pontifícia universidade católica do rio grande do sul

Propaganda
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL
DARLENE SERRA GOMES
SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: uma análise da intervenção profissional do
assistente social frente às expressões da questão social evidenciadas na realidade
do Hospital Infantil Albert Sabin
FORTALEZA
2014
DARLENE SERRA GOMES
SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: uma análise da intervenção profissional do
assistente social frente às expressões da questão social evidenciadas na realidade
do Hospital Infantil Albert Sabin
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Serviço Social do Centro
de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profa. Esp. Verbena Paula
Sandy
FORTALEZA
2014
DARLENE SERRA GOMES
SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: uma análise da intervenção profissional do
assistente social frente às expressões da questão social evidenciadas na realidade
do Hospital Infantil Albert Sabin
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Serviço Social do Centro
de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profa. Esp. Verbena Paula
Sandy
Data da defesa: ______________
Resultado: __________________
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Profª. Esp. Verbena Paula Sandy (orientadora)
Faculdades Cearenses - FAC
________________________________________
Profª. Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes
Faculdades Cearenses - FAC
________________________________________
Profª. Ms. Silvana Maria Pereira Cavalcante
Faculdades Cearenses - FAC
À minha Mãe, Miriam Serra, com
todo o meu amor, por tudo o que ela
representa para mim.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que por toda a minha vida segurou-me em seu colo protetor;
sustentou-me com seu cuidado e amor, restituindo-me a saúde, a fé e a esperança
em todos os momentos percorridos na estrada da vida.
À minha mãe, Miriam Serra, pelo dom da vida, pela educação desde o berço,
pela confiança e amor incondicional que tem me sustentado desde sempre.
Ao meu pai, José Ailton, pelos exemplos e correções dados ao longo da vida,
que serviram de base para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje.
Às minhas irmãs, Danille Serra, Denise Serra, Danuza Serra, Dannytza Serra
e Dannyelle Serra, porque sempre estiveram ao meu lado, compartilhando dores e
amores.
Aos meus irmãos, José Mariano Neto e José Ailton Filho, e às suas lindas
famílias, que enchem de amor e alegria o meu coração.
A todos os meus sobrinhos e sobrinhas: Anderson, Andressa, Dayanne,
Matheus, João Lucas, Alex Filho, Maria Eduarda, Ana Caroline, Ana Vitória,
Giovanna, Mariana, João Victor, Luís Guilherme, João Gabriel, Paulo Filho, Vivian,
Viviane e Ana Luiza, simplesmente por existirem e darem sentido à minha vida.
À minha supervisora de estágio e amiga, Hildete Pimentel, pela inestimável
contribuição na minha formação e pela inspiração proporcionada em cada
intervenção profissional.
A todos e todas que compartilharam as lutas vivenciadas no Centro de
Assistência à Criança (CAC), em especial às assistentes sociais Mônica Souza e
Juliana Jesuíno, assim como à enfermeira “Val”, pelos momentos agradáveis
divididos em cada café.
Ao Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), por viabilizar não apenas a realização
deste trabalho, mas de um sonho que se tornou real.
A todos e todas que atuam no Centro de Estudos do HIAS, Dra. Regina
Moreno, Dr. Ronaldo Gonçalves, Gracinha Viana e Maryana Slane, pelo
imprescindível apoio durante o processo inicial do estudo em campo.
À Moema Guilhón, assistente social e coordenadora do Serviço Social do
HIAS, por me presentear com a possibilidade de conhecer e experimentar a prática
profissional do assistente social no campo privilegiado do HIAS. Sem a sua ajuda,
essa pesquisa não seria possível!
Às minhas colegas de trabalho e amigas, Laricia Keury e Laete Araújo, pelo
apoio irrestrito em momentos decisivos na execução da pesquisa de campo.
Aos professores da Faculdade Cearense (FAC), que colaboraram com o meu
processo de aprendizagem com seus diferentes saberes nessa jornada acadêmica.
A todas as amigas e colegas de turma, que foram grandes companheiras nos
anos de faculdade, que me acolheram em diferentes semestres e trilharam esse
caminho junto comigo: Kelliane Jorge, Irlene Silva, Marquilene Rocha, Suzanne
Targino, Mônica Saraiva, Mikaella Alves, Tamara Leite, Marcela Ramos, Larissa
Souza, Rebeca Marques, Thalita Mayara, Mayara Melo, Ana Aline e Jane Maia.
Sempre que estive com vocês tudo se tornou mais fácil e agradável.
À amiga Tayane Stefane, pela cumplicidade acadêmica e extra-acadêmica;
pelo exemplo de solidariedade e amizade verdadeira que quero ter sempre presente.
Ao amigo Daniel Passos, pelo seu total apoio, respeito, cuidado, paciência e
amor dedicados durante tantos anos.
À Sven Bander, por ter trazido reencanto e paixão à minha vida... Pelo amor,
cuidado, paciência, e compreensão pelo tempo que precisei para me dedicar a este
trabalho, e por ter me ajudado significativamente na reta final deste percurso,
fazendo-me acreditar que daria tudo certo.
À minha querida orientadora, a professora Verbena Paula Sandy, pela
orientação, incentivos, abraços calorosos e por tão relevantes contribuições para a
construção deste trabalho.
À banca examinadora, composta pelas professoras Virzângela Sandy e
Silvana Cavalcante, por terem aceitado o convite e enriquecerem este trabalho com
importantes considerações, resultado de sua elaboração final.
E, especialmente, às assistentes sociais do HIAS, pela dedicação com a qual
executam o seu trabalho, tal como por me permitirem tão grandiosa experiência,
colaborando para uma análise crítica da profissão. Vocês deram sentido a esta
pesquisa!
“Imagine que não há paraíso
É fácil se você tentar
Nenhum inferno abaixo de nós
Acima de nós, só o céu
Imagine todas as pessoas
Vivendo o presente
Imagine não existir países
Não é difícil imaginar
Nada pelo que lutar ou morrer
E nenhuma religião, também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz
Você pode dizer, eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Eu espero que algum dia você se junte a nós
E o mundo será como um só
Imagine não ter posses
Imagino se você pode
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade dos homens
Imagine todas as pessoas
Compartilhando o mundo todo
Você pode dizer, eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Eu espero que algum dia você se junte a nós
E o mundo viverá como um só.”
(John Lennon)
RESUMO
O objetivo central deste trabalho consiste em um esforço de apreender a atuação
profissional do assistente social no âmbito da saúde frente às múltiplas expressões
da “questão social” evidenciadas na realidade de um hospital pediátrico de alta
complexidade. Neste cenário, encontramos um vasto campo a ser explorado, tendo
em vista que a questão da saúde envolve todas as dimensões da vida humana. A
presente pesquisa tem como objetivos específicos evidenciar como se expressam as
refrações da “questão social”; elucidar como se dá o seu enfrentamento e as
condições para o atendimento das demandas; identificar, sob a ótica do Serviço
Social, como é tecida sua relação com os usuários, bem como com a equipe
multiprofissional e, ainda, inferir de que maneira o Serviço Social contribui para a
efetivação da saúde enquanto direito social na unidade hospitalar pesquisada. O
trabalho realiza um retrospecto histórico da política de saúde brasileira e da inserção
e intervenção profissional do Serviço Social na saúde no contexto atual, tendo em
vista o conceito ampliado desta, do mesmo modo que analisa os determinantes
sociais que interferem no processo saúde-doença, fatores econômicos, políticos e
culturais materializados nas diferentes manifestações da “questão social” na vida
dos usuários dos serviços de saúde. O estudo se apoia numa pesquisa de natureza
qualitativa, de cunho exploratório, cujo percurso metodológico congrega uma análise
do material coletado em campo por meio de entrevistas, observação participante e
fundamentação teórica, consubstanciando a teoria e a prática do Serviço Social, que
possui relevo no tocante ao reconhecimento dos fatores determinantes e
condicionantes da saúde. Todo o processo da pesquisa respeitou os procedimentos
éticos exigidos, sendo devidamente aprovada pelo Comitê de Ética da instituição. Os
resultados principais sinalizam que o assistente social, por meio de sua intervenção
profissional na saúde, depara-se com muitos limites e desafios. Contudo, consegue
alcançar, no exercício profissional, respostas efetivas frente às sequelas da “questão
social” na busca cotidiana da democratização das informações, com vistas à
garantia dos direitos sociais, na luta constante pela promoção do acesso à saúde
enquanto direito universal.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde. Questão Social. Intervenção Profissional.
ABSTRACT
The main objective of this work is an effort to grasp the professional practice of social
workers within the health front the multiple expressions of the "social question"
evidenced in the reality of a pediatric hospital of high complexity. In this scenario, we
find a vast field to be explored, considering that the issue of health involves all
dimensions of human life. This research has the following objectives highlight how
they express the refractions of the "social question"; elucidate how is your coping and
conditions to meet the demands; identify, from the perspective of social work, as is
woven its relationship with users, as well as the multidisciplinary team and also infer
how social work contributes to the realization of health as a social right in the hospital
searched. The work makes a historical retrospective of Brazilian health policy and
integration and professional intervention of social work in health in the current
context, in view of the expanded concept of this in the same way that analyzes the
social determinants that affect the health-disease process, economic, political and
cultural factors materialized in the different manifestations of the "social question" in
the lives of users of health services. The study is based on a qualitative research,
exploratory, whose methodological approach brings together an analysis of the
material collected in the field through interviews, participant observation and
theoretical foundation, consolidating the theory and practice of social work, which has
raised the regarding the recognition of the determining factors and determinants of
health. All the research process complied with the required ethical procedures, and
duly approved by the Ethics Committee of the institution. The main results indicate
that the social worker, through his professional intervention in health, is faced with
many limitations and challenges. However, achieves, in the practice, effective
responses in the aftermath of the "social question" in everyday search
democratization of information, in order to guarantee social rights, in the constant
struggle for the promotion of access to health care as a universal right.
KEYWORDS: Health. Social Issues. Professional Intervention.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEPSS
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de Serviço Social
ABESS
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
APP
Associação Peter Pan
BPC
Benefício de Prestação Continuada
CAC
Centro de Assistência à Criança Lúcia de Fátima R. G. Sá
CAPs
Caixas de Aposentadorias e Pensões
CAPS
Centro de Atenção Psicossocial
CEDEPSS
Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Social e Serviço
Social
CEP
Comitê de Ética e Pesquisa
CF
Constituição Federal
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CNS
Conselho Nacional de Saúde
CONASS
Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CPC
Centro Pediátrico do Câncer
CRAS
Centro de Referência de Assistência Social
DPVAT
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
FAC
Faculdades Cearenses
HEMOCE
Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará
HIAS
Hospital Infantil Albert Sabin
HIF
Hospital Infantil de Fortaleza
IAPs
Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS
Instituto Nacional de Previdência Social
INSS
Instituto Nacional do Seguro Social
LOAS
Lei Orgânica da Assistência Social
LOS
Lei Orgânica da Saúde
MCP
Modo de Produção Capitalista
NAVI
Núcleo de Apoio à Vida Infantil
NOEL
Núcleo de Orientação e Estimulação ao Lactente
OMS
Organização Mundial de Saúde
ONG
Organização Não Governamental
PAD
Programa de Assistência Domiciliar
PAVD
Programa de Assistência Ventilatória Domiciliar
PSF
Programa Saúde da Família
RSB
Reforma Sanitária Brasileira
SPA
Serviço de Pronto Atendimento
SUS
Sistema Único de Saúde
TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 18
2.1 Procedimentos Metodológicos e Instrumental de Coleta de Dados .................... 18
2.2 Breve Histórico do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) ..................................... 25
2.3 Perfil das Assistentes Sociais Entrevistadas ....................................................... 27
3 SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL ................................................................................ 31
3.1 Os Caminhos e Descaminhos Trilhados Pela Saúde Brasileira .......................... 31
3.2 O Projeto de Reforma Sanitária e a Construção do SUS .................................... 36
3.3 Serviço Social e Saúde no Contexto Atual .......................................................... 43
3.4 O Conceito Ampliado de Saúde e o Serviço Social............................................. 49
4 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL ............................................................. 53
4.1 A “Questão Social” e suas Concepções: um Debate Necessário........................ 53
4.2 “Questão Social” e sua Relação com o Serviço Social ....................................... 61
4.3 Saúde e “Questão Social”: a Intervenção Profissional do Assistente Social no
Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS).......................................................................... 64
4.4 O Serviço Social e a Prática Profissional na Saúde: Limites, Possibilidades e
Desafios .................................................................................................................... 84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 100
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 104
APÊNDICE .............................................................................................................. 111
ANEXOS ................................................................................................................. 112
13
1 INTRODUÇÃO
No presente trabalho monográfico tencionamos empreender uma análise da
intervenção profissional do assistente social mediada pelo debate teórico da saúde e
do Serviço Social. Descreveremos como a atuação profissional do assistente social
frente às diferentes expressões da “questão social” no âmbito da saúde se
apresentou como uma realidade a ser pesquisada. Contemplaremos ainda os
procedimentos metodológicos adotados para realização desta pesquisa.
