UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PATRICIA DE MELLO BERTI O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – SUA CRIAÇÃO, SEUS PRINCÍPIOS E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE Santa Rosa (RS) 2012 PATRICIA DE MELLO BERTI O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – SUA CRIAÇÃO, SEUS PRINCÍPIOS E A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE Trabalho de Conclusão final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica. DEJS - Departamento de Estudos Jurídicos e Sociais. Orientador: Dr. Daniel Rubens Cenci Santa Rosa (RS) 2012 Dedico este trabalho a Deus, fonte da minha sabedoria, e a meus pais João e Rosane, por todo o apoio e incentivo durante estes anos da minha caminhada acadêmica. AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo, fonte da minha sabedoria, pela vida, pela fé e pela graça alcançada. A meus pais que sempre me incentivaram e me deram forças, e se sacrificaram tanto por mim. A meu irmão Tiago pela paciência nas muitas horas de ausência. A meu orientador Dr. Daniel Cenci pela sua dedicação e disponibilidade, e empréstimo de livros. A todos que de uma forma e outra colaboraram durante a trajetória de construção deste trabalho, minha muito obrigada! “Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua alma.” III João 1.2 RESUMO O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise de como se deu o surgimento do Direito à Saúde, relatando desde seu conceito até a construção do Sistema Único de Saúde – SUS. Analisa a consolidação do Direito à Saúde, se atendo aos fatos que discorrem sobre a construção do Sistema Único de Saúde, principalmente no que diz respeito a sua construção e as normas Constitucionais e infraconstitucionais. Faz também uma breve exposição dos princípios que norteiam o Direito à Saúde, tecendo um breve comentário sobre a política de acesso aos medicamentos. Palavras-Chave: Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde. Saúde ABSTRACT The present monographs research provides an analysis of how was the appearance of the Right to Health, reporting since its conception to the construction of Unic Health System – (SUS). It analyzes the consolidation of the Right to Health, having the facts that the discourse about the construction of Unic Health System – (SUS), mainly regarded to its construction and to its constitutional and infra norms. It also makes a brief exposition of the principles that guide the Right to Health leading on a brief comment about the politics access to medicine. Keywords: Right to Health. Unic Health System. Health. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 1 O DIREITO À SAÚDE E CIDADANIA ................................................................... 10 1.1 Conceituando saúde e cidadania ..................................................................... 11 1.2 O conceito de saúde ao longo da história ...................................................... 13 1.3 O conteúdo de direito à saúde na Constituição Federal................................ 17 2 A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ........................................... 20 2.1 A construção histórica do SUS ........................................................................ 22 2.2 O SUS na Constituição Federal ........................................................................ 26 2.3 O SUS na legislação infraconstitucional ......................................................... 30 3 POLÍTICA PARA ACESSO AOS MEDICAMENTOS ............................................ 35 3.1 Os princípios do direito à saúde ...................................................................... 37 3.2 Instrumentos jurídicos de garantia do direito à saúde quanto aos medicamentos ......................................................................................................... 46 3.3 O tratamento jurisprudencial do direito à saúde ............................................ 50 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 55 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 58 8 INTRODUÇÃO O presente estudo aborda o direito à saúde, por ser este um direito fundamental de toda a pessoa humana. Discorre-se sobre aspectos históricos da emergência deste direito, buscando destacar os aspectos mais marcantes do direito à saúde no Brasil. Dessa forma, relata desde as primeiras Constituições, até chegarmos à promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, analisa-se também os princípios que norteiam o direito à saúde. Assim, discorre-se de forma sucinta cada um dos principais princípios do Sistema Único de Saúde. Ademais, traz ainda posicionamentos judiciais a respeito do direito à saúde, sua vasta fundamentação legal, especialmente amparado pela Constituição Federal de 1988, mas também percebendo que tal direito se consolida mundialmente nos grandes documentos das Nações Unidas. Assim, para que fosse concretizado o presente trabalho, foram efetuadas pesquisas bibliográficas e também por meio eletrônico, analisando também as jurisprudências, a fim de permitir um aprofundamento no estudo do direito à saúde, seus fundamentos legais até sua efetivação. Inicialmente, foi feita uma abordagem referente a uma visão ampla do conceito de saúde. Nesse sentido, foi visualizada a saúde ao longo da história, fazendo um apanhado de como surgiu, nos primórdios, a idéia de saúde. Ademais, faz-se também uma pequena explanação do que seria o conceito de saúde. No segundo capítulo, é analisada mais profundamente a forma como se consolidou o Sistema Único de Saúde. Dessa forma, abrange desde sua construção, 9 indo até um apanhado de sua história. Assim, engloba como foi adotada a concepção de direito à saúde nas Constituições Federais que o Brasil já teve, englobando como está hoje a saúde consolidada em nosso sistema jurídico. Destarte, refere-se também às Leis Orgânicas que regulamentam o direito à saúde. Por fim, no terceiro capítulo faz-se uma abordagem no que diz respeito aos princípios que norteiam o direito à saúde. Assim, conceitua e descreve cada um isoladamente. Ainda, refere-se de modo sucinto ao que nossos Tribunais vem julgando quanto à saúde – esta, avençada como um direito social, que deve ser estendido a todos, sem quaisquer distinções. Nesse sentido, o presente trabalho busca ampliar os conhecimentos do pesquisador, bem como, informações e reflexões ao leitor, no que se refere aos princípios do Sistema Único de Saúde, mostrando, de forma clara, como ele se originou e se consolidou vindo a estar em nossa Constituição Federal, hoje, como um direito essencial, que deve ser garantido e estendido a todos, por meio de políticas públicas. 10 1 DIREITO À SAÚDE E CIDADANIA – APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS O direito à saúde, tal qual temos hoje, contemplado em nossa Constituição, com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana, englobando o acesso a todos, sem distinção de raça, cor, credo ou religião, não foi sempre assim. Em princípio, era destinado apenas a uma pequena classe, a qual tinha direito apenas aos cuidados básicos de saúde, de forma precária. Aos poucos, tudo foi mudando, e o acesso a saúde foi se solidificando, fazendo com que, não apenas uma pequena parcela da população pudesse ter direito a uma saúde digna – em especial ao acesso aos medicamentos –, mas que a todos fosse garantida a acessibilidade sem qualquer discriminação. Assim, temos legitimado na Constituição o direito de todos às ações de saúde, devendo o Poder Público prover o pleno gozo desse direito. É, portanto, um ordenamento político e organizacional para reordenar os serviços e ações de saúde, aprimorada em princípios doutrinários que correspondam a direitos humanos, dando o aparato legal para o exercício da prática de saúde ética. Nesse contexto, segundo Mariana Flichtiner Figueiredo (2007, p. 78) “a proteção sanitária seria finalmente tratada como saber social e política de governo”, no passo que ao ser estabelecido em nosso ordenamento constitucional a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, deve, portanto, ser tal disponibilizada, ou, possibilitada aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Como se verá mais adiante, além do que nos garante a Constituição Federal de 1988, temos ainda, a Legislação do Sistema Único de Saúde, a Lei n.° 8.080/90, que traz, em seu bojo, garantia de qualidade de vida digna, estendida a todos, sem qualquer distinção. Ademais, saúde não se resume tão somente a medicamentos, ou simplesmente a um atendimento ambulatorial. Saúde é qualidade de vida. E essa qualidade de vida envolve várias ações, que primam para o bem-estar dos cidadãos. 11 1.1 Conceituando saúde e cidadania Saúde e cidadania são palavras que, unidas, fazem frente a uma gama de direitos. Nesse sentido, pode-se destacar, nos dizeres de Marcos Silvio de Santana, que: A história da cidadania confunde-se com a história dos direitos humanos, a história das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos, como a liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os humanos indistintamente; existe um relacionamento estreito entre cidadania e luta por justiça, por democracia e outros direitos fundamentais asseguradores de condições dignas de sobrevivência. Assim, conforme nos ensina Dalmo Dallari (apud SANTANA), tem-se que: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. Já a saúde, “é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”, conforme o conceito adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nesse sentido, podemos dizer que o conceito de saúde simboliza um compromisso, um horizonte a ser perseguido, pois essa ainda não é nossa realidade. Isto porque, nos remete tal conceito a um nível de „saúde ótima‟, o que é algo utópico, já que é a mudança em nossa vida que irá nos garantir um bemestar físico, e não a estabilidade. Tal conceito dado pela OMS, segundo Figueiredo (1997, p. 80) “superou a idéia de saúde como mera inexistência de doenças, destacando a importância entre o equilíbrio do homem, interna e externamente.” Nesse sentido, o Estado atua subsidiariamente, tão somente na proporção de cuidados à saúde das pessoas, suprimindo o questionamento quanto às estruturas sociais e econômicas, ocultando, assim, os problemas sanitários. Desse modo, tanto direito à saúde quanto direito à cidadania são expressões que remetem aos direitos humanos. Ambos dizem respeito aos direitos e deveres 12 que terá um cidadão. Ele terá deveres a cumprir, enquanto que o Estado vai lhe garantir seus direitos fundamentais, consolidados na legislação. A OMS alargou a opinião de saúde, pois ultrapassou o ponto de vista negativista de „ausência de doenças‟ ao acrescentar um aspecto positivo, qual seja objetivar um completo estado de bem-estar físico, mental e social. Assim, propôs uma saúde não apenas preventiva, mas criou uma saúde efetivamente palpável, retornando à ideia de qualidade de vida. Nesse parâmetro, Sarlet (2003, p. 02 apud FIGUEIREDO, 2007, p. 82) escreve que: O completo bem-estar físico, mental e social densifica o princípio da dignidade humana, pois não se imagina que condições de vida insalubres e, de modo geral, inadequadas, sejam aceitas como conteúdo de uma vida com dignidade. Esse entendimento, portanto, assegura a justiciabilidade do direito à saúde, no que se refere às prestações materiais originárias, bem como, na proteção do alcance das palavras dignidade da pessoa humana, que complementa o contexto do direito à saúde. Assim sendo, a saúde, ou, o direito à saúde, está também previsto em nossa Constituição Federal no artigo 6°, que integra o Capítulo II do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais –, apontado como consistindo em um direito social oponível ao Estado, sendo especificada também no Título VIII – Da Ordem Social – Seção II, no artigo 196, ambos referidos abaixo: Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [...] