Perfuração da veia jugular interna por ingestão de espinha de peixe

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ESTUDO DE CASO
Perfuração da veia jugular interna por ingestão
de espinha de peixe: relato de caso
Eduardo Felipe Barbosa Silva, Sharlene Castanheira Padua Puppin, Pamella Cristina Peixoto de Mendonça,
Gutemberg de Freitas Rêgo e Marcos Alves de Pádua
RESUMO
A migração de corpos estranhos ingeridos para fora
do aparelho digestório é uma complicação rara e de
grande risco ao paciente. Relata-se o caso de um indivíduo que procurou o hospital com queixa de dor
cervical direita após ingestão acidental de espinha de
peixe havia dez horas. A radiografia lateral do pescoço mostrou um corpo estranho linear radiopaco à
direita, o qual não foi encontrado à laringoscopia e
à esofagoscopia. Nova radiografia cervical mostrou o
quadro inalterado. A tomografia computadorizada do
pescoço e o doppler dos vasos cervicais confirmaram
a hipótese do diagnóstico de corpo estranho migratório e mostraram a transfixação da veia jugular interna
direita pelo próprio corpo estranho. O indivíduo foi
submetido à cervicotomia para retirada da espinha
de peixe. Recebeu alta hospitalar após período pós-operatório sem intercorrências.
Palavras-chave. Corpo estranho; pescoço; migração;
veia jugular interna; tomografia computadorizada
ABSTRACT
Drilling of the internal jugular vein by ingestion of
fishbone: a case report
The migration of ingested foreign bodies is a rare complication that may pose a risk to the patient. We report the
case of an individual who sought medical help for pain in
the right side of his neck after the accidental ingestion of a
fishbone ten hours earlier. Lateral radiograph of the neck
revealed the right-sided presence of a radiopaque linear
foreign body. Laryngoscopy and esophagoscopy did not
show the same. No changes were detected in a new cervical
radiograph. Computed tomography of the neck and Doppler
of the cervical vessels confirmed the diagnosis of foreign
Eduardo Felipe Barbosa Silva – médico assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil.
Título de especialista em Pneumologia, Tisiologia e Endoscopia Respiratória
Sharlene Castanheira Padua Puppin – médica assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília-DF,
Brasil. Título de especialista em Otorrinolaringologia
Pamella Cristina Peixoto de Mendonça – médica assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília-DF,
Brasil. Docente da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs), Fundação
de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs)
Gutemberg de Freitas Rêgo – médico assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília-DF,
Brasil. Título de especialista em Cirurgia Torácica e Medicina Intensiva
Marcos Alves de Pádua – médico assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília-DF,
Brasil. Título de especialista em Otorrinolaringologia
Correspondência: Eduardo Felipe Barbosa Silva. Hospital de
Base do Distrito Federal, Unidade de Broncoesofagologia, Setor
de Ambulatórios (Bloco de Procedimentos Especiais), SMHS
Área Especial quadra 101, CEP 70.330-150, Brasília-DF.
Internet: [email protected]
Recebido em 19-9-2012. Aceito em 30-9-2012.
Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.
body migration and demonstrated the transfixion of the
right internal jugular vein by a foreign body. The patient
underwent cervicotomy for removal of the fishbone. He was
discharged after an uneventful postoperative period.
Key words. Foreign body; neck; migration; internal jugular vein; computed tomography
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ESTUDO DE CASO
INTRODUÇÃO
Dentre as complicações que podem advir da ingestão acidental de corpo estranho, a migração
deste para fora do trato digestório é uma delas.
Denomina-se migratório o corpo estranho que,
após ser ingerido e se alojar na parede do tubo digestivo, perfura totalmente esta, passa a se localizar em situação extraluminal e, assim, não se torna
visível em exames endoscópicos. Sua identificação
é efetivada por meio de exames radiológicos. Tratase de uma situação incomum e de risco ao paciente,
e que exige adequado manejo terapêutico devido às
suas possíveis complicações.1,2
Relata-se caso raro de ingestão acidental de espinha de peixe, que migrou e transfixou a veia jugular interna.
RELATO DO CASO
o corpo estranho. Posteriormente, por meio de esofagoscopia com aparelho rígido notou-se somente
trauma de mucosa esofágica à direita, aproximadamente a dezesseis centímetros da arcada dentária
superior. Nova avaliação radiológica de pescoço
mostrou persistência do corpo estranho. Foi aventada a hipótese de corpo estranho migratório. O
paciente foi, então, submetido a tomografia computadorizada cervical, que confirmou a presença
de corpo estranho linear, calcificado, de aproximadamente dois centímetros de comprimento, localizado extraluminalmente em partes moles, posteriormente à cartilagem tireoide direita (figura 1).
O doppler dos vasos cervicais identificou corpo estranho transfixando a veia jugular interna direita.