A política de saúde no Brasil passou por várias modificações em seus
diferentes contextos, ganhando destaque no período final da década de 1970,
marcado pela organização de um movimento pela democratização da saúde, base
para a construção do Projeto de Reforma Sanitária (PRS), orientado pelo ideário de
uma saúde pública balizada pelos princípios da universalidade, integralidade e
equidade. Este processo de luta culminou na criação e implementação do Sistema
Único de Saúde (SUS), conquista do referido movimento e da sociedade. A partir da
Constituição Federal de 1988 e da criação do SUS, a saúde ganha um novo
significado, passando a ser considerada como direito de todos e dever do Estado,
com ênfase nos determinantes sociais indissociáveis ao processo saúde-doença,
sendo finalmente reconhecida como resultado das condições políticas, culturais,
sociais e econômicas.
Nesse sentido, esta pesquisa privilegia a análise da atuação do profissional
de Serviço Social na área da saúde frente aos determinantes sociais implicados no
processo saúde-doença, sendo direcionada para as intervenções profissionais
realizadas no âmbito de uma unidade hospitalar da rede pública estadual, no
município de Fortaleza, estado do Ceará.
A opção de estudar a atuação profissional do assistente social frente às
refrações da “questão social” evidenciadas no âmbito do Hospital Infantil Albert
Sabin (HIAS), hospital de referência no atendimento a serviços pediátricos no Ceará,
constitui o desafio de nosso estudo. Trata-se de um esforço de buscarmos
evidenciar respostas profissionais e elucidar a contribuição do Serviço Social para
efetivação da saúde enquanto direito social.
Tendo em vista que o Serviço Social se particulariza pelo seu trabalho com as
diferentes expressões da “questão social”. Na saúde, está posta ao assistente social
a função de identificar os aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos que
14
atravessam o processo saúde-doença vivenciado pelos usuários, mobilizando
estratégias para o enfrentamento dessas questões (MATOS, 2013).
Compreendemos, assim, a necessidade de buscar desvelar o que passa pelo
cotidiano de trabalho do assistente social na saúde, e como estes veem as
expressões da “questão social” que o permeia.
Os profissionais do Serviço Social no seu cotidiano de trabalho lidam com
diferentes temas e questões que se corporificam nos diversos relatos de
vidas que atendem. É no atendimento aos usuários que os assistentes
sociais identificam contornos materiais das diferentes expressões da
‘questão social’ na vida da população (MATOS, 2013, p. 12).
Considerando a missão do hospital de prestar assistência terciária à criança e
ao adolescente de forma segura e humanizada, sendo instituição de ensino e
pesquisa1, podemos perceber a relevância deste estudo no processo de construção
do saber, dotado de uma postura ético-política pautada no Código de Ética do
Assistente Social, em seus valores e princípios, em consonância com os valores da
referida instituição: ética, humanização, compromisso e participação.
O envolvimento e interesse na temática abordada surgiram em meados 2005,
por meio da utilização dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e do contato
inicial com a prática profissional do assistente social na área da saúde, resultado de
uma experiência bastante positiva, que causou a motivação da escolha do curso de
Serviço Social alguns anos mais tarde.
Tal motivação foi sendo aprofundada no processo acadêmico, sobretudo
através da realização do Estágio Supervisionado I, II e III, ocorrido no Centro de
Assistência à Criança Lúcia de Fátima R. G. Sá (CAC), hospital público de atenção
secundária e média complexidade. Esta experiência proporcionou o conhecimento,
durante quase dois anos, da prática profissional do assistente social na área da
saúde, por meio da supervisora de campo, a qual atuou com excelência,
desempenhando seu trabalho com êxito, dotada de grande conhecimento teóricometodológico e de um posicionamento ético-politico condizente com os valores da
profissão, inspirando-nos em cada intervenção a pesquisar o exercício profissional
_____________
1
Com o objetivo de consolidar e organizar a área de ensino do curso de pós-graduação em medicina,
ou seja, a Residência Médica em Pediatria, e aprofundar os conhecimentos dos profissionais de
saúde, o Centro de Estudos foi criado em 1979. Com o passar dos anos, novos credenciamentos de
vagas, cursos e especialidades foram surgindo a fim de atender a demanda. Fonte:
http://www.hias.ce.gov.br/index.php/ensino-e-pesquisa/centro-de-estudos
15
na saúde e nos impulsionando buscar desvendar as expressões da “questão social”
neste âmbito.
Ao longo da formação foram realizadas importantes pesquisas na área da
saúde, destacando-se um estudo realizado para a disciplina de Serviço Social e
Saúde, em abril de 2013, no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), cujo objetivo foi
apresentar a organização e o funcionamento da instituição, bem como a atuação do
profissional de Serviço Social. O resultado da realização desta pesquisa decorreu na
busca de aprofundá-la no referido campo.
A criança/adolescente, principal usuária(o) do serviço, desde o momento em
que chega à unidade hospitalar, durante o tratamento até a alta, necessita de
cuidados especiais, ou seja, o processo de melhora ou cura depende, além da
equipe médica, da ação conjunta de uma variedade de profissionais. Para o
assistente social é uma conquista ocupar espaço neste grupo multiprofissional,
encontrando, desta forma, uma nova dimensão no seu exercício profissional na área
da saúde.
Outro aspecto preponderante para a escolha deste tema foi a realização do
pré-projeto de pesquisa durante o 4º semestre do curso, por abordar a mesma
temática, embora com um viés diferenciado. Serviu-nos, pois, de ponto de partida
para o aprofundamento das bases teórico-metodológicas para o desenvolvimento do
projeto de pesquisa.
O
presente
estudo
justifica-se
principalmente
pela
necessidade
de
compreender a atuação do assistente social frente às múltiplas expressões da
“questão social” presentes no cotidiano profissional do HIAS, na busca de identificar
como esta se materializa; como é tecida do ponto de vista do Serviço Social a sua
relação com os usuários e equipe interdisciplinar atuantes na instituição. É
importante afirmar que também auxilia a inferir de que forma o Serviço Social
contribui para a efetivação da saúde no HIAS.
Tomar como objeto a intervenção profissional do assistente social justifica-se
ainda por não contarmos com muitos estudos envolvendo a temática na região
pesquisada, mas, sobretudo, por ser o assistente social na saúde um dos principais
articuladores das equipes multiprofissionais, o que poderá propiciar uma visão mais
ampla do conjunto dessas práticas (VASCONCELOS, 2012).
A
relevância
social do
problema
a ser investigado
se apresenta,
principalmente, pela importância dos determinantes sociais que constituem o
16
processo saúde/doença nas refrações da “questão social”; esta por sua vez,
representa a matéria-prima, a razão de ser do Serviço Social.
Pesquisar o cotidiano profissional do assistente social na área da saúde
constitui um desafio e uma necessidade, exigindo a busca por estratégias concretas
de fortalecimento da ação profissional e visando a garantia de direitos dos usuários.
Pretendemos então, com esta pesquisa, mostrar a importância do papel do
assistente social no hospital, identificando as particularidades de seu trabalho neste
espaço sócio-ocupacional, tendo como objetivo dar maior visibilidade ao Serviço
Social na instituição. Principalmente pelo fato de a saúde constituir-se como direito
social, sendo o assistente social reconhecido legalmente como profissional da
saúde, tendo como principal função social neste âmbito viabilizar os direitos sociais
via políticas públicas.
Considerando a finalidade deste estudo, fez-se necessária uma densa
abordagem teórica acerca da temática. Desta forma, a presente pesquisa está
ancorada nas seguintes categorias de análise: Saúde e Serviço Social, Questão
Social e Intervenção Profissional, temáticas que vêm despertando interesse por
parte de muitos teóricos da área. Assim, trabalharemos a partir de importantes
concepções.
No âmbito da saúde e do Serviço Social, destacamos as análises de Maria
Inês Souza Bravo (2009), Ana Maria de Vasconcelos (2012), Marilda Villela
Iamamoto (2012), Maurílio Castro de Matos (2013), dentre outros.
Como já citado anteriormente, está consolidado no Serviço Social que as
sequelas da “questão social”, objeto da intervenção profissional, constituem-se na
matéria-prima sobre a qual o exercício profissional vai se realizar. Dada a sua
dimensão estrutural, a “questão social” atinge a vida dos sujeitos nas suas
requisições pela garantia de direitos civis, sociais, políticos e humanos (GUERRA et
al., 2007).
São as diferentes manifestações da “questão social” que chegam para os
assistentes sociais, como demandas cotidianas de moradia, alimentação, trabalho,
leitos hospitalares, transporte etc. Neste sentido, reforçamos que a profissão tem
nos seus fundamentos históricos as formas de enfrentar a “questão social”.
E é no âmbito da atuação profissional do assistente social que
problematizamos um importante assunto: como se dá a intervenção profissional do
assistente social frente às múltiplas expressões da “questão social” presentes na
17
realidade do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS)? Na busca de responder a este
questionamento, este estudo propõe-se a contribuir para futuras pesquisas no
campo da atuação profissional do assistente social na área da saúde, como parte
constitutiva do exercício profissional, bem como demonstrar sua importância, no
sentido de dar mais visibilidade ao caráter, à qualidade, à organização e à
operacionalização do trabalho profissional dos assistentes sociais no HIAS, visando
ainda ampliar a legitimidade da intervenção do Serviço Social na saúde.
A
presente
monografia
constitui-se,
além
desta
introdução
e
das
considerações finais, de mais três capítulos, que abordam também as principais
categorias de nosso estudo antes elencadas.
O segundo capítulo é dedicado aos caminhos percorridos para a realização
da pesquisa, explicitaremos os procedimentos metodológicos adotados, bem como
os instrumentais de coleta de dados utilizados em campo. Contemplando um breve
histórico do lócus estudado, traçando ainda o perfil dos sujeitos pesquisados.
No terceiro capítulo faremos um breve retrospecto histórico da saúde no
Brasil até a sua constituição como política pública e de direito, caracterizando a
política de saúde, o Projeto de Reforma Sanitária, a construção do SUS, seus
avanços, retrocessos e desafios. Abordaremos também o conceito ampliado de
saúde, a inserção e a intervenção profissional do assistente social nesta esfera.
No quarto capítulo problematizaremos a “questão social” em suas diferentes
concepções, tendo esta enquanto objeto da intervenção profissional do assistente
social. Ainda nesta parte do trabalho, apresentaremos os resultados obtidos e
análise realizada, tendo como base os discursos dos sujeitos entrevistados a partir
de suas experiências profissionais, fazendo sempre uma articulação com o
arcabouço teórico referenciado. Nas considerações finais teceremos algumas
reflexões acerca da pesquisa e seus resultados.
18
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.1 Procedimentos metodológicos e instrumental de coleta de dados
Neste capítulo inicial contemplaremos o percurso metodológico traçado no
processo de construção da pesquisa, destacando seus procedimentos, técnicas e
instrumentais de coleta de dados. Realizamos uma breve caracterização do campo
de pesquisa, bem como do perfil dos sujeitos pesquisados.
O universo da pesquisa foi construído por assistentes sociais que atuam no
Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS); logo, as informações que serão trabalhadas
visam, como já exposto, demonstrar algumas situações que perpassam a
intervenção profissional do Serviço Social na área da Saúde. Para elucidar tais
questões, foi preciso trazermos algumas discussões como, por exemplo, breve
histórico e reflexão da Saúde e Serviço Social, da “questão social2” e da Intervenção
Profissional nesta esfera.
Para a realização de nossa pesquisa de caráter investigativo, fez-se
necessário delimitarmos tanto o campo no qual ocorreu a coleta dos dados como os
sujeitos selecionados a participarem do estudo. Este, por sua vez, foi planejado de
acordo com a disponibilidade dos sujeitos pesquisados durante um período de
quatro meses, conforme estabelecido no cronograma do projeto.
É interessante salientarmos que, inicialmente, o lócus da pesquisa estava
previsto para ser o Centro de Assistência à Criança Lúcia de Fátima R. G. Sá
(CAC)3, local de realização dos Estágios Supervisionados I, II e III. Todavia, no
período de realização do último estágio, fomos informados que o CAC estaria
implantando seu Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), mas que não teria previsão
para sua efetivação, o que tornaria a pesquisa ainda mais complexa e burocrática,
tendo em vista que a Faculdades Cearenses (FAC) também não possui um CEP.