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Diante da leitura de tais dispositivos, podemos exarar que o direito à saúde corresponde a um direito fundamental, devendo o Estado realizar políticas sociais e 13 econômicas, como propósito de reduzir e prevenir o risco de doenças e outros agravos, possibilitando, dessa forma, o acesso igualitário e universal às ações e aos serviços de saúde. Igualmente, não há apenas um direito, mas um dever, que aponta para o acolhimento de uma categoria constitucional independente, devendo o Estado, facilitar ou fornecer diretamente serviços e bens que supram as necessidades primárias da sociedade, implantando uma política de saúde eficaz, que aumentem o nível de proteção à saúde já ofertada. Como elemento de cidadania, o direito à saúde esta especificado, ainda, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, descrito no art. 25, abaixo descrito: Art. 25 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social. Ante isso, delineia uma pretensão longa e convalida não apenas o curar ou evitar as doenças, mas ter toda uma vida saudável, de modo que não seja suscetível a doenças, levando em conta o padrão de vida que cada um possui. Ou seja, não basta prevenir ou curar doenças, deve-se, antes de tudo, buscar meios para que todos possam ter uma vida digna, de modo que sejam evitadas moléstias na população. 1.2 O conceito de saúde ao longo da história A saúde, tal como a temos hoje, passou por um longo processo de evolução, se consolidou de forma lenta e gradual, iniciando ainda no século XIX, com a vinda da Corte portuguesa ao Brasil. Nas palavras do doutrinador Luis Roberto Barroso (2009, p. 12-14 apud MATTOS; SOUZA, 2011, p. 14-15): 14 A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se ainda no século XIX, com a vinda da Corte portuguesa. Nesse período, eram realizadas apenas algumas ações de combate à lepra e à peste, e algum controle sanitário, especialmente sobre os portos e ruas. É somente entre 1870 e 1930 que o Estado passa a praticar algumas ações mais efetivas no campo da saúde, com a adoção do modelo “campanhista”, caracterizado pelo uso corrente da autoridade e da força policial. Apesar dos abusos cometidos, o modelo “campanhista” obteve importantes sucessos no controle de doenças epidêmicas, conseguindo, inclusive, erradicar a febre amarela na Cidade do Rio de Janeiro. Durante o período de predominância desse modelo, não havia, contudo, ações públicas curativas, que ficavam reservadas aos serviços privados e à caridade. Somente a partir da década de 30 há a estruturação básica do sistema público de saúde, que passa a realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Criam-se os Institutos de Previdência [...], que ofereciam serviços de saúde de caráter curativo. [...] A saúde pública não era universalizada em sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência. [...] No entanto, grande contingente da população brasileira, que não integrava o mercado de trabalho formal, continuava excluído do direito à saúde, ainda dependendo, como ocorria no século XIX, da caridade pública. Dessa forma, a saúde contemplada no século XIX, pode ser chamada de saúde curativa, na medida em que procurava tão somente dirimir as enfermidades e moléstias do povo. Isso ocorria em virtude de que, um trabalhador doente, era um trabalhador sem valia para o empregador, devendo, portanto, ser substituído. Nesse sentido, quando houve a promulgação da Constituição, em 1988, o direito à saúde foi universalizado, deixando de abranger apenas um pequeno contingente da população de trabalhadores formais. Além disso, foi previsto em seu ordenamento o Sistema Único de Saúde (SUS), que possuí caráter público, sendo formado por uma rede de serviços regionalizada, hierarquizada e descentralizada, tendo em cada esfera de governo direção única, e, garantindo aos usuários, através de participação popular, controle nas Conferências e Conselhos de Saúde. Nesse sentido, destaca-se que: O Texto da Constituição Federal de 1988 assume várias propostas do Movimento Sanitário. Saúde é definida como Direito de todos e dever do Estado (Art. 196). As ações e serviços de saúde são de relevância pública (Art. 197). O Sistema Único de Saúde é proposto como uma rede organizada de acordo com as diretrizes de 15 descentralização, atendimento integral e participação da comunidade (Art. 198). (DANIEL RUBENS CENCI, 2010, p. 44) Diante disso, Silva (1995, p. 123 apud SCHWARTZ, 2001, p. 50) nos apresenta que “a tarefa do Estado Democrático de Direito consiste, pois em recuperar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.” Busca, ainda, uma justiça social efetiva, bem como uma qualidade de vida moderna, alcançando a transformação da realidade que se proporciona. Nesse sentido, até que foi consolidado em nossa Carta Magma, passou o direito à saúde por longas transformações. Primeiramente, era tido apenas como busca de eliminar os males da humanidade, pois muitas pessoas eram acometidas de doenças, sem que tivessem um medicamento ou mesmo uma vacina que pudessem tomar ou remediar sua cura. Nesse contexto, podemos dizer que os direitos humanos, em uma visão ampla, foram uma conquista para todos, na medida em que analisamos os primórdios dos tempos e contemplamos que, nos tempos antigos, o direito à saúde era visto como algo para remediar males, ou, que só alcançava uma pequena parcela da população. Ainda, remetendo aos primórdios da humanidade, como por exemplo, para os Dez Mandamentos ou para a Lei das Doze Tábuas, visualizamos que estes eram conjuntos de regras pré-estabelecidas, repletas de obrigações, contudo, não falavam, em nenhum momento, em direitos. Nas palavras de Lopes (apud FIGUEIREDO 2007, p. 19), “os primeiros códigos morais e jurídicos, [...] eram conjuntos de regras que estabeleciam obrigações para os indivíduos, mas não direitos.” Já na fase da burguesia, na Idade Média, surge a concepção de direitos naturais, ou seja, aqueles inerentes ao homem, inderrogáveis, abstratos e universais. A positivação deles se deu na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão na Revolução Francesa, promulgada em 26 de agosto de 1789. Tal declaração tinha como intuito proteger os direitos do homem contra atos do governo, 16 informando, assim, aos indivíduos sobre seus direitos fundamentais, que eram apenas declarados, mas ainda não tinham sido constituídos. O Brasil, mesmo tendo sido signatário da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ainda não contemplava um artigo exclusivo em sua Constituição de 1967, onde, apenas havia ressalvas, indícios de que os governantes estavam começando a preocupar-se com a proteção sanitária, sem, contudo, acontecer avanços significativos na vida da população. Foi somente com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, que houve de fato a positivação do tema direito à saúde. Com relação a outros países que já haviam firmado em suas Constituições o direito à saúde, o Brasil o adotou de forma atrasada, consolidando a saúde como direito fundamental. Não simplesmente como um direito apenas importante, mas fundamental, onde o Estado deve garanti-lo mediante políticas públicas. Assim, o direito à saúde, nas palavras de Figueiredo (2007, p. 96), é: resultado das propostas de “Reforma Sanitária” defendidas por movimentos sociais e apresentados durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1986/1987 em demonstração da “inadequação do sistema de saúde então vigente”, inapto para lidar com problemas sanitários diversos (quadro de doenças de todos os tipos, baixa cobertura assistencial da população, ausência de critérios e de transparência dos gastos públicos, etc.). Havia até então, somente ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, desenvolvidas pelo Ministério da Saúde para atender a população em geral. Segundo Figueiredo (2007, p. 96), “as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças eram desenvolvidas quase que exclusivamente pelo Ministério da Saúde.” De igual forma, a assistência médico-hospitalar prestada pelo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), não era universal, restringindo-se apenas aos trabalhadores (segurados e seus dependentes) do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social, que posteriormente veio a ser o INSS – Instituto Nacional da Previdência Social). A população mesmo, 17 só tinha acesso aos hospitais públicos que prestavam os serviços básicos de atendimento. Então, dois anos após a promulgação da Constituição, nasce a Lei n° 8.080, a Legislação do Sistema Único de Saúde, a qual, partindo do princípio da descentralização de poderes, regula as competências de cada Ente da Federação, que intera uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde. Forma, assim, um conjunto de unidades, de serviços e de ações que converge para um fim comum - a Lei do Sistema Único de Saúde – a consolidação do direito à saúde em nosso ordenamento jurídico. 1.3 O conteúdo do direito à saúde na Constituição brasileira O tema direito à saúde foi abordado de diferentes formas ao longo de nossas Constituições, entretanto, é notório o fato de que o Brasil mostrou-se atrasado no sentido de adotar em seu ordenamento o direito à saúde. Em 1824 temos a Constituição do Império, esta com poucas inovações no que concerne ao social. Impregnada por uma herança absolutista, continha, entretanto, forte contexto liberal. Contudo, não normatizou, regulamentou ou colocou como princípio o direito à saúde. Nesse período também eram escassos os hospitais, poucos ainda, e a vigilância sanitária ainda estava se consolidando, sendo que não cabia ao Estado interferir nesse tipo de questão. A Constituição de 1934 preocupou-se com a questão do sanitarismo, elaborando, inclusive, a competência concorrente à União e aos Estados em relação à saúde, fixando-os como responsáveis por tal fator. Essa fórmula foi, inclusive, adotada na Constituição de 1988. As Constituições de 1937 e 1946 nada falaram ou referiram sobre o tema. Então, em 1948, com a Constituição da República Italiana, a saúde já não foi contemplada como fator de produtividade, mas como direito do cidadão e a doença passou a ser discutida como processo biológico e social. Nela, destacou-se o art. 32, que elevou o sentido de direito à saúde trazida até então: 18 Art. 32 – A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante tratamentos gratuitos aos indigentes. Ninguém pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição em lei. A lei não pode, em hipótese alguma, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana. Também em 1948, a Declaração dos Direitos do Homem descreve a saúde como componente da cidadania, ao descrever que “art. 25. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e a alimentação [...]” O que se mostra curioso é o fato de que o Brasil, sendo signatário dessa Declaração, não a tinha contemplado em seu ordenamento. A Constituição de Portugal, em 1976, apenas deu uma melhor tradução no conceito de direito à saúde, descrita em 1948. Assim definia: “1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e a promover.” Nesse sentido, não tinha o Estado o dever de garanti-la, mas os cidadãos deviam providenciar formas de defendê-la e/ou promovê-la. Nesse impasse, foi apenas em 1988, com a promulgação da Constituição Federal que o direito à saúde foi, de fato, positivado em nosso ordenamento. Embora de forma atrasada, a Constituição o contemplou e inovou no sentido de afirmar que “é direito de todos e dever do Estado.” Após, tivemos implantada a Lei do Sistema Único de Saúde – SUS, Lei n° 8.080 de 1990, a qual é fundada no princípio da universalidade, ou seja, deve atender a toda a população. Renovou quanto à descentralização, firmando um comando único para cada esfera do Estado (compreendido como União), bem como na integralidade do atendimento e incluindo a participação da comunidade. Nas palavras de Figueiredo (2007, p. 97) “dispôs sobre as condições, a organização das ações e o funcionamento dos serviços de saúde, tendentes à realização da promoção, proteção e recuperação da saúde.” Além disso, abrange o SUS a rede pública e privada (esta, através de contratos ou convênios, ajustado com 19 o Poder Público), que formam uma teia, buscando o bem comum da saúde da população, atentos, sempre, aos princípios basilares do sistema. Nesse impasse, o próximo capítulo irá abordar como se dá a construção do SUS, buscando traçar sua história desde as primeiras Constituições, fazendo um apanhado também da consolidação na Lei n° 8.080/90 – Lei do Sistema Único de Saúde. 