Diante desse diagnóstico, foi indicada cervicotomia
para remoção do corpo estranho migratório – espinha de peixe (figura 2) – e rafia da veia jugular
interna direita. O enfermo apresentou evolução
satisfatória do quadro no período pós-operatório e
recebeu alta no oitavo dia de internação hospitalar.
Homem, 46 anos, procurou serviço de pronto-socorro com relato de dor em região cervical direita
após ingestão de peixe havia dez horas. A radiografia lateral de pescoço mostrou corpo estranho linear radiopaco à direita, na altura da quinta à sexta
vértebra cervical. Diante desse quadro, foram realizadas oroscopia e laringoscopia rígida direta com
auxílio de óptica de 70 graus e não foi identificado
Figura 2. Corpo estranho linear e pontiagudo (espinha de peixe) extraído do paciente em relato
DISCUSSÃO
Figura 1. Imagem de tomografia computadorizada
de pescoço mostra corpo estranho linear, calcificado, posterior à cartilagem tireoide à direita
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A ingestão acidental de corpos estranhos é queixa comum na prática médica. Quase a totalidade
destes irá percorrer o trato digestivo sem causar
danos.1,2 Alguns se alojam principalmente na orofaringe ou na hipofaringe e são identificados e
Eduardo Felipe Barbosa Silva e cols. • Corpo estranho em região cervical
removidos sem dificuldades com auxílio da laringoscopia com aparelho rígido. Em poucas situações, porém, os corpos estranhos podem perfurar
a parede do tubo digestivo, migrar para tecidos
moles, penetrar em órgãos e ou vasos calibrosos
adjacentes e causar complicações infecciosas e vasculares que podem provocar óbito. Em raríssimas
ocasiões, ocorre a expulsão espontânea do corpo
estranho migratório sem danos ao doente.1,2
Acredita-se que alguns fatores predispõem a migração. O mais importante é a característica linear e
pontiaguda do objeto, associada à disposição perpendicular ao se alojar nas paredes do tubo digestivo e
às fortes contrações musculares, principalmente na
região cervical. Não obstante, conforme a literatura,
na maioria, os corpos estranhos migratórios são espinhas de peixe, e se localizam mais comumente na
região da hipofaringe e do músculo cricofaríngeo.
Aparentemente, o tempo que o corpo estranho permanece alojado nas paredes do tubo digestivo não
constitui fator predisponente para a sua migração.3
Habitualmente os pacientes chegam para avaliação
médica com história de ingestão acidental de corpo estranho e queixa de dor, odinofagia e disfagia.
Os exames endoscópicos nem sempre identificam
a presença do corpo estranho. Nessa ocasião, os
pacientes podem ser equivocadamente rotulados
de somente sofrerem traumatismos na mucosa do
tubo digestivo ocasionados pela passagem do corpo
estranho deglutido.2 A persistência das queixas com
exames endoscópicos sem a presença do corpo estranho pode ser indício de migração.4 Nesses casos,
exames radiológicos são fundamentais. A radiografia de pescoço, apesar de questionável por sua baixa
sensibilidade em diagnosticar a presença do corpo
estranho e pela eventual simulação ocasionada pela calcificação das cartilagens laríngeas, constitui o
exame radiológico inicialmente utilizado.5,6
A tomografia computadorizada de pescoço tem
maior eficácia em diagnosticar a presença de corpo
estranho quando comparada à radiografia. Também
tem relevante importância nos pacientes persistentemente sintomáticos em que a radiografia e os exames endoscópicos não detectaram anormalidades.
É indicada também nos casos de corpos estranhos
migratórios aventados ao exame radiológico e que
necessitam de confirmação da sua localização e relação com estruturas adjacentes e de possíveis complicações visando ao tratamento cirúrgico.3,6
O tratamento por intervenção cirúrgica para exploração cervical com abordagem externa visando
à remoção do corpo estranho migratório é a modalidade terapêutica de escolha, sobretudo nos casos
com dor persistente, abscessos e com penetração
do corpo estranho migratório em grandes vasos
cervicais e órgãos, por exemplo, a glândula tireoide.3,6 Nos casos de difícil identificação intraoperatória do corpo estranho migratório, mesmo com a
prévia realização da tomografia computadorizada,
a utilização da fluoroscopia pode ser valiosa.1 Por
fim, um alto nível de suspeição de corpo estranho
migratório e exames de imagem são necessários
na realização do diagnóstico dessa doença. No
presente relato de caso, a radiografia de pescoço
mostrou-se útil, por voltar a atenção dos autores
para a doença em tela após a realização de exames
endoscópicos sem achados de corpo estranho. O
tratamento cirúrgico é o de escolha e, neste caso,
foi realizado para a remoção do corpo estranho e a
rafia do vaso cervical transfixado pelo objeto ingerido. Uma boa interação multidisciplinar foi fundamental na condução desse caso.
REFERÊNCIAS
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http://www.jcdr.net/back_issues.asp?issn=0973-709x&year=2010
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