_____________
2 O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz
comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada (IAMAMOTO, 2012, p. 27).
3 Hospital público de atenção secundária mantido pela Prefeitura de Fortaleza para atendimento
exclusivamente infantil, referência para o tratamento de doenças epidérmicas (de pele), entéricas
(que afetam o aparelho digestivo) e respiratórias, como asma, rinite, pneumonias e rinofaringites.
Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/sms/centro-de-assistencia-crianca>.
19
Assim, a análise e aprovação da pesquisa ficariam a cargo da Plataforma Brasil4,
podendo comprometer os prazos estabelecidos, o que acabou nos levando a pensar
em um novo campo para concretização do estudo. Após realização de pesquisa
acadêmica no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), conforme mencionamos
anteriormente, optamos por este novo e privilegiado campo de pesquisa.
Embora se saiba que estudos na área da saúde sejam complexos e
desafiadores — tendo em vista que a pesquisa envolvendo seres humanos na área
deva atender aos fundamentos éticos exigidos pela Plataforma Brasil —, mesmo
com todos os percalços que encontramos durante o processo, em nenhum momento
pensamos em desistir, considerando que a temática escolhida foi a motivação maior
para ingresso no curso de Serviço Social.
Assim, todos os caminhos trilhados visaram a atender a tais exigências,
iniciando pela apresentação do trabalho à coordenação do Núcleo de Pesquisa e
Desenvolvimento do HIAS, representado por um profissional da Medicina, que
inicialmente nos deu algumas sugestões de alterações nos objetivos propostos.
Porém, após longo diálogo recebemos do mesmo parecer favorável para execução
da pesquisa. Vale salientar que a autorização se deu sem nenhuma alteração no
projeto.
Com muito empenho e total apoio da equipe do Centro de Estudos do HIAS, o
projeto fora incluso na reunião seguinte agendada do CEP, e dentro de um mês fora
aprovado com louvor, sendo solicitado apenas o acréscimo de um parágrafo no
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que apresenta
explicações acerca dos procedimentos éticos adotados no estudo explicitando os
possíveis riscos e os benefícios da pesquisa. Após inclusão de texto a respeito da
gravação dos dados das entrevistas armazenados em áudio, conforme solicitado,
logo fomos autorizadas a dar início às entrevistas em campo.
Considerando a temática abordada – Serviço Social e Saúde –, bem como o
seu objetivo central de analisar a atuação do assistente social frente às múltiplas
expressões da “questão social” presentes na realidade de um hospital pediátrico de
alta complexidade, foi preciso traçar a metodologia a ser empregada para só então ir
a campo.
_____________
4
A Plataforma Brasil é um sistema eletrônico criado pelo Governo Federal para sistematizar o
recebimento dos projetos de pesquisa que envolvam seres humanos nos Comitês de Ética em todo o
país. Disponível em: <http://www.ufal.edu.br/cep/submissao-de-projetos/plataforma-brasil>.
20
Para Minayo (2013, p. 14), a metodologia inclui simultaneamente a teoria da
abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as
técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal
e sua sensibilidade). Portanto, trata-se da organização, dos caminhos a serem
percorridos para se realizar uma pesquisa, assim como a definição dos melhores
instrumentos e técnicas utilizados para o alcance dos objetivos.
Para Goldenberg (2004), os instrumentos da pesquisa devem ser corrigidos e
adaptados durante o seu processo; contudo, não se pode iniciá-la sem prever os
passos que deverão ser dados. Assim, cada procedimento adotado neste percurso
foi planejado metodologicamente.
O campo privilegiado para a realização da pesquisa foi o Hospital Infantil
Albert Sabin (HIAS)5. A referida instituição de saúde está localizada na Rua
Tertuliano Sales, nº 544, bairro Vila União, Fortaleza/CE.
Por tratar-se de campo de realização de pesquisas durante a formação
acadêmica e local de trabalho da pesquisadora, tivemos uma inserção facilitada,
mas respeitaram-se todas as questões éticas com o pedido de autorização e
aprovação do CEP do hospital, visando realizar a pesquisa de acordo com as
regularidades e exigências propostas para pesquisas envolvendo pessoas na área
da saúde, conforme já explicitado mais acima.
Tendo em vista as vivências e a experiência social obtida durante pesquisas
acadêmicas e trabalho desenvolvido na instituição, a interação com os sujeitos
pesquisados se deu de forma processual e contínua, objetivando sempre facilitar o
acesso aos atores sociais envolvidos e obter as informações necessárias ao longo
da pesquisa no campo.
Na busca principal de atingir os objetivos propostos, empregamos em nossa
pesquisa o método descritivo-exploratório, de natureza qualitativa. À luz de
Goldenberg (2004), compreendemos que a pesquisa qualitativa não se preocupa
com representatividade numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão
de um grupo social, organização ou instituição.
_____________
5 O Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS) um órgão da administração pública estadual, subordinado à
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, que tem como missão: “[...] prestar assistência terciária à
criança e ao adolescente, de forma segura e humanizada, sendo instituição de ensino e pesquisa”.
Regido por valores como ética, humanização, compromisso, participação, valorização profissional,
eficiência e credibilidade, o hospital tem como visão de futuro “[...] ser excelência internacional
pediátrica em assistência quaternária, ensino e pesquisa, com responsabilidade socioambiental”.
Disponível em: <www.hias.ce.gov.br>.
21
Por meio da pesquisa qualitativa foi possível percebermos uma compreensão
mais ampla da realidade estudada, buscando sempre o diálogo essencial entre
teoria e prática, levando em conta que estas constituem uma unidade.
A pesquisa qualitativa depende ainda da biografia do pesquisador, das
opções teóricas, do contexto mais amplo e das imprevisíveis situações do dia a dia
da pesquisa (GOLDENBERG, 2004, p. 55).
Minayo (2004) concorda ao afirmar que na abordagem qualitativa é possível
um maior aprofundamento e abrangência da compreensão, seja de um grupo social,
de uma organização ou de uma política. Desta forma, o seu critério não é numérico,
de modo que a amostra ideal é aquela que representa o grupo social mais relevante.
Conforme Minayo (2004), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de
significados, aspirações, crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço
mais profundo das relações, e dos fenômenos e não podem ser reduzidos a
operacionalização de variáveis.
Pesquisa qualitativa, além de permitir a utilização de técnicas e recursos
instrumentais adequados à compreensão dos valores culturais e das representações
sociais de um determinado grupo, permite saber como se dão as relações entre os
atores que atuam numa temática específica (MINAYO, 2004; GIL, 2008).
Os procedimentos de coleta de dados para esta pesquisa foram sendo
definidos de acordo com o perfil e disponibilidade dos sujeitos pesquisados.
Goldenberg (2004) alerta-nos para o fato de que o bom pesquisador deve lançar
mão de todos os recursos disponíveis que possam auxiliar a compreensão do
problema.
Para colhermos os dados necessários por meio das informações dos sujeitos
participantes foi necessário nos utilizarmos da pesquisa de campo, acerca desta, as
teóricas Marconi & Lakatos (1996) afirmam ser uma fase realizada depois do estudo
bibliográfico, para que o pesquisador tenha um bom referencial e conhecimento da
temática pesquisada, pois é nesta etapa que irá decidir definitivamente os objetivos,
meios de coleta de dados, e a forma de análise destes.
Após pesquisa bibliográfica, inserção no campo pesquisado e pesquisa
documental, determinamos como técnicas de coletas de dados a observação
participante, o diário de campo e a entrevista semiestruturada.
Foi realizado em nosso estudo um levantamento bibliográfico para
consubstanciar a nossa pesquisa, no qual foram utilizados livros de metodologia da
22
pesquisa, obras clássicas do Serviço Social e saúde, publicações, como revistas,
artigos, ensaios, documentos oficiais, leis, dentre outros. Isto foi realizado com a
finalidade de conhecer melhor o que a literatura discute sobre o assunto para
fundamentação de nossos argumentos, ampliação dos nossos conhecimentos e
sustentação teórica acerca da temática para, posteriormente, associá-la à prática.
A pesquisa bibliográfica é considerada mãe de toda pesquisa,
fundamenta-se em fontes bibliográficas; ou seja, os dados são obtidos a
partir de fontes escritas, portanto, de uma modalidade específica de
documentos, que são obras escritas, impressas em editoras,
comercializadas em livrarias e classificadas em bibliotecas (GERHARDT;
SILVEIRA, 2009 p. 69).
Já a pesquisa documental é caracterizada por Gil (2008) como aquela que se
fundamenta na exploração das fontes documentais que não receberam qualquer
tratamento analítico. Incluem os documentos conservados em arquivos de órgãos
públicos e instituições privadas, tais como associações científicas, sindicatos,
partidos políticos etc., bem como fontes documentais que já foram analisadas,
relatórios de empresas, entre outros.
Gerhardt e Silveira (2009) também versam acerca dessa definição, afirmando
que a pesquisa documental é aquela realizada a partir de documentos,
contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos. Esta
tem sido largamente utilizada nas ciências sociais a fim de descrever/comparar fatos
sociais, estabelecendo suas características ou tendências. Nesse tipo de coleta de
dados, os documentos são tipificados em dois grupos principais: fontes de primeira
mão (aqueles que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como:
documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes,
fotografias, gravações, gravuras etc.) e fontes de segunda mão (são os que de
alguma forma já foram analisados, a saber: relatórios de pesquisa, relatórios de
empresas, tabelas estatísticas, manuais internos de procedimentos, pareceres de
perito, entre outros).
Conforme já mencionado, a principal fonte de coleta de dados que utilizamos
foi a entrevista semiestruturada. As entrevistas foram realizadas com as assistentes
sociais, a fim de conhecer melhor o cotidiano sócio-ocupacional e a prática
profissional, tratar as questões voltadas para a interpretação teórico-metodológica e
23
ético-política, e melhor condensar os dados para uma análise mais precisa. Gerhardt
e Silveira (2009) caracterizam a entrevista da seguinte maneira:
[...] constitui uma técnica alternativa para se coletarem dados não
documentados sobre determinado tema. É uma técnica de interação social,
uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca obter
dados, e a outra se apresenta como fonte de informação. Na entrevista
semiestruturada o pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro)
sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até
incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão
surgindo como desdobramentos do tema principal (GERHARDT; SILVEIRA,
2009, p. 72).
Triviños (1987) sustenta que a entrevista semiestruturada valoriza, a um só
tempo, a presença do investigador e oferece perspectivas possíveis para que o
informante alcance liberdade, o que enriquece a investigação. As entrevistas foram
previamente
agendadas,
gravadas
com
a
permissão
das
profissionais
e
posteriormente transcritas para análise que apresentaremos.
Para Minayo (2004), a entrevista — compreendida no sentido amplo da
comunicação verbal e no sentido restrito de coleta de informações sobre
determinado tema científico — é a técnica mais usada no processo de trabalho de
campo.
Marsiglia (2009) segue esta mesma linha de pensamento ao afirmar que as
entrevistas são os instrumentos mais usados nas pesquisas sociais, porque além de
permitirem captar melhor o que os pesquisados sabem e pensam, permitem também
ao pesquisador, observar a postura corporal, a tonalidade da voz, os silêncios etc.
Cabe destacarmos aqui os cuidados que tivemos durante todo o processo da
pesquisa de campo, sobretudo por tratar-se de um estudo acerca da atuação
profissional, no qual cada procedimento foi bastante planejado e cada ação pautada
na ética acadêmica e profissional. A identidade dos sujeitos pesquisados ficará
resguardada em sigilo, conforme estabelecido no TCLE. Ao utilizarmos da técnica de
entrevista, tivemos em mente as limitações desse recurso, como, por exemplo, o
constrangimento que poderia ser causado às pesquisadas, pelo fato de ter suas
informações gravadas. Esta foi uma “negociação” feita inicialmente a fim de
minimizar o problema.
Nesse sentido, foi utilizado também o diário de campo para os registros
detalhados das informações obtidas nas entrevistas e observações planejadas.
Minayo (2004) sublinha que o diário de campo deve conter observações sobre
24
conversas informais, comportamentos, instituições, gestos e expressões a respeito
do tema pesquisado.
O uso da técnica da entrevista foi essencial para nosso estudo, tendo em
vista que enriqueceu a construção deste trabalho, por meio das falas dos sujeitos
pesquisados, suas percepções da intervenção profissional frente às refrações da
“questão social” na saúde, razão de existir deste trabalho monográfico.
