ESTADO DA PARAÍBA TRIBUNAL DE CONTAS MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL Processo TC n.º: 07263/08 Parecer n.º: 01594/10 Natureza: INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO Origem: MUNICÍPIO DE TAVARES Interessado: JOSÉ SEVERIANO DE PAULO BEZERRA DA SILVA (PREFEITO) EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE BANDA E SERVIÇOS DE SOM, SHOW PIROTÉCNICO, PALCO, GERADOR, TENDAS, BANHEIROS QUÍMICOS E SEGURANÇA. IRREGULARIDADES. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DESSES SERVIÇOS, COM EXCEÇÃO DOS SHOWS ARTÍSTICOS, ATRAVÉS DE INEXIGIBILIDADE. NÃO EXISTÊNCIA DE EMPRESÁRIO EXCLUSIVO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO. IRREGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA PESSOAL AO RESPONSÁVEL, RECOMENDAÇÃO E REPRESENTAÇÃO AO MP COMUM. P A R E C E R I – DO RELATÓRIO Versam os presentes autos acerca do exame do procedimento de inexigibilidade de licitação n.º 06/2008, realizado pelo Município de Tavares, por determinação do Prefeito, Sr. José Severiano de Paulo Bezerra da Silva, com fulcro no art. 25, inciso III, da Lei Federal n.º 8.666/93, cujo objeto foi a contratação de show artístico musical, show pirotécnico, palco, som, gerador, tendas, banheiros químicos e segurança, por intermédio de empresário exclusivo, para festividades alusivas ao Padroeiro São Miguel, no exercício de 2008. A Auditoria, após a análise dos documentos constantes às fls. 03/48, emitiu relatório às fls. 51/52, considerando preliminarmente irregular o procedimento pela seguintes razões: 1. Ausência de justificativa da necessidade da contratação; 2. Inexiste nos autos declaração de exclusividade da empresa contratada; 3. Contratação de show pirotécnico, palco, som, gerador, banheiros químicos e segurança de procedimento licitatório; 2 4. Não envio da inexigibilidade nº 05/2008. Em face dessas irregularidades e, em atenção aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, previstos na Constituição Federal, art. 5.º, inciso LV, o Excelentíssimo Alcaide de Tavares foi devidamente notificado, conforme consta às fls. 54/56. Após pedido de prorrogação de prazo pelo Chefe do Executivo de Tavares, foi aviada defesa com documentos às fls. 61/127. Em sede de análise de defesa (fls. 129/131), a Auditoria não acatou as argumentações do responsável e em relação à Inexigibilidade nº 05/2008 afirmou já ser objeto do Processo TC nº 9351/08. Em 28/08/2010, os autos vieram ao Ministério Público para exame e oferta de parecer, tendo-me sido efetivamente distribuídos em 02/09/2010. II – DA FUNDAMENTAÇÃO Verifica-se ter sido a inexigibilidade em apreço realizada com fulcro no inciso III do artigo 25, que permite a contratação direta para fins de contratação de profissionais do setor artístico consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública. Com razão a Auditoria ao afirmar que a contratação de serviços de som, iluminação, banheiros químicos, tendas padronizadas, gerador de energia, segurança não se enquadram entre as hipóteses de inexigibilidade de licitação, pois, apesar de no caso em análise o defendente ter alegado que esses serviços faziam parte do objeto da empresa contratada no evento Festa do Padroeiro São Miguel, não haveria impedimento da realização de licitação para esses serviços separadamente à contratação das bandas, pois há várias empresas que prestam aqueles serviços. A Auditoria verificou que as contratações não foram realizadas com empresário exclusivo ou diretamente com o artista, pois, a teor dos documentos de fls. 64 e 112/125 a contratada Marcos Produções Ltda. só detinha a exclusividade em datas específicas, o que não demonstra ser a empresa empresária exclusiva dos artistas, mas apenas um intermediário, pois não há durabilidade na relação entre o empresário e as bandas, conforme mencionou a DILIC, havendo, portanto a possibilidade de licitação. A comprovação da exclusividade do empresário para a contratação de profissional de qualquer setor artístico é essencial para a possibilidade de contratação por inexigibilidade de licitação, haja vista haver a possibilidade de viabilidade de competição quando há vários empresários para o mesmo artista e até mesmo quando a contratação se dá diretamente com o artista. Embora constitua um procedimento menos formal, é incorreto afirmar ser a contratação direta, seja ela feita mediante inexigibilidade ou dispensa, excludente de um procedimento. Envolve, segundo Marçal Justen Filho, um procedimento especial mais simplificado, porquanto o administrador tem a obrigação de justificar a necessidade e conveniência da contratação, bem como sempre buscar a proposta mais vantajosa à Administração. Daí o artigo 26 da Lei 8.666/93 estabelecer uma série de requisitos a ser observados nos casos de contratação direta, sob pena de responsabilização do gestor omisso. 3 Sobre esse aspecto, ressalta-se que a Constituição Federal de 1988, ao tratar da Administração Pública, em seu art. 37, XXI, consignou a obrigatoriedade de realização de procedimento de licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações, ressalvando apenas as hipóteses que a legislação especificar. Destarte, a licitação só pode deixar de ser realizada exclusivamente nas hipóteses de dispensa e de inexigibilidade estabelecidas na Lei n.º 8.666 de 1993, hipóteses essas que não restaram demonstradas nos autos, exsurgindo, pois, compulsória a realização de procedimento licitatório. A propósito, traga-se a lume o que reza o referido art. 37, XXI da Lei Maior da Nação, bem assim o art. 3º da Lei n.º 8.666 de 1993, in verbis: Art. 37 [...