20 2 A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS A inauguração dos direitos sociais em nossa Carta Magma se consolidou de forma muito abrangente, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. A amplitude do direito à saúde consagrada no ordenamento constitucional, nas palavras de Figueiredo (2007, p. 62), “reconhecem aos brasileiros um conjunto de direitos fundamentais sociais bastante rico e diversificado, pretendendo abarcar os mais diferentes aspectos da vida humana.” No entanto, conforme nos ensina Bermúdez et al (2009, p. 115): Os antecedentes do SUS remetem a um cenário epidemiológico e de estrutura sanitária, caracterizada pela falta de cobertura e limitações do modelo vigente, relacionados com os grandes problemas de desenvolvimento e dívida social que o País acumulava. Nessa perspectiva, o SUS promove uma transição de um modelo assistencial, vertical, centrado na doença, baseado na prestação de serviços de saúde individual e notadamente curativo, para um modelo completamente novo quanto à lógica de sua organização e dos valores que o constituem. Assim, nasce o Sistema Único de Saúde, que traz em seu bojo um conceito novo do método saúde-doença, abrigando em si, os princípios doutrinários da universalidade, da equidade e da integralidade “para o conjunto das ações em saúde que abrangem um ciclo completo e integrado entre a promoção à saúde, a proteção e a recuperação” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1991). Entretanto, com base em dados do Ministério da Saúde (2007, p. 10), tão somente “a consolidação do SUS, como um sistema de atenção e cuidados em saúde, não é suficiente para a efetivação do direito da população à saúde.” Isso porque, a captação da saúde, ou seja, sua conquista deve estar articulada no conjunto de fatores da ordem econômico-social e cultural, que traz influências direta ou indiretamente sobre as condições de saúde da população. Nesse sentido, é necessário que o SUS seja entendido como um método em construção, que ainda carece de enormes esforços estatais, bem como de energias da sociedade civil, tudo isso, para que haja sua completa compreensão como 21 Sistema Único de Saúde. Ademais, é notório o fato de que, embora todo o processo de construção que ainda passa o SUS, ele tem tido importantes avanços. Conforme Luchessi (2003 apud BERMÚDEZ et al, 2009, p. 116), podemos destacar, dentre os avanços alcançados: a institucionalização e sistematização da participação social, atribuição de responsabilidades mais específicas nos processos de descentralização por meio da efetivação das Normas Operacionais Básicas do SUS, que constituem ferramentas de operacionalização e de regulação do sistema. Crescente autonomia dos municípios na gestão financeira do SUS por meio da transferência de recursos fundo a fundo, mecanismos de planejamento, gestão e avaliação do sistema nos três níveis de governo. Não podemos esquecer, entretanto, que, a efetivação do direito à saúde não acontece de forma espontânea. Ela depende do provimento de políticas sociais e econômicas, que protestem pelo desenvolvimento econômico sustentável, bem como, pela distribuição de renda; compelindo, especificamente ao SUS a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das coletividades de forma equitativa. Portanto, temos por certo de “que cabe ao Estado a produção e a regulação das políticas sociais” (BERMÚDEZ et al, 2009), sendo que, conforme a lei do Sistema Único de Saúde, no seu artigo 2° “o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.” Por fim, podemos descrever que, o SUS, tendo em vista os avanços alcançados, se mostra como um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ademais, tem como proposta, uma cobertura universal e integral para os mais de 80% da população brasileira que não é coberta por planos privados de saúde. Como política nacional descentralizada, o SUS vem fortalecendo o papel, bem como a autonomia dos níveis locais, ampliando, dessa forma, as possibilidades de controle democrático das ações e serviços oferecidos à população. 22 2.1 A construção histórica do SUS Como se sabe, o direito à saúde, no plano internacional, foi reconhecido em 1948, quando houve a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, o Brasil, embora signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, teve o direito à saúde contemplada como uma simples “assistência” à saúde, mas, restritos aqueles que possuíam carteira assinada. Nesse sentido, eram contemplados pela assistência em saúde aqueles que contribuíam para a previdência social. Assim, a maioria da população estava privada do acesso às ações de saúde, sendo que tinham de contentar-se com a assistência que era prestada por entidades filantrópicas. Assim, conforme o Ministério da Saúde (2007, p. 07): a saúde não era considerada um direito, mas tão-somente um benefício da previdência social, como a aposentadoria, o auxíliodoença, a licença-maternidade e outros. Destarte, ainda com base no que diz o Ministério da Saúde (2007, p. 07): durante décadas, as políticas públicas de saúde tiveram como objetivo propiciar a manutenção e recuperação da força de trabalho necessárias à reprodução social do capital. Ao mesmo tempo, o setor Saúde era marcado por forte cunho assistencialista e curativo, de caráter crescentemente privatista, com pouca prioridade para as políticas de promoção da saúde. Dessa forma, como já explanado anteriormente, o SUS é fruto de propostas de reforma sanitária, onde os movimentos sociais da época reivindicavam melhoras no sistema sanitário, que era oferecido de forma precária e, tão somente aqueles que eram segurados do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), hoje, Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ou seja, só quem tinha carteira assinada tinha direito a ter acesso a um sistema de saúde, ou, aos cuidados básicos de saúde. 23 As primeiras articulações desses movimentos remetem-nos ao início da década de 1960, quando ainda sendo concebido, foi abortado pelo golpe militar de 1964. Dessa forma, o movimento veio a atingir sua maturidade a partir do final da década de 1970 e início dos anos 1980. O movimento teve a participação e a colaboração de técnicos e intelectuais, bem como, de partidos políticos, de diferentes correntes e tendências e, ainda, de diversos movimentos sociais da época. A luta pela Reforma Sanitária teve como ponto ápice, a realização, em 1986, da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Esta, de forma pioneira, “permitiu a participação da sociedade civil organizada no processo de construção de um novo ideário para a saúde” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p. 08). A conferência teve como norte, o princípio da “saúde como direito de todos e dever do Estado”. Os principais temas, suscitados na conferência, tiveram como resultado suas decisões descritas na Constituição Federal, que foi promulgada em 1988. Dessa forma, o Sistema Único de Saúde passou a integrar o sistema da seguridade social brasileira. Assim foi estabelecido em nossa Carta Magma, no Título VIII (Da Ordem Social), no Capítulo II (Da Seguridade Social), que a Seguridade Social compreende “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” Assim, comparando a realidade que se tinha anteriormente à criação do SUS, pode-se ver que sua concepção representou um avanço significativo para a época, principalmente no que diz respeito às políticas sociais trazidas na Constituição Federal de 1988. Destarte, segundo Carvalho (apud FIGUEIREDO, 2007, p. 96): A conformação em “sistema” impõe que o SUS subsista como “um conjunto de unidades, serviços e ações que interagem para um fim comum”, em que o adjetivo “único” determina que as diretrizes e 24 princípios estabelecidos constitucionalmente devam ser seguidos de forma unívoca nos três níveis da federação. Sob essa ótica, podemos considerar que, anteriormente à criação do SUS, a saúde não era considerada um direito social. Eis que o modelo que se tinha de saúde naquele período dividia os brasileiros em três categorias, quais sejam: “os que podiam pagar por serviços de saúde privados; os que tinham direito à saúde pública por serem segurados pela previdência social (trabalhadores com carteira assinada); e os que não possuíam direito algum” (que representavam a maioria da população) (PORTAL DA SAÚDE). Nesse sentido, foi o SUS criado para que pudesse ser oferecido um atendimento igualitário, bem como, cuidado e promoção para proporcionar uma saúde digna à população, de modo que todos tivessem acesso ao atendimento no sistema de saúde. Assim, podemos perceber que o SUS “constitui um projeto social único que se materializa por meio de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros” (PORTAL DA SAÚDE) Para tanto, a Lei n° 8.080/90, a lei do Sistema Único de Saúde, trouxe, em seu art. 3°, caput que: Art. 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Seguindo essa visão que se extraí do SUS, vemos que ele compreende um dos maiores sistemas público de saúde do mundo. Ora, o SUS contempla desde um simplório atendimento ambulatorial, indo até um transplante de órgãos. E tudo isso, é garantido de forma a abranger um acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Ademais, nas palavras de Figueiredo (2007, p. 97): Não obstante constituído como sistema público, o SUS compreende as redes pública e privada de saúde, esta última utilizada por meio 25 de contratação ou convênio firmado com o Poder Público. Ambas formam uma rede regional, para adequação às particularidades locais; e hierárquica, ou seja, que deve estrita observância ao conjunto de princípios que regem o sistema (integralidade, igualdade e participação da comunidade). O SUS, criado em 1988, pela Constituição Federal, foi instituído para ser o sistema de saúde dos brasileiros, sendo protegido por um conceito extenso de saúde. Conforme é o entendimento do Ministério da Saúde, o SUS: além de oferecer consultas, exames e internações, o Sistema também promove campanhas de vacinação e ações de prevenção e de vigilância sanitária – como fiscalização de alimentos e registro de medicamentos –, atingindo, assim, a vida de cada um dos brasileiros. Ainda, analisando a construção do SUS, visualizamos os aspectos fundamentais que, juntos, dirigiram e viabilizaram todo o processo de reforma que lhe deu origem, as quais foram as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, por meio de sua gestão; e o estabelecimento do exercício de direção, por meio de um único órgão central em cada esfera (sendo uma no plano federal, e as demais divididas em Secretarias Estaduais e Municipais). Por fim, temos ainda, seguindo a doutrina de Neto et al, que: a efetivação do direito à saúde depende do provimento de políticas sociais e econômicas que assegurem desenvolvimento econômico sustentável e distribuição de renda; cabendo, especificamente ao SUS a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das coletividades de forma equitativa. Assim, seguindo para a linha de financiamento do SUS, eis que houve uma significativa melhora no que diz respeito ao orçamento. Nesse sentido, temos visualizado que os repasses dos recursos da esfera federal para as esferas estadual e municipal tem ocorrido de forma regular, atendendo, assim, aos percentuais orçamentários, estabelecidos na Constituição Federal. Ademais, a missão do SUS é a promoção no atendimento à saúde, para o fim de construir uma sociedade justa e democrática. Qualidade de vida é saúde. 