Avaliação da segurança sísmica da Casa do Lanternim (Mértola

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Avaliação da segurança sísmica da
Casa do Lanternim (Mértola)
Paulo B. Lourenço, Graça Vasconcelos
Relatório CON-01-DEC/E-1
O presente trabalho foi realizado por solicitação de
OZ, Lda – Diagnóstico, levantamento e controlo de
qualidade em estruturas e fundações
Data:
Janeiro 2001
Nº de páginas: 26
Palavras-chave: análise estrutural, modelação, sísmica, fendilhação
Este trabalho é propriedade da Universidade do Minho não podendo ser utilizado, reproduzido
por todo ou em parte, ou comunicado a terceiros sem a sua expressa autorização.
Departamento de
Engenharia Civil
Universidade
do Minho
Azurém, 4800-058 Guimarães - Tel. 253 510200 - Fax 253 510217 - E-mail [email protected]
ÍNDICE
1.
2.
3.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
1.1.
BASES DE CÁLCULO E REFORÇO DE ESTRUTURAS ANTIGAS ................................... 1
1.2.
PROCEDIMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA SÍSMICA............................ 2
1.3.
CONTEÚDO DO RELATÓRIO..................................................................................... 3
ANÁLISE PRELIMINAR DA CONSTRUÇÃO ...................................................... 4
2.1.
CONSIDERAÇÕES GERAIS........................................................................................ 6
2.2.
ANÁLISE SIMPLIFICADA DA ESTRUTURA ................................................................ 8
2.2.1.
Percentagem da Área em Planta ................................................................... 8
2.2.2.
Razão entre a Área Efectiva e o Peso ........................................................... 9
2.2.3.
Método Simplificado Baseado na Resistência ao Corte das Paredes ........... 9
ANÁLISE ESTRUTURAL DETALHADA ............................................................ 11
3.1.
4.
5.
ANÁLISE GLOBAL DA ESTRUTURA ....................................................................... 11
3.1.1.
Aspectos Relativos às Paredes Não Estruturais.......................................... 13
3.1.2.
Análise Não-Linear (Acções Verticais) ....................................................... 13
3.1.3.
Análise Não-Linear (Acção Base –Sismo X) ............................................... 16
3.1.4.
Análise Não-Linear (Acção Base –Sismo Y) ............................................... 17
3.2.
ANÁLISE DA CHAMINÉ.......................................................................................... 19
3.3.
ANÁLISE DO LANTERNIM ...................................................................................... 20
CONCLUSÕES.......................................................................................................... 21
4.1.
MEDIDAS CORRECTIVAS GERAIS .......................................................................... 22
4.2.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJECTO DE REMODELAÇÃO .................................... 22
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 25
i
1. INTRODUÇÃO
A Casa do Lanternim localiza-se no centro da Povoação de Mértola, distrito de Beja,
numa encosta do Rio Guadiana. O Parque Natural do Vale do Guadiana pretende
recuperar, remodelar e ampliar o imóvel tendo em vista o estabelecimento de um Centro
Polivalente de Interpretação e Divulgação.
Atendendo ao mau estado do imóvel, a OZ – Diagnóstico, levantamento e controlo
de qualidade em estruturas e fundações, Lda, requereu à Universidade do Minho a
realização do presente estudo sobre a segurança do imóvel relativamente à acção sísmica.
Salienta-se que, com o quadro generalizado de patologias (fendilhação / deformações
excessivas e deterioração dos materiais), não existem dúvidas sobre a insegurança do
edifício no estado actual. O presente estudo apenas poderá ser considerado significativo do
comportamento da estrutura após reparação conveniente da mesma.
1.1. BASES DE CÁLCULO E REFORÇO DE ESTRUTURAS ANTIGAS
As estruturas em regiões sísmicas deverão ser projectadas e construídas de forma a
que verificarem os seguintes requisitos, com a probabilidade adequada (10-6):
•
Ausência de colapso – A estrutura como um todo, incluindo elementos
estruturais e não-estruturais, deverá resistir às acções de cálculo sem colapso
total ou local, pelo que a integridade estrutural e uma capacidade resistente
residual mínima deverão ser mantidas após o abalo sísmico;
•
Limitação dos danos – A estrutura como um todo, incluindo elementos
estruturais e não-estruturais, deverá ser construída e projectada para resistir a
acções sísmicas, com uma probabilidade de ocorrência superior à acção
sísmica de projecto, sem que os custos associados aos danos e à limitação de
utilização sejam desproporcionados em relação ao custo da própria estrutura.