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatas. Por constituir procedimento garantidor da eficiência na Administração, visto objetivar coletar as propostas de maior economicidade, a licitação, quando não realizada, ou realizada em desconformidade com as normas e regras do Estatuto, constitui séria ameaça aos princípios administrativos da legalidade, impessoalidade e moralidade, além do malferimento àquele da isonomia. Cumpre destacar também ser a licitação procedimento vinculado, formalmente ligado à lei, não comportando discricionariedades em sua realização ou dispensa. Sublinhe-se, ainda, caber ao administrador público zelar por todos os princípios norteadores da Pública Administração, sobretudo, àquele da legalidade, consagrado na Carta Magna, em seu art. 37, caput.1 Por outro norte, não compete ao Administrador Público, na qualidade de fiel aplicador da lei, em sede de ato vinculado como a realização de despesa pública, usar de discricionariedade, prescindindo indevidamente de procedimento licitatório prescrito no Estatuto Licitatório, ainda que sob a alegação de economicidade ou pouco impacto financeiro. Neste diapasão, os ensinamentos do professor Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil,2 são de enorme valia, litteris: 1 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. 2 Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 11. 4 O ordenamento jurídico compõe-se de uma verdadeira coleção de regras dos mais variados matizes. Mas quando se encara um subconjunto dessas normas, destinado a regular um grupo orgânico de fatos conexos, descobrem-se certos pressupostos que inspiram o legislador a seguir um rumo geral. Encontram-se, dessa maneira, certas idéias, ainda que não explícitas nos textos, mas inquestionavelmente presente no conjunto harmônico das disposições. Esse norte visado pelo legislador representa os princípios informativos, cuja inteligência é de inquestionável importância para a compreensão do sistema e, principalmente, para a interpretação do sentido particular de cada norma, que haverá de ser buscado sempre de forma a harmonizá-lo com os valores correspondentes à inspiração maior e final do instituto jurídico-normativo. A propósito, preleciona Celso Antonio Bandeira de Mello, em Elementos de Direito Administrativo: Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todos sistemas de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores fundamentais. Ademais, cumpre denotar que, ao não realizar licitação, sem ser nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade legalmente previstas, a autoridade municipal responsável pelas vertentes despesas pode ter incidido no crime previsto no art. 89 da lei de licitações, que assim preceitua: Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. Enfim, a ação pública não pode se pautar por interesses privados, sob pena de incorrer em graves violações às premissas do Estado Democrático de Direito e da Administração Pública, especificamente ao art. 37 da Constituição Federal, e revelar-se atentatória a princípios como o da boa gestão e moralidade pública. Por outro lado, a moralidade é um importante baluarte de nosso ordenamento, inserido não somente como simples recomendação aos agentes públicos, mas de efetivo caráter normativo, senão vejamos: O acatamento do princípio da moralidade pública dá-se pela qualidade ética do comportamento virtuoso do agente que encarna, em determinada situação, o Estado Administrador, entendendo-se tal virtuosidade como a conduta conforme a natureza do cargo por ele desenvolvida, dos fins buscados e consentâneos com o Direito, e dos meios utilizados para o atingimento destes fins, fornecendo o sistema jurídico o conteúdo e a forma de concretização dos elementos da prática administrativa moral (honestidade, boa-fé, lealdade)” - Rocha, 1994: 193/194. E a Lei de Improbidade Administrativa, a de n.º 8.429, de 1992, igualmente tipifica enquanto ímprobo o ato, em seus arts. 10, VIII: 5 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1.º desta lei, e notadamente frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. Revela-se, in casu, ilegítima e imoral tal despesa não precedida de licitação, nos casos em que se mostrava obrigatória. O art. 4º da Lei n.º 8.429 de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, prescreve, verbatim: Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Represente-se ao Ministério Público Comum acerca do fato, para a adoção das providências cabíveis. Por conseguinte, repute-se IRREGULAR a inexigibilidade em tela e aplique-se multa ao Prefeito responsável por contratação em discrepância com os ditames da Lei n.º 8.666/93. Por fim, a Inexigibilidade n.º 05/08 enviada pelo interessado já é objeto de análise dos autos do Processo TC 9351/08. A fim de não haver bis in idem ou decisões discrepantes, devem ser desconsiderados os documentos pertinentes àquele procedimento nos presentes. III – DA CONCLUSÃO Ex positis, opina este membro do Parquet Especial pela: a) IRREGULARIDADE da Inexigibilidade de Licitação n.º 06/08 egressa do Município de Tavares; b) APLICAÇÃO DE MULTA à autoridade responsável, Sr. José Severiano de Paulo Bezerra da Silva, com fulcro no artigo 56, II da LOTC/PB, Lei Complementar n° 18/93, em seu valor máximo; c) RECOMENDAÇÃO ao Prefeito Municipal de Tavares no sentido de conferir estrita observância às normas consubstanciadas na Constituição Federal, aos princípios que norteiam a Administração Pública, bem como à Lei de Licitações e Contratos; d) REPRESENTAÇÃO ao Ministério Público Comum acerca da conduta aqui examinada e descrita (Leis 8.429/92 e 8.666/93), de responsabilidade do Prefeito de Tavares, Sr. José Severiano de Paulo Bezerra da Silva; 6 e) DESCONSIDERAÇÃO dos documentos referentes à Inexigibilidade nº 05/08, enviada pelo interessado na defesa, pelos motivos acima expostos. João Pessoa (PB), 13 de setembro de 2010. SHEYLA BARRETO BRAGA DE QUEIROZ Subprocuradora-Geral do Ministério Público junto ao TC-PB mce