26 Portanto, deve ela estar vinculada aos direitos humanos. Destarte, nas palavras de Neto et al, “o direito à saúde exige a superação das desigualdades”, para tanto, é necessário que sejam assegurados o acesso igualitário aos alimentos, aos medicamentos, bem como aos serviços de saúde, que devem ser prestados de forma cada vez mais eficaz, a fim de que os princípios basilares do SUS sejam externados a toda a população brasileira. 2.2 O SUS na Constituição Federal Preconiza nossa atual Constituição Federal, em seu artigo 196, caput, que: Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. No entanto, nem sempre ela esteve assim, posta como um direito maior, como um dever do Estado em protegê-la e provê-la. O Brasil analisado pelo âmbito internacional teve um atraso significativo, no sentido de adotar o direito à saúde em seu ordenamento jurídico. Senão vejamos; A primeira Constituição, a Constituição do Império, de 1824, foi uma Carta, trazendo alguns aspectos de “social”, pois continha em seu bojo um “forte conteúdo liberal” e também estava “impregnada de forte herança absolutista” (SCHWARTZ, 2001, p. 43 e 44). Tudo isso porque, não regulamentou ou normatizou o direito à saúde. Nessa época, vale lembrar, conforme a Revista Âmbito Jurídico que “no Brasil a intervenção estatal nos serviços de saúde vem desde a época colonial, mas somente no período republicano que essa se efetivou.” Ademais, nesse período, eram escassos os hospitais, e os serviços de vigilância sanitária, praticamente inexistente. Ora, conforme preconiza Schwartz (2001, p. 44): Entender saúde, à época, era visualizá-la como uma (des)graça das divindades. Não cabia ao Estado interferir nessa questão, quanto 27 mais um Estado Liberal como aquele apregoado pela Constituição do Império. Com a promulgação da Constituição Republicana, em 1891, nada mudou. Não houve, igualmente, a inserção do direito à saúde na ordem constitucional. Embora tenha ocorrido a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, nada sobre direito à saúde foi acrescido na Constituição de 1891. Tão somente houve mudanças no sentido de criar, em 1829, uma Academia de Medicina, que funcionava como órgão consultivo do Imperador D. Pedro I em questões relativas à área da saúde. Nesse mesmo período, nasce a Junta de Higiene Pública, a qual, entretanto, não apresentou eficácia no que diz respeito ao cuidado da saúde da população. Assim, a fase imperial da história brasileira encerrou-se sem que o Estado solucionasse os graves problemas de saúde da população, fato este que fez com que o Brasil, ao final do segundo reinado, fosse conhecido como um país insalubre (REVISTA ÂMBITO JURÍDICO). Com a proclamação da República, ocorrida em 1889, houve uma esperança de que haveria um progresso em relação à saúde, no entanto, nada aconteceu. A saúde pública era disponibilizada apenas a uma pequena parcela da população, sendo que eram realizadas tão somente ações sanitárias no intuito de controlar as endemias e epidemias que frequentemente assolavam a vida das pessoas. Assim, a assistência médica que havia, era aquela prestada pelas Santas Casas, bem como pelas Instituições de caridade que havia na época. Ou seja, a saúde era vista como obra de caridade, pois havia arraigado na sociedade o modelo liberal privado tradicional. Quem não podia pagar por uma assistência sanitária, tinha de contentar-se com a beneficência das Santas Casas. Já a Constituição de 1934 preocupou-se com a área sanitária. Trouxe, em seu artigo 10, inciso II a competência concorrente da União e dos Estados em 28 relação à saúde, compelindo-os como responsáveis quanto à matéria. Ora, a Era Vargas foi de suma importância para o setor da saúde. Getúlio Vargas criou, nesse período, os Ministérios da Educação e da Saúde Pública, mostrando o comprometimento do Estado com a preservação do bem-estar sanitário da população. Também possibilitou o atendimento de operários doentes, bem como, de seus dependentes. “Começaram assim a se estruturar os setores previdenciários, que foi ampliado ao decorrer dos anos, tornando-se o principal eixo de assistência médica da população trabalhadora dos centros urbanos” (REVISTA ÂMBITO JURÍDICO). Durante a Era Vargas, houve uma significativa redução de mortes causadas por doenças epidêmicas, em especial, nos aglomerados centros urbanos do Sudeste e Sul do país. Entretanto, constatou-se um aumento nas doenças de massa, as quais atingem milhares de pessoas. O que, no entanto, não pode ser mudado, foi o fato de o Brasil ter permanecido, nesse período, como um dos países mais enfermos do continente, embora tivesse tido um desenvolvimento na cobertura médico-hospitalar dos trabalhadores urbanos, e também no combate de enfermidades rurais. A Constituição Federal de 1934, ainda convencionou certas garantias aos empregados, “tais como assistência médica, a licença remunerada à gestante trabalhadora, a jornada de trabalho de oito horas e o salário mínimo” (REVISTA ÂMBITO JURÍDICO). No entanto, em 1937, a Constituição simplesmente silenciou sobre a matéria, sendo que representou um retrocesso no que diz respeito aos direitos humanos, pois ela instituiu a pena de morte, bem como, suspendeu as imunidades parlamentares, decretando a prisão e o exílio de opositores do governo. De igual forma, suprimiu a liberdade partidária, extinguindo a independência dos poderes e a autonomia federativa. 29 A Constituição de 1946, assim como a de 1937, não falou nada sobre direito à saúde. No entanto, ela aboliu a pena de morte e a censura, restituindo os direitos individuais, o direito de greve, bem como a estabilidade de emprego após se completar dez anos de serviço. Ademais, retomou a independência dos três poderes e instituiu eleições diretas para Presidente da República, sendo cada mandato de cinco anos. Todavia, com a promulgação da Constituição da República Italiana, em 1948, a saúde é concebida como um direito do cidadão, passando a abordar saúde e doença como processos biológicos e sociais. Assim dizia seu artigo 32: Art. 32 – A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante tratamentos gratuitos aos indigentes. Ninguém pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição de lei. A lei não pode, em hipótese alguma, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana. No âmbito internacional, temos a Declaração dos Direitos do Homem, em 1948, a qual é o Brasil signatário, que traz em seu artigo 25 a seguinte redação: 1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto a alimentação, ao vestuário, ao alojamento, a assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários; e tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. No mesmo intuito de garantir direitos sanitários, seguem “a Constituição espanhola, artigo 46, e a Constituição guatemalteca, artigos 93-100”, conforma faz referência Silva (1995, apud SCHWARTZ, 2001, p. 46). A Constituição de 1967 trouxe como única referência do direito à saúde, a delegação à União da competência para estabelecer planos nacionais de educação e saúde, em seu artigo 8°, inciso XIV. Ou seja, mesmo o Brasil seguindo a Declaração de Direitos do Homem, não houve qualquer avanço significativo na Constituição, que representasse progressos de ordem de proteção sanitária. 30 Foi somente em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, que o Brasil deu um grande passo, no sentido de garantia e proteção do direito da saúde, o qual foi estendido a toda a população, de forma que o Estado ficou encarregado de garanti-lo. A Constituição Cidadã, como também pode ser chamada, positivou o tema „saúde‟, e teve como base a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Ela propôs amplas mudanças, alicerçadas no direito universal à saúde. Dentre essas modificações, podemos destacar como eixo principal, a participação da sociedade, bem como a descentralização dos serviços assistenciais. Essa Conferência de Saúde serviu como base para a concepção do Sistema Único de Saúde – SUS, sendo que o relatório que foi elaborado nela serviu de auxílio para a construção da Constituição Federal de 1988, nos assuntos relacionados à área da saúde. 2.3 O SUS na legislação infraconstitucional Criado com o advento da Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito de acesso universal à saúde a toda a população, o direito à saúde teve sua regulamentação apenas em 19 de setembro de 1990, quando entrou em vigor a Lei n° 8.080, a Lei do Sistema Único de Saúde. Referida lei, dispôs sobre “as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,” bem como, para “a organização e o funcionamento dos serviços de saúde.” Desse modo, conforme seu artigo 1°: Art. 1° Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. Posteriormente, mas ainda no mesmo ano, em 28 de dezembro, houve a promulgação da Lei n° 8.142, a qual dispôs sobre “a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais 31 de recursos financeiros na área da saúde.” Destarte, o SUS passou a contar em cada esfera de governo, com duas instâncias colegiadas, quais sejam; a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. A Conferência de Saúde tem como função avaliar a situação da saúde e propor a formulação da política de saúde. Já o Conselho da Saúde desempenha o papel de formular estratégias e atuar no controle de execução da política de saúde. Nesse sentido então, podemos visualizar que, sem prejuízo do que dispõe a Constituição Federal de 1988, as normas infraconstitucionais que regulamentam o direito à saúde são as Leis Orgânicas da Saúde, a saber, Lei nº 8.080/90 e Lei nº 8.142/90. Assim sendo, frisa-se que, as Leis Orgânicas da Saúde, conforme Compêndio Básico do Sistema Único de Saúde (2009, p. 02): A Lei n° 8.080/90: regula as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde em todo o país, ao fixar normas a serem cumpridas quando da elaboração da política de Recursos Humanos para o SUS, dispôs no seu art. 27 que ela será formalizada e executada articuladamente pelas diferentes esferas de governo; A Lei n° 8.142/90: estabelece normas sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, condiciona o recebimento de recursos da União, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, a existência de comissão de elaboração do plano de carreira, cargos e salários. Ademais, além das Leis Orgânicas de Saúde, temos também as Portarias do Ministério da Saúde e as Deliberações do Conselho Nacional de Saúde e das Conferências Nacionais de Saúde. Todas servem para fazer com que o sistema jurídico-legal do SUS seja cada dia mais aperfeiçoado. Ainda, temos no Sistema Único de Saúde, os serviços privados, os quais são contratados para prestarem assistência à saúde. Dessa forma, eles participam como complementação ao sistema, “segundo as diretrizes do Sistema Único de Saúde, a quem compete elaborar regras para regular as relações entre o SUS e 32 esses serviços, tendo em vista a sua relevância pública” (COMPÊNDIO BÁSICO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, p. 02. 