack of solidarity, the feeling of being with the other in the world and
action of the government represent an obstacle to be faced by the law of the operator,
in order to guarantee the full protection of the rights child and adolescent.
Keywords: Child. Teenager. Care. Legal Policy.
1 Considerações Iniciais
O presente trabalho analisa de que maneira os direitos da criança e do adolescente foram introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como de que
forma se organizou e estabeleceu a questão da doutrina da proteção integral. Neste
estudo, mostra-se relevante a análise a respeito da previsão desses direitos por meio
da Constituição, assim como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. De mesmo
modo, fazem-se importantes a análise a respeito das atitudes humanas no sentido
da consciência e a necessidade da solidariedade em suas ações.
O Direito não é um fenômeno estático; muito pelo contrário, conforme a realidade,
sofre mudanças – faz-se necessária a sua adaptação. O advento da Constituição Federal
de 1988 inaugurou no Brasil um novo tempo, em que o Estado Democrático de Direito
se revela pela necessidade de garantias e direitos inerentes à pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana foi fundamentada no ordenamento jurídico brasileiro através dos ideários da Revolução Francesa e, por isso, representa um grande
marco histórico. De mesmo modo, a positivação dos direitos da criança e do adolescente verificou pertinência à luz da Constituição, pois passou-se a garantir tais direitos, principalmente os que dizem respeito à convivência familiar, à solidariedade
e ao Cuidado, princípios jurídicos a serem alcançados.
Num primeiro momento do trabalho, analisa-se de que forma os direitos da
criança e do adolescente foram introduzidos no Brasil, bem como o contexto histórico de tal evolução e de que forma o ordenamento recepcionou tal premissa. Posteriormente, a pesquisa se destina ao estudo do Cuidado como valor jurídico e à
forma como esse princípio veio implícito na positivação dos direitos das crianças
e dos adolescentes. Por fim, a pesquisa volta-se a alguns problemas de inefetividade
dos direitos e sugere soluções por meio da Política Jurídica, a qual tem por característica analisar a norma desde seu nascimento.
A pesquisa realiza-se por meio do método indutivo1 e da técnica de pesquisa
bibliográfica2 , da categoria3 e do conceito operacional4 . O problema a ser enfrenta1 “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as
partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” (PASOLD, 2011, p. 205).
2 “[...] Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais.”
(PASOLD, 2011, p. 207).
3 Nas palavras de Pasold: “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma
ideia” (PASOLD, 2011, p. 25, grifos do autor).
4 Reitera-se conforme Pasold: “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal
definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos [...]” (PASOLD, 2011, p. 37, grifos do autor).
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R. R. Linhares, S. R. F. Aquino
do pela pesquisa é este: Como o Cuidado pode desvelar o significado da doutrina
da proteção integral pelas contribuições da Política Jurídica? Como hipótese para
a pesquisa, entende-se que o Cuidado aliado à Política Jurídica e às ações humanas
solidárias pode representar uma importante expressão de realização dos direitos das
crianças e dos adolescentes, seres de solicitude.
O objetivo geral deste estudo é verificar se, da forma como foi estruturado, o
ordenamento jurídico está sendo capaz de suprir as necessidades da criança e do adolescente. Como objetivos específicos, apresentam-se os seguintes: analisar o contexto
da legislação acerca da criança e do adolescente; perceber de que forma o Cuidado,
como valor jurídico, desvela-se como condição das ações humanas; e demonstrar
como a Política Jurídica pode servir de instrumento para a concretização dos anseios da criança e do adolescente, sujeitos vulneráveis.
2 O ordenamento jurídico brasileiro e a doutrina da proteção integral
Pode-se afirmar que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e a posterior criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ocorreu uma mudança paradigmática, a qual veio acompanhada pela transformação de valores sociais
observada com o aparecimento dos direitos humanos. Criança e Adolescente foram
afastados da condição de bem jurídico, ou menor delinquente, para assumir um
lugar de sujeito de direitos.
Conforme a estrutura do caput do artigo 227 da Constituição Federal5 de 1988,
estabeleceu-se que tanto o Estado quanto a família e a sociedade devem assegurar às
crianças e aos adolescentes direitos fundamentais, dentre os quais o direito à convivência familiar e comunitária.
A doutrina da proteção integral foi inaugurada pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU.
Por meio do decreto 99.710/99, ocorreu a ratificação do Brasil a esse Tratado Internacional, e, por conseguinte, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
qual previu, concretamente, que as inovações trazidas deveriam assegurar às crianças e aos adolescentes direitos fundamentais.
O que de fato se observa aqui é a inovação do ordenamento brasileiro, que se
mostrou preocupado com a proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente. Sobre o termo “proteção”, define-se:
Pressupõe um ser humano protegido e um ou mais seres humanos que o protegem,
isto é, um ser humano que tem necessidade de outro ser humano. Obviamente, este
segundo ser humano deve ser mais forte do que o primeiro, pois deve ter capacidade
para protegê-lo. Como corolário lógico, a proteção pressupõe uma desigualdade (um é
mais forte que o outro) e uma redução real da liberdade do ser humano protegido: ele
deve ater-se às instruções que o protetor lhe dá e é defendido contra terceiros (outros
adultos e autoridade pública) pelo protetor. Trata-se de uma situação ineliminável, o
filhote humano – e eu falo, aqui, essencialmente, da criança – é incapaz de crescer por
si; durante um tempo muito mais longo do que aquele de outras espécies não humanas,
5 “Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).
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As contribuições da política jurídica…
ele precisa de adultos que o alimentem, o criem, o eduquem, e estes adultos, inevitavelmente, têm o instrumento de poder, de autoridade, em relação aos pequenos. Isto
não vale apenas no que tange à relação entre filhos menores e pais, os primeiros e mais
diretos protetores, como, também na relação entre criança e outros adultos a qualquer
título encarregados da proteção. (VERCELONE, 2002, p. 19).
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da doutrina da proteção integral,
fundamentou-se na necessidade de amparo infantojuvenil, público hipossuficiente e
dependente de adultos, assim como pela dignidade humana e solidariedade, buscando
melhor assegurar o Cuidado à criança e ao adolescente.
Os direitos da criança e do adolescente, oriundos da doutrina da proteção integral,
encontram previsão expressa no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente6 ,
o qual informa que a família, a comunidade, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar tais direitos, como forma de oferecer à criança e ao adolescente uma proteção especial. Tal previsão reporta ao valor constitucional de solidariedade, advindo
formalmente da Revolução Francesa. Nesse sentido, tem-se que
A solidariedade humana é uma necessidade natural e um dever moral de todos os
seres humanos. No quarto século antes de Cristo o filósofo grego Aristóteles escreveu
que o homem é um “animal político”, querendo dizer, com isso, que o ser humano,
por sua natureza não vive sozinho, tendo sempre a necessidade da companhia dos
semelhantes. Através dos séculos isso foi reafirmado por muitos pensadores, tendo
sido ressaltado que, além das necessidades materiais, existem outras que são comuns a
todos os seres humanos e que impedem as pessoas de se realizarem sozinhas, vivendo
em completo isolamento. Atualmente, com base na observação dos fatos e utilizando
conhecimentos científicos, pode-se afirmar que a vida em sociedade é uma exigência
da natureza humana. Com efeito, o ser humano é um animal que após o seu nascimento, por muitos anos não consegue obter sozinho os alimentos que necessita para
sobreviver. (DALLARI, 2002, p. 24).
A perspectiva da solidariedade tem como destinatária a pessoa humana no sentido de plenitude do ser, não apenas o indivíduo em si. Volta-se, desta maneira, ao
ser humano e sua dignidade como pessoa. A criança e o adolescente apresentam-se
como seres vulneráveis e necessitados de cuidados da família, da comunidade, da
sociedade e do Estado. Todos se tornam responsáveis pelo seu desenvolvimento, a
fim de que se tornem, mais e mais, pessoas sensíveis às mazelas que impedem o reconhecimento de nosso vínculo antropológico comum.
Sendo os direitos da criança e do adolescente de natureza fundamental e, portanto,
intrínsecos à condição de dignidade da pessoa humana, ganham um espaço especial,
demandando ações solidárias. A solidariedade é considerada um dos principais eixos
do mencionado estatuto, uma vez que existe uma dependência mútua, de responsabilização social e individual, a qual não se exaure tão somente em obrigações legais, mas
se estende àquelas que estimulam a proximidade e o afeto. Essa condição é delineada
tanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente quanto pela Constituição Federal.
Ao se atender a ideia solidarista da doutrina da proteção integral, percebe-se a preocupação com o Cuidado necessário à criança e ao adolescente, seres em
6 Art. 4º ECA: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1991).
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R. R. Linhares, S. R. F. Aquino
condição de vulnerabilidade e dependência. Como seres de solicitude7, crianças e
adolescentes demandam o Cuidado das gerações que os precedem. Conforme trata
Maria da Graça (2009, p. 54), “o sentimento de consideração e esperança é fruto do
Cuidado, da solicitude”.
Como valor implícito do ordenamento jurídico, o Cuidado vincula as relações
de solidariedade, responsabilidade e afeto. A convenção Internacional sobre os Direitos da Criança confere bases constitucionais ao Cuidado como valor, de modo a
se inscrever nas responsabilidades da pessoa humana.
3 A dimensão do Cuidado como valor jurídico
O Brasil, por ser um Estado Democrático de Direito que se funda em valores e
princípios relevantes para uma sociedade livre, tem por objetivo a busca por justiça social. No que concerne ao princípio da dignidade humana, “como qualidade
intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano” (SARLET, 2009, p. 29), o
respeito e a proteção da dignidade da pessoa se estendem a uma dimensão ética e
de Cuidado, como meta permanente das pessoas, do Estado e, também, do Direito.
A previsão constitucional da dignidade da pessoa humana revela que o Cuida8
do é uma dimensão essencial do ser humano, ser com os outros no mundo. Nesse
sentido, o Cuidado, compreendido como expressão da dignidade, serve como importante fator de proteção à criança e do adolescente, pois estimula relações humanas e familiares mais tolerantes, fundamentadas, inclusive, pela compaixão, pelo
perdão, pelo amor, pela solicitude.
Diante desse cenário, analisa-se o Cuidado como um valor jurídico que surge
como modo de complemento ao afeto, para, de forma concreta, efetivar o princípio
da dignidade humana, atrelado ao direito fundamental da criança e do adolescente,
seres vulneráveis. Conforme Boff (2008, p. 07), “[...] o Cuidado é uma atitude (não
um ato isolado) de desvelo, solicitude, afeição e amor. Trata-se de um gesto amoroso para com o outro. É a mão estendida buscando outra mão ou a mão que se abre
para a carícia essencial.” Sob igual argumento, Dias (2009, p. 54) ressalta que “[...]
o processo de humanização do homem tem como referência o desenvolvimento de
sua capacidade de cuidar: de si, do outro, do mundo.”
O Cuidado, como pressuposto jurídico da doutrina da proteção integral, apresenta-se como expressão da dignidade da pessoa humana e implica diretamente o
respeito a todas as crianças e adolescentes, pessoas humanas – reitera-se, seres de
solicitude – que não podem ser deixadas à margem de afeto e esquecidas sob as mais
variáveis condições de mazelas humanas. O Cuidado implica atitude, e não pode
encontrar-se ao descaso.
7 Nesse sentido, Heidegger chama de “solicitude” o relacionar-se com o outro de maneira envolvente e significante, o que implica ter consideração para com o outro e ter paciência com o outro
(HEIDEGGER, 1981. p. 19).
8 Exatamente como afirma Leonardo Boff (2013, p. 13), “cuidar é mais que um ato; é uma atitude
de ocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”. Trata-se o Cuidado
de “princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade”.
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As contribuições da política jurídica…
O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma
atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo.
Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. (BOFF, 2013, p. 37).
Deve-se salientar que Cuidado e afeto são dois valores complementares; exigem
tanto vínculo quanto desenvolvimento, no sentido de que o ser humano, vulnerável
em seu nascimento, depende do outro para sobreviver. Nenhum projeto civilizatório que envolve a convivência deve desprezar, nem esquecer, a importância desses
valores como pressupostos de garantia à paz. Nesse sentido, o Cuidado
[...] deve ser entendido em seu sentido mais amplo. Significa garantir às crianças e aos
adolescentes condições de desenvolvimento físico e emocional adequado, que lhes permita, inclusive, o sentimento de fazer parte de uma família, em cujo seio possam vivenciar o afeto, a confiança, a cumplicidade, proporcionando-lhes condições de estabilidade emocional. (HAPNER, 2008, p. 138).
O Estatuto da Criança e do Adolescente teve como escopo a materialização do
Cuidado com crianças e adolescentes, diante de uma necessidade, sentida na vivência social, de que a proteção infantojuvenil fosse garantida de forma integral. Revelou-se, deste modo, que o Cuidado deve ser entendido como próprio da essência
humana e como atitude de responsabilidade, respeito e envolvimento com o outro.
4 A expressão da Política Jurídica como crítica à legislação da criança
e do adolescente, no que tange a sua eficácia
O Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como a Constituição Federal
de 1988, determinou quais são as responsabilidades da sociedade, da família, da
comunidade e do poder público. O citado estatuto, em especial, incorporou à legislação brasileira o fato de que as crianças, dada a sua vulnerabilidade, devem receber
proteção e assistência necessária, já que precisam de Cuidado e proteção especiais.
No tocante à efetividade do ECA e ao papel do poder público, observa-se certa
desatenção com a concretização da solidariedade, visto que
Administram desigualmente os bens públicos, terceirizam serviços, privatizam, planejam políticas públicas e sociais pobres para os pobres e ricas para os ricos e poderosos, sejam indivíduos, empresas ou classes; atendem primeiramente a seus interesses,
garantem seu tipo de consumo e são atentos às suas expectativas. Não os incentivam a
olhar para os lados onde estão os outros e, assim, fazer e refazer continuamente a solidariedade social. (BOFF, 2011, p. 01).
Sob o prisma dos direitos da infância e da juventude, o que se observa é certo “faz
de conta” institucional, que não se preocupa com a implementação dessa lei, tornando-a ineficiente e ineficaz, especialmente no território brasileiro, no qual crianças e
adolescentes não são sujeitos, não são sequer humanos, pois devem sofrer punições
extremas por aquilo que, sob igual medida, lhes foi negado ou retirado: a dignidade.
Não é novidade que o estatuto é incapaz de resolver as carências afetivas das relações humanas9. Necessária se faz a resolução desse problema de ineficácia advindo
9 “Uma análise mais profunda desta questão, no entanto, nos mostra que as coisas não são assim tão simples. Há casos que ficam descobertos dessas ações difusas do socorrismo estatal.
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R. R. Linhares, S. R. F. Aquino
da grave omissão encontrada tanto na sociedade quanto na administração pública.
Em que pese a inefetividade dos direitos da criança e do adolescente seja um óbice,
ainda assim não pode ser considerada uma barreira instransponível à concretização
de seus direitos.
É nesse sentido que surge a categoria Política Jurídica10, chegando como uma
expectativa segura de realização, para que a norma não seja apenas objeto de abstração do legislador. A Política Jurídica mostra-se, então, como uma forma possível
e importante de se estudar o direito da criança e do adolescente, especialmente os
fenômenos decorrentes do seu processo de responsabilização.
Nesse sentido, tem-se que a Política Jurídica é
Utopia concreta porque torna viável, no momento presente, condições para que o desespero de tempos mais difíceis, de sobrevivência utilitária, de fome, seja no seu sentido material ou espiritual, de miséria profunda, de intolerância, não retire de todos a
chance de que o momento presente, muitas vezes insustentável e insuportável, se torne,
mais ainda, uma obra de arte capaz de sinalizar o que se pode insistir e apostar numa
autêntica Estética da Convivência. (AQUINO, 2015, p. 01).
É sobre um olhar crítico ao Direito vigente que se funda o compromisso da
Política Jurídica com o agir e a responsabilidade à proteção da criança e do adolescente, ao visar à eficácia e eficiência de suas garantias legais. A proposição do devir
jurídico pela política do direito11, a partir das necessidades infantojuvenis, assegura,
no tempo, o seu aperfeiçoamento justo, ético e socialmente útil.