A aplicação destes requisitos e da regulamentação existente a estruturas antigas não é
óbvia. Habitualmente, o dimensionamento relativamente à acção dos sismos destas
estruturas não foi considerado originalmente enquanto que, o dimensionamento para as
acções que não de excepção, foi normalmente considerado, nem que seja através de regras
de construção tradicionais.
1
Por outro lado, em países em que os abalos sísmicos fortes se repetem com
frequência (por exemplo o Japão), as lições dadas pelos danos provocados pelo sismos
traduz-se directamente em modificações na prática construtiva, que incorpora aspectos
dirigidos a aumentar a resistência a estes eventos. No caso português, em que os sismos
são esporádicos, o processo de aprendizagem baseado principalmente em tentativa e erro,
não aproveitou as lições dos sismos. Desta forma é de supor que a estrutura em análise não
resultou de uma evolução para soluções estruturais mais eficientes.
Atendendo aos elevados custos das intervenções de reforço e / ou reparação de
estruturas existentes e às dificuldades de análise de estruturas danificadas / reparadas, é
complexo estabelecer um enquadramento racional e regulamentar para as intervenções. De
facto, não existem regulamentos nacionais sobre reforço de estruturas existentes e o
Eurocódigo 8 (parte 1-4) estabelece que o único requisito a cumprir no redimensionamento
de estruturas existentes é o de ausência de colapso.
No presente estudo valida-se o colapso da estrutura, admitindo um comportamento
homogéneo dos materiais e características mecânicas adequadas dos materiais, hipóteses
que deverão ser asseguradas na definição do projecto de intervenção. Salienta-se ainda que
não cabe no âmbito do presente trabalho uma discussão sobre a deterioração e
desagregação dos materiais.
1.2. PROCEDIMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA SÍSMICA
Para a análise sísmica, a forma de definir as acções que o movimento do terreno
induz na estrutura depende do método de análise que se vai utilizar. Em métodos estáticos,
o efeito do sismo é quantificado por meio de um coeficiente de corte basal (designado
habitualmente coeficiente sísmico), coeficiente este que define a fracção do peso total do
edifício que deve ser considerada com força lateral, também total, aplicada à estrutura.
Para os edifícios modernos, os regulamentos incluem procedimentos detalhados para a
determinação do coeficiente sísmico que corresponde a cada caso; este é função da zona
sísmica, tipo de terreno, período fundamental de vibração da estrutura, e da ductilidade e
amortecimento da estrutura.
Existe a tentação de aplicar directamente os procedimentos habituais para definir o
coeficiente sísmico com que se devem analisar os edifícios históricos. No entanto, os
valores assim determinados apenas podem servir de referência uma vez que as condições
dos edifícios históricos são muito diferentes das condições para que foram calibradas os
2
valores das normas. Em edifícios importantes convém deduzir especificamente as acções
sísmicas aplicáveis na avaliação da segurança tomando em consideração todos os aspectos
intervenientes.
No caso em análise não se justifica, nem é exequível face à informação
disponibilizada pela OZ, efectuar um estudo aprofundado para determinação do coeficiente
sísmico. Para edifícios históricos situados em zonas de risco sísmico significativo, os
coeficientes que resultam podem variar entre 0.1 e 0.31, adoptando-se aqui o valor de 0.22
proposto pelo R.S.A. para a zona sísmica A.
Entende-se que não se justifica a utilização de uma análise sísmica mais refinada em
que, tal como é habitual, não se consideraria o comportamento não-linear da estrutura, em
especial a fendilhação devida aos esforços de tracção e a correspondente falta de
continuidade entre elementos estruturais.
1.3. CONTEÚDO DO RELATÓRIO
Para além deste capítulo introdutório, descreve-se, a seguir, o conteúdo dos restantes
capítulos:
•
O Capítulo 2 contém uma análise preliminar da construção recorrendo a
métodos simplificados.
•
O Capítulo 3 inclui a análise estrutural da construção, incluindo
comportamento não-linear do material, por forma a definir a sua segurança
relativamente à acção dos sismos.
•
O Capítulo 4 apresenta as conclusões e recomendações deste estudo.
3
2. ANÁLISE PRELIMINAR DA CONSTRUÇÃO
A Casa do Lanternim integra-se na malha urbana da povoação de Mértola, distrito de
Beja, e encontra-se localizada numa encosta do Guadiana. Trata-se de uma edificação de
três pisos (r/c+2), com cobertura de apenas uma água em telha de canudo, ver Figura 2.1 e
Figura 2.2.
