Boletim Lisboa Urbanismo - Ano 1999 Boletim nº 3 Fernando Domingues* Notas Sobre o Reforço Estrutural de Edifícios Antigos A acção e, cumulativamente, a falta de acção do Homem tem conduzido e agravado o processo de degradação natural dos edifícios. O acréscimo de cargas, vulgarmente originado em alterações ao tipo de utilização, a par de deficientes intervenções estruturais, normalmente associadas à abertura de vãos, executadas sem recurso a técnicas adequadas, constituem exemplos comuns da acção do Homem nos edifícios antigos. A deficiente manutenção/conservação dos edifícios, guiada por objectivos estritamente economicistas, por vezes fortemente reprováveis, mas também justificável por razões económicas (políticas de arrendamento...) constitui a face mais visível da falta de acção do Homem. Em Lisboa coexistem vários tipos de soluções construtivas, sendo particularmente significativas, em termos de necessidade de intervenção, os seguintes "tipos": Tipo 1 As construções "pombalinas", caracterizáveis simplificadamente pelo suporte vertical em alvenaria de pedra argamassada, vulgarmente contraventada no plano com reticulados de madeira e perpendicularmente pelos tabiques e pavimentos também em madeira; Tipo 2 As construções típicas das "avenidas novas" que, mantendo os elementos verticais em alvenaria de pedra argamassada, embora normalmente de pior qualidade, são normalmente completadas com pavimentos de betão; Tipo 3 As construções mais recentes em betão armado, aço ou estrutura mista. Embora seja virtualmente impossível a indicação de "receitas" para recuperação e/ou reforço de estruturas, pela falta de elementos disponíveis mas, sobretudo, pela quantidade e variabilidade dos parâmetros de base, parece-nos possível identificar alguns tipos de intervenção estrutural. Nas construções mais recentes são vulgares as intervenções baseadas em técnicas já razoavelmente divulgadas, objecto de análises profundas em artigos especializados e até disponíveis nos catálogos de produtos e serviços das empresas especializadas em intervenções de reparação e reforço. As construções do tipo 2 são, na opinião do autor, as que mais preocupam do ponto de vista da segurança estrutural, e as que implicam intervenções estruturais mais pesadas e necessariamente mais dispendiosas. Neste tipo de construções, é vulgar a incapacidade de resposta dos elementos verticais: pela sua dimensão relativa, pela qualidade dos materiais, pelo número normalmente elevado de pisos e pelo peso e massa associados aos pavimentos. Por estas razões os edifícios têm comportamentos associados a ruínas tipicamente frágeis, pelo colapso de elementos verticais, agravando-se esta situação no caso de ocorrência de uma acção sísmica. O reforço da super estrutura de edifícios deste tipo implicará normalmente o reforço dos elementos verticais de suporte, que poderá ser feito com recurso a estruturas metálicas, a estruturas reticuladas de betão ou, solução que nos parece ser de privilegiar quando possível, à execução de paredes finas de betão armado corrente o mente ligadas às paredes existentes através de conectores adequados. As construções do tipo 1, embora sejam mais antigas que as do tipo 2 têm, em geral, maior capacidade resistente. As construções pombalinas, em estado de conservação razoável, apresentam respostas estruturais bastante aceitáveis, sobretudo do ponto de vista da ductilidade e da elevada capacidade de redistribuição de esforços. Este tipo de construções tem como patologias típicas: a deterioração das ligações entre peças, o apodrecimento normalmente localizado de elementos de madeira, o assentamento de fundações e a deformação excessiva de paredes resistentes (particularmente o núcleo da caixa de escadas). As grandes intervenções de reforço neste tipo de edifícios, têm normalmente como objectivo prioritário a garantia de um eficaz contraventamento das paredes resistentes, cuja resposta, nestas condições, é normalmente adequada. O edifício sito na Calçada do Cascão Nº. 36, construído no princípio do século, é um exemplo da forma como é possível intervir no reforço de uma construção antiga. O edifício em causa é constituído por 4 pisos, com cerca de 400 m2 de área coberta total, tem uma estrutura constituída por paredes de alvenaria de pedra argamassada em todo o seu contorno exterior, pavimentos de madeira e paredes interiores em tabique. À semelhança de outras situações que ocorrem vulgarmente na cidade de Lisboa, a ruína do edifício adjacente, que ocorreu de forma súbita, produziu danos consideráveis no edifício em causa, agravados por diversas patologias existentes. A intervenção de reforço, que se encontra em curso, recorreu a diversas técnicas: • cintagem ao nível dos pisos com chapas de aço exteriores chumbadas à alvenaria; • travamento com tirantes de aço maciço corrente; • pregagem de cunhais com varões de aço embebidos; • reparação de uma parede de empena com betão projectado, armado e ligado à parede de alvenaria através de chumbadouros metálicos; • injecção de fendas com resinas poliester. As soluções de reforço indicadas, executadas obrigatoriamente com base num conjunto de regras específicas rigorosas e inscritas nas condições técnicas especiais do projecto, obrigam à escolha de um empreiteiro com corpo técnico operários e equipamento adequados. No caso concreto, a intervenção projectada é totalmente executada sem necessidade de desalojar os moradores, facto que não é negligenciável. A intervenção no edifício tem um custo final previsto de aproximadamente 20000 contos e um prazo de execução de 75 dias. Equacionada estritamente do ponto de vista estrutural a intervenção de reabilitação ou reforço é muitas vezes vantajosa se considerarmos a relação entre o custo da intervenção e o prolongamento provável da vida útil da construção. Muitas vezes razões sociais, arquitectónicas e até ecológicas, apontam também no sentido da adequação de intervenções deste tipo, por oposição à demolição e reconstrução. Finalmente, é de chamar a atenção para o seguinte: A água é o "inimigo nº1" das construções antigas. As intervenções de protecção adequada de paramentos exteriores, recuperação de coberturas e reparação de redes hidráulicas, que são muitas vezes vistas como intervenções "menores", são um contributo muito importante para a fiabilidade da resposta estrutural deste tipo de construções; A qualidade da definição de intervenções de reforço estrutural em edifícios antigos é sobretudo função da experiência do projectista, dependendo mais de factores subjectivos de apreciação que do cálculo mais ou menos apurado que possa realizar-se, pelo que essa experiência é factor preponderante na qualidade final; O melhor projecto, se for executado por uma empresa não qualificada, será certamente penalizado em termos de durabilidade e pode significar o agravamento das condições de segurança, ao invés da sua melhoria. *Engenheiro Civil (Estruturas)