A observação participante é definida por Minayo (2004) como um processo
pelo qual se mantém a presença do observador numa situação social com a
finalidade de realizar uma investigação científica. Nela o observador está em relação
face a face com os observados, ao participar da vida deles. No seu cenário cultural,
colhe dados e se torna parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo
modificando e sendo modificado por este.
A intenção inicial, no que tange ao rico momento da observação participante,
seria usufruir minimamente do espaço/setor de atuação de cada entrevistada.
Contudo, em meio aos agendamentos para realização das observações, as salas do
Serviço Social entraram em reforma, o que acabou por comprometer o atendimento
das profissionais, bem como o pretendido acompanhamento. Conseguimos ainda
realizar observação participante no Ambulatório, no Centro Pediátrico do Câncer e
na Coordenação do Serviço Social, sendo esta última destacada em nossa análise.
Para analisar, compreender e interpretar o material qualitativo, fez-se
necessário superarmos a tendência ingênua de acreditar que a interpretação dos
dados nos seria mostrada espontaneamente; foi preciso penetrarmos nos
significados que os atores sociais compartilham na vivência de sua realidade.
Segundo Goldenberg (2004), os dados qualitativos consistem em descrições
detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus
próprios termos. Estes dados são padronizáveis e obrigam o pesquisador a ter
flexibilidade e criatividade tanto no momento de coletá-los quanto de analisá-los.
Por meio da pesquisa qualitativa pôde-se observar como os sujeitos
pesquisados experimentam concretamente a realidade estudada. A análise do
material coletado em campo resultou na construção de categorizações, a partir do
tratamento dos dados obtidos, buscando comparar seus resultados e selecionar as
respostas que mais se adequaram à realidade de nosso objeto, destacando
semelhanças e diferenças nas perspectivas, relacionando as concepções dos
25
teóricos que fundamentaram nosso estudo, do mesmo modo que a nossa percepção
enquanto pesquisadores.
No próximo item, teceremos breves considerações históricas sobre o campo
pesquisado, buscando situar, embora superficialmente, o surgimento do Serviço
Social na instituição nesse contexto e na atualidade.
2.2 Breve histórico do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS)
O Hospital Infantil de Fortaleza (HIF) foi inaugurado em 1952 como o primeiro
Hospital Infantil do Estado do Ceará. Em 1976, inaugurou-se o novo HIF com
mudança de endereço para a atual sede e ampliação dos serviços. No ano seguinte,
após uma visita do cientista polonês Dr. Albert Sabin na unidade, ocorreu a
mudança do nome para Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). (AGENDA HIAS, 2014).
O surgimento e implantação do Serviço Social na instituição data ainda do
antigo HIF, acompanhando sua implementação e expansão até tornar-se HIAS.
Assim, o Serviço Social inicia suas atividades contando com cerca de três
assistentes sociais, sendo a primeira delas Sandra Libório. Posteriormente, a equipe
foi crescendo e contando com o apoio de Fátima Barroso e Zélia Pinho, sendo esta
última a responsável pela implantação do Serviço Social no setor de Oncologia, bem
como pelos primeiros projetos de humanização do HIAS, tais como ABC+saúde e o
de apadrinhamento.
O hospital surgiu pequeno e modesto; foi sendo ampliado ao longo dos anos
não somente no que tange à sua área física, como também no aumento do quadro
de profissionais e na qualidade dos serviços ofertados. Muitos projetos especiais são
desenvolvidos na busca por um atendimento integrado à criança e ao adolescente,
tornando-o um hospital de referência no atendimento à criança e ao adolescente em
todo o Ceará, algumas vezes ultrapassando os limites geográficos do Estado.
Dentre os projetos6 do HIAS, destacamos: ABC+saúde, Recantos das Mães,
Cidade da Criança, Cirurgia sem Medo, Comissão de Maus Tratos, Programa de
Assistência Domiciliar (PAD) / Programa de Assistência Ventilatória Domiciliar
_____________
6 Disponível em: < http://www.hias.ce.gov.br/index.php/categoria-4?cssfile=principal4.css>. Acesso
em: 09.11.2014
26
(PAVD), Núcleo de Apoio à Vida Infantil (NAVI) / Núcleo de Orientação e
Estimulação ao Lactente (NOEL), dentre outros.
Hoje, o Serviço Social do HIAS é composto por uma equipe de 31
profissionais que atua em vários setores na instituição, quais sejam: Ambulatório,
Internamento (atendimento aos blocos A, B, D1, F, D2, 3º e 4º andares) Serviço de
Pronto-atendimento (SPA) - Urgência e Emergência; nos programas ambulatoriais:
Núcleo de Orientação e Estimulação ao Lactente (Noel) / Núcleo de Assistência à
Vida Infantil (NAVI), na Coordenação e Onco-hematologia (CPC).
No ano 2000, inaugurou-se o Hospital Dia Peter Pan, caracterizado como
uma casa-hospital para tratamento humanizado do câncer infantil, nesse mesmo ano
é implantado o Centro de Referência em Diagnóstico do câncer infantil, ampliado e
transformado em 2010, no Centro Pediátrico do Câncer (CPC), um anexo do HIAS.
É interessante salientarmos que o CPC/HIAS possui uma parceria com a
Associação Peter Pan (APP), entidade sem fins lucrativos, sem caráter religioso ou
político que luta contra o câncer infanto-juvenil, mantida por meio de parcerias com o
poder público, empresas e sociedade, através de doações e trabalhos voluntários,
desenvolve ações que envolvem tratamento médico especializado, atendimento
humanizado, diagnóstico precoce por meio de projetos sociais7.
O HIAS é órgão de administração pública estadual e tem como missão: “[...]
prestar assistência terciária à criança e ao adolescente, de forma segura e
humanizada, sendo instituição de ensino e pesquisa” (HIAS, 2014).
Podemos considerar o HIAS como um dos maiores Hospitais de atendimento
infantil (pediatria) do Estado do Ceará pertence à Secretaria do Estado, referência
em atendimento de alta complexidade, que, segundo Paim (2009), são
procedimentos que envolvem alta tecnologia ou alto custo, objetivando propiciar à
população acesso aos serviços qualificados. Podemos citar como exemplos as
especialidades do HIAS: cirurgia cardíaca, neurológica, ortopédica e de deformidade
de lábio leporino e fissura palatal. É referência também no atendimento do câncer
infantil, além de dar atenção à saúde da criança relacionada às doenças
ocasionadas na infância.
_____________
7
Disponível em: <http://app.org.br/historia/>10 nov. 2014
27
Há 62 anos, o HIAS tem um importante papel em prestar assistência segura e
de qualidade, segundo as diretrizes do SUS, conforme estabelecido no Art. 1988 da
Constituição Federal do Brasil. É o único hospital infantil terciário do Estado que é
referência no atendimento a crianças e adolescentes com doenças graves e de alta
complexidade e reconhecido como instituição de ensino e pesquisa. Atualmente, o
HIAS é formado por 516 pediatras divididos em 28 especialidades médicas, além de
2.184 funcionários, entre servidores públicos e terceirizados. Em média, mais de 19
mil pacientes são atendidos por mês no hospital9.
2.3 Perfil das assistentes sociais entrevistadas
Nesse momento de explicitação do nosso objeto de estudo, é mister
esclarecermos previamente como se deram as entrevistas, as limitações e desafios
encontrados para a sua realização.
Após os trâmites de aprovação da pesquisa no Comitê de Ética do HIAS, o
contato inicial para agendamento das entrevistas foi feito com a coordenadora do
setor de Serviço Social, que nos foi bastante solícita e atenciosa durante todo o
processo de pesquisa no campo. A fim de planejarmos as ações da coleta de dados,
construímos um cronograma com dados das especificações das profissionais, cujo
formulário constava: nome, setor atuante, dias e horários dos plantões, telefone para
contato e data de agendamento da entrevista. O mesmo cronograma foi usado para
realização das observações participante.
Tendo como foco ainda os objetivos do presente estudo, definimos como
sujeitos de nossa pesquisa as assistentes sociais que atuam no HIAS.
Estabelecemos previamente como parâmetro a participação de pelos menos seis
assistentes sociais, sendo três profissionais veteranas e três profissionais novatas, e
pelo menos uma de cada grupo deveria ter especialização na área da saúde,
mestrado e/ou doutorado.
No que tange ao estabelecido no perfil previsto, não foi possível o
alcançarmos completamente, tendo em vista que a instituição só possui uma
_____________
8 Descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com
prioridade para as atividades preventivas; participação da comunidade. (BRASIL, 1988).
9 Disponível em: <http://intranet.hias.ce.gov.br/o-hias/>. Acesso em: 10.11.2014
28
profissional novata. Assim, além desta, entrevistamos cinco veteranas. Do grupo de
entrevistadas, três possuem especialização na área da saúde, conforme
estabelecemos.
Ao serem abordadas e convidadas a participarem do estudo, as profissionais
foram devidamente esclarecidas sobre os princípios éticos reguladores da pesquisa,
conforme estabelecido na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde
(CNS), que regulamenta pesquisas na área da saúde envolvendo seres humanos no
Brasil. Isto feito, todas assinaram o TCLE. Somente uma das seis convidadas
demonstrou
resistência
inicialmente;
contudo,
posteriormente
contribuiu
significativamente para a realização de nossa pesquisa.
A entrevista direcionada às profissionais foi pré-elaborada, contendo
questionamentos acerca da saúde, da “questão social” e da intervenção profissional,
conforme detalhamento no Apêndice.
As entrevistas aconteceram no mês de agosto, na sala de coordenação do
Serviço Social no HIAS e na sala do Serviço Social no terceiro andar do CPC.
Dispomos de gravador e celular para registro de áudio, bem como anotações em
diário de campo. As conversas tiveram uma duração média de trinta minutos a uma
hora. Como as entrevistas ocorreram durante o horário de trabalho, tivemos algumas
interrupções por parte de profissionais, usuários e, principalmente, telefone. Após
conclusão das entrevistas, estas foram transcritas fielmente, chegando a
aproximadamente cinquenta páginas, sistematizadas posteriormente para análise
embasada teoricamente.
A fim de traçarmos um perfil das profissionais entrevistadas, as mesmas
foram indagadas inicialmente acerca de alguns dados, tais como: nome, idade, ano
de formação, especialização, tempo de instituição e o vínculo empregatício. Os
dados foram pedidos para que pudéssemos identificar, embora de forma superficial,
o nível de formação profissional.
Todas as entrevistadas tratam-se de mulheres, assistentes sociais, com a
seguinte faixa etária: a primeira, 26 anos; a segunda, 35; a terceira não informou; a
quarta, 56; a quinta, 56 e, finalmente, a sexta, contando com 61 anos de idade. Os
anos de formação das mesmas são 2010, 2001, 1970, 1981, 1978 e 1979,
respectivamente. Das seis entrevistadas, somente uma é novata na instituição, com
apenas 3 meses. Identificamos ainda outra profissional com apenas 2 anos e 8
29
meses, e todas as demais já estão na unidade há bastante tempo. O vínculo
empregatício de todas é de servidora pública estadual, exceto a última contratada,
que tem o vínculo como terceirizada. Das seis, quatro possuem especialização,
sendo três destas na área da saúde. Os setores de atuação das entrevistadas são:
Ambulatório; Emergência; Internamento; Núcleo de Orientação e Estimulação ao
Lactente (Noel) / Núcleo de Assistência à Vida Infantil (Navi), e Onco-hematologia,
este último, no Centro Pediátrico do Câncer (CPC).
É importante esclarecermos que a identificação das entrevistadas ao longo
das análises se dará por nomenclaturas de flores (Íris, Tulipa, Violeta, Amarílis, Dália
e Girassol), para que assim possamos preservar suas identidades, conforme critério
estabelecido nos procedimentos éticos. Salientamos ainda, que as profissionais
deram seu consentimento para realização deste trabalho por meio do documento
TCLE.
Para melhor compreensão da realidade do espaço sócio-ocupacional
privilegiado que tivemos como campo de pesquisa, e sobre a atuação profissional na
área da saúde, buscamos apreender a partir das respostas obtidas como ocorrem as
intervenções profissionais realizadas no cotidiano do HIAS. As reflexões das
profissionais acerca de sua atuação comprovam em parte seu embasamento
teórico-metodológico em relação, sobretudo, ao campo da saúde, assim como da
Assistência Social10.
Em grande parte das indagações realizadas, percebemos que as respostas
dadas pelas entrevistadas foram semelhantes, havendo pequenas diferenças entre
uma e outra. As divergências nas perspectivas foram percebidas de forma mais
enfática nas análises das assistentes sociais que tiveram a sua formação após o ano
2000.