(a)
(b)
(c)
Figura 2.1 – Plantas do imóvel: (a) rés-do-chão, (b) 1º andar, (c) 2º andar e (d) cobertura
(cont.)
4
(d)
Figura 2.1 – Plantas do imóvel: (a) rés-do-chão, (b) 1º andar, (c) 2º andar e (d) cobertura
(a)
(b)
(c)
Figura 2.2 – Alçados: (a) principal, (b) posterior, (c) direito e (d) esquerdo (cont.)
5
(d)
Figura 2.2 – Alçados: (a) principal, (b) posterior, (c) direito e (d) esquerdo
2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
A estrutura é essencialmente constituída por paredes de alvenaria e pavimentos em
madeira, ainda que exista uma abóbada de berço ao nível do rés-do-chão. Supõe-se que o
edifício tenha recebido reparações e remodelações diversas uma vez que a constituição das
paredes de alvenaria é altamente não-homogénea. De facto, verifica-se a presença de
paredes de alvenaria com pedra irregular, com tijolo maciço e com pedra, bem como
paredes de taipa.
Trata-se de um edifício de médio porte, atendendo às dimensões em planta (23 ×
15 m2) e aos 3 pisos de altura, que não dispensa o cálculo para a acção sísmica2,3. Do ponto
de vista sísmico, salientam-se os seguintes aspectos:
•
O edifício localiza-se na zona nacional de maior sismicidade (Zona A);
•
Supõe-se que o edifício não tenha sido submetido a nenhum abalo sísmico
significativo, que de alguma forma pudesse demonstrar a sua segurança
relativamente a esta acção4;
•
Ainda que o edifício seja aproximadamente ortogonal e simétrico em planta, de
acordo com o Eurocódigo 8, o edifício deve ser classificado como irregular em
planta uma vez que a rigidez dos pavimentos não é suficiente para permitir o
funcionamento das plantas como diafragmas rígidos.
Em altura, tal como é típico de estruturas de alvenaria, as paredes estruturais
são contínuas. No entanto, o edifício possui elevada assimetria em altura pelo
que também deverá ser considerado como irregular em altura.
6
Estas características implicam uma análise estrutural espacial para o
dimensionamento relativamente à acção sísmica e a adopção de um coeficiente
de comportamento reduzido;
•
De acordo com o levantamento geotécnico disponibilizado pela OZ, o terreno
de fundação é de boa qualidade (formação rochosa alterada e fracturada), a que
se sobrepõe aterros heterogéneos muito descomprimidos e sem capacidade de
suporte. A abertura de poços é fundamental para assegurar que as fundações
mobilizam o suporte rochoso descrito. Em caso contrário será absolutamente
necessário proceder ao reforço das fundações. No presente trabalho admite-se
que as fundações se encontram se encontram ao nível do suporte rochoso e
possuem dimensão adequada.
Por outro lado verifica-se a existência de um aterro muito significativo da
fachada posterior do edifício com 3.2 a 5.7 m de envergadura. Desta forma
será de considerar, quer a possibilidade de algum escorregamento da encosta,
quer o aumento de acção sísmica provocado pela mobilização do aterro
descomprimido;
•
A alvenaria que o edifício apresenta é francamente deficiente e desadequada
para resistir aos sismos uma vez que (a) a ligação entre paredes ortogonais não
é assegurada pela interpenetração de blocos / tijolos, (b) as pedras são
irregulares e (c) o ligante é de fraca qualidade. O primeiro aspecto indicia uma
quase impossibilidade de assegurar um comportamento tridimensional efectivo
do edifício, sendo possível o derrube da fachada principal após separação das
paredes transversais, enquanto que os restantes poderão conduzir à
desagregação do material por efeito dos movimentos cíclicos associados à
acção do sismo;
•
Verifica-se a existência de duas divisões com vãos elevados (cerca de 10 m)
não contraventados. Uma é contraventada com arco mas o projecto de
recuperação pretende eliminar um contraventamento e abrir uma porta, o que
não deverá ser permitido;
•
Verifica-se a existência de arcos, provavelmente não contemporâneos, ao nível
do 1º piso que reduzem a resistência aos sismos da estrutura.
7
2.2. ANÁLISE SIMPLIFICADA DA ESTRUTURA
O cálculo da estrutura em análise, admitindo que o estado de conservação dos
materiais é adequado, é extraordinariamente complexo em face da heterogeneidade dos
materiais que constituem as paredes e das dificuldades de estabelecer o grau de ligação
entre as paredes e os pavimentos / cobertura em madeira. Por esta razão entendeu-se
conveniente realizar uma análise simplificada da estrutura tendo em vista uma avaliação
preliminar da sua resistência ao sismo.