Nesse contexto, conforme ensina Osvaldo Ferreira de Melo (1998, p. 40) é que
se encontra a importância do político do direito para se promover, especialmente
aos direitos da Criança e Adolescente, o seu desvelo e importância a partir do humanismo jurídico a fim de que todo cidadão “[...] treinado na crítica social, movido
pela utopia de conduzir o Direito para os lugares de novas possibilidades, seja capaz
de ousar, sem pretender, no entanto, desconstruir o que não possa reconstruir.” A
sociedade, o Estado, os seres humanos em si, como responsáveis uns pelos outros,
precisam se preocupar em
Construir o futuro com vontade política considerando a violação de direitos impregnada na nossa cultura. Precisamos construir o futuro olhando com olhos de indignação
para o presente e, com uma “solidariedade operante”, implantar uma rede de proteção
e prevenção para que o paradigma da proteção integral incorporado pelo ECA possa se
tornar realidade. E, para que isso se viabilize, é necessária uma mobilização de todos os
segmentos da sociedade, das organizações governamentais e não governamentais para
Pensamos nas necessidades pessoais de ordem afetiva que o ser humano manifesta em certos
momentos e as reclama como imprescindíveis à sua saúde mental e aos apelos que jorram dos
recônditos de seu psiquismo. Esse tipo de necessidade afetiva, essa fome de fraternidade não
encontra resposta nem no socorrismo nem no assistencialismo praticados pelo Estado. [...] Este,
se vier, o será por uma iniciativa humanitária e não como garantia de um direito. Isso nos leva a
verificar a existência do fenômeno da fome espiritual, da doença psíquica desassistida, do morrer só, da afetividade perdida, enfim, da dignidade desconsiderada.” (MELO, 2009, p. 98-99).
10“Trata-se da produção e aplicação do Direito a partir das proposições éticas e culturais de um
determinado Povo sob o ângulo de sua época. Não se trata de uma preocupação exclusiva com o
Direito que pode vir a ser (devir), mas, também, com o vigente (o Direito que é). Essa manifestação
aparece por meio da lege ferenda e sententia ferenda, pois, a partir da escolha dos valores de uma
Sociedade, cria-se, a partir da Utopia, a Norma Jurídica justa e socialmente útil. Para fins desta
pesquisa, os esforços serão concentrados apenas na expressão lege ferenda.” (MELO, 1998, p. 80).
11“Política Jurídica” e “política do direito” serão utilizadas neste artigo como expressões sinônimas.
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As contribuições da política jurídica…
que todos também possam mobilizar seu potencial de solidariedade e atuar de forma
propositiva. Uma mobilização que tenha como componentes a paixão e a razão. Sem
paixão não há envolvimento, não há luta, não há calor, e sem razão não há objetivos,
não há propósitos e não há ações que busquem a garantia de direitos. (SCHMICKLER,
2011, p. 1).
Pensar a temática da criança e do adolescente e envolver-se com suas questões
existenciais é uma tarefa do político do direito, operador de utopias carregadas de
esperança, as quais ensejam qualidade de realização, de concretude de direitos. É
tempo de construção da humanização da criança e do adolescente, os quais necessitam, sem dúvida alguma, do Cuidado das gerações que os precedem.
4 Considerações finais
O ordenamento jurídico brasileiro, com a instituição da Constituição Federal
de 1988 e a posterior criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, demonstrou
profunda evolução no sentido de tornar fundamentais os direitos que garantissem a
dignidade da pessoa humana. A criança e o adolescente, em sentido estrito, passaram a ser considerados, assim como todo o ser humano, sujeitos de direitos perante
as garantias constitucionais.
Na verdade, para uma norma ser aceita socialmente, é necessário que seja baseada
no sentimento de justo presente na própria sociedade. O Estatuto da Criança e do
Adolescente ainda é uma ferramenta recente do ordenamento brasileiro, por isso exige
que as pessoas ajam solidariamente em busca de concretização dos direitos infantojuvenis. A adesão à norma não depende da validade formal, ou seja, não é preciso que ela
siga os padrões legais e as observâncias técnicas para que seja aceita, mas é necessário
que se baseie no que é desejável pela população e que satisfaça suas necessidades.
Diante do estudo, então, a hipótese de pesquisa se confirma. Não apenas o sentimento de solidariedade como também o Cuidado em sentido de valor jurídico e
a Política Jurídica, como utopia carregada de esperança, se mostram como importantes nortes para que se possam suprir as necessidades das lacunas ainda não solucionadas advindas da não realização dos direitos das crianças e dos adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio para responsabilizar toda a sociedade pela efetivação dos direitos referentes à dignidade da criança e do adolescente.
Cabe ao político jurídico, mas não somente a ele, e sim à sociedade em geral, a responsabilidade de construir um novo Direito, que seja considerado eficaz e responda
às necessidades tanto das crianças quanto dos adolescentes. É necessário que todos
se sintam cuidadores dessa parcela da população fragilizada, por isso é que o Cuidado se torna um grande valor jurídico.
Referências
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presente. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/>. Acesso em: 10 out. 2015.
BOFF, Leonardo. Como nasce a ética? Disponível em: <http://www.leonardoboff.com/site /vista/
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DIFERENCIANDO A REALIZAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Different types of achievements among constitutional rights
José Paulo Schneider dos Santos
Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade IDC de
Porto Alegre/RS. Graduado em Direito pela IMED - de Passo Fundo/RS.
Pesquisador com apoio FAPERGS (2012-2015). Advogado.
E-mail: <[email protected]>.
Fausto Santos de Morais
Orientador. Doutor em Direito Público (UNISINOS), docente do PPGD da IMED.
Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. Advogado.
Resumo
Concentrado no âmago da teoria dos direitos fundamentais, o presente estudo foi
desenvolvido a partir do método fenomenológico hermenêutico, cujos aportes teóricos sustentam a revisão bibliográfica procedida. Tem-se como escopo refletir acerca
da realização dos direitos fundamentais. Portanto, a indagação que se coloca é a de
saber qual a diferença entre a realização negativa e a realização positiva dos direitos
fundamentais. A justificativa do presente trabalho vem interiorizada na proposta
de reflexão teórica sobre os direitos fundamentais, o que se mostra como pano de
fundo para discussões relativas à tutela e à concretude dos direitos fundamentais,
especialmente em um país de democracia tardia como o Brasil.
Palavras-chave: Direito fundamentais negativos. Direitos fundamentais positivos.
Teoria dos direitos fundamentais.
Abstract
Looking just at the dimension of constitutional rights, this work was developed by
phenomenological and hermeneutical method, paying attention on bibliographical
research. The main goal is to think about Constitutional Rights Achievements. For
that, it is necessary to ask what the difference about achievements in negative and
positive constitutional rights is. This article is justified because it shows a theoretical
approach to constitutional rights, which is required for pay attention on jurisdiction
in late democracies.
Keywords: Negative Constitutional Rights. Positive Constitutional Rights. Theory
of Constitutional Rights.
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-5
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J. P. S. Santos, F. S. Morais
1 Introdução
Este trabalho propõe reflexões estritamente teórico-doutrinárias a respeito da
realização dos direitos fundamentais. Na verdade, o que se sugere é uma diferenciação dos níveis de realização negativa e positiva desses direitos.
Num primeiro momento, o objetivo é o de apresentar os direitos fundamentais
como direitos de defesa do cidadão. Pretende-se, na sequência, analisar os aspectos
positivos desses direitos, envolvendo a sua realização pelo ente estatal.
Portanto, reconhecer os direitos fundamentais num duplo sentido, por assim
dizer, é consequência da mutação das funções estatais perante os sujeitos de direitos.
Quando se olha para a complexidade da sociedade tecnológica, por exemplo, verifica-se certa defasagem no conceito de direito fundamental de cariz liberal (direitos
negativos). Eis que a teoria dos direitos fundamentais oferece a distinção conceitual
e de dimensões desses direitos.
Para fins metodológicos, adotou-se o método fenomenológico-hermenêutico,
cujos aportes contribuem para a sistematização de conceitos, a partir de revisão
bibliográfica de natureza jurídico-filosófica, referente ao estudo dos direitos fundamentais.
2 A realização negativa dos direitos fundamentais
No âmago da caminhada positivista1, como já abordado, o Estado recebe do
homem autonomia e exclusividade na produção do direito e organização da vida
humana. Diz-se, dessa maneira, ser o Estado o ente com capacidade para impor
obrigações e fazê-las cumprir. Os direitos subjetivos públicos vêm, necessariamente,
inverter essa lógica. Tais direitos demandam a limitação desse arbítrio estatal, isto
é, apresentam-se “como direitos de defesa do cidadão contra o Estado” (DUQUE,
2014, p. 121). Em suma, o Estado, que antes somente obrigava, necessita agora atentar e respeitar as obrigações jurídicas criadas por esses direitos.
Traço característico do liberalismo é o anseio social pela defesa dos direitos e
liberdades conquistados em face do Estado. Quer dizer, recusam-se os tempos de
outrora, em que predominavam o autoritarismo e os abusos pelo ente estatal (no
mais das vezes representado pelo soberano).
1 A fim de evitar os reflexos negativos do não dito, faz-se oportuno reiterar algumas considerações a respeito da filosofia positivista. Como já denunciado em outro momento (MORAIS;
SANTOS, 2014, p. 113-114), o positivismo jurídico, não raramente, é concebido de forma equivocada e desconectada da tradição histórico-institucional do direito. São várias as correntes
com influência do direito positivo, dentre elas, por exemplo, estão o positivismo exegético e o
positivismo normativista. Por isso é que se diz não ser possível resumir o positivismo jurídico
a uma única matriz do pensamento jusfilosófico. Todavia, existem alguns cuidados primários
ao se tratar sobre essa temática. Em primeiro lugar, e num sentido geral, deve-se reconhecer a
soberania do Estado na produção do direito. Depois, é necessário atentar para o fato de que os
ideais positivistas (em sentido lato) foram constituídos perante uma rigorosa cisão entre elementos jurídicos e morais (MORAIS, 2013, p. 23). Insta referir, por fim, as diferentes teorias da
interpretação verificadas nos distintos momentos do positivismo: inicialmente, ela está adstrita
ao uso da subsunção (MORAIS, 2013, p. 23); posteriormente, autoriza a materialização de direitos mediante o ato de vontade do juiz (MORAIS; SANTOS, 2014, p. 119), isso no que refere
às escolas positivistas antes individualizadas (positivismo exegético e normativismo). Reconhece-se, assim, a existência de outras passagens e vertentes do pensamento positivista, tais como:
jurisprudência dos conceitos (DANTAS, 2006, p. 483-484) (HESPANHA, 2005, p. 391-398); jurisprudência dos interesses; escola do direito livre (MAXIMILIANO, 2001, p. 55-68) (PAULA
DE OLIVEIRA, 2006, p. 272-274).
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Diferenciando a realização dos direitos fundamentais
Postular direitos, nessa linha, pressuporia guerrear contra a tirania estatal.
Logo, na passagem liberal, o reconhecimento de direitos fundamentais contribuiu
à derrocada da soberania2 e, por conseguinte, à edificação dos direitos de defesa
(abwehrrechte) (DUQUE, 2014, p. 37).
Em linhas gerais, os direitos fundamentais de cariz liberal se preocupam, ainda
que de maneira incipiente, com a relação “Estado e indivíduo”. É por essa razão que
esses direitos (do século XIX) são denominados como direitos negativos ou de defesa, “entendidos exclusivamente como limites à ação estatal” (GRIMM, 2007, p. 150).
Na verdade, os particulares eram vistos sob a ótica da igualdade e da liberdade, “[...] razão pela qual não havia, ao menos em princípio, motivo para estender
direitos fundamentais à esfera eminentemente privada. Tratava-se, assim, de uma
concepção unidirecional dos direitos fundamentais.” (DUQUE, 2014, p. 38).
Percebe-se que a concepção histórica dos direitos fundamentais está enraizada
nos paradigmas jusnaturalistas (séculos XVII e XVIII). A propósito, com a Declaração Universal da ONU, os direitos fundamentais deixam de ser notados sob o aspecto
de mera “abstratividade” universal, no sentido de que eram reconhecidos a todos os
homens mas dependiam de uma positivação pelo ordenamento jurídico interno de
cada Estado, isto é, seu significado e alcance foram ampliados (SARLET, 2006, p. 66).
No seu início, as constituições, principalmente aquelas de vertente liberal-burguesa, foram concebidas diante dos seguintes aspectos rudimentares: (i) necessidade de limitação do poder estatal; (ii) garantia de certos direitos fundamentais em
face desse poder; (iii) e o princípio da separação dos poderes (SARLET, 2006, p. 69).
2 É oportuno contextualizar que uma das principais dificuldades verificadas no direito natural
é o fato de que o estado de natureza era constituído em um estado de anarquia permanente
(BOBBIO, 1995, p. 35). Nele, prevalecia a lei do mais forte, e todos tinham o arbítrio de utilizar
da força necessária na defesa de seus interesses particulares. Inexistia, até então, o direito escrito
e a figura do poder centralizado, capaz de fazê-lo cumprir. Era necessário, desta maneira, acabar
com a anarquia social. Como se sabe, isso somente foi possível a partir do surgimento do Estado, ente dotado de força indiscutível e irresistível, capaz de constranger os homens a respeitar as
leis, o que ocorreu após a dissolução da sociedade medieval (de cunho extremamente pluralista,
dividida em grupos de múltiplas unidades territoriais ou sociais, com ordenamentos próprios
e distintos, com o direito sendo produzido pela sociedade civil) (BOBBIO, 1995, p. 27). Para
Hobbes, a constituição do Estado advém do anseio humano pela proteção, organização e valorização da própria existência. Nesse sentido, o Estado poderia ser legitimado voluntariamente
pela aceitação dos homens ou a eles ser imposto (1983, p. 105-106). Por certo, as leis civis, gerais
e abstratas, representariam a vontade do soberano, sendo obrigação dos homens conhecê-las e
respeitá-las. Assim, as qualidades e virtudes morais, quando ditas pelo soberano, assumiriam o
valor de ordem escriturada e, dessa forma, deveriam obrigatoriamente ser seguidas. Atenta-se
ainda para o fato de que, na falta da lei escrita, os mandamentos naturais poderiam ser aplicados desde que não estivessem em contraposição à vontade do soberano. Em Hobbes, todavia,
a subordinação à lei não é uma via de mão dupla. Para ele, a lei é a expressão do intentar do
soberano e, como tal, não poderia ser contrária à razão (esta, insiste-se, produto do saber soberano), estando a legitimidade da decisão judicial condicionada a este elemento (1983, p.165).
Dessa forma, a passagem do direito natural ao direito positivado se deve, dentre outros fatores,
ao surgimento do Estado. A produção legislativa, que antes era esparsa (uma vez que a norma
a ser aplicada poderia ser deduzida das regras do costume, das regras elaboradas pelos juristas, ou de critérios equitativos do próprio caso), concentrou-se nas mãos do órgão com força
para fazê-la cumprir, o leviatã hobbesiano. Assiste-se, assim, ao processo de monopolização da
produção jurídica por parte do Estado (BOBBIO, 1995, p. 27). Ou seja, o surgimento do Estado
simboliza a derrocada da anarquia (comum à condição natural do homem), evidenciando-se
como um meio eficaz de intervenção na vida social (BOBBIO, 1995, p. 119). Enfim, aqui certamente reside o porquê de o poder (de autogovernar-se) do povo ter sido transferido ao Estado.
Acontece que, com o passar do tempo, o poder estatal, antes necessário à existência humana,
passou a interferir demasiadamente – em nítido autoritarismo – na liberdade do homem, dando
ensejo à guinada do conceito e do modelo jurídico-político, o que corroborou o surgimento do
liberalismo e, por consequência, a institucionalização do abwehrrechte (direitos fundamentais
de defesa) (DUQUE, 2014, p. 37-38).
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J. P. S. Santos, F. S. Morais
Logo, sem garantias asseguradas, bem como na falta da separação dos poderes,
não se institucionaliza uma constituição – razão pela qual é correto afirmar que os
direitos fundamentais alcançaram sua plenitude institucional no interior do Estado
constitucional, uma vez que integram um sistema axiológico e atuam como fundamento material de todo ordenamento jurídico (SARLET, 2006, p. 70-72).
3 A realização positiva dos direitos fundamentais
Conforme já se expôs, os direitos fundamentais, em sua essência (GRIMM, 2007,
p. 150), encontram melhor expressão na máxima de que eles exigem um Estado
mínimo no tocante à intervenção na liberdade individual do sujeito (GRIMM, 2007,
p. 156). Contudo, essa é uma idealização inicial apenas. Embora se apresentem até
os dias atuais como direitos de defesa, os direitos fundamentais denotam também a
obrigação do Estado de ter uma atuação objetiva ante o particular.
Na verdade, não se pode divorciar o conceito de direito fundamental da relação
entre o particular e o Estado. Há de se admitir que através das nuances dessa relação
é que as funções dos direitos fundamentais vão ganhando novos contornos3. Não foi
à toa, pois, que Georg Jelliek (1919) teorizou a respeito de três diferentes status dos
direitos fundamentais: status negativus; status positivus e status activus (PIEROTH;
SCHLINK, 2012, p. 62)4 .
Queiroz, sobre o mesmo tema, ensina que os direitos fundamentais devem ser
percebidos em seus status: passivo (submissão do sujeito ao Estado); negativo (liberdade do homem face ao Estado, ações negativas por parte deste); positivo (dever de
realização e proteção estatal); activo (pelo qual o cidadão exerce sua liberdade no e
pelo Estado) (2010, p. 55).