Sabemos que as pesquisas em si são sempre desafiantes aos seus
pesquisadores. Em se tratando de pesquisas relacionadas à atuação profissional, o
desafio se tona ainda maior. No caso — específico da categoria pesquisada —, as
profissionais do Serviço Social, torna-se não somente um desafio, mas uma
necessidade, considerando que após levantamento das pesquisas na Biblioteca do
_____________
10 A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL,
1993).
30
Centro de Estudos do HIAS, não localizamos nenhum estudo com a referida
temática. Logo, nossa finalidade de contribuir para futuras pesquisas como parte
constitutiva do exercício profissional do assistente social certamente será alcançada.
Assim, podemos antecipar que nosso estudo apresenta-se de grande relevância
social para a Instituição.
Dada a relevância desta dimensão, no próximo capítulo apresentamos os
caminhos trilhados pela saúde brasileira até a sua constituição como política de
direito, considerando seu conceito ampliado, que impactará de forma significativa na
intervenção profissional do assistente social na contemporaneidade.
31
3 SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL
3.1 Os caminhos e descaminhos trilhados pela saúde brasileira
Neste capítulo fazemos um breve resgate da trajetória da política de saúde no
Brasil em seus diferentes contextos: dos antecedentes da ação do Estado até a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), apresentando seus principais limites e
possibilidades, sua legislação e tendências atuais, bem como o Serviço Social e sua
inserção profissional na área da saúde, o Projeto de Reforma Sanitária e sua relação
com o Projeto Profissional do Serviço Social, a intervenção profissional do assistente
social nesta esfera, seu arcabouço jurídico-político no setor e os desafios da
categoria na área da saúde no atual contexto. Tudo isto levando em consideração o
conceito ampliado de saúde.
Para uma melhor compreensão dos caminhos tecidos pela organização da
saúde brasileira, consideramos relevante traçar alguns eixos históricos que
concorreram para a construção da política de saúde no país, evidenciados nas
análises de Bravo (2009):
No século XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na prática
liberal. No século XIX, em decorrência das transformações econômicas e
políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública. [...] nos
últimos anos do século, a questão saúde já aparece como reivindicação no
nascente movimento operário. [...] No início do século XX, surgem algumas
iniciativas de organização do setor de saúde, que serão aprofundadas a
partir de 30 (BRAVO, 2009, p. 90).
Numa retomada à organização sanitária no país antes da criação do Sistema
Único de Saúde (SUS), situamos, à luz de Paim (2009), que desde o Brasil Colônia
ao Império inexistia qualquer tipo de atenção à saúde. Com a vinda da família real,
no século XIX, iniciou-se uma intervenção mínima dos serviços de saúde. Ao final do
Império, a organização da saúde era rudimentar e centralizada, incapaz de
responder as epidemias e de assegurar a assistência aos doentes (PAIM, 2009, p.
27).
Destarte, compreendemos que nesse período não havia assistência médica
pública, havendo uma segregação social, tendo em vista que aqueles que
dispunham de recursos recorriam aos médicos particulares, ao passo em que o
32
atendimento aos mais pobres ficava por conta das casas de misericórdia, da
caridade e da filantropia.
É interessante resgatarmos os estudos de Ponte (2010), que demonstram que
a preocupação do Estado em intervir nos problemas sociais se fortaleceu devido ao
péssimo quadro de saúde que o país apresentava, com mortalidade elevada e a
presença de diversas doenças que poderiam comprometer a ordem econômica do
país.
País agroexportador, sua economia dependia quase que exclusivamente do
comércio externo, o que acabava por agravar ainda mais as consequências
do seu quadro sanitário, já que muitas companhias de navegação se
recusavam a estabelecer rotas que passassem pelos portos brasileiros.
Conhecido como túmulo dos estrangeiros, o país encontrava dificuldade
para atrair migrantes para as fazendas de café, carentes de mão de obra
desde o fim da escravidão. Herdeiro de um passado escravista e colonial, o
Brasil de então se via frente ao desafio de promover medidas capazes de
alterar suas condições de saúde e de acabar com as epidemias, tendo em
vista defender a vida de seus habitantes e a economia do país (PONTE,
2010, p. 49).
Com base nestas concepções, podemos perceber que no final do século XIX
a saúde no Brasil clamava por mudanças; as condições sanitárias eram lastimáveis,
ameaçando não apenas a economia, mas a vida da população brasileira.
Paim (2009) salienta que bem antes da existência do SUS, a organização dos
serviços de saúde no Brasil era bastante confusa. O que havia era um não sistema
que separava as ações de saúde pública e a assistência médica hospitalar. As
ações eram isoladas e voltadas para doenças específicas, em outras palavras, a
organização da saúde vivia em eixos separados:
[...] de um lado, as ações voltadas para a prevenção, o ambiente, a
coletividade, conhecidos como saúde pública; de outro, a saúde do
trabalhador, inserida no Ministério do Trabalho; e, ainda, as ações curativas
e individuais, integrando a medicina previdenciária e as modalidades de
assistência médica liberal, filantrópica e progressivamente, empresarial
(PAIM, 2009, p. 31).
Cabe salientarmos que a saúde emerge como “questão social” no Brasil no
início do século XX, no bojo da economia capitalista exportadora cafeeira, refletindo
a emergência do trabalho assalariado (BRAVO; PAULA, 1986 apud BRAVO, 2009).
Na mesma linha de pensamento, Paim (2009) afirma que nesse período, a saúde
33
despontava como “questão social”, ou seja, como um problema que não se restringe
ao indivíduo, passando a exigir respostas da sociedade e do poder público.
No alvorecer deste século, três grandes flagelos assolavam as principais
cidades do país: a varíola, a febre amarela e a peste bubônica (PONTE, 2010).
Nesse cenário, o Brasil e outros países buscaram desenvolver e aprofundar
pesquisas e estudos de novas técnicas de combate às doenças. Ocorreram
campanhas sanitárias lideradas por Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e outros, além de
um importante movimento pela mudança na organização sanitária, integrado por
diversas frações de classe; contudo, as ações eram pontuais e paliativas (PAIM,
2009).
De acordo com as discussões de BRAVO (2009), na década de 1920, do
Século XX, há tentativas de estender os serviços de saúde pública por todo o país
com a reforma Carlos Chagas (1923). Nesse período, são evidenciadas questões de
higiene e saúde do trabalhador. Esta conjuntura revela ações de proteção social,
marcando o início da Previdência Social no Brasil, que se deu com as Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs), conhecida como Lei Elói Chaves. Vinculadas a
grandes empresas, financiadas pela União, as CAPs forneciam serviços de
assistência médica aos trabalhadores assalariados, em troca de contribuições
mensais pelos empregados e empregadores. Estas caixas que se organizavam em
torno de categorias profissionais estratégicas para economia do país, como
ferroviários e marítimos, foram substituídas posteriormente pelos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs).
É interessante salientar que os “benefícios” previdenciários só foram
alcançados por categorias específicas e pelas grandes empresas. A maior parte dos
assalariados estava excluída, precisando recorrer à precariedade dos serviços
filantrópicos e públicos, aos profissionais liberais ou as formas de medicina popular
(BRAVO, 2013, p. 123).
Paim (2009) concorda ao afirmar que a saúde não estava vinculada à
condição de cidadania, pois somente os trabalhadores que estavam ligados ao
mercado de trabalho, com carteira assinada e contribuições pagas à previdência
social tinham garantido o direito à assistência médica. Cabia aos indivíduos a
responsabilidade de resolver seus problemas de doença e acidentes.
As transformações socioeconômicas e políticas ocorridas na década de 1930,
do Século XX, com o processo de industrialização e com a redefinição do papel do
34
Estado possibilitaram o surgimento de políticas
sociais em resposta às
reinvindicações da massa trabalhadora, que teve acelerado crescimento com
condições deploráveis de saúde, moradia e higiene. Em 1930 foi criado o Ministério
da Educação e Saúde, assim como organizada uma política de saúde a partir de
dois eixos, conforme nos ressalta Bravo (2009):
O subsetor de saúde pública e o de medicina previdenciária. O subsetor de
saúde pública será predominante até meados de 60 e se centralizará na
criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e,
restritamente, para as do campo. O subsetor de medicina previdenciária só
virá sobrepujar o de saúde publica a partir de 1966 (BRAVO, 2009, p. 91).
Notamos que o modelo de previdência implantado com os institutos era
limitado e desigual, visava ampliar o rol de categorias correspondentes, mas seu
interesse maior estava no acúmulo financeiro, servindo também como estratégia de
controle das classes trabalhadoras.
A partir de 1945, as mudanças de conjuntura mundial, devido ao fim da
Segunda Guerra, influenciaram no conceito de saúde elaborado em 1948 junto à
Organização Mundial de Saúde (OMS)11. Reconhecendo que a saúde não tem
somente implicação física e biológica, as influências das questões sociais e
econômicas passam a ser consideradas, de modo que a saúde passa a ser definida
como um completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de
doenças (BRAVO; MATOS, 2004 apud SARRETA, 2009).
O período demarcado entre 1945 e 1964, portanto, apresentou mudanças e
algumas melhorias nas condições sanitárias, contudo, não eliminou a situação de
doenças graves infecciosas e os altos índices de mortalidade. Com a ditadura militar
os problemas sociais se aprofundaram. O Estado repressivo ampliou a assistência,
objetivando amenizar as tensões de classe e legitimar o regime. Presenciamos,
nesse contexto, a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em
1966, unificando os antigos IAPs. A saúde pública declinou, ao passo em que a
medicina previdenciária cresceu, privilegiando a produção privada e excluindo
grande parte da população. No período compreendido entre 1974 a 1979, a política
_____________
11
O conceito da OMS, divulgado na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (desde então o Dia
Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na
promoção e proteção da saúde, diz que “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental
e social e não apenas a ausência de enfermidade”. SCLIAR, M. História do Conceito de Saúde.
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2007.
35
social objetivava efetivar o enfrentamento à “questão social”, a fim de conter as
pressões populares que se acirravam (BRAVO, 2009).
Nesse contexto, podemos constatar o desenvolvimento da saúde privatista,
comprovando a ineficácia do Estado que desprestigiou os serviços públicos,
priorizando o capital industrial da saúde privada:
Entre dirigentes e burocratas dos institutos, prevaleceu a opção de comprar
serviços médico-hospitalares do setor privado para os segurados da
previdência, ao invés de investir em serviços próprios, de modo a ampliar a
infraestrutura pública de serviços de saúde. Esta política, conhecida como
privatização, foi intensificada nos governos militares (PAIM, 2009, p. 34).
Paim (2009) nos descreve de maneira detalhada os desdobramentos dessa
política no país, caracterizando os tipos de medicina que surgiram: na medicina
liberal, o profissional tinha ampla autonomia, que foi reduzida com a ampliação dos
custos e substituída pela medicina empresarial, numa relação comercial de compra
e venda dos serviços. Paralela a essa medicina, permanecia a medicina filantrópica,
que além da liberação dos impostos e contribuições por parte do Estado, recebia
subsídios, investimentos públicos e pagamento por serviços prestados.
O desenvolvimento industrial fortaleceu a expansão da assistência médicohospitalar em detrimento da saúde pública, na segunda metade da década de 1960,
com a criação da medicina de grupo, atuais cooperativas médicas, que apresentou
grande crescimento na década de 1970. Do mesmo período até a década de 1980
foram se desenvolvendo as empresas de seguro saúde, vendendo planos de saúde
no mercado. O setor de saúde suplementar12, espaço de crescimento da saúde
privada no Brasil, constituiu-se de modalidades da medicina empresarial:
autogestão, medicina de grupo, cooperativas médicas e seguro saúde. Todas
baseadas no pré-pagamento, ao contrário da medicina liberal, que se caracteriza
pelo pagamento no ato do serviço (PAIM, 2009).
A seguir faremos uma abordagem acerca do Projeto de Reforma Sanitária,
apresentando suas premissas e resultados, que culminaram na criação do Sistema
_____________
12
A saúde suplementar é composta pelos serviços financiados pelos planos e seguros de saúde,
sendo predominante neste subsistema. Este possui um financiamento privado, mas com subsídios
públicos, gestão privada regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Os prestadores de
assistência são privados, credenciados pelos planos e seguros de saúde ou pelas cooperativas
médicas, serviços próprios dos planos e seguros de saúde, serviços conveniados ou contratados pelo
subsistema público, que são contratados pelas empresas de planos e seguros de saúde que fazem
parte de sua rede credenciada (BRASIL, 2007 apud PIETROBON et al 2008).
36
Único de Saúde (SUS), apresentando os principais limites, possibilidades e desafios
para sua efetivação.
