65 O MODO ÁLVARO DE CAMPOS: UMA PROPOSTA ESTILÍSTICA1 Bruna Maria Campos Leitão Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro Orientadora: Profª. Drª. Vanise Gomes Medeiros Data de aprovação: 19/02/2009 É possível admitir que a composição poética apresenta uma manipulação consciente das potências da linguagem. O resultado final de tal manipulação – isto é, o poema elaborado – guarda conhecimentos em sua sofisticada apropriação da linguagem. Tais conhecimentos, no entanto, não são desvelados senão a partir da atenção que se deve dedicar ao ato analítico da leitura que, em âmbito acadêmico, se alicerça sobre específicos pressupostos teóricos. Nesse sentido, o ato analítico da leitura considera que a manifestação empírica de um poema apresenta, muitas vezes, certa subversão relativa ao uso referencial da linguagem. A escrita poética, assim, é capaz de reinventar sentidos de ordem gramatical, léxica e sintática, a fim de atingir a expressividade artística necessária. Através de tal apreensão, é possível afirmar que a manifestação verbal em âmbito artístico possui em sua materialidade o dispositivo capaz de nos guiar a um plano de especulações filosóficas (tendo por filosófico o entendimento de tudo aquilo que compete ao pensamento). Dessa forma, no exercício da especulação estará o caminho para o conhecimento provido por uma obra poética, atentando-se, contudo, que não basta o exercício puramente especulativo. É necessário que haja o amparo da obra em estudo e suas evidências plásticas, aliadas aos pressupostos teóricos convenientes. Para isso, pensando no tema estudado, a orientação teórica selecionada para a monografia seguiu as contribuições da Estilística. Tal escolha se justifica pelo fato desse campo de estudo, na disciplina de Língua Portuguesa, se preocupar em averiguar a dinâmica do emprego gramatical e sintático dos enunciados literários, a fim de fazer um levantamento de sentidos em potencial a partir de seus traços constitutivos, estando, assim, de acordo com a proposta do trabalho apresentado. O corpus da monografia se constitui por dois poemas de Álvaro de Campos (“Eu, eu mesmo...” e “Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo”), heterônimo da alcunha do poeta português Fernando Pessoa. Além dos poemas selecionados, também há, no argumento do trabalho, o alicerce das contribuições filosóficas assinadas por Álvaro de Campos e Fernando Pessoa em Obras em Prosa (1986). Assim, a apreensão analítica do primeiro poema parte da notação sobre a constante repetição de algumas palavras como traço de estilo do poeta. Nesse sentido, a intensa recorrência ao 1 Monografia final do curso de graduação em Letras (Habilitação: Português e Literaturas) da UERJ. Revista FACEVV | Vila Velha | Número 3 | Jul./Dez. 2009 | p. 65-67 66 pronome “eu” é tomada como marca plástica para a elaboração de considerações filosóficas que comunguem com o posicionamento estético defendido por Álvaro de Campos para a sua poética. Ao notar a investida insistente da grafia “eu”, observamos que o pronome não se esclarece. A repetição, nesse caso, pode indicar uma incansável tentativa de apreender predicado a esse “eu” que, no entanto, segue esboroado e cheio de possibilidades. Dessa forma, temos a consonância com o posicionamento do heterônimo relativamente ao seu aspecto “Sensacionista”. Seguindo suas próprias considerações, apreendemos a sensação em Álvaro de Campos como modo de criar e vivenciar infinitas possibilidades de vida. Nesse sentido, a repetição do pronome pode se colocar como o próprio movimento do heterônimo que, seguindo a fluidez que a ênfase nas sensações resguarda, não é capaz de pronunciar o “eu” de maneira limítrofe e finalizada tendo, portanto, que repeti-lo à exaustão, causando a impressão de busca infinda por esclarecimento sobre si. Da mesma forma, a partir de uma acurada percepção acerca da relação estabelecida entre os pronomes, de modo geral, empregados no poema, chegamos à notação de que, em dado momento, há a equivalência entre os pronomes “eu” e “tudo”. Nesse sentido, cabe tomar as conceituações gramaticais providas por Evanildo Bechara (1976) e Rocha Lima (1992), que determinam o aspecto não nominal e não qualitativo, assim como o vazio semântico dos pronomes, respectivamente. Tal observação ressalta o aspecto vago na elaboração do “eu” que a monografia enfatiza. Equiparado a um pronome indefinido, “eu” se manifesta claramente impreciso. A apreensão analítica realizada sobre o segundo poema reafirma o aspecto do “eu” esboroado. Contudo, além disso, tal leitura apresenta mais uma vez o caminho de congruência entre as marcas plásticas da linguagem nos versos, e as questões teóricas e/ou filosóficas concernentes à poética de Álvaro de Campos. Nesse sentido, o paralelismo estrutural observado em determinados grupos de versos fornece a indicação de uma quebra rítmica, concebida na leitura de tais versos. A quebra, por sua vez, tende a estar associada ao movimento de respiração efetuada pelo leitor, a fim de remeter ao fôlego do próprio heterônimo que investe em repetições, como já apresentado, em busca de uma predicação que dê conta de seu acontecimento, de seu “eu”. Assim, os elementos materiais da grafia poética, os elementos de estilo, revelam a realização de um investimento na linguagem que permite que se discuta aspectos de ordem estética e, até mesmo, teórica e/ou filosófica. A apreensão dos conceitos gramaticais ampara o conhecimento adquirido através das considerações teóricas tomadas como eixo de pensamento. Logo, a monografia aqui resumida busca associar tais conhecimentos, a fim de expandi-los em novas dimensões de leitura e apreensão do sentido poético de Álvaro de Campos, deixando mais uma proposta de leitura sobre a escrita do heterônimo. Referências: ADORNO, Theodor W. Experiência e criação artística. Lisboa: Edições 70, s/d. Revista FACEVV | Vila Velha | Número 3 | Jul./Dez. 2009 | p. 65-67 67 BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. Contribuição à estilística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978. GUIRAUD, Pierre. A estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970. MACHADO, Roberto. Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977. ______. Obras em prosa. 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