2009). Além disso, ressalta-se que as ações, os serviços públicos de saúde e os serviços privados (que são aqueles contratados ou conveniados), os quais integram o SUS, são desempenhados em conformidade com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal. Dessa forma, obedecem aos princípios organizativos, bem como aos doutrinários. Tais princípios são, conforme Conass – Para Entender a Gestão do SUS (2011, p. 26): » universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; » integralidade de assistência, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; » equidade; » descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo; » conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; » participação da comunidade; e » regionalização e hierarquização. Assim, houve uma regulamentação na organização e na forma de funcionamento dos serviços sanitários, bem como, a inclusão na lei, no que diz respeito à participação da comunidade na gestão do SUS. Mas o principal marco da Lei Orgânica da Saúde foi a inclusão, em seu texto, do acesso à saúde a TODOS, ou seja, não há mais proteção apenas aos que possuem carteira assinada, mas todos têm direito a uma saúde digna, igualitária. Com isso, houve a organização do sistema sanitário, onde, conforme nos ensina Schwartz (2001, p. 103): Da mesma forma que a responsabilidade sobre a saúde é dividida entre todas as esferas do governo, o SUS também assim se reparte, possuindo cada ente federado os órgãos, poderes e instrumentos para tal. 33 Nesse sentido, o SUS é dividido em direções nacional, estatal e municipal – neste caso, apenas quando o Estado optar pela sua municipalização, onde atuará tão somente como colaborador técnico e financeiro, como é o caso do Rio Grande do Sul. Assim, temos no âmbito nacional, o Ministério da Saúde, que possuí como gestor o Ministro da Saúde. A ele competem às matérias descritas no artigo 16 da Lei n° 8.080/90. A partir dela, pode-se destacar a formulação, avaliação, participação e apoio nas políticas de alimentação e nutrição. Já no cenário estadual, a Secretaria da Saúde, tendo o Secretário de Saúde como gestor, compreende o disposto pelo artigo 17 da Lei n° 8.080/90, que compreende, dentre outras funções, promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde, prestando apoio técnico e financeiro, executando ações e serviços de saúde de forma supletiva. Por fim, o Município é encarregado de cumprir o que elenca o artigo 18 da Lei n° 8.080/90, e terá como gestor o Prefeito ou Secretário Municipal. Sua função, conforme descreve o artigo supracitado, engloba desde o planejamento, organização, controle e avaliação das ações e serviços de saúde, até a normatização, de forma complementar, no seu âmbito de atuação, das ações e serviços. Ressalta-se aqui que, para que haja uma municipalização, necessário se faz, antes de tudo, haver um credenciamento do Município perante o SUS, obedecendo, assim, aos procedimentos técnicos exigidos. Conforme transcreve Schwartz (2001, p. 106) a respeito do credenciamento municipal perante o órgão do SUS: Sua contrapartida financeira corresponderá a, no mínimo, 10% (dez por cento) do orçamento público municipal, que será depositado no Fundo Municipal de Saúde, administrado pelo Conselho Municipal de Saúde. 34 Ainda no enfoque da municipalização, temos que ela traz muitos benefícios para a saúde. Dentre ele, podemos destacar, conforme Schwartz (2001, p. 105) que: 1) o interesse maior é o da localidade, devido às especificidades locais; 2) faz com que caiba ao Município a parcela mais importante da prestação sanitária, pois é ele que dispõe legal e materialmente sobre assuntos de interesse local – saúde; 3) grande parte da proteção à saúde é realizada no espaço local, respeitando-se as particularidades de cada região; 4) viabiliza uma administração moderna, privilegiando a competência, pois há uma vigilância maior sobre os encarregados do sistema, já que estes estarão em permanente contato com os cidadãos, que possuem participação no SUS (Art. 198, III, CF/88). O Sistema Único de Saúde dessa forma visto desde sua criação até agora, se materializou “como a maior política de Estado do País, promotor de inclusão e justiça social.” Ademais é fruto de uma constante construção coletiva, onde se manifesta o diálogo, a composição e a busca do acordo, tudo isso, em prol do melhor para a comunidade, para a coletividade. 35 3 POLÍTICA PARA ACESSO AOS MEDICAMENTOS O Sistema Único de Saúde estabelece um marco, ou, uma linha de orientação para a ação pública, isso, enquanto política pública, estando sob a responsabilidade de uma autoridade pública, e também sob o controle democrático da sociedade. Dessa forma, visa concretizar direitos sociais auferidos pela sociedade e previstos também em leis. Destarte, os direitos que estão declarados e garantidos nas esparsas leis, só terão aplicabilidade, quando acionados por meio de políticas públicas, as quais, devem ser correspondentes ao tema do direito, e, de igual forma, operacionalizamse através de programas, projetos e serviços (PEREIRA, 2006, apud BERMÚDEZ et al, 2009, p. 123). O SUS, deste modo, como demonstração do público, “deve guiar-se pelo princípio do interesse comum e da soberania popular e não do interesse particular e da soberania dos governantes” (BERMÚDEZ et al, 2009, p. 123), visando, assim, à satisfação das necessidades sociais, e não o oposto, ou seja, a renda econômica privada. Inegável destacar que, um dos nossos maiores desafios sempre foi tentar controlar, minimizar ou mesmo acabar com os sofrimentos causados pelas moléstias. Nesse sentido, o bem estar, a saúde, independe apenas de serviços de saúde e uso de medicamentos, embora essa associação contribua, e muito, no cuidado à saúde. Nesse compasso, nasce a Assistência Farmacêutica, como política pública, em 1971. Sendo parte do Sistema Único de Saúde, a Assistência Farmacêutica é determinante na resolução, na atenção e nos serviços prestados na área da saúde, envolvendo o dispêndio de grande volume de recursos públicos. Ainda, no que diz respeito à Assistência Farmacêutica (CONASS, 2011, p. 14): Assistência Farmacêutica no SUS deve ser entendida como política pública norteadora para a formulação de políticas setoriais, tendo 36 como alguns dos seus eixos estratégicos a manutenção e a qualificação dos serviços de Assistência Farmacêutica na rede pública de saúde, a qualificação de recursos humanos, bem como a descentralização das ações. Nela foi instituída a Central de Medicamentos (CEME), que tinha como incumbência o fornecimento de medicamentos à população sem condições econômicas para adquiri-los e se caracterizava por manter uma política centralizada de aquisição e de distribuição de medicamentos (BRASIL, 1971, apud CONASS, 2011, p. 10). A CEME foi desativada no ano de 1997, e as suas atribuições foram transferidas para diversos órgãos e setores do Ministério da Saúde. A CEME se extinguiu, porque não conseguiu cumprir com as propostas de fornecimento de fármacos, principalmente, no que diz respeito à produção estatal de medicamentos. Conforme traz Paula et al (2009, p. 1.114): Os conflitos entre o setor estatal e o setor público, resultado de uma dificuldade na produção de um consenso entre os atores políticos, foram se avolumando e acabaram por trazer uma hegemonia da perspectiva privativista. Assim, foi instituído o Programa Farmácia Básica, que se propunha a fornecer os medicamentos para a atenção básica, de forma trimestral, distribuindo 32 produtos farmacêuticos para aqueles municípios onde houvesse até 21 mil habitantes. Entretanto, o desenvolvimento desse programa não levou em conta as peculiaridades das diferentes regiões do Brasil. Dessa forma ocorreu “a necessidade da formulação de uma nova política de medicamentos e a explicitação do papel do Estado foram reforçadas diante do cenário desfavorável que o setor de saúde brasileiro vivenciava” (PAULA et al, 2009, p. 1.114). Nesse sentido, levando em consideração as bases difundidas pela Constituição Federal e na própria Lei do SUS, podemos caracterizar que o Estado: tem o dever de garantir um que todo brasileiro (acesso universal) tenha acesso aos medicamentos necessários à recuperação, prevenção e promoção de sua saúde (atendimento integral), e que tal 37 dever se estende a todos os entes da Federação (descentralização). (NÓBREGA, 2009, p. 310) No entanto, é fato indiscutível que o Estado não compreende recursos suficientes para atender a todas as demandas por medicamentos. Ou seja, não há estrutura suficiente que possa suprir todas as necessidades da população. Assim sendo, é necessário que se crie condições para que os direitos à saúde possam se exprimir num autêntico acesso da população aos medicamentos. Para que isso ocorra, necessário se faz a elaboração de políticas públicas, as quais devem resultar em definições e organizações para as ações estatais. Nesse sentido, a política nacional de medicamentos, para que possa atingir seus objetivos: define as diretrizes, os princípios e as prioridades que devem ser observadas pelos gestores da saúde no Brasil, bem como articula a distribuição de responsabilidades entre os gestores federais, estaduais e municipais. (NÓBREGA, 2009, p. 310) Assim, podemos considerar que, dentre as políticas de medicamentos, no que diz respeito à distribuição, ela tem tido um alcance geral. Principalmente quanto à distribuição dos medicamentos genéricos, quanto ao acesso para o uso racional dos medicamentos e quanto à informação da população, bem como dos profissionais de saúde. Destarte, continuaremos na análise do direito à saúde, quanto aos seus princípios fundamentais, quais sejam, princípios da igualdade, da proporcionalidade, e da reserva do possível. Ainda, teceremos breve comentário quanto aos princípios da universalização, da equidade, da descentralização, da regionalização, da hierarquização e da participação comunitária. 3.1 Os princípios do direito à saúde As ações, assim como os serviços públicos de saúde e os serviços privados (contratados ou conveniados) que unificam o SUS são desenvolvidos em 38 conformidade com as diretrizes estabelecidas incisos I, II e III, do artigo 198, da Constituição Federal, abaixo exposta: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Obedecem, ainda, aos princípios organizativos e doutrinários, que, conforme descritos pelo CONASS (2011, p. 26) são: » universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; » integralidade de assistência, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; » equidade; » descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo; » conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; » participação da comunidade; » regionalização e hierarquização. Nesse sentido, traçar-se-á pequenas considerações a despeito dos princípios que regem o Sistema Único de Saúde. O princípio da igualdade, adotado pela Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso I, diz o seguinte: Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Nesse sentido, tal princípio atua na execução/feitura das leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo a criação de tratamentos 39 demasiadamente distintos a pessoas que se encontram em situações análogas. Também, obriga a autoridade pública a aplicar a lei de maneira igualitária, sem distinções em razão de sexo, religião, raça, classe social, convicções filosóficas ou políticas. No entanto, há casos específicos, em que, desde que haja fatos que possuam uma (co)relação lógica entre o fator da discriminação e uma desequiparação, se possibilitará à lei estabelecer discriminações. Para que isso seja possível, é necessário ocorrer quatro elementos, que não poderão agredir o princípio da igualdade/isonomia, conforme nos ensina o Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello (apud Leny Pereira da Silva, s. a., p. 23 e 24): a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situação ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nela residentes, diferenciados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatos diferenciais existentes e a distinção de regime em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa - ao lume do texto constitucional - para o bem do público. Dessa forma, o que se veda na lei, são discriminações absurdas, pois, aquela premissa Aristotélica de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em eles se desigualam”, é requisito do próprio conceito de Justiça. Já o princípio da proporcionalidade, apesar de não constar expressamente em nosso sistema jurídico, é um princípio constitucional, mas implícito. Ora, com base no que nos diz o §2° do artigo 5° da CF/88, temos que: §2°. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 40 Conforme dispõe Humberto Ávila (2005, p.116-124 apud Ricardo Maurício Freire Soares): o princípio constitucional da proporcionalidade é aplicado somente em situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal modo que o intérprete do direito possa proceder ao exame de três parâmetros fundamentais e complementares: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Esses três critérios de natureza axiológica e teleológica - a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito – definem o sentido de um processo constitucionalmente proporcional. Nesse sentido, tal princípio é acionado quando, havendo um conflito de direitos em jogo, será usado como critério de aferição de validade de delimitações dos direitos, criando uma limitação entre eles. Conforme nos ensina Figueiredo (2007, p. 121): O princípio da proporcionalidade apresenta caráter dúplice, ao menos no campo dos direitos fundamentais, por viger tanto sob a forma de objeção, quanto de parâmetro mínimo de eficácia desses direitos. Incide como fator de restrição a determinado direito fundamental, para afastar posições subjetivas não compreendidas pela tutela jusfundamental e, com isso, evitar os excessos e a absolutização dos direitos fundamentais. Todavia, também se faz vigente para impedir abusos na restrição a esses mesmos direitos, operando como critério de aferição da razoabilidade das medidas restritivas. É utilizado, por conseguinte, como diretriz de vedação dos excessos e insuficiências, a fim de assegurar, afinal, a salvaguarda dos direitos fundamentais, bem como a unidade e supremacia normativa do sistema constitucional. Ademais, necessário destacar que, o princípio da proporcionalidade também pode ser chamado de princípio da vedação do excesso, na medida em que é competente para impedir abusos que possam sobrevir embasados na ótica do direito à saúde. De forma diferente, temos também o princípio da reserva do possível. Este é originário da doutrina alemã, a qual previa que direitos já elencados só poderiam ser garantidos, desde que houvesse recursos disponíveis. Nessa ótica, o princípio da reserva do possível “regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que 41 se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais” (SILVA, p. 26), condicionando a prestação estatal à existência de recursos públicos disponíveis. Nesse sentido, expressam sua opinião de forma contundente, Fernando Gomes Correia Lima e Viviane Carvalho de Melo, os quais dizem o seguinte: O Princípio da Reserva do Possível consiste em uma falácia decorrente de um Direito Constitucional Comparado equivocado, na medida em que a situação social brasileira não pode ser comparada àquela dos países membros da União Europeia (máxima do Princípio da Igualdade Material). “Devemos lembrar que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social com milhões de cidadãos socialmente excluídos, um grande contingente de pessoas que não acha uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública, crianças e jovens fora da escola, deficiência alimentar, subnutrição e morte”. Dirley Cunha Junior afirma: “nem a reserva do possível, nem a reserva de competência orçamentária do legislador podem ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e à efetivação de direitos sociais originários a prestações”. O Princípio da Reserva do Possível representaria, pois, um limitador à efetividade dos direitos fundamentais e sociais. Nesse sentido, destacamos que esse princípio é usado grandemente pelos juízes, quando consideram, em suas decisões relativas a medicamentos, cirurgias, transplantes, enfim, que ele não deve ser usado como limite para a atuação ou efetivação dos direitos sociais. Destarte, a própria Constituição Federal, nos dizeres de Silva (s. a., p. 27 e 28) relata que: veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (art. 167, inc. I), a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários (art. 167, inc. II), bem como a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, inc. VI). No entanto, como já descrito, embora haja normas jurídicas que dizem respeito à saúde, que é ela dever do Estado, só poderá trazer efeitos na ordem fática, quando o Estado dispuser de fontes, de condições para arcar com as 42 despesas que a própria norma dispense. Conforme nos traz Figueiredo (2007, p. 133 e 134): A reserva do possível, no que se refere ao orçamento público, impõe restrições em dois sentidos: por um lado, trata da escassez dos recursos financeiros existentes, ou seja, da limitação à efetividade dos direitos sociais a prestações materiais diante da carência ou insuficiência de verbas públicas destinadas ao atendimento dessas prestações; de outro ângulo, a reserva do possível traz a lume a discussão acerca dos limites da intervenção judicial na efetivação dos direitos sociais a prestações materiais, notadamente dos direitos originários a prestações, uma vez que as decisões alocativas, pela incidência do princípio da separação dos poderes, estão precipuamente afetas à esfera de competência do Legislativo. Em suma, este princípio deve ser empregado como meio de defesa legal, e não como um meio de justificativa para a ineficácia pública. Ainda, temos nos princípios do SUS, contemplado o princípio da universalidade, onde versa o Portal SISREG que: A Saúde é reconhecida como um direito fundamental do ser humano, cabendo ao Estado garantir as condições indispensáveis ao seu pleno exercício e o acesso a atenção e assistência à saúde em todos os níveis de complexidade. Nesse sentido o princípio da universalidade diz que compreende ao SUS atender a todos, seja por meio de serviços estatais prestados pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados ou pelos Municípios, seja por meio de serviços privados conveniados ou contratados com o Poder Público. Assim, a saúde é entendida como um direito de todos, onde compete ao Estado garanti-la. Nesse contexto, podemos expressar que compreendem aqui, não somente a garantia imediata a prestação do serviço de saúde, mas a oferta do serviço e das ações de saúde, estendida a todos que dela necessitarem. Ademais, tal princípio marca a saúde como um direito de cidadania, ao passo de que foi inserido na Constituição Federal como um direito de todos e um dever do Estado. Dessa forma, concentra a cobertura, o acesso e o atendimento nos 43 serviços do SUS e demonstra o conceito de que o Estado tem o dever de prestar esse atendimento a toda população brasileira. De forma não muito diferente, consiste o princípio da equidade em “um princípio de justiça social porque busca diminuir desigualdades. Isto significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior” (PORTAL SISREG) Ademais, o princípio da equidade busca atenuar as diferenças sociais. Conforme Pontes et al (2009, p. 501), sobre tal princípio, diz que: por meio da equidade objetiva-se diminuir as diferenças sociais, proporcionando atendimento desigual para necessidades desiguais, caracterizado como o princípio de justiça social Destaca-se que o princípio de equidade se caracteriza como um desdobramento da ideia de universalidade, assegurando a consideração das diferenças entre os diversos grupos de indivíduos e, assim, alocando recursos onde as carências são maiores, a partir de uma característica redistributiva. Nesse sentido, podemos apontar que ele apresenta estrita ligação com o princípio da universalidade, na medida em que também busca promover o acesso da população às ações e aos serviços de saúde, não importando qual a condição social ou o vínculo empregatício/previdenciário do usuário. Já o princípio da integralidade é, conforme o SISREG: a garantia do fornecimento de um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos, curativos e coletivos, exigidos em cada caso para todos os níveis de complexidade de assistência. Engloba ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. Ademais, conforme Luiza Aparecida Teixeira Costa e Dirce Guilhem (2009, p. 295), a integralidade é: uma ação social resultante da permanente interação dos atores na relação demanda e oferta, em planos distintos da atenção à saúde (plano individual – onde se constroem a integralidade no ato da atenção individual – e o plano sistêmico – onde se garante a 44 integralidade das ações na rede de serviços), nos quais os aspectos subjetivos e objetivos sejam considerados. Nesse sentido, caracteriza-se como a garantia da população ao atendimento de forma total, integral à saúde, por meio das ações curativas e preventivas, englobando-se aqui a responsabilidade dos três entes da federação. De forma diferente, o princípio da descentralização pode ser entendido como um estruturante das políticas de saúde nacionais. Descentralizar é, portanto, redistribuir poderes e responsabilidades entre os entes federativos. Destarte, o princípio da descentralização busca prestar seus serviços com o máximo de qualidade, a fim de garantir um controle e uma fiscalização advinda da população/cidadãos. Assim, a responsabilidade pela saúde, quando vista pela ótica da descentralização, nos mostra que cada ente terá uma responsabilidade. É com esse objetivo que se dá um maior enfoque ao Município, na medida em que deve ser realizada a descentralização a nível municipal. Com isso, busca-se a regionalização da saúde. Dessa forma, passa a existir o princípio constitucional de comando único, ou seja, cada ente possuí autonomia e soberania quanto às suas deliberações (atividades e decisões), mas sempre respeitando a participação da sociedade e também os princípios gerais. Assim, conforme COSTA e GUILHEM (2009, p. 322): O sentido da descentralização é o da criação de vários centros decisórios dentro do Sistema Único de Saúde. Não se trata apenas de desconcentração de poderes, com delegações ou concessões (revogáveis) de autoridade para decisões (controláveis revisíveis pelo “superior”). Descentralização implica – máxima em uma união federativa – reconhecimento de competências autônomas para tomada de decisões e condução de serviços e políticas.Todavia, para não se pulverizar o sistema nem comprometer sua eficiência, ou responsabilidade, a Constituição agregou à descentralização a figura da “direção única em cada esfera de governo”. Portanto, descentralizar não acarretará desresponsabilização, pois a solidariedade e co-responsabilidade predominam, sendo que o que será 45 descentralizado é a competência, mas a responsabilidade ainda será de todos, pois deve sempre haver uma comunicação entre os órgãos federados. Assim, o princípio da descentralização não desobrigar os entes, mas, de outra forma, reforça os laços de co-responsabilidade entre eles, ou seja, entre os integrantes do Sistema Único de Saúde. Já o princípio da resolutividade, conforme o SISREG: É a capacidade de dar uma solução aos problemas do usuário do serviço de saúde de forma adequada, no local mais próximo de sua residência ou encaminhando-o aonde suas necessidades possam ser atendidas conforme o nível de complexidade. Assim, podemos destacar também, que ele está previsto no inciso XII do artigo 7° da Lei n° 8.080/90, onde se dispõe que resolutividade é a “capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.” Já o princípio da regionalização é entendido como a aplicação do princípio da territorialidade. A regionalização busca como foco, uma lógica sistêmica, tentando evitar a atomização dos sistemas locais de saúde. Enquanto o princípio da hierarquização é expressão desta lógica, o qual busca, entre outros fins, a economia de escala. Conforme Pontes et al (2009, p. 504): O princípio de hierarquização visa garantir o acesso aos serviços que componham toda a complexidade requerida pela saúde e implica uma definição dos níveis de atenção. Este princípio pressupõe a unidade básica de saúde como porta de entrada do sistema e os outros serviços hierarquizados a partir dela. Nesse sentido, a rede de serviços fornecidos pelo SUS necessita ser organizada de forma regionalizada e hierarquizada, a fim de que se tenha uma noção, uma ciência maior dos problemas de saúde da população em determinada área. 46 No tocante ao princípio da participação popular, ele pode ser visualizado quando a comunidade participa, de forma assídua, nas questões de saúde, em especial nos Conselhos de Saúde e nas Conferências de Saúde. Nesse sentido, conforme dispõe o SISREG: Como forma de garantir a efetividade das políticas públicas de saúde e como via de exercício do controle social, é preciso criar canais de participação popular na gestão do SUS, em todas as esferas, municipal, estadual e federal. Ademais, a própria Constituição federal prevê a participação da comunidade no Sistema Único de Saúde, por intermédio de seu artigo 198, inciso III, quando se refere que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado” seguido da participação da comunidade. 