3.2 O Projeto de Reforma Sanitária e a construção do SUS
Podemos inferir, mediante contexto apresentado no tópico anterior, que a
política de saúde no Brasil passou por várias modificações até meados de 1988,
justamente no momento em que a economia crescia o país enfrentava uma crise na
saúde:
Ao mesmo tempo em que acontece a ampliação das políticas sociais, no
regime militar autoritário, por um processo acelerado de privatização nos
setores de bem de consumo coletivo, como é o caso da saúde [...] a partir
de meados da década de 1970, o país assiste a um movimento de vários
setores da sociedade civil para a democratização da saúde (SARRETA,
2011, p. 144).
Nos anos 1980, processo de redemocratização política no Brasil, ocorreu a
construção do Projeto de Reforma Sanitária13, cuja preocupação principal foi a
concepção de um Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas
sociais e pela saúde. (BRAVO, 2013).
Para enfrentar os problemas e democratizar a saúde no Brasil, o movimento
foi organizado por segmentos populares, intelectuais, estudantes, partidos e
profissionais da saúde que propôs a Reforma Sanitária e a implantação do SUS. Ou
seja, foi um movimento que nasceu a partir da sociedade civil, que lutava para uma
mudança de estado ditatorial para democrático. Defendendo a democratização da
saúde e a reestruturação do sistema de serviços, com vistas à obtenção do direito
de cidadania.
A 8ª Conferência Nacional de Saúde14, ocorrida em 1986, configurou-se como
um marco na história da sociedade brasileira para a confirmação do SUS. Bravo
(2009) salienta em suas discussões que, neste evento, a questão da saúde
_____________
13
Como princípios deste projeto ressaltam-se: democratização do acesso, universalização das ações,
descentralização, melhoria da qualidade dos serviços com adoção de um novo modelo assistencial
pautado na integralidade e equidade das ações e a participação popular através de mecanismos
como os conselhos e conferências de saúde. Sua premissa básica consiste na saúde como direito de
todos e dever do Estado (BRAVO, 2013, p. 177).
14
Segundo Bravo (2012), a 8ª Conferência Nacional de Saúde é considerada como a pré-constituinte
da saúde, sendo a primeira com participação popular, contando com presença ampla de diversos
segmentos da sociedade civil, com o tema “Democracia e Saúde”, reuniu cerca de quatro mil e
quinhentas pessoas, significando o momento de sedimentação do projeto da Reforma Sanitária
brasileira, expresso no seu relatório final.
37
ultrapassou a análise setorial, referindo-se a sociedade como um todo, propondo
não apenas o Sistema Único, mas a Reforma Sanitária.
Falleiros e Lima (2010, p. 24) mencionam que os prestadores de serviços
privados foram os grandes ausentes nos debates travados nessa Conferência,
considerada o maior evento de discussão dos problemas enfrentados pela saúde
pública brasileira.
O relatório final do evento inspirou o capítulo ‘saúde’ da Constituição,
desdobrando-se posteriormente, nas leis orgânicas da saúde (8.080/90 e
8.142/90), que permitiram a implantação do SUS. Na medida em que essas
propostas nasceram da sociedade e alcançaram o poder público, mediante
a ação dos movimentos sociais e a criação de dispositivos legais, é possível
afirmar que o SUS representa uma conquista para o povo brasileiro (PAIM,
2009, p. 40).
Dessa forma, com a Constituição de 1988, a saúde passou a ser reconhecida
como um direito social, ou seja, inerente à condição de cidadania, cabendo ao poder
público a obrigação de garanti-lo. A partir de então, os serviços de saúde prestados
são remunerados pelo SUS e financiados pela sociedade por meio dos impostos e
contribuições. Constatamos também que o SUS foi conquistado, e que essa
conquista política e social pode ser atribuída a diversas lutas e esforços
empreendidos pelo movimento da Reforma Sanitária entre 1976 e 1988. Com essa
grande vitória, o país avançou significativamente em termos de direitos sociais,
frente à sua realidade historicamente desigual.
O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988
representou, no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos
direitos sociais em nosso país frente à grave crise e as demandas de
enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social. A Constituição
Federal introduziu avanços que buscaram corrigir as históricas injustiças
acumuladas secularmente, incapaz de universalizar direitos, tendo em vista
a longa tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes
(BRAVO, 2009, p. 97).
Com isto, fica perceptível tamanha relevância da Constituição de 1988 para o
Brasil, sobretudo no que tange à Seguridade Social nela contida, que compõe o tripé
Saúde, Assistência Social e Previdência Social, estabelecendo um sistema
abrangente,
que
assegura
direitos
universais,
configurando
um
passo
importantíssimo no processo de construção da cidadania ao conceber a assistência
social e a saúde como política universal e não contributiva.
38
Portanto, a saúde foi uma das áreas em que os avanços constitucionais foram
mais significativos. Certificada como “[...] um direito de todos e dever do Estado”
(BRASIL, 1988), as ações e serviços públicos passam a integrar uma rede
regionalizada e hierarquizada, constituindo o Sistema Único de Saúde (SUS),
organizado com diretrizes de descentralização, integralidade e participação15 (id.).
A partir de então, conforme salienta Bravo (2009), a mudança das práticas
institucionais foi realizada através de algumas medidas que visaram o fortalecimento
do setor público e a universalização do atendimento, a redução do papel do setor
privado na prestação de serviços, a descentralização política e administração do
processo decisório da política de saúde.
Como uma das proposições da Reforma Sanitária, o SUS foi regulamentado
em todo território nacional pela Lei Orgânica da Saúde16 (LOS), de n° 8.080/1990,
que compreende como dever do Estado garantir a saúde como direito fundamental
do ser humano, devendo prover as condições necessárias para tanto e sendo
responsável pela formulação e execução das políticas econômicas e sociais que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua proteção,
promoção e recuperação (BRASIL, 1990).
O SUS, segundo a LOS (Art. 4º), é definido como o conjunto de ações e
serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais,
municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder
Público. A iniciativa privada pode participar do SUS, em caráter complementar,
mediante contrato regido pelo direito público. Os serviços privados e filantrópicos
contratados funcionam como se públicos fossem.
No mesmo período da LOS, objetivando a sua complementação, foi
promulgada a Lei sobre a participação da comunidade na gestão do SUS (n°
_____________
15 Descentralização: É o processo de transferência de responsabilidade de gestão para os
municípios, atendendo as determinações constitucionais e legais que embasam o SUS, definidor de
atribuições comuns e competências específicas à União dos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios; Integralidade: O SUS deve oferecer a atenção necessária à saúde da população,
promovendo ações contínuas de prevenção e tratamento aos indivíduos e as comunidades, em
quaisquer níveis de complexidade; Participação: É um direito e um dever da sociedade participar das
gestões públicas em geral e da saúde pública em particular, assegurando a gestão comunitária do
SUS.
Fonte: O SUS no seu município: Garantindo saúde para todos. Disponível em:
<http://www.pmfi.pr.gov.br/ArquivosDB?idMidia=63581>. Acesso em: 05 set. 2014
16 Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências (BRASIL, 1990).
39
8.142/1990)17, que contará em cada esfera de governo com a Conferência de Saúde
e o Conselho de Saúde (BRASIL, 1990). Dispõe sobre o papel e a participação da
comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências de recursos financeiros
nas esferas de governo.
Assim, a saúde passou a ser legitimada como direito por meio desses
dispositivos legais que a regulamentam no plano jurídico como política. Todavia,
Bravo (2009) defende que essas medidas pouco impactaram na melhoria das
condições de saúde da população, pois a sua operacionalização não ocorreu.
Apontando para além dos limites estruturais, as forças progressistas comprometidas
com a Reforma Sanitária passaram, a partir de 1988, a perder espaços na aliança
política, bem como no interior dos aparelhos institucionais.
Todo o caminho traçado pela política de saúde no Brasil e todo o arcabouço
jurídico construído para o setor até aqui revelam importantes passos para a sua
consolidação enquanto direito social, mas carregam também grandes limitações e
muitos desafios.
Logo após a Constituição, as políticas sociais enfrentam inúmeros
rebatimentos da política neoliberal, resultando numa série de determinações
políticas, econômicas e sociais. Nas quais, o processo de mudança da RSB, passa a
ser negado na prática pela continuidade de um sistema socialmente injusto (LIMA;
OLIVEIRA, 2012).
Na década de 1990, a afirmação da hegemonia neoliberal influencia no papel
do Estado, que se desvia de suas funções básicas ao ampliar sua presença no setor
produtivo, se tornando promotor e regulador, e transferindo suas atividades para o
setor privado. (BRAVO, 2009, p. 100).
Com a afirmação das contrareformas de cunho neoliberal, o projeto do grande
capital objetiva a defesa do processo de privatização, a mercantilização da saúde, a
ampliação do assistencialismo e a constituição do cidadão consumidor (CFESS,
2010). Este processo é caracterizado por pela privatização do patrimônio público,
barateamento da força de trabalho, precarização das políticas públicas e o corte nos
gastos sociais.
_____________
17
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre
as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências (BRASIL, 1990).
40
Constatamos a partir disso que o neoliberalismo, objetivando ampliar o
mercado e a privatização, reduzindo sua intervenção e flexibilizando as relações de
trabalho tem sido responsável pela redução dos direitos sociais, pelo desemprego
em massa, precarização do trabalho, sucateamento da saúde, entre outras
problemáticas. Isso acarreta, portanto, na desconstrução da proposta de política de
saúde construída nos anos 1980.
Bravo (2009) aponta algumas questões que comprometeram a possibilidade
do avanço do SUS como política social: o desrespeito ao princípio da equidade na
alocação de recursos públicos pela não unificação dos orçamentos federal,
estaduais e municipais; e o afastamento do princípio da integralidade, priorizando a
assistência médico-hospitalar em detrimento das ações de promoção e proteção da
saúde. A proposta de reforma, ou contrarreforma do Estado para o setor de saúde,
era de separar o SUS em dois: o hospitalar e o básico.
Diante do exposto, o Estado só deve intervir com o intuito de garantir um
mínimo para aliviar a pobreza e produzir serviços que os privados não podem ou
não querem produzir [...]. “Portanto, o neoliberalismo opõe-se radicalmente à
universalidade, igualdade e gratuidade dos serviços sociais”. (LAURELL, 1997 apud
LIMA & OLIVEIRA, 2012, p. 93).
Sustenta Sarreta (2011) que a criação do SUS representou importantes
mudanças de caráter institucional, pois a organização da saúde no Brasil, durante a
década de 1990, trouxe grandes inovações decorrentes do processo de
descentralização. Entretanto, o fortalecimento da política econômica neoliberal
manteve a continuidade das desigualdades no acesso aos bens e serviços públicos,
como a saúde. A crise econômica, junto com mudanças políticas e econômicas,
chocou-se com os direitos afirmados na Constituição. Observa-se, assim, que estes
acontecimentos causaram uma filosofia destoante aos direitos sociais e trabalhistas
garantidos legalmente, mas distanciados no plano prático.
O que se observou nesse quadro, apesar das declarações oficiais de adesão
ao SUS, foi o descumprimento dos dispositivos legais e uma omissão do governo na
regulamentação e fiscalização das ações de saúde em geral. Nesse cenário,
presenciamos dois projetos em tensão: o projeto de reforma sanitária, já explicitado
41
anteriormente, e o projeto de saúde articulado ao mercado ou privatista 18,
caracterizado como:
[...] a reatualização do modelo médico-assistencial privatista, está pautado
na política de Ajuste, que tem como principais tendências a contenção dos
gastos com racionalização da oferta e a descentralização com isenção de
responsabilidade do poder central. A tarefa do Estado, nesse projeto,
consiste em garantir um mínimo aos que não podem pagar, ficando para o
setor privado o atendimento dos que têm acesso ao mercado (BRAVO,
2009, p. 101).
Percebemos que a universalidade do direito à saúde que fundamenta o SUS
tem gerado conflitos e provocado resistência àqueles que são favoráveis ao projeto
de saúde voltado para o mercado, e que através desse projeto o SUS “universal” só
ocorre no âmbito da realidade daqueles mais pobres.
Bravo (2009) afirma tal colocação quando chama a atenção para o
distanciamento entre a proposta do movimento sanitário e a realidade que
vivenciamos no SUS, que acabou por se consolidar como espaço destinado aos que
não têm acesso aos subsistemas privados, como parte de um sistema segmentado.
Estabelecendo relações desiguais e contraditórias no acesso à saúde. A partir disso,
a autora infere:
O Projeto de Reforma Sanitária está perdendo a disputa para o Projeto
voltado para o mercado. Os valores solidários que pautaram as formulações
da concepção de Seguridade Social, inscrita na Constituição de 1988, estão
sendo substituídos pelos valores individualistas que fortalecem a
consolidação do SUS para os pobres e a segmentação do sistema (BRAVO,
2009, p. 107).