3 Fala-se da dinamicidade conceitual comum aos direitos fundamentais. Pensar numa definição de
direito fundamental pressupõe reconhecê-lo em diferentes níveis de extensão. Com o segundo pós-guerra e, portanto, num Estado de direito, surgiu o entendimento de que os direitos fundamentais
extrapolam o conceito de direitos subjetivos e devem ser percebidos, também, como valores objetivos que norteiam e dão força à ordem constitucional de determinado Estado. Esse direito, segundo
Novais, irradia a todos os ramos do direito (enquanto disciplina) e vincula, ou deve vincular, sobre a
atuação de todos os poderes estatais. Quer dizer, direitos fundamentais subjetivos fazem referência
à relação “Estado e indivíduo”. Direito fundamental objetivo, por seu turno, é aquele que condiz
com a universalidade dos direitos, deve ser tido num caráter geral e universal, irradiando-se em
todo o ordenamento de um Estado democrático de direito (2010, p. 58).
4 Explicando: i) o status negativo faz referência aos direitos de defesa ou, melhor, direitos que garantem ao cidadão autonomia e liberdade ante o ente estatal, protegendo-o das “ingerências na
liberdade e propriedade” (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 62) – à Lei Fundamental alemã, por
exemplo, foram escriturados diversos direitos (negativos) com o fito de proteger o homem do
arbítrio e violação estatal (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 62). ii) A extensão positiva dos direitos
fundamentais, por seu turno, reclama a intervenção e a participação do Estado. O Estado, que
anteriormente deveria deixar o cidadão em paz, é chamado a proteger e materializar as necessidades do povo. Não se quer dizer que o Estado tudo pode; do contrário, está-se a afirmar que
a noção objetiva dos direitos fundamentais obriga o ente estatal a executar uma série de ações
prestacionais e de segurança ao indivíduo (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 63). A Lei Fundamental, neste passo, prevê alguns direitos positivos: direito à proteção, direito à assistência da
comunidade, direito à proteção jurídica (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 63). iii) Já o status ativo
dos direitos fundamentais tem significado quando “o particular exerce a sua liberdade no e para
o Estado, o ajuda a construir e nele participa” (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 65). Dizendo de
outro modo, o homem não só tem o direito de reclamar autonomia ante o Estado e serviços prestacionais como também lhe é assegurado o papel de ator social. Isto é, confere-se ao homem um
poder-dever, cuja responsabilidade política implica – ao menos deveria implicar – o aprimoramento da instituição estatal.
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Diferenciando a realização dos direitos fundamentais
Nota-se que a autossuficiência e a autonomia do particular em relação ao Estado são características fortes no liberalismo, século XIX e início do XX (PIEROTH;
SCHLINK, 2012, p. 68). Em outras palavras, o homem era livre para organizar seus
interesses; o Estado, por sua vez, atuaria minimamente na intenção de defendê-lo
dos “perigos externos e internos” (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 68).
A diferença entre o aspecto negativo e o positivo dos direitos fundamentais consiste em saber que, em vista da contemporaneidade e dos reflexos do primeiro e
segundo pós-guerra, a perspectiva estatal atinge sua definição social, pela qual o
Estado deveria “criar e assegurar as condições de liberdade” (PIEROTH; SCHLINK,
2012, p. 68).
Importa, por ora, sublinhar que a idealização liberal, de igualdade e liberdade,
não se mostrou suficiente. Não se tinha, naquele momento, um gozo prático desses
idealismos. Daí o porquê de, no decorrer do século XIX, surgirem grandes exigências5 pela realização da justiça social, cujo objetivo era a ação positiva do Estado.
Isto é, a sociedade, que antes reivindicava maior autonomia e liberdade individual,
passa a exigir que o Estado garanta e propicie o bem-estar social (SARLET, 2006, p.
56-57). Quer dizer, o sujeito de direitos deixa de ser mero espectador e passa a atuar
ativamente na organização social, naquilo que pode se classificar como a “democratização do poder” (DUQUE, 2014, p. 38).
O resultado disso é o retorno da competição entre os pares. A segurança dos
direitos fundamentais, com isso, dependeria não somente da abstenção do Estado
(na liberdade individual) mas, essencialmente, da sua participação (como intermediador) na relação privada, donde adviriam as contemporâneas ameaças e ofensas
às garantias fundamentais (DUQUE, 2014, p. 38-39).
Diferentemente do ocorrido nos modelos americano e francês, o constitucionalismo alemão foi idealizado como “limitação voluntária dos soberanos” 6. Assim, é
na Alemanha que nasce a idealização dos direitos fundamentais “como obrigações
positivas do Estado” (GRIMM, 2007, p. 153). A saber, após a assembleia constituinte
da República de Weimar (1918), os direitos fundamentais ganham nova roupagem
e passam a ser notados como sendo “mais do que direitos puramente negativos”
(GRIMM, 2007, p. 154).
Entretanto, em que pese tal avanço, o legislador continuava com ampla liberdade de conformação. Manteve-se, inicialmente, a ideia de “não vinculação do legislador”, pela qual os direitos fundamentais representariam “mera expressão de um
propósito político e não [...] norma jurídica obrigatória” (GRIMM, 2007, p. 154).
Porém, momentos de absoluta negação aos direitos fundamentais, como os verificados no regime nazista, contribuíram para um conceito amplo e verdadeiramente abrangente dos direitos fundamentais (GRIMM, 2007, p. 154-155). Verifica-se, a
esse respeito, na história da jurisprudência da Corte Constitucional alemã, a paradigmática decisão do caso Lüth (1958)7. A referida decisão bem traduz a amplitude
5 Duque, por exemplo, atribui essas exigências, bem como a superação do liberalismo, à “crescente demanda da sociedade tecnológica de massas” (2014, p. 38).
6 Convém esclarecer que o contexto histórico alemão é de tímida superação em relação ao regime
monárquico (GRIMM, 2007, p. 153). A adoção do constitucionalismo, no decorrer do século
XIX, pela monarquia alemã tinha o objetivo uno de autopreservação da dinastia que se encontrava em “crescente deslegitimação da antiga ordem” (GRIMM, 2007, p. 153).
7 Em 1958, o Tribunal Constitucional Federal alemão proferiu emblemática decisão sobre direitos
fundamentais. É com ela que se inaugura a discussão sobre a restrição de direitos fundamentais
na esfera privada, bem como o reconhecimento da força objetiva desses direitos. Explicando
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J. P. S. Santos, F. S. Morais
da extensão dos diretos fundamentais reconhecidos pela Lei Fundamental (Grundgesetz)8. Aliás, “reconhece(u)-se (com ela) que o Estado está obrigado a agir, na medida do possível, para a realização dos direitos” (DUQUE, 2014, p. 123). Embora
a decisão de Lüth tenha mantido o Estado como sendo o destinatário dos direitos
fundamentais, é de se frisar que ela representa a efetivação desses direitos nas “relações de direito privado” (GRIMM, 2007, p. 155).
Pode-se concluir, nessa linha, que os direitos fundamentais, em caráter originário, negam e combatem toda forma de autoritarismo estatal. Em um segundo momento, esses direitos se mostram como vedação a omissões e a desprezos do Estado
na efetivação dos direitos mínimos, algo imprescindível à consolidação do órgão
estatal (SARLET, 2006, p. 72).
Para Novais, o segundo pós-guerra – portanto, num Estado de características
sociais e democráticas de direito – corroborou a ampliação do conceito de direito
fundamental, isto é, constatou-se que os direitos fundamentais são valores objetivos capazes de conduzir e fortalecer o ordenamento constitucional de cada Estado.
Segundo o autor, os direitos fundamentais irradiam a todos os ramos do direito e
vinculam-se à atuação de todos os poderes estatais (2010, p. 57-58).
Em suma, os direitos fundamentais negativos fazem referência à relação “Estado
x indivíduo”, ao passo que a extensão positiva deve ser tida num caráter geral e universal, irradiando-se em todo o ordenamento de um Estado democrático de direito
(NOVAIS, 2010, p. 58).
o caso: Erich Lüth, crítico de cinema e “líder do clube de imprensa de Hamburgo” (GRIMM,
2007, p. 155), cujo objetivo maior era estabelecer um clima harmônico entre judeus e alemães,
foi o responsável pelo boicote ao filme Amante Imortal (Unsterbliche Geliebte), de Veit Harlan,
diretor cinematográfico conhecido por dirigir filmes antissemitas e de forte estímulo à violência contra o povo judeu (GRIMM, 2007, p. 155). Representantes da indústria cinematográfica,
com a intenção de proibir que Lüth prosseguisse com sua campanha de boicote, levaram o caso
à justiça. A corte civil alemã (tribunal estadual), com fundamento no § 826 BGB (SCHWABE,
2005, p. 381), entendeu ser o caso de responsabilização dos danos causados por Lüth, em vista
de que seus atos afrontavam “os bons costumes” (GRIMM, 2007, p. 155). Inconformado com a
procedência da ação, Lüth apresentou reclamação à Corte Constitucional alemã, por entender
que a decisão violava diretamente seu direito de liberdade de expressão, disposto no artigo 5
da Lei Fundamental (GRIMM, 2007, p. 155). As companhias de cinema alegaram a impossibilidade da oposição dos direitos fundamentais entre particulares. A reclamação, no entanto,
foi julgada procedente, restando revogada a decisão do tribunal estadual (SCHWABE, 2005, p.
381). Notam-se nos argumentos utilizados pelo Tribunal Constitucional Federal elementos que
transcendem o conceito inaugural dos direitos fundamentais; quer dizer, os direitos fundamentais receberam leitura inicial como direitos públicos subjetivos contra o Estado “mas também
como expressões de valores objetivos” (GRIMM, 2007, p. 155). Além disso, a referida decisão
confirmou a necessidade de o direito privado encontrar compatibilidade com as disposições
estabelecidas na “Declaração de Direitos” (GRIMM, 2007, p. 155). Definiu-se, de uma vez por
todas, a possibilidade de se opor ou invocar os direitos fundamentais contra terceiros. Ou seja,
o caso Lüth representa significativa mudança no modo de conceber os direitos fundamentais. A
partir dele, tais direitos foram reconhecidos também como dotados de uma extensão objetiva,
pela qual não poderiam mais ser resumidos a uma materialização apenas vertical, devendo-se
reconhecer sua aplicabilidade horizontal (GRIMM, 2007, p. 156).
8 Embora a Lei Fundamental não tenha sido concebida com a expressão “constituição” em sua
nomenclatura, não se pode negar sua extrema relevância. Afinal, ela contribuiu “para a consolidação da ordem jurídica fundamental de um Estado alemão parcial, em vias de reconstrução
após o fim da Segunda Guerra Mundial” (DUQUE, 2014, p. 41). Tem-se assim que a expressão
Lei Fundamental melhor traduz a “transitoriedade” do modelo político-jurídico da Alemanha
do segundo pós-guerra. Além disso, a Lei Fundamental foi um instrumento “incontestável” de
forte valor e vinculação jurídica, tendo suprido as necessidades de uma República Federal em
(re)construção (DUQUE, 2014, p. 41). Com efeito, “a Lei Fundamental concentra-se na caracterização da República Federal da Alemanha como um Estado federal social” (art. 20º, n. 1), ou
seja, um Estado de direito social (art. 28º, n. 1, frase 1). (PIEROTH; SCHLINK, 2012, p. 69).
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Diferenciando a realização dos direitos fundamentais
4 Considerações finais
Embora o trabalho possua objetivos estritamente teóricos, cuidou-se de deixar
nítido desde o início que o propósito era o de, tão somente, (re)visitar as extensões
negativas e positivas dos direitos fundamentais.
Acredita-se que as finalidades propostas foram atendidas, o que corroborou as
seguintes conclusões:
1. Direitos fundamentais negativos são aqueles direitos de defesa do indivíduo em relação
ao Estado, isto é, expressam garantias de proteção contra a intervenção do Estado na
esfera da liberdade (e propriedade) individual. Os direitos fundamentais positivos, por
sua vez, implicam a imposição de reconhecimento, validade e concretização universal
das primazias fundamentais.
2. Percebe-se que essa dupla dimensão implica o amplo compromisso do Estado para
com os direitos fundamentais. Num primeiro olhar, esses direitos reclamam um Estado limitado, cuja tarefa principal deve ser a abstenção da interferência na liberdade do
indivíduo. Em um segundo momento, eles aparecem como meios positivos de realização e gozo das garantias inerentes à pessoa humana.
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UM NOVO OLHAR SOB OS ASPECTOS HISTÓRICOS
DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
A new look under the historical aspects of restorative justice
Camila Bianchi da Silva
Graduanda do VIII nível da Escola de Direito da IMED. Realiza pesquisa científica
sobre Justiça Restaurativa. E-mail: <[email protected]>.
Raquel Tomé Soveral
Orientadora. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.
Docente da IMED.
Resumo
As práticas restaurativas, alternativamente ao sistema prisional brasileiro tradicional, caracterizado pela prevenção e retribuição, têm-se mostrado meios mais eficazes para a resolução de situações conflitantes decorrentes de atos delitivos, devido ao
fato de serem um modelo mais humano, igualitário e que devolve às partes, vítima
e agressor, o poder de decisão sobre suas próprias vidas, considerando as suas necessidades, sem deixar de lado o papel imprescindível desempenhado pela família e
sociedade, bem como a responsabilização e o reconhecimento dos danos causados e
suas consequências. Entretanto, apesar de os princípios restaurativos apresentarem
maior importância no mundo contemporâneo, alguns de seus elementos podem
ser notados conforme o desenvolvimento dos paradigmas de justiça na cultura dos
povos mais antigos, mesmo que de forma mais inibida, haja vista que seu entendimento de justiça já abarcava a importância do relacionamento interpessoal entre
infrator, vítima, família e sociedade, pela perspectiva comunitária ou até mesmo bíblica. O presente trabalho, por meio do método de abordagem hipotético-dedutivo
e procedimental histórico – pois utilizaram-se doutrinas realizando um aparato da
história sobre o tema – busca realizar um estudo para uma melhor e mais abrangente compreensão acerca do que é justiça restaurativa.
Palavras-chave: Paradigmas de justiça. Práticas restaurativas. Prevenção. Retribuição.
Abstract
The restorative practices, alternatively to the traditional Brazilian prison system
characterized by prevention and retribution, have been shown as most effective ways
to resolve conflict situations arising from criminal acts, to being a more humane
model, egalitarian and returns the parts, victim and aggressor, the power of decision
in their own lives, considering their needs, without forgetting the essential role of the
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S
U
M
Á
R
I
O
Um novo olhar sob os aspectos históricos da justiça restaurativa
family and society as well as accountability and recognition of the damage and its
consequences. However, despite the restorative principles they have greater importance in the contemporary world, some of its elements can be noticed as the development of the paradigms of justice in the culture of older people, even more inhibited
way. Considering that his understanding of justice have embraced the importance
of interpersonal relationships between the offender, victim, family and society, be
on the community perspective or even biblical. This paper, through the method of
approach the hypothetical-deductive and procedural history, it was used doctrines of
performing an apparatus of the story on this topic, search conduct a study to better
and greater understanding of what is restorative justice.
Keywords: Paradigms of justice. Restorative practices. Prevention. Retribution.
1 Introdução
O cenário atual de retribuição punitiva constitui-se num ideal defasado, haja
vista estar envolto por um silogismo unicamente de repressão, que por vezes desconsidera a titularidade do ser humano como detentor de direitos. Logo, por tal falha, surge a necessidade de se buscar novos meios que vão além do encarceramento
reclamado pelo senso comum.
Assim, justiça restaurativa é um dos modelos alternativos ao sistema prisional
brasileiro atual, pois, em contrapartida a esse último, amparado pelos ideais de punição e culpa em busca da não reincidência e da titularidade do Estado para a resolução de conflitos, traz como base o reconhecimento da relação interpessoal, assim
como dos direitos fundamentais dos envolvidos, e, acima de tudo, trabalha com
questões de arrependimento e perdão.
Contudo, o paradigma que hoje possui maior notabilidade nas discussões de
como melhor se aplicar as legislações criminalistas foi sendo construído no decorrer
da história da humanidade. Isso quer dizer que os povos primitivos, pré-estatais e
europeus já utilizavam, mesmo que de forma menos clara, os princípios restaurativos na resolução de situações geradas por condutas delitivas em suas comunidades.
Portanto, o modelo contemporâneo, que surgiu de modo mais expressivo por
volta da década de 1970 e vem sendo trabalhado até os dias de hoje, possui resquícios
dos paradigmas mais antigos de justiça, como o bíblico e o privado, que demonstravam preocupação com as necessidades da vítima e do agressor e, por conseguinte,
com a paz da comunidade e o convívio futuro dessas pessoas.
Diferentemente do caráter público fundamentado pelo descumprimento das
normas, tais concepções dirigiam-se à importância da relação entre todos, inclusive
família e sociedade, pois estas também eram afetadas, assim como infligiam responsabilidade e ressarcimento do ofensor à vítima, algo que foi herdado pelas práticas
restaurativas.