3.2 Instrumentos jurídicos de garantia do direito à saúde quanto aos medicamentos Para se ter acesso aos medicamentos, é necessário que a pessoa (o usuário) faça a abertura de um processo administrativa na Secretaria Municipal de Saúde. Assim necessário se faz o preenchimento de alguns requisitos. Sobre o assunto, Antonio Serrano faz uma abordagem sobre o tema, e explica que o usuário deve “consultar um médico para descobrir qual o seu real problema de saúde”. Dessa forma, “basta se dirigir a um posto de saúde ou hospital mais próximo de sua residência” a fim de consultar com um médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde. Destarte, o usuário fará todos os procedimentos e exames, a fim de que seja esclarecida a doença, para que possa, então, ser buscado um tratamento. Esclarecida a doença e encontrado um tratamento, será fornecida uma receita ao usuário. Tal receita deve trazer o nome do princípio ativo/denominação genérica do medicamento/fármaco que será usado no combate da doença (importante: não pode ser o nome comercial do medicamento, sob pena de indeferimento do pedido). Na receita, o medicamento descrito “deve estar disponível 47 no centro de saúde do qual você foi atendido”, caso contrário, nas palavras de SERRANO: Não conseguindo ou tendo negado seu direito a obter o medicamento você deve iniciar um processo administrativo perante o Estado, que está garantido pelo Sistema Único de Saúde a fornecer todos os insumos necessários para sua saúde. Assim, o usuário encaminhará os seus dados, através da Assistência farmacêutica do Município em que reside, a fim de abrir um processo de solicitação de medicamentos, anexando, além da receita fornecida pelo médico credenciado pelo SUS, documentos e exames necessários exigidos para o cadastro. Realizado o cadastro, será o mesmo encaminhado a Porto Alegre, para fins de deferimento ou indeferimento do pedido. Quando deferido, o medicamento será encaminhado mensalmente ao Município, e o usuário o retirará no local onde efetuou o cadastro. Destarte, os documentos necessários para a abertura do processo administrativo são: “cópia dos documentos: carteira de identidade, CPF, cartão SUS e comprovante de residência do paciente e do responsável legal (quando se tratar de menor de 18 anos); receita médica original adequada ao tipo de medicamento, atualizada com assinatura e carimbo do médico com CRM legível, e a descrição do medicamento de acordo com a Denominação Comum Brasileira, dose por unidade posológica (concentração), apresentação (comprimido, drágea, cápsula, xarope, spray, etc.), posologia e duração do tratamento; exames comprobatórios do diagnóstico da doença; laudo de solicitação, avaliação e autorização de medicamento; formulário cadastro de usuários; e termo de esclarecimento e responsabilidade” (DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA PARA ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO). Este meio de busca pelo medicamento é feito pela via administrativa. Nesse sentido, o usuário não precisará de advogado, pois ocorre de maneira administrativa. Esse processo de “encaminhamento de receita até o recebimento 48 mensal do medicamento” se realizará através das próprias pessoas que atuam nesta área, ou seja, os servidores da saúde. Eles ficarão de responsáveis para enviar os documentos que o usuário lhes entregar, para que seja efetuado o cadastro em Porto Alegre. No entanto, há também outro modo de se pleitear medicamento, qual seja pela via judicial, utilizando da ação civil pública. Assim, nos dizeres de Tiago Matos Farina e Vinícius de Abreu, temos que: É possível partir para uma ação judicial tão logo ocorra à negativa, mas, segundo os advogados, vale fazer o requerimento primeiro (via administrativa) porque, além de não haver necessidade de um advogado para isso – qualquer pessoa pode fazer – o juiz pode não dar ganho de causa justamente por achar que o paciente “queimou etapas”, explica Farina. Muitas vezes o juiz não dá ganho de causa ao paciente alegando que não entrou anteriormente com o pedido administrativo. Se o paciente não receber o medicamento em até 15 dias, pode entrar com medida judicial. Ou seja, quando o medicamento pleiteado não se encontra na lista dos medicamentos básicos fornecidos pela União, pelo Estado ou pelo Município, o usuário poderá entrar com uma ação judicial, a fim de compelir um dos entes a fornecer o medicamento discutido. Geralmente, são medicamentos de uso contínuo ou que despendem alto custo para o ente Público. Nesse caso, o usuário precisará de um advogado próprio ou poderá valer-se da Defensoria Pública. Ademais, o Ministério Público deverá ser intimado, a fim de agir como interveniente no processo, conforme pode ser extraído nos artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil. Assim, será dado início à ação civil em face dos entes estatais (União, Estado, Município), pleiteando o medicamento/cirurgia/etc. Ações desse tipo são comuns não só quando o medicamento pleiteado não se encontra nas listas básicas de medicamentos fornecidos pelos entes, mas também em casos onde o medicamento, embora conste nas listas, foi indeferido. 49 Esse indeferimento é mais comum quando o medicamento pleiteado não é fornecido para aquela doença específica do usuário. Vejamos: cada fármaco tem seus efeitos, nesse sentido, será usado para remediar alguns tipos específicos de doenças. Quando o usuário tem outra patologia e deseja aquele medicamento, muitas vezes ocorrerá o indeferimento. Ademais, quanto à busca pela via judicial, será utilizada como forma de coibir os Entes a fornecerem o medicamento. Tudo bem. O que se questiona, é relativo ao orçamento que será despendido para a compra de tal fármaco. Isso porque, não estava programado na receita ter um gasto, muitas vezes, excessivo. Nesse sentido Barcellos (2002, p. 236 apud Ramiro Nóbrega, 2009, p. 315) descreve que: Quando se fala em orçamento, é muito levantado o argumento da reserva do possível, que é uma expressão utilizada por alguns juristas e magistrados para indicar as possibilidades de efetivação de um direito (especialmente os direitos sociais ou direitos de prestação) em face da escassez de recursos inerentes à atuação estatal. Ademais, tal expressão já foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, em especial na comentada ADPF 45. Sobre o tema, merece menção o que aponta Ana Paula de Barcellos: “a expressão „reserva do possível‟ procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas.” Nesse sentido, é inegável o fato de que inúmeras pessoas têm tido acesso aos medicamentos por intermédio de ações judiciais. No entanto, a forma como o Poder Judiciário vem respondendo às demandas, têm e está trazendo graves consequências. Isso porque a legislação ordinária e as leis que regulamentam os procedimentos de distribuição e dispensação não estão sendo observados. Ora, as listas onde constam os nomes dos medicamentos básicos fornecidos não são sequer analisadas. Já ocorreram casos onde foi determinado o fornecimento de medicamentos que sequer foram licenciados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Necessário se faz, e de forma urgente, que o Judiciário analise as peculiaridades de cada caso, antes de dar uma decisão/sentença deferindo ou não o 50 medicamento pleiteado. Dessa forma, o juiz deixará de atuar como um “gestor do Sistema”, garantindo os direitos tão somente quando, de fato, eles estão sendo violados. 3.3 O tratamento jurisprudencial do direito à saúde O direito à saúde não está amparado apenas na Constituição ou nas leis esparsas. Encontra-se também consolidado em nossas jurisprudências. Nesse sentido, serão abordadas no presente tópico, decisões que nossos Tribunais vêm tomando, a fim de ver garantido o direito à saúde contemplada em nossa Carta Magma. Assim, no tocante à responsabilidade solidária, temos que: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL, DA UNIVERSALIDADE, DA ISONOMIA E DA IGUALDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. BLOQUEIO DE VALORES. CABIMENTO. 1. A responsabilidade pelo fornecimento do medicamento postulado é solidária entre União, Estados e Municípios. Eventual deliberação a respeito da repartição de responsabilidade compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, não podendo o particular ter limitado seu direito à saúde, garantido constitucionalmente, por ato da Administração Pública. 2. Ocasionais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o direito à saúde e à vida, dada a prevalência do direito reclamado. 3. No caso, inexiste ofensa aos princípios da universalidade, da isonomia e da igualdade, posto que o Judiciário apenas está a ordenar o cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal, violados quando da negativa da Administração. 4. Bloqueio de valores que visa exclusivamente a possibilitar a efetivação do comando judicial, em razão de descumprimento da ordem. Medida excepcional que se justifica em razão da primazia do direito fundamental à saúde e à vida. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, EM MONOCRÁTICA. (RIO GRANDE DO SUL, 2012) (grifo nosso) Extrai-se do presente agravo de instrumento que a responsabilidade é solidária entre os entes. Isso não ocorre somente quanto aos medicamentos, mas também se estende às demais ações de saúde. Como exemplo, temos ações de 51 cirurgias, fraldas, cadeira de rodas [...]. Tal fato advém do dever constitucional, garantido por meio dos princípios inerentes à saúde e à vida dos seres humanos. Ademais, nas decisões que determinam ao Estado o fornecimento gratuito de medicamentos, não há que se falar em ilegalidade, desde que na prescrição médica conste a assinatura de médico credenciado do SUS. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO ESPECIAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RESPONSABILIDADE DO ENTE FEDERATIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. PRINCÍPIOS DA RESERVA DO POSSÍVEL, DA UNIVERSALIDADE, DA ISONOMIA E DA IGUALDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. FÁRMACO INDICADO POR PROFISSIONAL DA ÁREA DE SAÚDE. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DO MEDICAMENTO PELO EQUIVALENTE, DE ACORDO COM A DENOMINAÇÃO COMUM BRASILEIRA. POSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. 1. A responsabilidade pelo fornecimento de alimentação especial é solidária entre União, Estados e Municípios. Eventual deliberação a respeito da repartição de responsabilidade compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, tendo em vista a solidariedade existente entre todos, não podendo o particular ter limitado seu direito à saúde, garantido constitucionalmente, por ato da Administração Pública. 2. Eventuais limitações ou dificuldades orçamentárias não podem servir de pretexto para negar o direito à saúde e à vida, dada a prevalência do direito reclamado. 3. Não há ofensa aos princípios da universalidade, da isonomia e da igualdade, pela determinação, pelo Judiciário, de cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal, violados quando da negativa da Administração. 4. Havendo a indicação por profissional da área de saúde dando conta de que a alimentação especial pleiteado para o menor portador de transtornos nutricionais e metabólicos em doenças classificadas em outra parte e de alergia à proteína do leite de vaca é aquela constante nos respectivos atestados, deve o Estado (em sentido amplo), conforme preceitua o art. 196 da CF, realizar de imediato as providências reclamadas. 5. É possível a substituição do suplemento alimentar pelo seu equivalente genérico, tendo em conta a denominação do seu princípio ativo, pois que tal providência permite aos entes públicos o imediato fornecimento dos remédios, com evidente redução do ônus à fazenda pública (custo geralmente inferior dos medicamentos genéricos). 