Desse modo, os valores são distorcidos, o individualismo e o espírito de
concorrência são cada vez mais evidenciados, apresentando grandes contradições
entre o que está posto legalmente na política de saúde e a realidade frente ao seu
acesso como direito universal.
O SUS é um projeto inovador, a despeito de está sendo gerado dentro de
uma estrutura obsoleta, centralizada e marcada por profundas desigualdades
sociais, econômicas e culturais.
_____________
18
Suas principais propostas são: caráter focalizado para atender as populações vulneráveis através
do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado,
descentralização dos serviços ao nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao
financiamento (COSTA, 1997 apud BRAVO, 2009).
42
Destarte, percebemos que a realidade enfrentada pelo SUS são problemas
que envolvem o acesso e a qualidade do atendimento e comprometem o modelo de
atenção proposto, bem como a sua legitimidade, comprovando que as expressões
da “questão social” na área da saúde revelam-se nestas contradições e nas
desigualdades sociais.
Mesmo assim, os avanços empreendidos com a criação desse sistema são
incontestáveis ao se analisar o aparato jurídico-legal que institucionalizou o
SUS com seus princípios e diretrizes inovadores, que incentivam a
cidadania e a democracia. Além disso, o SUS proporcionou o acesso às
camadas da população até então desprovidas de direito. Tal avanço o
transformou numa das politicas públicas brasileiras de maior amplitude
(OLIVEIRA, 2006 apud LIMA; OLIVEIRA, 2012, p. 94).
Os resultados alcançados pelos SUS são realmente inegáveis; contudo,
persistem os problemas a serem enfrentados para que sua consolidação seja
efetivada, os grandes desafios19 envolvidos são: o desafio da universalidade, o
desafio do financiamento, o desafio do modelo institucional, o desafio da gestão do
trabalho, e o desafio da participação social (CONASS, 2006).
Bravo (2009) assegura que a construção da democracia é o único caminho
para se alcançar a Reforma Sanitária, bem como a mobilização política como
estratégia. Na saúde, a grande bandeira é a luta para o fortalecimento e
consolidação do Projeto de Reforma Sanitária.
As discussões apresentadas acima foram de suma importância para
retomarmos um pouco sobre o processo histórico de constituição da Saúde no
Brasil, política pública vista como um direito social universal, destacando suas
características principais, seus avanços e recuos, pois não podemos deixar de
reconhecer em todo esse movimento as grandes tensões e limitações que se
apresentam e desafiam cotidianamente a sua implementação.
A partir do próximo ponto, iremos desenvolver uma reflexão sobre o Serviço
Social e sua inserção profissional na área da Saúde. Discutiremos a relação entre o
Projeto de Reforma Sanitária e o Projeto Ético-político do Serviço Social.
Abordaremos de forma sucinta a intervenção profissional do assistente social, bem
como,
o
seu
arcabouço
jurídico-político
nesta
esfera.
De
posse
dessa
_____________
19
Ver detalhes em BRASIL. Conselho Nacional de Secretários da Saúde. SUS: avanços e desafios.
Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
43
fundamentação, pretendemos refletir sobre os desafios hoje postos à categoria para
efetivação da saúde enquanto direito social.
3.3 Serviço Social e saúde no contexto atual
A partir do cenário exposto anteriormente, podemos perceber que o Serviço
Social brasileiro tem uma participação ativa e efetiva na defesa da saúde enquanto
direito social e do SUS como política pública, universal e integral.
Imprescindível considerarmos que o trabalho do profissional do Serviço Social
será diretamente impactado nessa nova configuração da política de saúde no que
tange às condições de trabalho, à formação profissional e influências teóricas e
ampliação da demanda. Amplia-se o trabalho precarizado e os profissionais são
chamados a amenizar a situação da pobreza [...] (CFESS, 2010, p. 21).
Para uma análise do Serviço Social no âmbito da Saúde no atual contexto é
necessário recuperarmos os avanços e recuos ocorridos na profissão a partir da
década de 1980, período que demarca o início da maturidade da tendência
hegemônica – intenção de ruptura20 – e a real interlocução com a tradição marxista.
Contudo, na saúde:
[...] os avanços conquistados pela profissão no exercício profissional são
considerados insuficientes, pois o Serviço Social chega à década de 1990
ainda com uma incipiente alteração do trabalho institucional, continua
enquanto categoria desarticulada do Movimento de Reforma Sanitária, e
insuficiente produção sobre as demandas postas à prática em saúde.
(BRAVO, 1996 apud CFESS, 2010, p. 23).
Nesta década, o Serviço Social parecia ter uma conjuntura favorável para
desenvolver práticas que respondessem a este novo momento da profissão, mas se
deparou com a consolidação e êxito ideológico do projeto neoliberal no Brasil, que
vem de encontro ao projeto profissional hegemônico do Serviço social e com o
projeto da Reforma Sanitária (KRUGER, 2010).
_____________
20
A perspectiva de “intenção de ruptura” do projeto de formação profissional do Serviço Social pode
ser caracterizada como um movimento de ideias que visa à renovação da profissão, objetivando
romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e práticoprofissionais (NETTO, 2001).
44
Diante desse contexto, identifica-se que os dois projetos políticos em disputa
na área da saúde passam a apresentar diferentes demandas para a profissão.
Conforme pontua Bravo (1996):
O projeto privatista vem requisitando ao assistente social, entre outras
demandas, a seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial
por meio de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de
saúde, assistencialismo por meio da ideologia do favor e predomínio de
práticas individuais. Entretanto, o projeto de reforma sanitária, vem
apresentando como demandas que o assistente social trabalhe as seguintes
questões: democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde;
estratégias de aproximação das unidades de saúde com a realidade;
trabalho interdisciplinar; ênfase nas abordagens grupais; acesso
democrático às informações e estímulo à participação popular. (BRAVO,
1996 apud CFESS, 2010, p. 23).
Diante das requisições apresentadas, fica perceptível a relação existente
entre o projeto ético-político e o projeto de reforma sanitária, sobretudo no tocante
aos seus grandes eixos: principais aportes e referências teóricas, formação
profissional e princípios. Os dois projetos são construídos durante o processo de
redemocratização da sociedade brasileira e ambos se consolidam nos anos de
1980. Não podemos deixar de mencionar a luta em defesa da efetivação dos direitos
sociais e da saúde em específico nos dois projetos.
Sarreta (2008) concorda quando aponta em seus estudos que as proposições
enunciadas no projeto ético-político do Serviço Social, materializadas no Código de
Ética de 1993, convergem e refletem o movimento da Reforma Sanitária brasileira,
visando efetivar a universalidade do acesso à saúde por meio de políticas públicas
efetivas. Sua implementação destina-se a amenizar as diferenças e injustiças
instaladas na sociedade e considerar mecanismos que permitam ampliar as
possibilidades de acesso aos bens e serviços produzidos. São enunciados de
princípios e diretrizes para a construção de relações com base na liberdade, na
supressão da alienação, das formas de exploração, dominação e para a participação
ativa dos sujeitos sociais.
Matos (2013), sob outra ótica, assinala que embora sejam distintos, uma vez
que o Projeto Ético-Político do Serviço Social é de uma corporação profissional e o
da Reforma Sanitária um projeto de política social que se materializa como um
serviço, ambos possuem uma nítida vinculação a um projeto societário não
capitalista, apontando para a superação do sistema vigente.
45
Interessa-nos aqui refletir, diante das considerações expostas, acerca da
inserção do profissional de Serviço Social na Saúde, considerando que neste
cenário encontram-se inúmeras razões para que sua ação e intervenção profissional
sejam pautadas de forma a tensionar a política social vigente em direção aos
propósitos da reforma sanitária e do projeto ético-político da profissão.
O Serviço Social se legitima na saúde a partir das contradições da política de
saúde. É nas lacunas ocasionadas pela não efetivação do SUS que o assistente
social vem sendo demandado a intervir, e desta forma, constituindo o elo invisível do
SUS (COSTA, 2000 apud MATOS, 2013).
As premissas para a intervenção profissional em saúde assentam-se em três
pilares21: necessidades sociais em saúde; direito à saúde e produção da saúde
(KRUGER, 2010, p. 223).
A profissão vem produzindo conhecimentos e alternativas para enfrentar as
dificuldades vivenciadas no cotidiano, provocando o alargamento da prática
profissional, que, associada à produção de conhecimentos e à qualificação
profissional, tem ampliado a inserção do profissional na área da saúde e, ao mesmo
tempo, vem legitimando o trabalho e ampliando as possibilidades de acesso e de
inclusão social. Assim, compreende-se que:
[...] cabe ao Serviço Social – numa ação necessariamente articulada com
outros segmentos que defendem o aprofundamento do SUS – formular
estratégias que busquem reforçar ou criar experiências nos serviços de
saúde que efetivem o direito social à saúde, atentando que o trabalho do
assistente social que queira ter como norte o projeto ético-político
profissional, tem de, necessariamente, estar articulado ao projeto de
reforma sanitária (MATOS, 2003; BRAVO; MATOS, 2004 apud CFESS,
2010, p. 28).
Nessa conjuntura, as entidades do Serviço Social têm por desafio articular
com os demais profissionais de saúde e movimentos sociais em defesa do projeto
de Reforma Sanitária. Considerando que as transformações estruturais nas políticas
sociais, e na saúde em particular, só serão efetivadas através de um amplo
movimento de massas que questione a cultura política da crise gestada pelo capital
_____________
21 Ver melhor caracterização dos três pilares em MIOTO, R.C.T; NOGUEIRA, V.M.R. Serviço Social
e Saúde – desafios intelectuais e operativos. In: SER Social, Brasília, v. 11, n. 25, p. 221-243,
jul./dez.2009.
46
e que lute pela ampliação da democracia numa dimensão econômica, política e
cultural (CFESS, 2010).
Para Behring e Boschetti (2006), refletir a dimensão de produção e
reprodução das políticas sociais é também um dos desafios a serem enfrentados,
para que o assistente social atue também como um sujeito articulador do processo
organizativo. Desvendando os mecanismos postos pelo ideário neoliberal, seu
funcionamento, sua complexidade e contradições, o assistente social direciona seu
trabalho na busca de estratégias que fortaleçam a saúde como direito universal.
Considera-se que o Código de Ética do Assistente apresenta ferramentas
essenciais para a atuação profissional na esfera da saúde em todas as suas
dimensões. Pensar e realizar uma prática crítica e competente do Serviço Social na
área da saúde consiste em: estar articulado e sintonizado ao movimento dos
trabalhadores e de usuários que lutam pela real efetivação do SUS; conhecer as
condições de vida e trabalho dos usuários, bem como os determinantes sociais que
interferem no processo saúde-doença; facilitar o acesso de todo e qualquer usuário
aos serviços de saúde da instituição e da rede de serviços e direitos sociais; buscar
a necessária atuação em equipe, tendo em vista a interdisciplinaridade. (CFESS,
2010).
É
indispensável
salientarmos
ainda
os
dois
grandes
pilares
que
regulamentam e legitimam a profissão, conferem as atribuições e competências dos
profissionais, na saúde ou em outro espaço sócio-ocupacional: a Lei de
Regulamentação da Profissão de Assistente Social (Lei no. 8.662/93) e o Código de
Ética do Assistente Social (Resolução CFESS N. 273/93), que apresentam seus
direitos e deveres, bem como os princípios fundamentais22 e os valores que
orientam e norteiam o exercício profissional, e sua relação com usuários,
_____________
22 Reconhecimento da liberdade como valor ético central; defesa intransigente dos direitos humanos;
ampliação e consolidação da cidadania, com vista à garantia de direitos civis, sociais e políticos das
classes trabalhadoras; defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização política e da
riqueza socialmente produzida; posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como
sua gestão democrática; empenho na eliminação de todas as formas de preconceito; garantia do
pluralismo, por meio do respeito às correntes teóricas, e compromisso com o constante
aprimoramento intelectual; opção por um projeto vinculado ao processo de construção de uma nova
ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero; articulação com os
movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste código e com a luta
geral dos trabalhadores; compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional e exercício do Serviço Social
sem discriminação (CFESS, 2012).
47
profissionais, entidades da categoria e instituições empregadoras. Requisitando,
com base na referida Lei, algumas competências gerais, fundamentais à
compreensão do contexto sócio-histórico em que se situa a intervenção profissional:
[...] compreensão do significado social da profissão e de seu
desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional,
desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; - identificação
das demandas presentes na sociedade, visando formular respostas
profissionais para o enfrentamento da questão social, considerando as
novas articulações entre o público e o privado (ABEPPSS, 1966 apud
CFESS, 2010, p. 33).