Para avaliar edifícios de alvenaria resistente com um número reduzido de pisos, é
muito comum adoptar métodos simplificados. No entanto, estes métodos exigem
normalmente que o edifício seja regular e simétrico, que as lajes dos pisos constituam
diafragmas rígidos e que o modo de colapso condicionante ocorra por esforço de corte no
plano dos muros. Na maior parte das estruturas antigas, estas duas últimas condições não
se verificam, pelo que a avaliação de segurança recorrendo a métodos simplificados não
oferece qualquer garantia, resultando apenas uma ideia geral da aptidão do edifício para
resistir aos sismos.
2.2.1. Percentagem da Área em Planta
O indicador mais simples que permite avaliar a resistência das estruturas de alvenaria
é a percentagem da área total da planta ocupada pelas paredes resistentes ao corte (paredes
de contraventamento). De acordo com o EC85, definem-se como paredes de
contraventamento aquelas cuja espessura mínima é 0.40 m. Desta forma, admitiu-se que as
paredes estruturais ao nível da fundação são as indicadas na Figura 2.3, de acordo com o
projecto de remodelação apresentado pela OZ.
y
x
Figura 2.3 – Paredes estruturais consideradas ao nível da fundação (Projecto de
remodelação)
8
A área total da construção é igual a 256.2 m2, enquanto que a área das paredes
estruturais consideradas é igual a 58.2 m2, sendo 43.9 m2 na direcção x e 14.3 m2 na
direcção y (área medidas em AutoCAD). Aqui admite-se que a direcção x é a
aproximadamente longitudinal e a direcção y é aproximadamente transversal. As áreas das
paredes estruturais, em percentagem da área total em planta, são 17.1% na direcção x e
5.6% na direcção y. Como valores de referência mínimos será de admitir 5% para a zona
sísmica em que a construção se insere (EC8), para estruturas regulares e lajes de piso que
constituam diafragmas rígidos, o que não é o caso.
Adoptando como referência, as percentagens empíricas a que, por tentativas, os
construtores da antiguidade foram conduzidos no México (país com frequentes ocorrências
de abalos sísmicos), nomeadamente nas catedrais de Oaxaca e da cidade do México, parece
ser razoável adoptar um valor mínimo de 10%1. Neste caso, a resistência da presente
estrutura na direcção y deveria ser considerada com reservas.
2.2.2. Razão entre a Área Efectiva e o Peso
Um indicador mais significativo é a razão entre a área efectiva das paredes e o peso
total da estrutura, uma vez que este indicador já entra em consideração com a altura da
construção.
Para esta análise, admitiram-se as seguintes hipóteses:
•
Altura média da construção igual a 9.3 m;
•
Peso específico médio das paredes estruturais igual a 20 kN/m3;
•
Peso da cobertura igual a 1.5 kN/m2;
•
Peso dos piso em madeira igual a 1.0 kN/m2 (inclui divisórias);
•
Valor quase permanente da sobrecarga igual a 0.2 × 2.0 = 0.8 kN/m2.
O peso total da estrutura (sem fundações) resulta igual a 58.2 × 9.3 × 20 + 256.2 ×
(1.5 + 2 × 1.0 + 2 × 0.8) = 12.1 MN . A razão entre a área efectiva e o peso vale 43.9 / 12.1
= 3.6 na direcção x e 14.3 / 12.1 = 1.2 na direcção y. O valor na direcção x é francamente
elevado e o valor da direcção y parece sensivelmente adequado, adoptando como
referência os valores médios das catedrais de Oaxaca e da cidade do México (1.4)1.
2.2.3. Método Simplificado Baseado na Resistência ao Corte das Paredes
Este método simplificado é baseado na comparação entre o corte basal total imposto
pela acção do sismo e a capacidade que a estrutura possui para resistir a esta acção.
9
Admite-se que a força sísmica total VS pode ser considerada igual ao peso total do
edifício W multiplicado por um coeficiente sísmico β
VS = βW = 0.22 × 12100 = 2660 kN .
Esta força é igual em cada direcção em que o sismo actua. No entanto, a construção
possui uma resistência ao sismo diferente para cada uma das direcções aproximadas x e y.