2 Contexto histórico e a evolução dos paradigmas de justiça
As práticas restaurativas que hoje ganham espaço no âmbito do direito penal
pela busca de medidas mais eficazes a fim de que seja preservado o relacionamento
pessoal entre agressor, vítima, família e comunidade, não se deixando de lado a
ideia de responsabilidade pelo ato cometido, possuem vestígios históricos na evolução do pensamento de justiça.
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C. B. Silva, R. T. Soveral
Assim, pode-se dizer que os ordenamentos jurídicos regulamentadores das
ações dos cidadãos sofreram as mais diversas influências, advindas dos costumes,
religiões, política e economia. Passaram de uma concepção de justiça mais comunitária para a resolução de conflitos, que considerava o relacionamento pessoal dos
habitantes daquela comunidade, para uma ideia de sistema retributivo e preventivo,
que centraliza o poder nas mãos do Estado. Por conseguinte, segundo Zehr (2008, p.
108), personificou-se por justificativas próprias no papel de vítima por meio de um
paradigma de justiça voltado ao cumprimento estrito da lei, afastando a autonomia
dos envolvidos para solucionar a situação conflitante da qual fazem parte, caracterizando-se como meros espectadores de sua vida.
Em complementação ao supramencionado, Santos (2011, p. 25) afirma que o
aspecto punitivo sempre prevaleceu sobre o pensamento das pessoas. Zehr (2008,
p. 93) enfatiza que os paradigmas ditados pela força estatal dominante desenvolveram no meio social uma necessidade de encarcerar, caracterizando a sobreposição
da justiça pública em face da privada.
À vista disso, Bitencourt (2013, p. 72-73) trata a evolução dos paradigmas de
justiça por meio da denominação “vingança”, separando-os em três fases: privado,
divino e público. Deste modo, sob a análise da sistemática divina, é possível notar
que, nos tempos mais remotos, os atos delitivos eram considerados uma ofensa à
divindade, o que, por conseguinte, “levou a coletividade a punir o infrator para
desagravar a entidade”. Assim, a sistemática repressiva daquela época era distante
do real sentido de justiça, tendo em vista que a agressão sofrida pela sociedade era
oriunda também dos entes religiosos aos quais estavam resignados e, portanto, a solução consistia em satisfazer as divindades por meios de métodos de extrema crueldade a fim de intimidar a comunidade a não reiterar a desobediência.
Seguindo o entendimento de Bitencourt (2013, p. 73), com o desenrolar dos tempos, as influências teocráticas foram sendo superadas, perpassando a concepção de
justiça privada. Em conformidade com o autor, a vingança de cunho privado trouxe
a ideia de que a responsabilidade por atos infracionais poderia ser unicamente do
infrator, como também do grupo social em que estava inserido. Dessa maneira, a
transgressão cometida contra membro da comunidade era individualmente penalizada, com a forma de banimento; contudo, ao se tratar de ofensa contra estranho, o
grupo como um todo teria envolvimento por meio de batalhas.
Ainda sob a perspectiva de Bitencourt (2013, p. 73-74), a primeira manifestação
de igualdade entre vítima e agressor, com intuito de humanizar a lei penal, foi a Lei
de Talião com originalidade no Código de Hamurabi, por volta de 1700 a.C., a qual
enfatizou o ditado que permanece até os dias de hoje: “olho por olho, dente por dente”. Foi transformada na denominada composição, em que o agressor se redimia do
castigo mediante pagamento de valores. Em que pese ter ocorrido uma significativa
evolução na forma de pensar em justiça, passou-se ao terceiro momento, tratado
pela percepção pública, ou seja, a questão do ato infracional se tornou problema do
poder estatal dominante, o qual reprimiu mediante severas sanções.
Conforme Bianchini (2012, p. 29), foi por intermédio do direito romano que as
regras regulamentadoras das ações dos cidadãos, bem como as repressoras, passaram a ter forma documental. Além do mais, foi a partir da legislação criminalista
romana que também se estabeleceu o caráter público na esfera penal.
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Um novo olhar sob os aspectos históricos da justiça restaurativa
Sendo assim, numa análise dos três momentos marcantes da história que remetem às concepções de justiça de cada contexto social, pode-se notar que cada um
apresentou características próprias na responsabilização de seus infratores, regulamentando suas ações pela influência de sua cultura, amparada quer pelos ditames bíblicos, quer pelos privados ou públicos. Entretanto, apesar de terem se transformado
no sistema punitivo e codificado atual, os ideais dos povos mais antigos já se direcionavam ao caminho da justiça restaurativa, pela consideração da relação interpessoal.
2.1 Vestígios de práticas restaurativas em modelos históricos de justiça
Em que pese o ideal de retribuição e prevenção caracterizado pela necessidade
de punição ter mostrado prevalência no pensamento social, a resolução de conflitos
apresentou as mais diversas facetas, inclusive de caráter restaurativo.
De acordo com Zehr (2008, p. 95), dentro do sistema de repressão e responsabilização, houve também um caminho alternativo, o comunitário, isto porque “o crime
era visto primariamente como num contexto interpessoal”. Ou seja, não se tratava
de um mero descumprimento de lei, mas de uma ofensa praticada em detrimento de
outro cidadão e, por isto, surgia uma obrigação para com o outro. Tais obrigações
acarretavam indenizações, restituições ou até mesmo reconciliação. Logo, o autor
preconiza que a justiça comunitária visava alternativas restaurativas a fim de igualar os envolvidos, bem como trazer para a solução da lide apresentada não apenas
vítimas e infratores, mas também, como partes essenciais, os familiares e a sociedade em prol de um resultado positivo.
Os envolvidos em conflitos buscavam resolver suas desavenças em um contexto
coletivo; consoante Zehr (2008, p. 96-99), “quando um indivíduo sofria um dano,
a família e a sociedade também se sentiam agredidas”. Por isso, era preferível solucionar a questão no âmbito comunitário a levá-la às cortes, às quais se recorria em
últimos casos, assim como ao sistema retributivo, utilizado apenas no sentido de
responsabilizar o infrator.
Além do modelo comunitário de resolução de conflitos, alguns dos ideais restaurativos também foram apresentados na aplicação da justiça divina. Isto porque,
em conformidade com o pensamento de Zehr (2008, p. 143-145), o paradigma bíblico, em mãos de autoridades religiosas, tinha como objetivos a paz social e a aliança
entre os povos, assim como possuía o entendimento de que “a justiça é um todo que
não pode ser fragmentado”.
Posto isto, é possível notar os elementos restaurativos, haja vista que o cidadão
não é visto individualmente do meio em que vive, porque são as experiências vividas que constituem sua personalidade. Sendo assim, segundo Zehr (2008, p. 145), as
semelhanças com a justiça divina consistem no sentido de que “[...] o contexto social
do crime deve ser levado em conta. Não se pode separar os atos criminosos ou seus
atores da situação social por de trás deles.”
Desta forma, Zehr (2008, p. 143-144) traz como essenciais características do paradigma bíblico, amparado por objetivos de restauração, em prevalência do modelo
estatal, retributivo e preventivo inserido no contexto social atual, que preconiza a
culpa, a busca pelas soluções dos problemas visando seus resultados futuros; e não
apenas aplicação de castigos merecidos baseados em atos do passado, tendo foco
nos danos causados, pois o delito é visto como deteriorador dos relacionamentos
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C. B. Silva, R. T. Soveral
pessoais e não apenas violação da legislação. O infrator é reconhecido e responsabilizado, entretanto a ofensa é passível de perdão, devido a tratar-se o cidadão como
indivíduo integrado no ambiente social, priorizando sempre a paz social por meio
de uma justiça que não faz divisões sob a perspectiva de compaixão para com o
próximo em prol do bem-estar e união da comunidade.
Logo, a presença de alguns elementos restaurativos em vários modelos de justiça,
aplicados ante o cenário social de diversos períodos históricos, juntamente com a
posterior ineficácia do sistema prisional vigente, determinou a busca por meios alternativos para solução de conflitos. Assim, a justiça restaurativa por meio de princípios
mais humanos e igualitários passou a ter maior notabilidade nos tempos atuais.
2.2 Conceito e aplicabilidade da justiça restaurativa na contemporaneidade
A justiça restaurativa se apresenta como modelo de solução de conflitos que vai
além das esferas processuais ou do seguimento literal de regras. Segundo Santos
(2011, p. 24), “[...] não é só uma forma alternativa de resolver os conflitos, é também
uma forma viável, prática e positiva de modificar o modelo tradicional, tornando-o
mais socialmente justo e efetivo.”
Em conformidade com tal pensamento, Melo (2005, p. 13), sob um olhar filosófico, frisa cinco pontos essenciais e caracterizadores da justiça restaurativa. Desse
modo, em primeiro plano, traz que o entendimento de justiça é construído pelas
partes, e não imposto verticalmente, conforme determina o sistema normativo.
Quanto ao segundo ponto, salienta as “singularidades daqueles que estão em relação e nos valores que a presidem, abrindo-se, com isso, àquilo que leva ao conflito”.
Complementando os primeiros dois aspectos, enfatiza que a terceira peculiaridade
da justiça restaurativa prioriza o convívio entre os envolvidos em relação à dominância estatal, a fim de trabalhar as divergências em sua integralidade em prol de
resultados positivos em prevalência de concepções destrutivamente repressoras. Seguindo por esse ponto de vista, surge a quarta característica: a justiça restaurativa
se volta às consequências futuras quanto ao fato delituoso que deteriorou o relacionamento do infrator e vítima. Por último, porém não menos importante, haja
vista tratar-se de um todo para sua efetivação, há “a percepção social dos problemas
colocados nas situações conflitivas”.
De acordo com Vitto (2005, p. 43), as práticas restaurativas se apresentam como
“o modelo integrador [...] o mais ambicioso plano de reação ao delito”, isto porque
visam harmonizar a relação entre agressor e sociedade e suas respectivas propensões, ou seja, não trabalham cada um individualmente, mas objetivam pacificar as
lides decorrentes de um crime para posterior restauração da relação abalada.
Destarte a predominância do silogismo atual de repressão, o desenvolvimento
do paradigma de justiça apresentou em alguns momentos resquícios restaurativos.
A justiça restaurativa, conforme Jaccoud (apud PORTO, 2008, p. 17), tem raízes nas
antigas “práticas de regulamentação social voltadas ao interesse coletivo sobre os interesses individuais”, as quais foram desempenhadas na cultura de diversos povos,
dentre eles nativos, europeu e pré-estatais.
Contudo, Ferreira (apud BIANCHINI, 2012, p. 99-100) traz que as primeiras
manifestações de práticas restaurativas no mundo moderno ocorreram dentre o final do século XIX e o início do XX, tendo, especificamente, maior representativida-
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Um novo olhar sob os aspectos históricos da justiça restaurativa
de na década de 1970. Foram utilizadas inicialmente em questões discriminatórias
e raciais, bem como nas lides comerciais nos Estados Unidos.
Neste sentido, Santos (2011, p. 59) afirma que os métodos utilizados na época
“visavam compor uma forma controlada das partes resolverem seus problemas”,
acrescentando que o novo modelo proposto remetia a dois caminhos: a renovação
do retribucionismo juntamente com uma legislação criminal penal focada na vítima,
com o intuito de reconciliar-se não apenas com essa mas também com a sociedade.
E, em conformidade com Pinto (2005, p. 23), as primeiras experiências já denotavam as práticas atualmente aplicadas, haja vista que nos procedimentos alternativos de resolução de conflitos a figura do facilitador já se fazia presente – “a vítima
descrevia sua experiência e o impacto que o crime lhe trouxe e o infrator apresentava uma explicação à vítima”.
Assim, pode-se dizer que a maior representação da justiça restaurativa se deu na
Nova Zelândia por meio de reivindicações, isto porque, segundo Porto (2008, p. 17),
a população intencionava o fim das discriminações sofridas por seu povo em comparação aos brancos europeus. Tal fato atingia diretamente os adolescentes nativos,
pois o número destes em internatos, perante os de origem europeia, era significativo.
À vista disso, em 1989, de acordo com Bianchini (2012, p. 101), ocorreu a promulgação da “Lei sobre criança, jovens e suas famílias”, a qual incorporou a justiça
restaurativa aos programas de responsabilização penal juvenil, como também incluiu a participação familiar nos procedimentos de recuperação dos jovens, sendo
considerado imprescindível o papel dos pais.
Além de Nova Zelândia e Estados Unidos, os modelos restaurativos passaram a
ser postos em prática em outros países – África do Sul, Austrália, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Reino Unido, Alemanha, Noruega, Portugal, Colômbia, Brasil, entre outros.
Conforme Pinto (2005, p. 22), o paradigma restaurativo se sustenta em diversos
fatores – dentre eles, princípios e valores, procedimento e resultado –, mas que só
passarão ao plano real, ou seja, aos círculos restaurativos, caso haja o devido consentimento das partes, isto porque não há prevalência de interesses. E, por ser caracterizado por sua metodologia sigilosa, jamais se utilizará como indício ou elemento
probatório, qualquer que seja o processo penal.
Segundo Paz e Paz (2005, p. 134), sob o viés restaurativo, possui uma notável
participação, tendo em vista que deve responder de forma primária ao delito, e ao
restante do sistema cabe apenas atuar de maneira a auxiliar e atestar que “autoridade legal deve afirmar sua autoridade comunitária”.
Desse modo, a aplicabilidade da justiça restaurativa no século XXI, para Vitto
(2005, p. 45), ocorre com a realização de reuniões com participação da vítima e seu
ofensor, as quais são conduzidas por pessoas com conhecimento técnico, denominados “facilitadores”, e possível participação de familiares, juntamente com representantes comunitários, bem como procuradores das partes. O autor acrescenta,
ainda, que os trabalhos são executados em ambientes imparciais, após as devidas
explicações dos procedimentos, a fim de deixar as partes seguras emocional e fisicamente, e os possíveis resultados da participação em círculos; e possuem dois
momentos: a escuta das partes quanto ao ocorrido, motivação e consequências, e a
apresentação e discussão de ideias restaurativas pelas próprias partes.
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C. B. Silva, R. T. Soveral
Portanto, seguindo o pensamento de Paz e Paz (2005, p. 134), devem-se visar às
“respostas reparadoras”, desenvolvidas num encontro informal entre os interessados, antes mesmo de se imputar as penalizações, bem como assegurar os direitos
humanos e constitucionais, e garantir que sejam dadas as repostas ao ocorrido por
meio de formas cuidadosas de comunicação, a fim de que se devolva o empoderamento às partes sobre suas vidas, inclusive ao infrator, para que este reconheça as
consequências de seus atos.
3 Considerações finais
De acordo com a análise do desenvolvimento histórico das concepções de justiça, pode-se afirmar que os elementos restaurativos já ansiavam por um espaço mais
significativo no cenário da responsabilização de infratores e reconhecimento da real
vítima, tendo em vista os mais antigos povos terem demonstrado por meio de sua
cultura que uma solução se realiza integralmente quando os verdadeiros envolvidos
deixam os postos de espectadores, sendo-lhes concedido o pronunciamento sobre
suas necessidades e ressarcimento de danos causados.
Diante disso, com a superação dos paradigmas, sejam eles bíblicos ou privados,
para o público, sentiu-se a necessidade de discutir e pleitear uma forma mais igualitária e humana, trazendo noções antigas à tona: arrependimento, verdadeira restituição, perdão e conservação – sob uma perspectiva futura das relações abaladas,
decorrentes de crimes.
Assim, também com o intuito da preservação dos direitos humanos e previstos
pela Carta de 88, a atual justiça restaurativa se mostra como um modelo eficaz a
ser colocado cada vez mais em prática, antes de levar o pensamento estreitamente à
punição normativa.
Referências
BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça restaurativa: um desafio à práxis jurídica. Campinas, SP:
Servanda, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013.
JUSTIÇA PARA O SÉCULO 21. Origem. Diferentes países e culturas, a mesma inquietude social.
Disponível em: <http://www.justica21.org.br/j21.php?id=82&pg=0#.Vhv5vvlViko>. Acesso em: 20
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MELO, Eduardo Rezende. Justiça restaurativa e seus desafios histórico-culturais. Um ensaio
crítico sob os fundamentos ético-filosóficos da justiça restaurativa em contraposição a justiça retributiva. In: BASTOS, Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.).
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PAZ, Silvana Sandra; PAZ, Silvina Marcela. Justiça restaurativa – processos possíveis. In: BASTOS, Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça restaurativa: coletânea de Artigos. 2005. Disponível em: <http://www.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/
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PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa é possível no Brasil? In: BASTOS, Márcio
Thomaz; LOPES, Carlos; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Orgs.). Justiça restaurativa: coletânea
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pdf>. Acesso em: 9 out. 2015.