6. O magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais invocados pelas partes, necessitando, apenas, indicar o suporte jurídico no qual embasa seu juízo de valor, entendendo ter dado à matéria a correta interpretação jurídica. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2012) (grifo nosso) 52 A substituição de um medicamento por outro, de mesmo princípio ativo, porém, genérico, é totalmente admissível. Isso porque a diferença no preço garante que o Estado possa comprar mais medicamentos, e como consequência, não ter “desculpas” quanto ao baixo orçamento que muitas vezes enfrenta. Igualmente, poderá beneficiar mais usuários. Destarte, não pode o ente negar tratamento à pessoa que seja desprovida de recursos. Isso porque é preciso restituir a saúde, a fim de se evitar um dano maior na vida do usuário – a morte. Igualmente, deve o Estado dar apoio para o fim de que seja efetivado o direito à saúde vislumbrado na Constituição Federal, assim, não haverá afronta para a concretização desse direito. Ementa: DIREITO À SAÚDE. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. Autora requer que o Estado custeie exame e, caso necessário, interne compulsoriamente o seu filho. Ilegitimidade passiva. Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental à saúde, mesmo se o remédio, substância ou tratamento postulado não se encontre na respectiva lista, ou se encontre na lista de outro ente, ou tenha custo elevado. Em face disso não há falar em (a) ilegitimidade passiva (b) obrigação exclusiva de um deles ou (c) qualquer forma de intervenção de terceiros. Necessidade de avaliação antes da internação. Desnecessária a avaliação da apelada pelo CAPS municipal para justificar sua internação, porquanto seu quadro de dependência química esteja suficientemente comprovado por laudo médico, estudo social e psicológico. Direito à saúde. A condenação do Poder Público para que forneça tratamento médico ou medicamento encontra respaldo na Constituição da República, em razão da proteção integral constitucionalmente assegurada ao direito fundamental à saúde. Em razão da proteção integral constitucionalmente assegurada à criança e ao adolescente, a condenação dos entes estatais ao atendimento do direito fundamental à saúde não representa ofensa aos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da legalidade ou da reserva do possível. Redução dos honorários advocatícios. Configurada a pretensão resistida é adequada à condenação do Estado ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono particular da autora. Tendo em vista a natureza da presente ação, inviável a redução dos honorários advocatícios postulada no apelo, restando mantido o valor fixado pela sentença. NEGARAM PROVIMENTO. (RIO GRANDE DO SUL, 2012) (grifo nosso) O usuário pode recorrer a qualquer um dos entes, visto que entre eles há a responsabilidade solidária. Nesse sentido, quando um usuário busca o Judiciário, a 53 fim de ver cumprido seu direito à saúde, ele não esta interessado em quem vai lhe dar o medicamento, apenas quer ele. Em outras palavras, o cidadão busca uma qualidade de vida, um viver com dignidade, e almeja que sua pretensão seja deferida. Dessa forma, é imprescindível que o Estado empregue esforços, no sentido de promoção de qualidade de vida, de políticas públicas direcionadas à precaução. Ora, quando o Estado realiza campanhas de prevenção, o remediar não será necessário. Ementa: DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO. FRALDAS DESCARTÁVEIS. LISTAS PÚBLICAS. SOLIDARIEDADE. CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO. LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. 1. Não é de ser convertido em retido o agravo de instrumento se o recurso exige provimento judicial de urgência. 2. Não é de ser conhecido o recurso na parte em que não se mostra útil ao recorrente por falta de interesse. Hipótese em que a decisão recorrida não ordenou o bloqueio de verbas públicas. 3. A vedação legal de concessão de tutela antecipada contra o Poder Público deve ser interpretada restritivamente. Precedentes do STJ. 4. Há solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios na prestação dos serviços de saúde. Jurisprudência pacífica do TJ/RS. 5. A assistência farmacêutica, no âmbito do SUS, compreende a dispensação de medicamentos das relações instituídas pelos gestores do SUS prescrita por médico vinculado ao sistema. Art. 19-P da Lei nº 8.080/90. Art. 28 do Decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011. 6. O acesso a medicamento fora das listas públicas depende da prova da ineficácia ou da inadequação dos fármacos e procedimentos disponibilizados no SUS. Precedente do STF. 7. É de ser deferida a tutela antecipada até a produção de prova pericial. Precedente da Câmara. 8. As fraldas descartáveis não figuram nas listas elaboradas pelo Ministério da Saúde ou pela Secretaria de Saúde do Estado, que foram estruturadas para, segundo as disponibilidades orçamentárias, atender à saúde das pessoas necessitadas. Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, provido em parte. (RIO GRANDE DO SUL, 2012) (grifo nosso) A Lei Orgânica do SUS estabelece que o cuidado quanto à saúde deva ser integral, ou seja, abranger o que for necessário para prevenir e sanar as doenças. Nesse sentido, traz ao nosso encontro que essa abrangência não se restringe apenas aos medicamentos, mas englobam também fraldas, cadeira de rodas, cirurgias, transplantes, enfim. 54 Diante disso, é assegurado a todo cidadão o fornecimento de quaisquer meios que lhes garantam um mínimo de dignidade. E isso deve ser assegurado, independentemente de constar ou não nas listas básicas, pois o bem maior que esta em jogo é a vida. Ademais, insta salientar que “no SUS, a estratégia de promoção da saúde é retomada como uma possibilidade de enfocar os aspectos que determinam o processo saúde-adoecimento em nosso País” (CENCI, 2010, p. 49), potencializando formas mais abrangentes de intervir na saúde. Nesse aspecto, vem o Estado atuando de forma a (tentar) garantir o direito de todos à saúde, por meio de “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Assim, quando postas em ação, as políticas publicas de saúde tem dado certo, fazendo com que a população, de fato, tenha acesso a uma saúde mais digna, mais humanitária, mais presente, embora ainda haja muito a melhorar. 55 CONCLUSÃO O Sistema Único de Saúde brasileiro é uma das políticas públicas mais importantes no cenário brasileiro e internacional. Contudo, o desenvolvimento do SUS é paradoxal: ao lado de grandes avanços estão grandes problemas não solucionados em várias regiões do Brasil. Neste texto, tratou-se de aspectos da história da constituição desta política destinada a garantir o Direito à Saúde, apontando-se os aspectos conceituais e de seu arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional. Destacam-se alguns temas que consideramos relevantes para formação do Sistema Único de Saúde SUS. O modelo de saúde desenvolvido no mundo ocidental sustentou-se no conceito de saúde como ausência de doença. Ele integra o denominado Paradigma da Medicina Científica e centra as ações na doença e no indivíduo doente. Este modelo possibilitou grandes e rápidos avanços no tratamento de doenças, mas mostrou-se incapaz de melhorar indicadores de saúde e impactar sobre a qualidade de vida de populações. Tal modelo é caracterizado como um modelo reducionista. Em 1978, a Organização Mundial de Saúde organiza uma Conferência Mundial de Cuidados Primários de Saúde e dá ênfase à crítica ao Modelo da Medicina Científica e à proposta de sistemas de saúde organizados a partir da atenção primária. O Relatório desta Conferência define saúde como “não apenas ausência de doença, mas como completo bem-estar físico, mental e social”. 56 Hoje, sabe-se que este é um conceito muito abstrato, mas a sua formulação buscava mostrar para os governos que havia muito mais a fazer em relação à saúde, que o atendimento ao indivíduo doente. O SUS - Sistema Único de Saúde é proposto como uma rede organizada de acordo com as diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, como forma de democratização de tal direito, na promoção da cidadania como estratégia de mobilização social tendo a questão da saúde como um direito fundamental. Já no texto da Constituição Federal de 1988, saúde é definida como direito de todos e dever do Estado, no qual o conceito inclui as dimensões da promoção, da proteção e da recuperação, através de ações e serviços de saúde que passam a ser de relevância pública (art. 196, CF/88). Entre as diferentes dimensões do direito à saúde, emergem propostas multitemáticas como a alimentação saudável, práticas corporais, atividades físicas em geral e programas específicos, como prevenção e controle do tabagismo, redução da morbimortalidade em decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas, redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito, prevenção da violência e estímulo à cultura de paz, promoção do desenvolvimento sustentável, entre outras bandeiras que buscam tornar efetivo o conceito de saúde. Há muitos problemas na execução do SUS. Há falta de recursos e há também sérios problemas de gestão. Falta uma política de pessoal e falta compreensão da importância do SUS pelos próprios trabalhadores, gestores e usuários. A atenção básica ainda é um ponto crítico. Ao mesmo tempo, há universalidade, há atendimento de qualidade, há políticas de vigilância epidemiológica e sanitária importantes. Mas ainda convivemos com gestores que desconhecem ou são contra os princípios e diretrizes do SUS. Nesse sentido, podemos considerar que ao longo da trajetória do SUS, se vislumbrou inúmeros avanços. Entretanto, ainda existem muitos problemas a serem solucionados. O direito à saúde ainda tem muito trabalho pela frente. Necessita ser 57 mais consolidado, mais efetivado, ou, simplesmente mais aplicado em nosso dia-adia. A introdução que foi apresentada no Relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 retrata de forma muito coerente nossa realidade. Ela diz que “as modificações necessárias ao setor saúde transcendem aos limites de uma reforma administrativa e financeira, exigindo-se uma reformulação mais profunda.” Nesse sentido, vemos de forma muito clara que, embora tenha tido avanços, o campo da saúde ainda necessita se consolidar, se firmar, sendo necessária a concretização de políticas públicas eficazes, qualificando a participação popular nos conselhos de saúde. É preciso ainda avançar no processo de qualificação da atenção integral nas unidades de saúde do SUS, a fim de que seja disponibilizada à população serviços de saúde de boa qualidade, bem como ações de prevenção e promoção da saúde. Isso acarretará num fortalecimento do setor público e enfraquecimento daqueles espaços em que a saúde é vista como mercadoria. Nesse sentido, atingir-se-á um estado de bem-estar físico, mental e social à nossa população, tal qual o ditame do conceito de saúde adotado pela Organização Mundial da Saúde. Dessa forma, será assegurada uma cobertura universal e equitativa a todos, convergindo para a ampliação e consolidação das conquistas de saúde da população brasileira. 58 REFERÊNCIAS BERMÚDEZ, Ximena Pamela Diaz... [et al.]. O sistema único de saúde, uma retrospectiva e principais desafios. In: O Direito achado na rua: Introdução crítica ao direito à saúde. Brasília: CEAD/UnB, 2009. v. 4. BRASIL, Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Coleção Para Entender a Gestão do SUS. Brasília: CONASS, 2011. v. 7. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/para_entender_gestao_sus_v.7.pdf>. Acesso em 03 nov. 2012. ______. Conselho Nacional de Secretários da Saúde. Coleção Para Entender a Gstão do SUS. Brasília: CONASS, 2011. v. 01. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/para_entender_gestao_sus_v.1.pdf>. Acesso em 03 nov. 2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. Lei n° 8.080. 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