Admitindo que todas as paredes consideradas podem desenvolver a sua capacidade
máxima para esforços de corte, a força sísmica resistente será igual à soma da contribuição
de todas as paredes alinhadas na direcção em análise. Esta contribuição determina-se a
partir do produto da área transversal da parede Am pela esforço resistente ao corte da
alvenaria fvk
V R = ∑ Am f vk ,
onde fvk vale fvk0 + 0.4σd, de acordo com o EC6 (fvk0 representa a coesão da alvenaria e σd
representa a tensão da compressão perpendicular ao corte no elemento de alvenaria em
análise). O factor de segurança da estrutura γ é dado por
γ =
VR
.
VS
Admite-se uma coesão mínima fvk0 igual a 150 kPa e uma tensão normal σd igual a
12100 / 58.2 = 207 kPa. No caso em análise, a direcção y é condicionante, obtendo-se um
coeficiente de segurança igual a
γ =
VR 14.3 × (150 + 0.4 × 50)
=
= 1.25 .
VS
2660
De novo, este valor é insuficiente pelo que a resistência ao sismo da estrutura na
direcção y deverá ser encarada com reservas, sendo necessário o estudo mais aprofundado,
apresentado no próximo capítulo.
10
3. ANÁLISE ESTRUTURAL DETALHADA
A necessidade de efectuar uma análise mais aprofundada da estrutura parece
evidente, em função dos resultados da análise simplificada do capítulo anterior. Para esse
efeito foi efectuada uma análise com elementos finitos de casca, admitindo o
comportamento não-linear dos materiais.
Foi ainda efectuada uma análise local de determinadas zonas da estrutura (chaminé e
lanternim), tendo em vista quantificar a segurança destes elementos específicos.
3.1. ANÁLISE GLOBAL DA ESTRUTURA
Para a análise global da estruturas adoptaram-se elementos de casca curvos
quadráticos. Os elementos adoptados consideram as duas hipóteses habituais: (a) NavierBernoulli, secções planas mantêm-se planas após deformação mas não necessariamente
perpendiculares à superfície de referência. A deformação por corte é incluída de acordo
com a teoria de Mindlin-Reissner; (b) Tensão normal zero, em que se assume que a
componente da tensão normal na direcção perpendicular à superfície de referência é nula.
Para a análise global da estrutura consideraram-se as paredes que, previsivelmente,
funcionarão como paredes estruturais no caso da acção sísmica, ver Figura 3.1. A chaminé
e o lanternim não foram incluídos uma vez que os danos locais nestes elementos poderiam
impedir a análise global da estrutura até um factor de carga julgado adequado.
Os pavimentos / cobertura de madeira não foram incluídos no modelo, atendendo à
previsível deficiente ligação entre a estrutura de alvenaria e as estruturas de madeira, bem
como devido às dificuldades de quantificação da rigidez destes elementos.
11
y
x
Figura 3.1 – Modelo de elementos finitos adoptado para a análise global
As propriedades mecânicas que se adoptaram para o material foram: módulo de
elasticidade E igual a 1 GPa e um coeficiente de Poisson ν igual a 0.2. Para o peso
específico, adoptou-se um valor de 20 kN/m3. Como acções (de carácter permanente)
considerou-se:
•
O peso próprio da estrutura;
•
O peso do lanternim, simulado através de cargas uniformemente distribuídas
nas paredes onde este se apoia.
Para determinar os efeitos devidos à acção dos sismos, recorreu-se ao método
simplificado de análise estática que consiste em admitir comportamento linear da estrutura
e aplicar um sistema de forças estáticas em correspondência com as massas interessadas;
os valores destas forças podem obter-se multiplicando as cargas correspondentes àquelas
massas por 0.22α, o valor máximo preconizado pelo R.S.A. para estruturas complexas
(art. 30.5). O coeficiente de sismicidade α é igual a 1.0, dado que Mértola se localiza na
zona sísmica A.
Para a análise não linear, adoptou-se um modelo de fendilhação distribuída corrente,
com resistência à tracção nula. Para avaliação da segurança da estrutura foram realizadas
três combinações de acções: Acções Verticais, Acção Base Sismo –X e Acção Base Sismo
–Y. Atendendo à geometria da estrutura, ver Figura 3.1, é evidente que a Acção Base
Sismo –X é mais gravosa para a estrutura / paredes de fachada exterior que a Acção Base
12
Sismo +X, pelo que esta última não será considerada. Por outro lado, atendendo à
existência dos muros de fundação, também é claro que a Acção Base Sismo –Y é mais
gravosa que a Acção Base Sismo +Y, pelo que esta última também não será considerada.