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50
Um novo olhar sob os aspectos históricos da justiça restaurativa
PORTO, Rosane Teresinha Carvalho. A justiça restaurativa e as políticas públicas de atendimento
a criança e ao adolescente no Brasil: uma análise a partir da experiência da 3ª Vara do Juizado
Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, 2008. Disponível em: <http://www.unisc.br/
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Acesso em: 5 out. 2015.
SANTOS, Robson Fernando. Justiça restaurativa: um modelo de solução penal mais humano.
2011. 119 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2011. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/103343>. Acesso
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VITTO, Renato Campos Pinto de. Justiça criminal, justiça restaurativa e direitos humanos. In:
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ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van
Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.
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51
S
U
M
Á
R
I
O
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSICOLOGIA
ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO
Historical evolution of work and organizational psychology
Thayla Dalbosco
Graduanda em Psicologia IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Amanda Martinello da Rosa
Graduanda em Psicologia da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Kelly Zanon De Bortoli Pisoni
Orientadora. Docente em Psicologia da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
A prática da psicologia organizacional e do trabalho (POT) tem ocupado um importante espaço no contexto profissional do psicólogo. Define-se como campo de
aplicação dos conhecimentos da ciência psicológica às questões relacionadas ao trabalho humano, visando promover a saúde do trabalhador, sua satisfação em relação
ao trabalho e também benefícios para a respectiva organização/intuição na qual
está inserido. O presente estudo objetiva verificar, internacional e nacionalmente,
as transformações que esse campo experimentou ao longo dos anos até tornar-se
uma profissão reconhecida e essencial. Desse modo, foram revisadas produções
científicas voltadas à área. Os resultados demonstram que tal história possui um
trajeto recente, complexo e com inúmeros benefícios para o trabalhador e o campo
do trabalho, transformando-se de psicologia industrial, no século XIX, à então psicologia organizacional e do trabalho. Contudo, infere-se que, apesar das inúmeras
variações até o momento, o saber do psicólogo desenvolverá ainda inúmeras mutações conforme o contexto social e cultural, podendo modificar-se e influenciar de
maneira dinâmica a vida pessoal, social e principalmente profissional do sujeito.
Palavras-chave: História. Psicologia Organizacional. Psicologia do Trabalho.
Abstract
The practice of Work and Organizational Psychology (WOP) has occupied an important place in the professional psychologist context. It`s defined as the field of
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-7
52
Evolução histórica da psicologia organizacional e do trabalho
application of knowledge of psychological science to issues related to human labour,
to promote workers’ health, their satisfaction with the work and also the benefits to
the organization in which they`re inserted. This study aims to verify, in the international and national ambit, the changes that this field has experienced over the years
to become a recognized and essential profession. Thus, it was revised scientific productions about the area. The results show that its story has a way that is new, complex and numerous benefits for the worker and the work field, becoming from the
industrial psychology in the nineteenth century, to the present Work and Organizational Psychology (WOP). However, it appears that despite the many variations so
far, the knowledge of the Psychologist develop numerous changes as the social and
cultural context and can be changed dynamically and influence personal, social and
especially professional life of the person.
Keywords: History. Organizational Psychology. Occupational Psychology.
1 Introdução
A psicologia organizacional e do trabalho envolve ações em instituições e empresas voltadas para o desenvolvimento de estratégias. Segundo Campos et al. (2011),
ambiciona a melhoria do ambiente de trabalho e entender fenômenos relacionados
à vida do trabalhador em seu contexto pessoal e profissional, procurando promover
seu bem-estar nesse ambiente. Através da psicologia das organizações, torna-se possível realizar atração e seleção, análise de clima organizacional, resolver conflitos
entre funcionários, organizar treinamentos para aprimoramento de habilidades e
desenvolver dinâmicas de grupo.
O trabalho é elemento transformador não apenas da matéria mas da vida psíquica, social, cultural, política e econômica (CAMPOS et al., 2011). Por esse motivo,
o psicólogo organizacional exerce importância na busca por satisfação do trabalhador para com a empresa/instituição, além de estas serem privilegiadas pela espécie
do trabalho desenvolvido. Ainda, demonstra-se relevante destacar que o ofício do
profissional dentro das organizações é atuar como facilitador e conscientizador do
papel dos trabalhadores dentro dos vários setores que a compõem, considerando
sua saúde e subjetividade e o funcionamento da empresa. As atividades exercidas
nessa atribuição, fundamentadas em técnicas e instrumentos da psicologia, trazem
desenvolvimento para a empresa, para o trabalhador e para a sociedade.
Conhecer aspectos dessa múltipla trajetória traz às claras elementos para a compressão dos modos pelos quais as relações foram estabelecidas, suas dimensões técnico-teóricas e a forma como o momento sociocultural influenciou a prática. Visto
desse modo, pode-se afirmar que a POT sofreu transformações significativas ao
longo da história e, a partir de então, surgiram diversas definições e ampliação de
estudos acerca dessa nova esfera psicológica, dando origem aos atuais conceitos e
práticas desse campo da psicologia. Assim, verificar essas transformações consiste
no objetivo deste estudo.
2 Método
Para o objetivo proposto, optou-se pela realização de um estudo acerca da história da psicologia organizacional e do trabalho baseado numa revisão bibliográfica,
Voltar ao sumário
53
T. Dalbosco, A. M. Rosa, K. Z. B. Pisoni
a qual diz respeito à fundamentação teórica e conceitual, que resultará no processo
de levantamento e análise de temas já publicados (SILVA; MENEZES, 2005). Ao
estabelecer o método, buscou-se proporcionar informações mais detalhadas sobre o
assunto, inclusive para estudos posteriores a este.
A busca foi realizada utilizando os descritores História, Psicologia Organizacional e Psicologia do Trabalho. Realizou-se um levantamento de grande parte da
bibliografia publicada. Ademais, analisaram-se qualitativamente os dados do fenômeno social apontado, propondo um estudo descritivo da temática nivelem âmbitos
internacional e nacional.
3 Resultados
3.1 História internacional da psicologia organizacional e do trabalho
Segundo as ideias de Peiró (2011), não é simples demarcar a data inicial de um
campo profissional e/ou de uma disciplina. No decorrer dos anos, encontram-se
inúmeros estudiosos interessados pelo mundo do trabalho e as pessoas nele envolvidas. Nomes importantes merecem ser destacados: Patrizi, em Modena, que em 1899
criou um laboratório para pesquisar a fadiga; Kraeplin, na Alemanha, e Mosso, na
Itália, que nos anos 90 estudaram aspectos psicofisiológicos relacionados à carga de
trabalho; Lahy, na França, um dos precursores na utilização de testes na seleção de
trabalhadores; e Scott, que, em 1903, publicou o livro The theory of Advertising, sobre a psicologia da publicidade (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014).
Entretanto, está no trabalho Psychology and Industrial Efficiency, datado de 1913,
de Münsterberg, o marco principiante mais reconhecido. Este marca o nascimento
da psicologia industrial e traz as principais preocupações centrais da época e do
novo campo: a seleção de trabalhadores, os fatores que afetam a eficiência do trabalhador e as técnicas de venda, publicidade e marketing, representando, respectivamente, a busca pelo melhor sujeito para o trabalho, o melhor trabalho e o melhor
efeito possível – neste sentido elaboraram-se testes psicológicos com o intuito de
ajustar as pessoas aos cargos (MÜNSTERBERG, 1913).
Em 1933, Mayo divulgou, em The Human Problems of Industrial Civilization,
os resultados de seus estudos: em 1920, na Western Electric Company, revelaram a
importância de se considerar os fatores sociais implicados em uma situação de trabalho. Essa pesquisa ficou muito conhecida como Hawthorne (bairro da cidade de
Chicago) e deu impulso à era das relações humanas (MAYO, 1933).
Na sequência, elementos do contexto macrossocial, político, econômico e cultural impuseram desafios e oportunidades para o surgimento de respostas neste meio,
tais como: o processo de industrialização no período da Segunda Revolução Industrial, com a criação de máquinas novas, requisitando padronização no trabalho; a
coação por reformas sociais e contra a exploração do trabalho em 1998; a Primeira
Grande Guerra, demandando a solução de problemas derivados da sobrecarga de
trabalho; a grande depressão na década de 1930; e a Segunda Grande Guerra. Cabe
ressaltar que o binômio avaliação psicológica e ajuste homem/máquina/trabalho
instituiu o grande componente definidor desse período inicial (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014).
De acordo com as ideias de Shimmim e Strein (1998), as respostas aos desafios
que surgiram nesse período que perdurou até 1945 foram o surgimento de psicoVoltar ao sumário
54
Evolução histórica da psicologia organizacional e do trabalho
técnicas, testes psicológicos como ferramenta para a seleção de pessoas e o human
engineering – que se refere à elaboração de equipamentos para o uso humano. Por
este viés, abordagens e métodos também surgiram, como a já citada psicologia industrial, a psicometria, os processos seletivos, a análise e intervenção com foco em
pequenos grupos e métodos de treinamento.
Por conseguinte, de 1945 a 1960, instaurou-se o período denominado “expansão
e consolidação pós-guerra”. Este caracterizou-se pela reconstrução da economia,
das cidades e da vida social em geral, sendo uma fase de expansão e crescimento. Assim, na Europa e nos Estados Unidos emergiram as entidades específicas e o
psicólogo passou a trabalhar com uma gama de problemas organizacionais, como
elaboração de postos de trabalho, seleção, treinamento, inserção de novas tecnologias, aquisição de habilidades, motivação e desenvolvimento organizacional. Dessa
forma, a psicologia industrial foi substituída pela organizacional (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014).
Além disso, a Teoria X (tradicional) e a Teoria Y (emergente) de McGregor, divulgadas em 1960, na obra The Human Side of Enterprise, merecem relevância. Nesse estudo, veem-se dois modos divergentes de encarar o trabalhador: na Teoria X, a
ênfase é dirigida às metas da organização, administrando seus recursos humanos
de modo autoritário; por outro lado, na Teoria Y, a atenção é dirigida à valorização
do empregado, estimulando-o a alcançar suas metas e satisfazer suas necessidades
(PÉREZ-RAMOS, 1990).
Conforme Shimmim e Strein (1998), entre os anos de 1960 e 1970, surgiu uma
temporada de incertezas, a Guerra Fria espalhou conflitos por todo o mundo. Um
modelo novo de relações de trabalho surgiu, ampliando-se a competição devido aos
avanços na tecnologia, a busca de lucros e os conflitos nas organizações, apesar do
nascimento do discurso da qualidade de vida no trabalho (QVT). No que diz respeito à psicologia, cresceram as críticas aos testes psicológicos e o desafio de ir além do
âmbito individual da análise. Em contrapartida, manifestaram-se a concretização
de programas de QVT, a mudança de modelos de gestão de controle para compromisso e envolvimento, o foco não mais em pequenos grupos; e cresceu o debate
sobre questões éticas.
Fenômenos como o aumento do estresse, assédio moral ou violência psicológica
têm sido foco de investigação de diversos autores, como Bernal (2010) e Zanelli et al.
(2010). Ademais, com o aumento do desejo de equilibrar a vida profissional e familiar, embasado sob ética, transparência, justiça e refletindo a aposentadoria, houve
um acentuado interesse de inúmeros profissionais por questões referentes à saúde
do trabalhador (SILVA, 2007).
3.2 História da psicologia organizacional e do trabalho no Brasil
O desenvolvimento da psicologia organizacional e do trabalho no Brasil acompanhou as mudanças mundiais, destacando-se inicialmente em um nível mais genérico, a psicologia geral. Seu aparecimento está associado à crescente industrialização dos principais países do cenário ocidental, no fim do século XIX e início do
século XX. A partir do processo de regulamentação da profissão de psicologia na
década de 1960, foi possível incluir fatos, eventos e estudos que mencionam a POT
(BORGES, 2010).
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55
T. Dalbosco, A. M. Rosa, K. Z. B. Pisoni
Apesar do ingresso da psicologia organizacional nos estudos de psicologia, esta
passava uma visão de compromisso com setores ideologicamente conservadores,
fazendo com que pesquisadores criassem certa distância de pesquisas voltadas para
a área. Contudo, com o crescente e visível aparecimento de indústrias, passou-se a
questionar a ação da POT: de que maneira essa poderia auxiliar nos processos funcionais das empresas (BORGES, 2010)?
Diante desse processo, foi nas universidades, principalmente em São Paulo, no
Rio de Janeiro e em Pernambuco, que aconteceram as primeiras experiências em
psicologia organizacional no que se refere à psicometria (WELL, 2005). A partir
desse contexto, iniciou-se a utilização dos testes, nomeados psicotécnicos, destinados à área do trabalho, a fim de realizar seleção profissional.
Com o avanço das tecnologias, a mudança de contexto cultural e social, as pesquisas apresentaram aumento significativo. O âmbito empresarial mostrava a necessidade da presença de psicólogos para o desenvolvimento corporativo. Somando-se, vale registrar que, aliadas ao crescimento da psicologia organizacional e ao
surgimento de pesquisadores, estão ações institucionais de associações científicas
como a SBPOT (Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho)
e a ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia)
(BORGES-ANDRADE; PAGOTTO, 2010).
Em decorrência da necessidade de se construir caminhos inovadores e saudáveis
para o exercício do trabalho e responder às exigências do mercado brasileiro, a POT,
atualmente, ocupa importante espaço como atividade profissional. É válido salientar que as demandas modificam-se junto com a sociedade e a cultura; desse modo,
o psicólogo deve estar aberto à incorporação de novas intervenções e à ampliação
dos objetivos de seu trabalho.
4 Discussão
A partir do estudo realizado, fica evidente que a psicologia organizacional e do
trabalho desenvolveu-se buscando responder a desafios específicos impostos pelos
contextos sociais, tecnológicos, políticos e econômicos que marcaram os séculos XX
e XXI, percorrendo, desse modo, um caminho precursor e recente. A cada período,
um conjunto de práticas profissionais vincula-se a antecedentes sociais e culturais, e
seu desenvolvimento advém da construção de novos conceitos e técnicas para lidar
com as demandas que surgem.
Com base no que demonstra o marco histórico e teórico, a POT sofreu transformações significativas ao longo da história. Da perspectiva inicial da psicologia
industrial para a psicologia organizacional e do trabalho, nota-se um percurso produtivo, abrangendo os mais variados países.
5 Considerações finais
A realização desta revisão bibliográfica possibilitou o acompanhamento das
mudanças do campo da psicologia ora em análise. Assim sendo, o objetivo do presente trabalho foi a investigação da evolução histórica e social da psicologia organizacional e do trabalho.
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56
Evolução histórica da psicologia organizacional e do trabalho
Essa esfera científica da psicologia nasceu de diversas forças e se desenvolveu por
meio do conflito global; hoje, o psicólogo organizacional deve ser multidisciplinar
(WANDICK, 2008).
Mudanças ocorrem velozmente nas organizações, exigindo dos profissionais
uma grande disposição estratégica e capacidade de gerenciamento de pessoas. Visto
por este prisma, o sujeito inserido em organizações tem total influência nestas e na
maneira como elas se desenvolvem, pois traz aspectos individuais para o trabalho.
Com base nessa premissa, a POT tem crucial função em observar a relação do
sujeito com a organização e vice-versa, visando à melhoria de processos e de comportamentos. Desse modo, demonstra-se que essa linha ocupa um importante espaço na ciência psicológica e que suas ações nesse contexto justificam uma necessidade de investir em pesquisas mais aprofundadas, visando aprimorar conhecimentos
e práticas.
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57
T. Dalbosco, A. M. Rosa, K. Z. B. Pisoni
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58
A CRIMINOLOGIA CRÍTICA E SEUS LIMITES
EPISTEMOLÓGICOS NO DEBATE SOBRE OS DANOS
CAUSADOS PELA INDÚSTRIA DA CARNE NO BRASIL
Critical criminology and its epistemological limits in the debate
about harm caused by the meat industry in Brazil
Jenifer Patrícia Fragoso Bonatto
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de
Direito Damásio de Jesus. Pós-graduanda lato sensu em Direito Previdenciário
pela Faculdade UNOPAR. Bacharela em Direito pela IMED,
onde foi bolsista PROUNI. Advogada.
E-mail: <[email protected]>.
Karine Agatha França
Acadêmica de Direito da IMED, onde é bolsista Probic/Fapergs
vinculada ao grupo de pesquisa Criminologia e dano social:
a efetivação da sustentabilidade para além do direito penal.
E-mail: <[email protected]>.
Marília De Nardin Budó
Orientadora. Doutora em Direito na Universidade Federal do Paraná, com estágio
sanduíche na Facoltà di Giurisprudenza da Università di Bologna, na Itália, com bolsa
PDSE/CAPES. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
onde foi bolsista Capes. Especialista em Pensamento Político Brasileiro pela UFSM.
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais e em Jornalismo pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), onde foi bolsista PIBIC/CNPq.
