Destilado causa dependência mais grave que cerveja Alcoolistas que preferem bebidas destiladas, como uísque, cachaça ou vodka, têm uma dependência de álcool mais grave, aderem menos a tratamento para parar de beber e têm mais recaídas, quando comparados aos que preferem cerveja. A conclusão é de um estudo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que ressalta a possibilidade de tratamentos diferentes serem mais eficazes para viciados que preferem um dos dois tipos de bebidas. “O estudo foi o primeiro no mundo a relacionar a preferência por uma bebida e a aderência ao tratamento”, diz o psiquiatra Danilo Baltieri, que trata alcoolistas há 12 anos e coordenou a pesquisa. “Contudo, mais pesquisas precisam ser feitas para saber se os resultados valem para a população toda ou só para aquela amostra”. A pesquisa foi parte de um estudo que testou dois tipos de remédios em 100 consumidores de destilados e em 53 que preferiam cerveja. As pessoas que bebiam destilados aderiram menos aos tratamentos, independente dos remédios usados. Além disso, elas tinham uma dependência mais grave e a vontade de beber, chamada de fissura pelos médicos, era maior. Já os pacientes que preferiam cerveja ficavam mais tempo sem beber e sofriam menos com isso. A descoberta discorda de estudos anteriores, que verificaram uma fissura maior em bebedores de cerveja. “Nós usamos uma escala para medir o nível de dependência”, informa Baltieri. “O prejuízo físico, psicológico e social dos que bebiam destilados era mais grave dos que os que preferiam cerveja. Durante o tratamento com remédios eles tinham mais recaídas”. Segundo estimativas feitas em 2005 por pesquisadores da UNIFESP, 12,3% da população brasileira das grandes cidades é dependente de álcool — ou seja, bebe mais do que pretendia, perde interesse por outros assuntos, consome progressivamente maiores doses de bebida e podem sofrer crises de abstinência. Atualmente, os médicos não tratam de forma diferenciada quem bebe cerveja ou destilados. A idéia de separar durante o tratamento grupos que consomem bebidas diferentes é nova, originada de pesquisas dos últimos cinco anos. Tratamentos Na opinião do psiquiatra é possível que quem beba destilados e procure ajuda médica já tenha tido tantas experiências ruins que tenha uma crença menos otimista em relação a um novo tratamento. “Se isso for verdade, os médicos deveriam fazer um apoio mais intenso na abordagem cognitivo-comportamental”. O que Baltieri quer dizer é que os profissionais de saúde precisariam analisar com mais profundidade o comportamento desses pacientes e trabalhar para ajudá-los a prevenir a recaída. “Eles podem auxiliar o alcoolista a mudar seu estilo de vida. Devem ajudá-lo a manejar e a desenvolver habilidades sociais, para que possa ter outros prazeres. É provável que o doente tenha que fazer novos amigos, mudar de grupo”. Parece haver consenso entre os especialistas que a associação de terapia psicológica com remédios é a melhor maneira de tratar quem tem problemas com álcool. O médico explica que tanto dependentes de álcool que preferem cerveja quanto aqueles que preferem destilados têm chance de se recuperar. “O sucesso do tratamento depende da família, da pessoa e da proposta de tratamento, que deve ser individualizada”. Mas quem trata precisa mostrar para a pessoa que ela tem responsabilidade pelos seus comportamentos. Baltieri conta que, se um alcoolista perguntasse para ele por que investir num novo tratamento, quando muitos outros já deram errado, ele devolveria a pergunta. “Eu diria: vale a pena investir no lado saudável que você ainda tem? Provavelmente o álcool tem consumido progressivamente este seu lado saudável, mas sempre resta algum ainda gritando por sobrevivência”. A pesquisa foi feita com doentes voluntários que se inscreveram no setor de assistência do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (PRO-GREA) do Instituto de Psiquiatria (Ipq) do Hospital das Clínicas (HC), da FMUSP. Destilado causa dependência mais grave que cerveja - Agência USP de Notícias