3.1.1. Aspectos Relativos às Paredes Não Estruturais
Optou-se por realizar uma análise elástica preliminar em que foram consideradas no
modelo duas paredes com 0.18 m de espessura, para avaliar de forma adequada a
influência destas paredes na resposta da estrutura. Os resultados da análise encontram-se
ilustrados na Figura 3.2 em termos de deformadas e deslocamentos máximos. É possível
observar que a deformada se concentra excessivamente nestas paredes, assumindo valores
manifestamente inaceitáveis, em particular, no caso da acção sísmica na direcção x. Neste
caso, a deformação elástica no modelo conduz a um máximo superior a 0.06 m. Este
resultado confirma a necessidade de não considerar estas paredes como elementos
resistentes no caso da acção sísmica.
3.1.2. Análise Não-Linear (Acções Verticais)
Os resultados da análise realizada (1.0 G) encontram-se ilustrados na Figura 3.3, em
termos de tensões principais mínimas, extensões principais máximas e deformada. Ainda
que se tenha considerado a hipótese desfavorável da acção permanente ser aplicada toda de
uma vez e não por fases, de forma a simular o processo de construção da estrutura,
constata-se que a fendilhação assume valores insignificantes (da ordem da décima de mm),
ocorrendo ao nível do arco da Figura 3.3b e algumas padieiras. As tensões de compressão
máximas são também muito reduzidas, com um máximo de 0.4 MPa e um valor corrente
ao nível do arranque das paredes igual a 0.2 MPa, ver Figura 3.3c. Finalmente, salienta-se
que a deformação da estrutura assume também valores pouco significativos, ver
Figura 3.3c.
Admitindo uma resistência mínima à compressão do material igual a 1.0 MPa, o
factor global de segurança da estrutura para as acções verticais vale 2.5-5.0. Este valor
poderá ser considerado adequado de acordo com o EC6.
13
Paredes com
espessura de 0.18 m
(a)
Paredes com
espessura de 0.18 m
(b)
Figura 3.2 – Deslocamentos máximos para a análise linear elástica do modelo com paredes
não-estruturais: (a) Combinação Sismo –X e (b) Combinação Sismo –Y
14
(a)
(b)
Figura 3.3 – Resultados da análise para acções verticais: (a) Tensões principais de
compressão (mínimas), (b) fendilhação (representada pela extensão principal
máxima) e (c) deformada da estrutura (cont.)
15
(c)
Figura 3.3 – Resultados da análise para acções verticais: (a) Tensões principais de
compressão (mínimas), (b) fendilhação (representada pela extensão principal
máxima) e (c) deformada da estrutura
3.1.3. Análise Não-Linear (Acção Base –Sismo X)
Os resultados da análise para a acção base sismo (1.5EX + G) encontram-se
ilustrados na Figura 3.4, em termos de tensões principais mínimas e extensões principais
máximas, representadas na estrutura deformada. Verifica-se que a fendilhação assume
valores insignificantes (da ordem do mm), ocorrendo essencialmente nas paredes de
contraventamento próximas das fachadas exteriores, ver Figura 3.4b. As tensões de
compressão máximas são reduzidas, com máximos localizado nos cantos das aberturas e
arco até um valor de 1.1 MPa e um valor máximo ao nível do arranque das paredes igual a
0.6 MPa, ver Figura 3.4a. A deformação da estrutura assume um valor máximo de cerca de
0.02 m.
Admitindo uma resistência mínima à compressão do material igual a 1.0 MPa, o
factor global de segurança da estrutura para a Acção Base Sismo –X é superior a 1.5, pelo
que poderá se considerado adequado de acordo com o EC6.
16
(a)
(b)
Figura 3.4 – Resultados da análise para a Acção Base –Sismo X: (a) Tensões principais de
compressão (mínimas) e (b) fendilhação (representada pela extensão principal
máxima)
3.1.4. Análise Não-Linear (Acção Base –Sismo Y)
Os resultados da análise para a acção base sismo (1.45EY + G) encontram-se
ilustrados na Figura 3.5, em termos de tensões principais mínimas e extensões principais
17
máximas, representadas na estrutura deformada. Para este nível de carga, a estrutura
encontra-se em rotura. Verifica-se que a fendilhação assume valores significativos,
atingindo 1.3 cm na parede de contraventamento francamente danificada, ver Figura 3.5b.
As tensões de compressão máximas são reduzidas, com máximos localizado nos cantos
(a)
(b)
Figura 3.5 – Resultados da análise para a Acção Base –Sismo Y: (a) Tensões principais de
compressão (mínimas) e (b) fendilhação (representada pela extensão principal
máxima)
18
das aberturas
até um valor de 1.0 MPa e um valor máximo ao nível do arranque das
paredes igual a 0.6 MPa, ver Figura 3.5a. A deformação da estrutura assume um valor
máximo de cerca de 0.025 m.