Docente da Graduação e do Mestrado em Direito da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
O meio ambiente guarnece todas as condições necessárias para a sobrevivência e
evolução das espécies; contudo, ao priorizar a lucratividade das atividades econômicas sem considerar o desenvolvimento sustentável, o ser humano tem provocado danos irreparáveis ao meio ambiente. Assim, utilizando o método dialético e a técnica
de pesquisa exploratória bibliográfica, o presente trabalho tem por objetivo a exposição crítica desses danos e, sobretudo a análise da atuação do Estado, partindo do
marco teórico da Criminologia Crítica. Parte-se de uma ruptura epistemológica que
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-8
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S
U
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R
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J. P. F. Bonatto, K. A. França, M. N. Budó
leve em consideração a necessidade de ampliação de seu objeto de estudo para os
danos decorrentes de atividades danosas não consideradas legalmente como crimes.
Palavras-chave: Criminologia crítica. Agropecuária. Dano social. Sustentabilidade.
Abstract
The environment provides all the necessary conditions for the species survive and
evolve, however, by prioritizing economic activities profits, and disregarding sustainable development, the human being has provoked irreparable harm to the
environment. Thus, using the dialectical method, and the exploratory bibliographic research technique, this paper aims to critically expose these harm, and, especially, analyze the State action, starting from Critical Criminology theoretical march. It was initiated by the epistemological rupture considering the need of expand its
study object for the harm from harmful activities that are not rightfully considered
as crimes.
Keywords: Critical Criminology. Agricultural. Social Harm. Sustainability.
1 Introdução
O meio ambiente guarnece todas as condições necessárias para a sobrevivência
e evolução das espécies que nele habitam. Contudo, a espécie humana não está firmando com a devida responsabilidade a relação de dependência que possui com o
planeta. Uma das ações apáticas do ser humano sobre o meio ambiente é a maneira
como prioriza a lucratividade das atividades econômicas sem considerar o desenvolvimento sustentável como parte de sua própria sustentação.
Relacionar a problemática do desenvolvimento sustentável com o setor de criação de animais é imprescindível tendo em vista que esse setor é um dos principais responsáveis pelos danos acarretados sobre o meio ambiente no mundo atual,
destacando-se seu impacto no aquecimento global, desmatamento e poluição de
nascentes. Partindo do problema de pesquisa de como o Estado age diante dos
danos ambientais massivos causados pela indústria da carne, e qual o papel da
Criminologia Crítica diante desse contexto, o presente trabalho tem por objetivo a
exposição crítica desses danos e, sobretudo, a análise da atuação do Estado a partir
da ruptura epistemológica promovida pela criminologia verde no debate sobre a
sustentabilidade.
O método de abordagem utilizado é o dialético, por se tratar do método mais
adequado para as ciências sociais, de modo a compreender a realidade em permanente contradição (DEMO, 1989) e a técnica de pesquisa exploratória bibliográfica.
O trabalho divide-se em duas partes: foram abordados os danos ao meio ambiente
provocados pela indústria da carne e a atuação Estatal; e passou-se à análise do papel da Criminologia Crítica diante dessa situação.
2 Danos socioambientais provocados pela indústria da carne
Após o final da Segunda Guerra Mundial, com o reconhecimento internacional
dos direitos humanos, foram surgindo novas preocupações acerca da maneira como os
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60
A criminologia crítica e seus limites...
recursos naturais poderiam ser utilizados na tentativa de diminuir os danos causados
pelo processo de industrialização que se alavancava na época. O princípio do desenvolvimento sustentável surgiu inclusive na Constituição Federal de 1988, expresso no
artigo 225, com o intuito de suprir as necessidades da atual geração sem comprometer
as necessidades das futuras gerações.
Desenvolvimento sustentável é aquele que não extingue os recursos limitados da
natureza, para que as próximas gerações também possam usufruí-los (ONU, 1972).
A partir disso, foram realizados inúmeros tratados, convenções e protocolos em
prol da defesa do meio ambiente, apresentados e debatidos em diversos lugares do
mundo. Um destes projetos, talvez o mais importante, foi a Conferência de Estocolmo (1972), instituída pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), juntamente com os Estados, que visavam restabelecer uma nova perspectiva sustentável
para o planeta. É inegável a contribuição dessas documentações para a realidade
atual da crise ambiental; contudo, considerando a necessidade de uma nova estratégia de sobrevivência do ecossistema, os objetivos tratados não devem se mitigar a
meros interesses políticos e econômicos, como é comum hoje.
Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), 90% do
aquecimento global são gerados por atividades humanas (GUNTHER, 2015), sendo
a Indústria da pecuária a atividade que mais provoca danos ao meio ambiente.
Na estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO), a emissão de gases poluentes do efeito estufa pela criação de animais equivale a 18% do total de CO2 emitido na atmosfera, sendo maior e mais impactante do
que a indústria automobilística (STEINFELD et al., 2006). Outras pesquisas, mais
recentes, demonstram que a agropecuária é responsável não somente por 18%, mas
por 51% de todas as emissões de gases poluentes que provocam o efeito estufa. Além
disso, os ruminantes, animais como vacas, ovelhas e porcos, emitem exclusivamente
o gás metano, vinte vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono, gás liberado
pelos meios de transporte (GOODLAND; ANHANG, 2009).
A pecuária utiliza basicamente 45% das terras do planeta. Essa porcentagem
preocupa ainda mais os cientistas para os próximos anos, pois, segundo estimativa,
até 2050 a agricultura terá que crescer 70% para suprir a demanda de consumo de
carne e derivados, ou seja, o consumo de alimentos provenientes de animais é insustentável (THORTON et al., 2011), principalmente nos países menos desenvolvidos,
nos quais a demanda por proteína animal é maior.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o consumo de carne vem estagnando,
nos países emergentes ele aumenta – impulsionado, sobretudo pela crescente classe
média. Até 2022, cerca de 80% do crescimento no setor serão originados dessas economias, principalmente na Ásia. Também no Brasil e na África do Sul − integrantes
dos chamados países Brics, juntamente com Rússia, Índia e China −, a demanda
deve subir em ritmo constante. (HEINRICH BÖLL FOUNDATION; FRIENDS OF
THE EARTH EUROPE, 2014).
A expansão da pecuária é uma das principais causas do desmatamento da Amazônia, para criação de pastos e de áreas agrícolas; a agropecuária aparece como a
causa direta e imediata do desmatamento (RIVERO et al., 2009). Na Amazônia, 91%
das terras desmatadas foram resultantes da agricultura de animais, sendo equivalente a 136 milhões de acres de florestas (MARGULIS, 2004).
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61
J. P. F. Bonatto, K. A. França, M. N. Budó
Rivero et al. (2009) fazem uma análise das causas dos desmatamentos ligadas a
essa indústria citando diferentes estudos e conclusões: a expansão das pastagens, da
infraestrutura, a utilização do solo, a mudança cultural, o crescimento populacional,
as políticas governamentais relacionadas, inclusive com os incentivos econômicos à
produção agropecuária, a expansão da atividade econômica.
A pegada hídrica (WWF, 2011) é outro fator problemático da criação de animais:
80% do consumo de água potável no mundo se deve à agricultura (AILLERY;
SCHAIBLE, 2015). Nos EUA, por exemplo, 5% da água consumida são para uso
individual; em contrapartida, 55% são para uso exclusivo da agricultura animal
(THORTON; HERRERO; ERICKSEN, 2011). Estima-se que 64% da população
mundial sofrerão com a escassez de água doce até 2025. Fato este decorrente, dentre
outros motivos, de grande consumo de água pela pecuária, além dos altos índices de
poluição da água – por resíduos de animais, antibióticos, produtos químicos, fertilizantes, que causam inclusive problemas à saúde humana, bem como dificultam a
infiltração da água nos lençóis freáticos (SOUZA, 2010).
Além disso, a agropecuária influi diretamente na perda da biodiversidade, sobretudo na extinção de muitas espécies de animais. Isto ocorre devido à caça de
animais predadores, considerados concorrentes pela indústria da carne, pois
ameaçam a vida do gado, contribuindo então com a perda de lucratividade da
indústria (WWF, 2015). Além disso, os pesticidas e fertilizantes químicos utilizados nas terras para pastio interferem nos sistemas de reprodução dos animais,
bem como são vias de veneno para o solo e os alimentos produzidos para os seres
humanos (STEINFELD et al., 2006).
3 A criminologia crítica em face dos danos ambientais causados pela
indústria da carne
A criminologia sempre se delimitou a analisar os crimes individuais, aqueles
punidos apenas pela justiça penal, ou melhor, os crimes cometidos no chamado
“espaço civilizado”. Segundo Bernal et al. (2014, p. 48), “o pensamento criminológico parece ter passado muito tempo sendo ignorado por sua função de disciplina
explicativa do comportamento delitivo e das reações sociais (formais e informais)
frente ao mesmo”.1
Os crimes individuais não afetam um número tão expressivo de pessoas quanto
as condutas praticadas pelos Estados e mercados, que muitas vezes não são vistas
como criminosas. Por isso, mediante o enfoque deste artigo, será analisado neste tópico como o Estado poderá agir para modificar o paradigma atual da crise ambiental, abordando-se os estudos realizados dentro do campo da Criminologia Crítica.
Durante o século XX, a criminologia sofreu inúmeras revisões e transformações
em seu objeto de estudo, sem ser possível verificar um consenso em seus diversos
enfoques. Cada época trouxe explicações diferentes referentes ao tema do desvio,
desde a teoria lombrosiana até a nova criminologia, crítica ou radical (BERNAL
et al., 2014) – mas todos esses enfoques apresentam limitações ao objeto de estudo
da criminologia.
1 Tradução livre: “el pensamiento criminológico parece haber pasado de largo e ignorado su
función de disciplina explicativa del comportamiento delictivo y de las reacciones sociales
(formales e informales) frente al mismo”.
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62
A criminologia crítica e seus limites...
Formalizando uma análise acerca dos danos ambientais provocados pela indústria
da carne, sobretudo analisando os estudos teóricos da Criminologia Crítica, percebe-se
que esta deve ampliar o seu campo investigativo, hoje subordinado à justiça penal, para
um novo objeto de estudo: autônomo e global às ciências penais (FERRAJOLI, 2014).
Somente adotando um estudo externo e autônomo da criminologia é que podemos reconhecer e indagar a existência desses crimes massivos sobre o meio
ambiente provocados pela indústria da carne, que hoje não estão previstos em
nenhum ordenamento penal.
Wayne Morrison, em sua obra Criminología, civilización y nuevo orden mundial,
já perguntava onde estava a criminologia quando ocorriam os crimes em grande
escala dos Estados desde o século XIX, qual é o papel da criminologia, bem como
se é possível uma criminologia crítica global mediante as atrocidades cometidas no
espaço civilizado (apud BERNAL et al., 2014).
Dessa forma, questiona-se o motivo pelo qual a criminologia segue o direito penal,
e se deveria se limitar a este ou deveria expandir seu objeto de estudo para abranger
as condutas que, embora não tipificadas como crime, produzem danos em massa
(BERNAL et al., 2014), tal como, a expansão descontrolada da produção de carne para
consumo humano.
O sistema de produção associado ao capitalismo global, além de explorar pessoas,
explora o ecossistema, gerando a degradação ambiental e levando à poluição, aquecimento global e alterações no clima. As mudanças climáticas são associadas a diversos desastres naturais, que serão cada vez mais frequentes num futuro previsível
(WHITE, 2015). Nesse sentido, para a realização de um estudo acerca dos impactos
ambientais causados pela indústria da carne, é elementar conduzirmos este para
além da criminologia, inclusive da criminologia crítica, considerando a necessária
superação dos limites epistemológicos trazidos pelo conceito de “crime”, abrangendo,
portanto, os danos.
Nos estudos de Hillyard e Tombs (2013), revela-se a necessidade de modificar o
termo científico atribuído aos estudos sobre os danos sociais, Criminologia Crítica,
para Zemiologia, ou seja, o estudo dos danos, pois a palavra “criminologia” vincula
o próprio nome ao estudo do crime, sendo assim, automaticamente relacionado às
ciências penais. Portanto, para alguns autores, o estudo sobre Criminologia Crítica
deve ir além de seus danos sociais, averiguando a impunidade e a aceitação por
parte das opiniões públicas sobre os crimes mais danosos; mas, para isso, algumas
teorias devem ser desconstruídas.
Segundo Baratta (2011), é necessária a deslegitimação de certos dogmas do direito
penal para avançar numa verdadeira explicação da situação atual da criminologia
ante os crimes maiores, pois essa ideologia só serviu, até agora, para legitimar, através
do discurso dos princípios do direito penal, uma aplicação seletiva da lei, que nunca
alcançou os poderosos ou os agentes do Estado.
[...] em um sentido estratégico, a longo prazo, a criminologia deve ser abandonada, já
que seu enfoque sobre o crime, lei e justiça criminal tem sido sempre insuficiente, já
que tem comportado, em parte, uma reprodução do que Braithwaite chamou de “uma
administração da justiça criminal classista”. (HILLYARD; TOMBS, 2013).2
2 Tradução livre: “en un sentido estratégico, a largo plazo, la criminología debe ser abandonada,
dado que su enfoque sobre el crimen, la ley y la justicia penal ha sido siempre inadecuado ya
que ha comportado en parte una reproducción de lo que Braithwaite ha denominado “una
administración de justicia penal clasista”.
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63
J. P. F. Bonatto, K. A. França, M. N. Budó
A lei não representa um instrumento de solução de conflitos, mas sim um instrumento utilizado pelas classes dominantes para impor seus interesses às classes
dominadas. Assim, a lei apenas representa os interesses de quem tem poder para
produzi-la, de forma que reproduz também o interesse de conservar o poder (PAVARINI, 2002). Dessa forma, as organizações ambientais, juntamente com o Estado,
acabam se tornando omissas com a sociedade e com o próprio ecossistema.
Enquanto o Estado se recusar a enunciar os dados verídicos acerca dos impactos da agropecuária sobre o meio ambiente, em nenhum lugar na política será
encontrado espaço para incentivar a formação de uma consciência crítica na sociedade no que diz respeito à conservação e preservação do meio ambiente adotando uma dieta livre de produtos oriundos de animais. Neste diapasão, calha
interrogar qual a ideologia dos vários partidos políticos sobre a temática, embora
a questão ecológica tenha passado historicamente ao largo das agremiações de
direita e de esquerda, ambas preocupadas exclusivamente com os seres humanos
(LOURENÇO; OLIVEIRA, 2012).
As técnicas utilizadas para a não responsabilização pelas mudanças climáticas
são a negação de que a responsabilidade da causa dos problemas seja antropocêntrica, como, por exemplo, afirmar que os desastres naturais são normais, negar a
vitimização, principalmente dos mais vulneráveis (WHITE, 2015).
Os impactos massivos causados pela produção de carne não se limitam apenas
à estrutura ecológica do nosso planeta, também estão relacionados com a omissão
do Estado em relação à situação caótica de extrema pobreza vivida por algumas
famílias – 82% das crianças famintas vivem em países em que os alimentos são
administrados exclusivamente aos animais (OPPENLANDER, 2012). Segundo relatório da FAO, a substituição total de alimentos provenientes de animais por outras
proteínas, como as vegetais, é vital para erradicar a fome no mundo. Isto porque a
pecuária é considerada insustentável para o planeta (STEINFELD et al., 2006).
Os crimes dos poderosos estão destruindo o meio ambiente, contribuindo para
as mudanças climáticas e o aquecimento global. A exploração dos recursos ambientais escassos leva à vulnerabilidade do ecossistema. Os Estados, juntamente com as
corporações transnacionais, são responsáveis por esses danos (WHITE, 2015).
Um direito (interesse) só cede legitimamente diante de outro direito (interesse)
equivalente ou de um direito (interesse) considerado superior (OLIVEIRA, 2013,
p. 27). Portanto, não é correto o ser humano, para satisfazer seus desejos alimentares, ceifar a vida de animais não humanos, bem como provocar danos massivos
sobre o meio ambiente. Dessa forma, diante de tais dados, verifica-se que, dada a
omissão e banalização do Estado, este deveria ser responsabilizado, juntamente com
corporações que causam os danos de massa contra o meio ambiente, para evitar o
que Ferrajoli (2014, p. 92) chama de
[...] uma gigantesca omissão de socorro frente a populações inteiras afetadas pelos danos provocados pelo mercado sem leis: um crime duplo, portanto, consistente, em primeiro lugar, nas catástrofes que provocam e, em segundo lugar, na omissão de socorro
para as pessoas e as populações afetadas.
Cientistas de diversas áreas vêm, há anos, alertando sobre os danos provocados
pelo aquecimento global – tese negada sistematicamente por algumas pessoas, mas
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64
A criminologia crítica e seus limites...
aceita atualmente pela maioria. A destruição do meio ambiente pode ser considerada, na concepção criminológica, como tipo específico de crime, chamado ecocídio.
O ecocídio vem sendo definido como danos extensos e destruição de ecossistemas
(WHITE, 2015).
4 Conclusão
Os maiores responsáveis pelo desequilíbrio ecológico do planeta são despertados
pelas necessidades ilimitadas do homem sobre os recursos limitados da natureza.
São padrões de consumo que necessitam ser refletidos e transformados para que
os impactos sobre o meio ambiente diminuam, pois não se está diante do desgaste
dos recursos naturais apenas, mas, sim, da deterioração das próprias condições de
vida do planeta.
Muitas práticas errôneas ainda são permitidas pelas leis do Estado, como a produção desenfreada de carne para consumo. Contudo, o Estado não é o único a agir
indiferente sobre os impactos causados por essa indústria. Por isso, é imprescindível
que a sociedade adote uma postura ética ambiental, abandonando o pensamento
antropológico que impossibilita visionar a verdadeira relação entre os seres humanos
e o meio ambiente, bem como reestruturar uma educação voltada a compreender
essa postura ética entre todas as espécies que habitam o planeta.
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66
S
U
M
Á
R
I
O
OS BENEFÍCIOS DA RELIGIOSIDADE NA VELHICE
The benefits of religion in old age
Luana Cristina Zick Queiroz
Acadêmica de Psicologia da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Monalisa Col Debella
Acadêmica de Psicologia da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Resumo
Na velhice, ocorrem múltiplos eventos e mudanças; ora, a religiosidade mostra-se
uma importante ferramenta para lidar com esses eventos. Este é um tema de grande
relevância para a psicologia por estar ligado à forma como o sujeito lida em relação
aos eventos ao longo da vida; assim, viu-se a necessidade de pesquisar quais os benefícios que a religiosidade pode proporcionar aos sujeitos na velhice. O presente
estudo objetivou investigar o fenômeno da religiosidade nos idosos e como esta contribui para a melhoria de vida nessa fase do desenvolvimento. Por meio de pesquisa
bibliográfica, constatou-se que a religiosidade pode servir como suporte social, fornecendo forças aos indivíduos para que desenvolvam sua autonomia. Através desta
pesquisa, verificou-se que a religiosidade pode ser considerada um importante fator
de saúde mental, fornecendo estrutura motivacional e emocional, proporcionando
um melhor envelhecimento.
Palavras-chave: Envelhecimento. Idoso. Religiosidade. Espiritualidade.
Abstract
In old age occurs multiple events and changes, so that religion shows become an important tool for dealing with such events. This is a highly relevant topic for psychology because it is linked to how the individual handles ahead to the events lifelong
thus saw the need to investigate what benefits that religiosity can provide subjects
in old age. This study aimed to investigate the religious phenomenon in the elderly
and how this contributes to the improvement of life in this stage of development.
Through bibliographical research it was found that religion can serve as a social support by providing forces individuals to develop their autonomy. Through this study it was found that religion can be considered an important factor mental health,
emotional and motivational providing structure, providing a better aging
Keywords: Aging. Elderly. Religiosity. Spirituality.
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-9
67
L. C. Z. Queiroz, M. C. Debella
1 Introdução
O envelhecimento populacional no Brasil está ocorrendo rapidamente; esse processo, para Oliveira et al. (2013), verifica-se em função das mudanças do perfil populacional que estamos vivenciando, além do aumento da expectativa de vida da
população. O envelhecimento é um processo que inicia desde o nascimento e segue
até o final da vida, fazendo parte da condição humana; engloba mudanças biológicas, fisiológicas, psíquicas e sociais, que irão interferir ao longo da vida (SOUZA,
2015). A velhice, Segundo Oliveira et al. (2013), é constituída por acontecimentos que podem ser esperados ou não, abrangendo o desenvolvimento de algumas
áreas e declínio de outras. Em razão disso, a religiosidade vem ganhando grande
significado na vida dos idosos.
Oliveira e Alves (2014) consideram que a religiosidade e a espiritualidade são
bastante evidenciadas na velhice; e que as duas necessitam ser atendidas, valorizadas
e incentivadas pelos indivíduos que se apropriam da função de cuidar, tornando-se
significativo dar maior atenção neste âmbito. Assim, a religiosidade tem sua grande
importância para idosos como forma de lidar com situações como o adoecimento e
outras situações estressantes (MOREIRA-ALMEIDA et al., 2010). Fung e Lam (2013)
sugerem que a religiosidade pode elevar o propósito de vida e a longevidade. O presente artigo tem como objetivo investigar o fenômeno da religiosidade nos idosos e
como esta contribui para a melhoria de vida nessa fase do desenvolvimento.
Este estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, e optou-se pela metodologia de
revisão bibliográfica, por se entender que pode oferecer recursos significativos para
a investigação acerca do tema religiosidade na velhice. Para a realização da revisão
bibliográfica, foram pesquisadas bases de dados tais como: Scielo, Capes, Pubmed,
ERIC (Education Resources Information Center), PsycINFO, PePSIC. Utilizaram-se os seguintes descritores: envelhecimento, religiosidade e espiritualidade, religiosidade e envelhecimento humano, terceira idade, velhice, fenômeno da religiosidade
no idoso, e os benefícios da religiosidade – pesquisados em publicações de 2008 a
2015. Os artigos selecionados foram escolhidos de acordo com o tema em questão,
tanto na área de Psicologia quanto em outras áreas como da Antropologia e Gerontologia, já que possuem material muito relevante e esclarecedor referente ao tema.
2 Resultados e discussão
Por muito tempo a ciência e a religião viveram em conflito; hoje, vemos a necessidade de que haja uma conversa entre ambas para que possamos estudá-las e conhecer o papel da religião e espiritualidade na qualidade de vida (VIEIRA, 2014).
Para isso, torna-se necessário diferenciar a espiritualidade de religiosidade. Historicamente, a religiosidade e espiritualidade foram raramente diferenciadas, fazendo com que, por muito tempo, fossem consideradas sinônimas (MOBERG, 2012).
No entanto, Rocha e Ciosak (2014) sugerem que os conceitos não são sinônimos,
de modo que a religiosidade é uma das formas de expressão da espiritualidade.
Desta forma, verifica-se que nos últimos anos muitos pesquisadores procuraram
analisar de maneira ética a questão da religiosidade no comportamento humano,
avaliando cientificamente e não se atendo a questões teológicas e filosóficas de
cada religião (SOUZA, 2015).
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68
Os benefícios da religiosidade na velhice
Segundo Duarte e Wanderley (2011), “religião” e “espiritualidade” são termos
que não possuem uma conceituação única devido à falta de concordância na literatura científica, dificultando assim pesquisas acerca do tema. Desta forma, os conceitos se tornam muito amplos, parecendo de difícil entendimento. Para Lucchetti
et al., (2011), a religiosidade é o quanto um indivíduo pratica e crê em uma religião;
o sujeito poder participar dos encontros realizados no templo religioso ou igreja ou
somente praticar sua fé por meio de rezas, livros e programas religiosos no rádio,
na televisão e internet. Já a espiritualidade é uma busca pessoal que pode ou não
conectar-se com as práticas religiosas; é a busca pelo sentido da vida e as questões
relacionadas a ela. Gutz e Camargo (2013) propõem que a espiritualidade na velhice
estaria mais ligada ao sentimento de finitude e preparação para a morte. Ainda segundo Souza (2011), oração, leituras bíblicas e práticas religiosas, são fundamentais
para a sustentação da religiosidade.
Em um estudo realizado por Esteves (2014), percebeu-se que os idosos dão muita
importância à religiosidade; conforme o avanço da idade aumenta, também a crença
nessa temática. Esteves (2014) verificou ainda que a religiosidade é, em muitos casos,
utilizada como estratégia para que se possa lidar com as perdas, não apenas com
perda de autonomia/dependência, mas também perdas de papel social, profissional
e até familiar. A religiosidade é utilizada pelos idosos como estratégia de acolhimento e apaziguamento de mudanças ocasionadas em virtude do envelhecimento
que esses sujeitos estão sofrendo em seus corpos em função da incapacidade funcional
– antes seus corpos eram capazes de coisas que hoje já não são mais. Esses idosos
acabam se envolvendo por um sentimento de perda de si mesmos, e é nesse processo que a religiosidade acolhe esses sujeitos, tornando suas vidas mais suportáveis
(SANTOS et al., 2013).
Para Souza (2015), a religiosidade tem-se apresentado como importante meio de
atingir uma maior qualidade de vida para o indivíduo, independentemente de sua
idade. Foi comprovada a relação da religiosidade com a saúde e o bem-estar dos idosos na superação das dificuldades que ocorrem no envelhecimento humano. Nesse
sentido ainda, Mello e Oliveira (2013) afirmam que a religiosidade dá significado à
vida ante o sofrimento, inclusive ao estimular a constituição de uma rede social de
apoio, fazendo com que a pessoa em sofrimento obtenha mais apoio da comunidade,
garantindo-lhe sensações de acolhimento e bem-estar. Mello e Oliveira (2013) ainda
fortalecem a concepção de que uma consequência fundamental da religião é a de
que ela modifica a visão que o indivíduo tem do mundo. Isso não significa necessariamente a retirada dos sintomas, mas a alteração dos significados que o indivíduo
delega à sua doença, podendo resultar também em mudanças no seu estilo de vida.
O enfrentamento religioso, para Santos et al. (2013), é uma importante estratégia
entre os idosos; ajuda na resposta emocional provocada pelo desenvolvimento de
incapacidade funcional, reparando o vazio existencial e fazendo com que o sujeito
possa se sentir acolhido e tranquilizado na realidade de seu corpo de hoje, envelhecido. Idosos com práticas religiosas possuem maior facilidade para interação e
integração social, maior sentimento de bem-estar, comprometimento com sua saúde, capacidade de enfrentamento aumentada, assim como elementos para enfrentar
diversas situações com mais autonomia e uma diminuição de hábitos prejudiciais à
saúde (SOUZA, 2011; SORIANO; LÓPEZ, 2012; CHAVES et al., 2014).
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69
L. C. Z. Queiroz, M. C. Debella
Em uma pesquisa realizada por Souza (2011), com idosos entre 67 e 83 anos,
constatou-se que idosos com faixa etária entre 67 e 72 anos frequentavam assiduamente encontros religiosos, já idosos entre 77 e 83 anos lamentavam as dificuldades
que encontravam em frequentar a sua entidade e encontros religiosos em função
de sua perda de autonomia relacionada ao envelhecimento. Mesmo os sujeitos que
tiveram de reduzir sua frequência nesses encontros religiosos acreditavam que as
entidades religiosas exercem um papel fundamental em suas vidas.
Devido a limitações físicas em função do envelhecimento, Lindolpho (2009)
afirma, alguns idosos diminuem seu envolvimento em atividades religiosas formais, como frequentar cultos e celebrações em suas comunidades, porém utilizam
as orações como forma de enfrentamento a adversidades. As orações reduzem o
sentimento de solidão e abandono e aumentam o sentimento de esperança e amor
próprio. A dor, para Celich e Galon (2009), Santos et al. (2014), é um dos principais
fatores que impede os idosos de manter-se em seu cotidiano normalmente, o que de
alguma forma acaba prejudicando a realização de suas atividades, impactando assim sua qualidade de vida. A religiosidade pode ser utilizada como uma ferramenta
a mais para a diminuição das dores sentidas pelos idosos.
Um estudo realizado por Duarte e Wanderley (2011), em que o objetivo era avaliar de que forma a religião e a espiritualidade influenciam no enfrentamento da
doença e hospitalização em pacientes idosos, constatou que elas têm importante
função como recurso de enfrentamento em idosos hospitalizados numa enfermaria
geriátrica: ajudam a preencher a distância da família, da rotina, prestam acolhimento e suporte para as dificuldades impostas pela rotina hospitalar. Lindolpho (2009)
verifica que parte da comunidade científica já tem abordado questões relativas à espiritualidade, como o valor das orações para tratamento complementar a pacientes
com câncer, já que se sabe que esse tipo de medicina alternativa é muito utilizado
pela população com câncer, sendo eficaz porque a fé, ou espiritualidade, contribui com mais qualidade de vida aos pacientes. Sobre a religiosidade em pacientes
com câncer, Teixeira e Lefèvre (2008) referem que a fé religiosa pode propiciar uma
maior esperança e fortalecimento para lutar contra essa doença; assim como leituras
e estudos de textos religiosos podem evidenciar um otimismo, conforto e segurança
em relação ao tratamento.
Uma pesquisa realizada por Santos et al. (2014), com dez integrantes de um programa de treinamento físico que apresentavam sintomas de claudicação intermitente (dor, formigamento ou câimbra nos membros inferiores), avaliou nesses idosos a
percepção sobre a dor ao caminhar – eles utilizavam a religiosidade para superar o
sintoma doloroso. Concluiu-se que a fé e a religiosidade mostram-se meios de superação da dor. Ressalta-se, portanto, que esse cenário se apresenta significativo para
que os profissionais da saúde possam levar em conta a religiosidade como um dos
fatores que intervém na qualidade de vida de pessoas enfermas.
Souza (2011) afirma que, para entender o indivíduo como um todo, há que se
considerar que uma trama de crenças interage auxiliando na etiologia, prevenção,
tratamento e evolução das doenças e o comprometimento da qualidade de vida
pode contribuir para que o profissional de saúde reconheça quando a religiosidade
afeta positivamente, ou quando é causadora do problema. As investigações sobre a
relação entre religião e saúde, segundo Alves et al. (2010), devem ser abordadas por
profissionais da saúde, pesquisadores, leigos e comunidade religiosa para que esta
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70
Os benefícios da religiosidade na velhice
área possa contribuir de forma que, se a religiosidade traz para os sujeitos benefícios
em sua saúde, estes devem ser motivados e respeitados pelos profissionais e demais.
Assim, é importante que os profissionais da saúde reconheçam a religiosidade como
recurso no cuidado da saúde do idoso (CHAVES et al., 2014).
Rusa et al. (2014) colaboram com a ideia de que os profissionais da saúde devem
considerar também a religiosidade e crenças pessoais em pacientes com doenças renais crônicas para fornecer ao paciente um maior suporte, tranquilidade e conforto
neste momento. Neste sentido, Linck et al. (2009) fazem uma reflexão sobre a ideia
de que a temática do envelhecimento deve ser abordada ainda durante a formação
acadêmica para uma preparação do futuro profissional ao cuidado de forma humana, incentivando a autonomia do idoso.
O profissional que lida com o paciente idoso deve estar preparado para abordar
a questão da religiosidade e seus aspectos positivos e negativos, respeitando o idoso
quanto a suas escolhas nessa fase da vida. É importante que as ações sejam discutidas para e com os idosos, podendo, assim, recuperar a autonomia destes sujeitos.
Deve-se contar com profissionais que sejam capacitados para trabalhar com idosos
e todas as situações que estes trazem, zelando por sua proteção e saúde (MORAES,
E.; MORAES, F.; LIMA, 2010; LUCCHETTI et al., 2011).
3 Considerações finais
O presente artigo objetivou investigar o fenômeno da religiosidade em idosos e
como esta contribui para a melhoria de vida nessa fase do desenvolvimento. Verificou-se, a partir da pesquisa, que na velhice ocorrem muitos eventos estressores, e o
indivíduo irá necessitar de recursos para lidar com questões adversas. É nesta perspectiva que se enquadra a religiosidade como um importante fator de saúde mental,
que pode fornecer estrutura emocional e motivacional para eventos da velhice como
perdas, saída de emprego, mudanças físicas, doenças crônicas e outras enfermidades, proporcionando um melhor envelhecimento.
O processo de envelhecimento trata-se de um acontecimento multidisciplinar;
o aumento da população idosa irá ocasionar impactos em muitas áreas: econômica,
social, cultural, política, assim como na área da saúde. Esse fenômeno demanda um
olhar mais atento da sociedade para pensarmos um envelhecimento com qualidade;
é nesse aspecto que a religiosidade vem trazendo grandes benefícios para o sujeito,
que pode estar integrado em uma comunidade religiosa, fazendo parte de um grupo
que lhe fornece condições de apoio para o enfrentamento dos processos evolucionais que estão ocorrendo nessa fase, assim como os sujeitos que não possuem mais a
capacidade de locomover-se e frequentar grupos e encontros religiosos.
Cabe ressaltar que esses sujeitos que possuem suas crenças religiosas também
sentem-se mais seguros, apoiados e protegidos ante as mudanças que ocorrem na
velhice. Os profissionais que trabalham com os idosos devem considerar a religiosidade de cada um como algo relevante, que fornece ao indivíduo conforto e contribui
para um bom envelhecimento. Portanto, deve-se respeitar a religiosidade de cada
idoso, compreendendo que isso faz parte de suas crenças e de sua constituição como
ser humano.
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71
L. C. Z. Queiroz, M. C. Debella
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73
A ATUAÇÃO INSTRUTÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO
PENAL BRASILEIRO
The instructory judge acting in criminal procedure brazilian
Ana Claudia de Lima
Estudante do 9º nível do curso de Direito da IMED.
E-mail: <[email protected]>.