Admitindo uma resistência mínima à compressão do material igual a 1.0 MPa, o
factor global de segurança da estrutura para a Acção Base Sismo –Y é superior a 1.5, pelo
que poderá se considerado adequado de acordo com o EC6.
3.2. ANÁLISE DA CHAMINÉ
Para verificação da estabilidade da chaminé, adoptou-se a secção crítica S
representada na Figura
3.6. O esforço axial NSd que actua ao nível da secção é
aproximadamente
N Sd =
π × Área × d médio
π × 1.7 × 1.0
× γ alvenaria =
× 20 = 53.4 kN .
2
2
O momento flector MSd que actua ao nível da secção é dado por
M Sd = 1.5 × β × N Sd × d CG = 1.5 × 0.22 × 53.4 × 2.0 = 35.2 kN .m .
Área = 1.7 m2
dmédio = 1.0 m
dCG = 2.0 m
Secção crítica S
Figura 3.6 – Geometria da chaminé
19
Admitindo que a secção crítica S possui uma área AS = π/4 × (1.332 – 0.922) =
0.725 m2 e uma inércia IS = π/64 × (1.334 – 0.924) = 0.118 m4, a tensão normal máxima é
dada por
σ1 = −
N Sd M Sd
53.4
35.2 1.33
+
×v = −
+
×
= +125 kPa (tracção) .
AS
IS
0.725 0.118
2
Verifica-se a existência de tensões de tracção significativas na chaminé sob a acção
dos sismos pelo que se recomenda o reforço da mesma.
3.3. ANÁLISE DO LANTERNIM
Adoptando uma estratégia similar para o lanternim, o corpo saliente com secção S
(1.85 × 1.85 m2 com espessura de 0.15 m) possui uma altura de 3.5 m. Desta forma, o
esforço axial NSd que actua ao nível da secção é aproximadamente
N Sd = (1.85 2 − 1.55 2 ) × 3.50 × γ alvenaria = 71.4 kN .
O momento flector MSd que actua ao nível da secção é dado por
M Sd = 1.5 × β × N Sd × d CG = 1.5 × 0.22 × 71.4 × 1.75 = 41.2 kN .m .
Para a secção S, com área AS = (1.852 – 1.552) = 1.02 m2 e uma inércia IS = (1.854 –
1.554) / 12 = 0.495 m4, a tensão normal máxima é dada por
σ1 = −
N Sd M Sd
71.4 41.2 1.85
+
×v = −
+
×
= +7 kPa (tracção) .
AS
IS
1.02 0.495
2
Este valor não é significativo pelo que o lanternim parece possuir um nível de
segurança adequado para a acção do sismo, admitindo as paredes sem quaisquer aberturas.
Atendendo a que esta hipótese não se verifica na zona superior do lanternim, este ponto
será novamente tratado nas conclusões.
20
4. CONCLUSÕES
A estrutura da Casa do Lanternim, em Mértola, quando conveniente recuperada do
ponto de vista de deterioração dos materiais constituintes, parece apresentar características
satisfatórias relativamente à acção dos sismos. A análise efectuada permite concluir que, se
admitirmos um comportamento homogéneo das paredes, a estrutura parece estar no limite
para resistir à acção sísmica. Ainda que a segurança da estrutura parece ser a mínima
exigida pelos regulamentos, para o caso da acção sísmica na direcção da menor largura
verifica-se uma fendilhação inaceitável, que poderá conduzir à ruína após um número
significativo de ciclos associados a um abalo sísmico. Destas forma, sugere-se uma
intervenção no edifício com vista a melhorar o seu comportamento sísmico.
Salienta-se, novamente, que o presente estudo admitiu que as propriedades da
estrutura são homogéneas e que as características mecânicas dos materiais são adequadas,
não tendo sido incluídas na análise as zonas da estrutura que apresentam danos
significativos nem os efeitos da deterioração / desagregação dos materiais. Trata-se ainda
de um estudo global da estrutura e não detalhado. Estes aspectos deverão ser tomados em
consideração na elaboração do projecto de intervenção, sendo necessário em particular:
•
Reparar e fendas e vazios com técnicas adequadas;
•
Substituir / reparar as zonas de alvenaria com características mecânicas
manifestamente insuficientes;
•
Identificar qualitativamente, “in situ”, defeitos estruturais localizados (não
considerados na análise) e respectivas medidas correctivas;
•
Decidir sobre a reparação / reforço de elementos não estruturais que possam
afectar a estrutura, os seus utilizadores ou transeuntes no exterior. O colapso
parcial ou total destes elementos deverá ser impedido recorrendo (a) a uma
ligação adequada aos elementos estruturais, (b) ao aumento da resistência
dos elementos não-estruturais ou (c) criação de elementos adequados de
protecção à queda parcial dos elementos não-estruturais;
•
Limitar os danos nos elementos estruturais existentes e considerados na
análise durante os trabalhos de remodelação.