Muriele de Conto Boscatto
Orientadora. Mestre em Direito pela IMED.
Resumo
O presente artigo versa sobre o papel do juiz criminal no Brasil, analisando, através do método dedutivo, sua atuação instrutória nos processos. Tem como objetivo
verificar a conformidade entre a norma constitucional e a norma infraconstitucional processual penal, que outorga aos magistrados poderes de iniciativa instrutória,
permitindo que o juiz ordene de ofício a produção de determinadas provas. Visando
uma boa compreensão, aborda inicialmente a ideia central de cada sistema processual penal, o sistema inquisitório, o sistema acusatório e também o tão discutido
sistema misto; versa, então, sobre a gestão da prova e a possibilidade de concessão
dela ao magistrado; segue com a explanação de determinados princípios processuais penais que demonstram a problemática decorrente dessa iniciativa probatória do
juiz, como o princípio da imparcialidade, o princípio da presunção de inocência e o
princípio da prevalência do interesse do réu. Por fim, constata que seria impossível
conceder ao magistrado a gestão da prova sem ferir a Constituição Federal de 1988,
pois estaríamos instituindo no País um sistema inquisitório, no qual cabe ao juiz as
funções de acusar, defender e julgar, algo inconcebível sendo que foi constitucionalmente adotada a ideia de um sistema acusatório para o processo penal brasileiro.
Palavras-chave: Sistemas processuais penais. Instrução probatória. Poderes instrutórios do juiz.
Abstract
This article focuses on the role of criminal justice in Brazil, analyzing, through deductive method, the instructory performance of the same in the processes. Aiming to verify compliance between constitutional law and criminal procedure infra
standard, which gives powers to the magistrates of instructory initiative, allowing
the judge orders craft production of certain evidence. Aiming a good understanding
http://dx.doi.org/10.18256/978-85-99924-83-9-10
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S
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I
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A atuação instrutória do juiz no processo penal brasileiro
initially addresses the central idea of each criminal justice system, the inquisitorial
system, the adversarial system and also the much-discussed mixed system; dealing
after on the management of evidence and the possibility of granting it to the magistrate, and following with the explanation of certain criminal procedural principles
that demonstrate the problems arising from this evidentiary initiative of the judge,
as the principle of impartiality, the principle of presumption of innocence and the
principle of prevalence of the defendant’s interest. Finally, notes that it would be impossible to give the judge proof of management without hurting the Federal Constitution of 1988, we would be setting up in the country an inquisitorial system where
it is up to the judge functions accuse, defend and judge, inconceivable and it was
constitutionally adopted the idea of an adversarial system for the Brazilian criminal
proceedings.
Keywords: Criminal procedural systems. Instruction probative. Instructive powers
of the judge.
1 Introdução
Tendo como tema o papel do juiz no processo penal, este estudo objetiva a análise da atuação instrutória do juiz, examinando a conformidade constitucional da
legislação processual penal brasileira, que tem concedido aos magistrados poderes
de iniciativa instrutória.
Há grande dissenso entre os doutrinadores sobre a (in)constitucionalidade dessa iniciativa instrutória e a forma como isso se reflete no processo penal e na sociedade como um todo, o que torna o tema relevante.
Em busca de ideias, conceitos e, consequentemente, resoluções para o problema
que se adéquem ao panorama contemporâneo, a base da pesquisa bibliográfica foram autores como Aury Lopes Jr., Guilherme de Souza Nucci e Paulo Rangel.
Visando contribuir para uma melhor compreensão do tema, o estudo, através do
método dedutivo, aborda primeiramente a ideia de sistemas processuais penais e de
seu núcleo fundante, seguindo para uma conceituação de prova e ação instrutória,
até finalmente chegar ao ponto central através de quatro princípios: princípio acusatório, princípio da presunção de inocência, princípio da prevalência do interesse
do réu e princípio da imparcialidade – verifica-se a compatibilidade da iniciativa
instrutória do juiz com o sistema acusatório.
2 Desenvolvimento
2.1 Sistemas processuais penais
Um sistema pode ser conceituado como elementos diversos que se inter-relacionam na execução de determinada função. Seguindo essa lógica, pode-se dizer que
sistema processual penal é “o conjunto de princípios e regras constitucionais, de
acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem
seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto” (RANGEL, 2010, p. 49).
O sistema processual penal de um país reflete muito de seu modelo político estatal, pois através dessa interação entre Estado e indivíduo é possível identificar se
a estruturação política tem cunho democrático ou não (ARMBORST, 2008, p. 3).
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A. C. Lima, M. C. Boscatto
Assim, um Estado estruturado de maneira totalitária costuma adotar o sistema inquisitório no processo penal, que reúne o poder nas mãos do juiz – sistema que não
tem possibilidade de ser adotado por um Estado democrático, no qual obrigatoriamente todos devem ser tratados como sujeito de direitos.
Para tornar mais clara essa afirmação, é importante uma análise da estrutura de
cada sistema, iniciando pelo sistema inquisitório, cujos poderes de acusar, defender
e julgar se concentram nas mãos do juiz (LOPES JUNIOR, 2012, p. 122). Outras
características importantes desse sistema são a iniciativa da acusação de ofício pelo
juiz; a forma sigilosa do processo; a inexistência de qualquer garantia processual,
como o contraditório e a ampla defesa; a adoção do sistema de prova tarifada, sendo
considerada a confissão a prova máxima de um delito (RANGEL, 2010, p. 50); e a
finalidade de buscar a ‘verdade’, não sendo relevantes os meios utilizados para isto
(ZILLI, 2003, p. 40). Em virtude dessas características, o sistema inquisitório costuma ser associado a modelos absolutistas de Estado (ZILLI, 2003, p. 39) e dificulta sua
adoção, pois seria incongruente utilizar-se deste sistema após o advento dos Estados
Democráticos de Direito.
Já no sistema acusatório concebe-se o “juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o juízo como uma contenda entre iguais iniciada pela acusação, a quem compete o ônus da prova, enfrentada a defesa em juízo contraditório,
oral e público e resolvida pelo juiz segundo sua livre convicção” (PRADO, 2006, p.
153). São características deste sistema a publicidade dos atos processuais, as garantias concedidas pelo contraditório e pela ampla defesa, a adoção do livre convencimento como sistema de provas e a imparcialidade do juiz (LOPES JUNIOR, 2012,
p. 119). Devido a esses aspectos, o sistema acusatório é o que melhor se adapta às
atuais estruturas estatais, por possibilitar um processo que condiz com os direitos
fundamentais consagrados nas modernas Constituições.
No sistema processual penal misto, o processo é dividido em duas fases: “a instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, e a fase de julgamento,
com a predominância do sistema acusatório” (NUCCI, 2010, p. 116-117). O sistema
misto tem como características a separação das funções de acusar e julgar: na fase
preliminar, o acusado é mero objeto de investigação em meio a um procedimento
sigiloso; na fase de julgamento, a acusação e a defesa têm diretos iguais; o ônus de
demonstrar a culpa do acusado, na fase judicial, pertence ao Ministério Público;
nesta mesma fase, são assegurados o contraditório, a ampla defesa e a publicidade
dos atos processuais (RANGEL, 2010, p. 55). Mesmo sendo considerado um avanço
quando comparado ao sistema inquisitivo (RANGEL, 2010, p. 55), o sistema misto
sofre duras críticas por parte dos doutrinadores. Para a doutrina, o sistema misto
nem pode ser considerado um verdadeiro sistema processual, pois os sistemas acusatório e inquisitivo possuem princípios rígidos e totalmente opostos, o que impede
de maneira lógico-científica uma fusão deles (CARVALHO, 2002, p. 493).
Atualmente não existem sistemas puros, entretanto não podemos considerá-los
mistos, pois “o misto deve ser visto como algo que, ainda que mesclado, na essência
é inquisitório ou acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo” (LOPES
JUNIOR, 2012, p. 134). Portanto, faz-se necessária a compreensão do núcleo fundante dos princípios centrais de cada sistema antes de ser feita a análise dos poderes
instrutórios do juiz criminal.
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A atuação instrutória do juiz no processo penal brasileiro
Há dissenso entre os doutrinadores quando se trata da identificação do núcleo
fundante dos sistemas processuais penais; para parte da doutrina, o cerne de cada
sistema “reside na (in)existência da separação de funções de acusar, defender e julgar, ao passo que outra corrente identifica o núcleo fundante dos sistemas no critério da gestão da prova” (ARMBORST, 2008, p. 11). Entretanto, tendo o processo a
finalidade de, através da instrução probatória, reconstituir o crime para possibilitar
o julgamento correto pelo juiz (COUTINHO, 2001, p. 28), adotaremos o entendimento de que o núcleo fundante dos sistemas processuais penais será determinado
pelo modo de gestão da prova. Portanto, se a gestão da prova fica detida à figura do
juiz, o sistema é inquisitório; caso pertença às partes, o sistema é acusatório (ARMBORST, 2008, p. 11-12).
2.2 Poderes instrutórios do juiz
As provas podem ser compreendidas como “os meios através dos quais se fará
a reconstrução do fato passado (crime)” (LOPES JUNIOR, 2012, p. 535), entretanto
o seu objeto não é consenso entre os doutrinadores. Aqui, seguindo a doutrina que
melhor se encaixa no sistema processual adotado pelo Brasil, pode-se dizer que sua
finalidade é o convencimento do juiz (RANGEL, 2010, p. 451) – convencimento que
deve ser feito observando-se todas as garantias processuais, cada prova deve entrar
de forma legal no processo (LOPES JUNIOR, 2007, p. 521-523).
Entre o conhecimento do caso pelo juiz e a sentença, há a instrução probatória
(ARMBORST, 2008, p. 17), que é um “conjunto de atos que têm por objeto recolher
as provas com que deve ser decidido o litígio” (MARQUES, 2000, p. 326). O juiz atua
intensamente em todas as fases da instrução probatória; entretanto, essa atuação se
limita, quando se trata da iniciativa instrutória, porque “os poderes [...] do juiz visam
coordenar e inspecionar a atividade das partes, estimulando-a quando deficiente, e
reprimindo-a quando excessiva” (MARQUES, 2001, p. 189), porém devem permanecer circunscritos a isto. Portanto, não se deve igualar a iniciativa instrutória aos
poderes instrutórios que o juiz possui dentro do processo; estes significam que
O órgão judicial é sujeito indispensável à instrução, porquanto, além de ser o responsável pela avaliação do material nela colhido, também tem o dever de impedir eventuais
violações a direitos e garantias fundamentais[...], enquanto a iniciativa instrutória seria a
faculdade de o juiz buscar de oficio o material probatório. (ARMBORST, 2008, p. 18-19).
Nesse ponto surge uma problemática, pois é impossível conciliar o sistema acusatório consagrado pela Constituição Federal com a iniciativa instrutória do juiz.
Considerando-se a gestão da prova como o núcleo essencial de cada sistema processual, ao darmos essa iniciativa ao juiz, estaríamos promovendo o sistema inquisitório no País, o que atingiria diretamente alguns princípios processuais.
2.3 Princípios constitucionais penais e a iniciativa probatória do magistrado
O primeiro princípio atingido pela iniciativa instrutória do juiz é o princípio
acusatório, que limita os poderes instrutórios por parte do juiz. Segundo tal princípio, há a “exigência de um juiz sem poderes de iniciativa na formação da prova”
(THUMS, 2006, p. 238), além da inércia durante a instauração do processo e uma
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A. C. Lima, M. C. Boscatto
postura equidistante no decorrer dele. O magistrado deve ser um “espectador, dedicado acima de tudo à valoração objetiva e imparcial dos fatos” (FERRAJOLI, 2002,
p. 488); isso, porém, não diminui de forma alguma a atuação do magistrado no
processo: continuará participando de cada fase da produção de provas mas caberá
a ele apenas coordenar a produção de provas das demais partes para que respeitem
o devido processo legal.
Outro princípio é o da presunção de inocência, que traz ao réu a garantia de ser
tratado como inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória (NUCCI,
2010, p. 81). Segundo esse princípio, deve-se partir da ideia de que o réu é inocente e “o dever de provar a culpa é do órgão acusatório, pouco importando quem o
constitui” (NUCCI, 2012, p. 265); se a culpa não for comprovada categoricamente,
caberá apenas a absolvição. Isto ocorre pois, integrado ao princípio da presunção de
inocência, está o princípio da prevalência do interesse do réu, o qual determina que,
restando qualquer dúvida, a absolvição é um imperativo (LOPES JUNIOR, 2010, p.
179-180), e “não se trata de um favor [...] ou uma simples benevolência; trata-se de
um dever legal para declarar primordial o estado de não culpabilidade” (NUCCI,
2012, p. 271). Uma sentença condenatória nesses casos seria uma afronta aos princípios processuais penais.
Além dos princípios acusatório, de presunção de inocência e prevalência do interesse do réu, a iniciativa instrutória do juiz atinge diretamente o princípio da imparcialidade. Este determina ao juiz uma posição de terceiro “atuando como órgão
supraordenado às partes ativa e passiva” (LOPES JUNIOR, 2007, p. 81) no processo.
A imparcialidade do juiz é essencial à justiça e o que torna confiável toda a atuação
do sistema judiciário (NUCCI, 2012, p. 332).
Em face do exposto, e levando-se em conta a ideia de que o núcleo fundante dos
sistemas processuais penais é a forma de gestão da prova, percebe-se que, ao concedermos ao juiz a iniciativa instrutória, estaríamos violando diversos princípios processuais penais e, consequentemente, configurando no País um sistema inquisitório.
O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe profundas mudanças ao processo penal, pois acabou por instituir no Brasil o sistema processual penal acusatório
(ARMBORST, 2008, p. 28); isso não ocorreu expressamente, entretanto, com uma
análise, pode-se perceber diversos fatores que corroboram essa ideia. São exemplos
disso a presença do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, da
imparcialidade do magistrado e, principalmente, a separação das funções de acusar,
defender e julgar. Quando “a Constituição da República opta pela tutela dos direitos
fundamentais, a estrutura processual daí derivada há de ser imposta com estrita observância do modo pelo qual é possível harmonizarem-se todos estes direitos” (PRADO,
2006, p. 47), assim a adoção do sistema inquisitorial seria totalmente incongruente.
Ora, torna-se visível a incompatibilidade entre as normas constitucionais que
determinam um sistema processual acusatório e as normas infraconstitucionais que
concedem ao juiz poderes para iniciativa instrutória. Sabe-se que
A coexistência de ambos os sistemas em um mesmo ordenamento jurídico é claramente inadmissível, sobretudo quando o enfoque reside na atuação instrutória do juiz,
haja vista que ou se assume a inquisitorialidade, e se admite a iniciativa probatória oficial, ou se opta pela acusatoriedade, e se vedam os poderes instrutórios. (ARMBORST,
2008, p. 32).
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A atuação instrutória do juiz no processo penal brasileiro
A resposta a essa controvérsia deve ser buscada na própria Constituição, pelo
fato de esta possuir supremacia em relação às demais normas do País – toda lei infraconstitucional deve se adaptar a seus princípios, em virtude de ser considerada
inconstitucional em caso contrário (BULOS, 2011, p. 136). Sendo que “nenhuma
lei ou ato normativo [...] poderá subsistir validamente se for incompatível com a
Constituição” (BARROSO, 2011, p. 323), torna-se claro que o magistrado não pode
continuar aplicando uma lei que contém um vício manifestamente insanável. Por
fim, é obrigação do juiz “negar a aplicabilidade da norma em cada caso concreto”
(ARMBORST, 2008, p. 37), abrindo mão, assim, da própria iniciativa instrutória no
processo penal em nome da proteção de garantias constitucionais.
3 Considerações finais
Ao verificar, através de uma avaliação, que o sistema processual penal adotado
pelo País é o acusatório, e tendo o entendimento de que o núcleo fundante de cada
sistema processual é a forma de gestão da prova, é perceptível que conceder ao magistrado poderes de iniciativa instrutória é inconcebível, pois nesse caso estaríamos
instituindo um sistema inquisitório no Brasil.
A iniciativa instrutória do juiz fere diretamente diversos princípios processuais
penais que foram consagrados pela Constituição Federal de 1988; sendo assim, é necessário que se leve em conta a supremacia das normas constitucionais em desfavor
das demais normas do País.
Enfim, pôde-se constatar a total inconstitucionalidade da legislação processual
penal que atualmente tem concedido ao magistrado poderes que não condizem com
sua real função no processo: a de coordenar a produção de provas, não a de sair em
uma busca desenfreada por estas.
Com base no estudo, constatou-se que, para solucionar o problema de forma
célere, basta que cada juiz, individualmente, adote a postura correta, negando a aplicabilidade de uma lei manifestamente inconstitucional.
Referências
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BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
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2011.
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COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito processual
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. ed. rev., atual. e ampl.
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PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.
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THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais: tempo, tecnologia, dromologia e garantismo. Rio
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ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo:
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