Por outro lado, importa salientar que o edifício em causa é um edifício histórico, no
sentido em que pertence a uma área urbana que tem “valor cultural” como um todo,
21
enquanto que o edifício isolado não é um monumento. Isto significa que a preservação está
relacionada com o carácter geral das técnicas de construção típicas da zona. Por esta razão,
os requisitos e a regulamentação aplicável a estruturas correntes só são aplicáveis ao
edifício em causa se não produzirem efeitos negativos na sua preservação.
Para definir a intervenção resulta necessário adoptar os critérios sobejamente
conhecidos para preservação do património, que incluem a eficiência, a compatibilidade, a
durabilidade e a retractabilidade (uma vez que o conceito de reversibilidade é inadequado).
Em seguida, apresentam-se os aspectos a contemplar no projecto de intervenção.
4.1. MEDIDAS CORRECTIVAS GERAIS
Para melhorar o comportamento sísmico e adequar a segurança da presente
construção, exige-se:
•
Definição de medidas que resultem numa acção de diafragma rígidos dos
pavimentos e cobertura. Em especial, deverão ser considerados o aumento de
rigidez das vigas de madeira, o aumento de rigidez dos pavimentos
(recorrendo a dois soalhos cruzados a 90º, a elementos metálicos ou a uma
lajeta de betão de pequena espessura) e a efectiva ligação dos pavimentos /
cobertura às paredes;
•
Melhorar a ligação dos cunhais e da intersecção das paredes recorrendo a
pregagens, perfis metálicos ou redes metálicas.
•
Adicionar elementos de confinamento das paredes, p.e. metálicos
4.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJECTO DE REMODELAÇÃO
Para melhorar o comportamento sísmico e adequar a segurança da presente
construção, exige-se:
•
Para limitar o aumento de massa com a nova utilização prevista, as áreas na
construção antiga não deverão nos pisos superiores incluir arquivos nem
áreas de utilização de carácter colectivo com possibilidade de média ou
elevada concentração (por exemplo: salão de festas, salas de venda ao
público, etc.);
•
A necessidade de criar uma nova parede de contraventamento em alvenaria
resistente, com espessura significativa (no mínimo 0.25 m), em toda a altura
22
do edifício, ver Figura 4.1. Esta parede resulta da necessidade de aumentar a
área das paredes em planta na direcção y, bem como da necessidade de
contraventar convenientemente o vão de 10 m da parede da fachada principal.
Nova parede
de contraventamento
Figura 4.1 – Nova parede de contraventamento
•
A necessidade de criar uma nova parede em alvenaria resistente para apoio da
escada e do lanternim, com espessura significativa (no mínimo 0.25 m), em
toda a altura do edifício, ver Figura 4.2.
Nova parede
resistente
Figura 4.2 – Nova parede resistente.
•
A necessidade de substituir as paredes de alvenaria de tijolo cerâmico
maciço, por vezes apoiadas sobre o pavimento de madeira, por uma divisória
de baixo peso (por exemplo painéis de gesso prensado), ver Figura 4.3.
23
Figura 4.3 – Paredes a substituir (a cheio)
•
A necessidade de reforçar a zona saliente da chaminé, por exemplo com rede
metálica;
•
A necessidade de reforçar o apoio da chaminé ao nível do rés-do-chão por
forma a obter um comportamento eficiente deste elemento para cargas
verticais e horizontais.
•
A necessidade de reforçar os nembos do lanternim, por exemplo com rede em
fibra de vidro.
24
5. REFERÊNCIAS
1
Meli, R., Ingeniería estructural de los edifícios históricos, Fundación ICA, México, 1998
2
Carvalho, E.C., Oliveira, C.S., Construção anti-sísmica: Edifícios de pequeno porte, LNEC, 1997
3
CEN, Eurocódigo 6, Projecto de estruturas de alvenaria, 1996
4
Moreira, V.J.S., Sismicidade histórica de Portugal continental, INMG, 1984
5
CEN, Eurocódigo 8, Disposições para projecto de estruturas sismo-resistentes, 1998
25
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