Junto aos instrumentos legais já citados, que delimitam atribuições e
competências do assistente social, não podemos esquecer-nos de salientar a
publicação de um importante documento específico na área da saúde denominado
Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde, pelo
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS – (2010). O referido documento, como
seu próprio título denuncia, tem por finalidade referenciar a intervenção profissional
do assistente social na saúde, com o objetivo de fortalecer a prática na direção dos
Projetos de Reforma Sanitária e Ético-Político Profissional, imprimindo maior
qualidade ao atendimento prestado à população usuária.
Os assistentes sociais na saúde atuam em quatro grandes eixos 23 que devem
ser compreendidos de forma articulada, numa concepção de totalidade: atendimento
direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação,
planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional (CFESS,
2010).
No que tange à intervenção profissional do assistente social na saúde,
Vasconcelos (2009) nos faz importantes considerações. No interior dos espaços
sócio-ocupacionais neste âmbito, os assistentes sociais seguem uma lógica de
organização de seu trabalho a partir de plantão ou plantão e programas.
Esta autora critica essa maneira de organização do Serviço Social na saúde e
a postura dos profissionais de se colocarem passivos, submissos, dependentes e
subalternos às rotinas institucionais e as solicitações da direção, dos demais
profissionais e dos serviços de saúde, aceitando como únicas as demandas dos
_____________
23
O Documento Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde (CFESS,
2010) explicita as principais ações desenvolvidas pelo assistente social nesses quatro eixos.
48
usuários, o que acabam por resultar numa concepção passiva das demandas
direcionadas ao Serviço Social, o que determinará a qualidade de seu trabalho. Essa
organização através de plantão é caracterizada por Vasconcelos (2009, p. 246) da
seguinte maneira:
O plantão se caracteriza por ser uma atividade de qualquer demanda da
unidade/usuários; funciona na maioria das vezes em locais precários quanto
ao tamanho, localização e instalação. Assim, um ou mais assistentes
sociais, num mesmo espaço físico, aguardam serem procurados – de
forma passiva – por usuários que buscam espontaneamente ou são
encaminhados ao plantão do Serviço Social (VASCONCELOS 2009, p.
246, grifos da autora).
O plantão faz parte de qualquer unidade de saúde e constitui-se como ponto
de referência para a realização de trabalho com os internados e seus familiares.
Neste plantão, o usuário é recebido, ouvido e encaminhado para recursos internos
ou externos. Assim, o plantão não se constitui, num serviço ou uma atividade
pensada, planejada, organizada, reduzindo-se as ações isoladas para resolver os
problemas dos usuários (VASCONCELOS, 2009).
Destarte, a autora defende que a prática do assistente social reduz-se a uma
prática burocrática, não assistencial, que objetiva dificultar e inviabilizar o acesso
dos usuários aos serviços e recursos enquanto direito social. Vasconcelos nos
coloca ainda, que as demandas manifestadas são consideradas individuais, ou seja,
não são consideradas coletivas por que são apresentadas individualmente.
Sustentando ainda que os assistentes sociais negam o caráter coletivo dessas
demandas, que são coletivas, sobretudo, por que só coletivamente poderão ser
enfrentadas.
O grande desafio colocado por Vasconcelos (2009) está na apropriação de
uma perspectiva teórico-metodológica, capaz de gerar condições para um exercício
profissional crítico, criativo e politizante, de acordo com os valores preconizados no
Código de Ética Profissional de 1993.
Ao analisar criticamente o enfrentamento das desigualdades sociais e o
direcionamento das políticas públicas para a construção da saúde como direito, o
assistente social pode contribuir efetivamente na criação e implementação de
políticas e programas que apresentem mecanismos, procedimentos e ações para o
49
acesso à saúde e às instituições, e assim, aos bens e serviços produzidos pela
sociedade. (IAMAMOTO, 2012; BRAVO, 2006).
A partir dessa abordagem teórica, principalmente a defendida por Bravo
(2009), podemos observar que o assistente social dispõe de atribuições específicas
na área da saúde, o que constitui um instrumento importante na construção de
estratégias para o exercício profissional e na busca de alternativas visando ao
atendimento das necessidades sociais apresentadas pelos usuários nos serviços de
saúde.
Assim, a realidade enfrentada na saúde, a partir da desconstrução dos
direitos assegurados na legislação, deve levar o assistente social a refletir e buscar
novos caminhos para a conquista do direito universal à saúde. Para que em suas
intervenções profissionais, possa alcançar os recursos e as soluções necessárias
para garantia da saúde enquanto direito social. Trabalhando com essas questões,
estará contribuindo para a construção da integralidade da saúde do usuário, que
consiste em atendê-lo na sua totalidade, pois este faz parte de um contexto
histórico, social, econômico e político.
3.4 O conceito ampliado de Saúde e o Serviço Social
Para uma melhor compreensão da saúde, faz-se necessário conhecermos o
seu amplo significado, construído historicamente de acordo com cada conjuntura
social, cultural, econômica e política.
Paim (2009) nos apresenta três dimensões da saúde: Estado vital, que
corresponde ao modo de levar a vida; um setor produtivo da economia onde se
produzem ações de saúde, bens e serviços; e uma área do saber, a partir da
produção de conhecimento. Entretanto, a saúde tem sido reconhecida como o
completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença.
Conforme se referem Falleiros e Lima (2010, P. 242):
[...] depois inscrita na Constituição Federal de 1988; resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, e
acesso aos serviços de saúde (FALLEIROS; LIMA, 2010, P. 242).
Esse conceito de saúde na Constituição de 1988 e na Lei nº 8.080/1990,
ressalta as expressões da “questão social”, ao apontar que “[...] a saúde é um direito
50
de todos e dever do Estado, garantido mediantes políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(BRASIL, 1988) e indicar como fatores determinantes e condicionantes de saúde,
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio-ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e
econômica do país. (Lei nº 80.080/1990, artigo 3º).
Arouca (1987 apud KRUGER, 2010) abarca essa dimensão social quando
confere um significado abrangente afirmando que a saúde:
[...] não é simplesmente não estar doente, é mais: é um bem estar social, é
o direito ao trabalho, a um salário condigno, é o direito a ter água, à
vestimenta, à educação, e até, a informação sobre como se pode dominar o
mundo e transformá-lo. É ter direito a um meio ambiente que não seja
agressivo, mas que, pelo contrário, permita a existência de uma vida digna
e decente; a um sistema, político que respeite a livre opinião, a livre
possibilidade de organização e de autodeterminação de um povo. É não
estar todo tempo submetido ao medo da violência, tanto daquela violência
resultante da miséria, que é o roubo, o ataque, como a violência de um
governo contra seu próprio povo, para que sejam mantidos os interesses
que não sejam os do povo (AROUCA, 1987, p. 36 apud KRUGER, 2010).
Percebemos, assim, a saúde compreendida como um conjunto de fatores
sociais, com sua compreensão mais ampla, expressando seus determinantes
sociais, tendo em vista que está diretamente relacionada com as condições de vida
e trabalho da sociedade, articulando e sofrendo as determinações de sua lógica e
estrutura.
O conceito da saúde é mencionado por Carvalho e Buss (2013) como uma
complexa produção social, em que os resultados para o bem-estar da humanidade
são cada vez mais o fruto de decisões políticas incidentes sobre os seus
determinantes sociais.
Navarro (1983 apud BRAVO, 2013, p.20) considera que a medicina reproduz
a ideologia do sistema capitalista, pautada no individualismo, quando os
profissionais reduzem os determinantes das enfermidades (que são, na sua origem,
sociais) a uma categoria individual e o tipo de intervenção é orientado basicamente
para o “doente”.
51
Diante desse reconhecimento, percebemos que na contemporaneidade a
profissão
do
assistente
social,
assim
como
a
saúde,
vêm
avançando
significativamente. O Conselho Nacional de Saúde (CNS), através da Resolução nº
218/1997, reconheceu o assistente social como um dos treze profissionais da saúde
de nível superior. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), através da
Resolução 383/1999, reafirma o assistente social como profissional de saúde,
considerando seu conceito que amplia a compreensão da relação saúde-doença
como decorrência das condições de vida e de trabalho na própria formação do
assistente social e no seu compromisso ético-político expresso no Código de Ética
da profissão.
Ao defender essa concepção de saúde, o movimento de reforma sanitária
salientou a importância da determinação social sustentada nas categorias de
trabalho e reprodução social da vida. Nessa concepção são fundamentais o contexto
e as condições sociais que impactam o processo saúde-doença (CFESS, 2010, p.
38).
Dessa forma, é por meio do reconhecimento das determinações sociais que
impactam a saúde que a política de saúde brasileira em muito alargou o espaço de
atuação de vários profissionais da saúde, entre eles, o do assistente social.
O modelo de atenção à saúde, construído pelo movimento sanitário, pautado
nesta concepção ampliada de saúde e postulando o paradigma da determinação
social como estruturantes do processo saúde-doença, constituem-se num terreno
extremamente fértil para o Serviço Social (MIOTO; NOGUEIRA, 2009).
Ao reconhecer a saúde como resultado das condições econômicas, políticas,
sociais, culturais, o Serviço Social passa a fazer parte do conjunto de profissões
necessárias à identificação e análise dos fatores que intervém no processo
saúde/doença.
Cumpre observar que hoje, no Brasil, o Serviço Social integra o rol das
profissões de saúde, sendo reconhecido tanto no plano legal como através da
legitimação social das suas ações profissionais. Isso decorre da ampliação do
conceito de saúde, incorporando sua dimensão social e, consequentemente, a
exigência da proteção social em saúde (MIOTO; NOGUEIRA, 2009, p. 223).
Assim, devemos considerar a totalidade na qual o indivíduo está inserido
socialmente, constituída em seus aspectos culturais, econômicos e políticos. É
também extremamente relevante considerarmos a perspectiva da saúde como
52
produção social, conforme nos esclarece Paim (2009), ao afirmar que a saúde tem
fatores determinantes e condicionantes, expressos na organização social e
econômica do país, indicando uma concepção que ultrapassa as dimensões
biológicas da saúde dos indivíduos e da coletividade, alcançando uma dimensão
social que adota seu conceito de modo ampliado. Conforme especificado no artigo
3º da LOS.
Daí o reconhecimento do Assistente social enquanto profissional necessário
para atuar na área da saúde para poder compreender esta outra dimensão que
determina a saúde ou a falta desta, numa dimensão de totalidade, que vai muito
além da dimensão biológica.
As condições de vida da população usuária, como a pauperização, a velhice,
a ausência de vínculos familiares têm sido “problemas” para os serviços de saúde.
Neles, a “resposta” a esses “problemas” tem sido encarada como responsabilidade
exclusiva do Serviço Social (MATOS, 2013, p. 65).
Portanto, o objetivo da profissão na área da saúde passa por essa
compreensão dos determinantes sociais, econômicos e culturais que interferem no
processo saúde-doença, na busca de estratégias político-institucionais para o
enfrentamento da “questão social”.
O reconhecimento da questão social como objeto de intervenção profissional
(conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS, 1996) demanda
uma atuação profissional em uma perspectiva totalizante, baseada na identificação
das determinações sociais, econômicas e culturais das desigualdades sociais. A
intervenção orientada por esta perspectiva teórico-política pressupõe: leitura crítica
da realidade e capacidade de identificação das condições materiais de vida,
identificação das respostas existentes no âmbito do Estado e da sociedade civil,
reconhecimento e fortalecimento dos espaços e formas de luta e organização dos
trabalhadores em defesa dos seus direitos; formulação e construção coletiva, em
conjunto com os trabalhadores, de estratégias políticas e técnicas para modificação
da realidade e formulação de formas sobre o Estado, com vistas a garantir os
recursos financeiros, materiais, técnicos, e humanos necessários à garantia de
direitos (CFESS, 2010, p. 33).
O debate sobre o trabalho do assistente social na saúde deve ser
aprofundado com outros sujeitos profissionais, a partir do que caracteriza a
53
intervenção, mas também resgatando essa dimensão do conceito ampliado de
saúde, que deve ser considerado em sua totalidade.
4 QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL
4.1 A “questão social” e suas concepções: um debate necessário
Visamos neste capítulo problematizar diferentes concepções da “questão
social”, apresentando um breve resgate acerca de seu entendimento e enfretamento
no contexto do liberalismo clássico ao neoliberalismo, bem como o conceito adotado
pelo Serviço Social, tendo esta enquanto objeto da intervenção profissional. Ainda
neste capítulo final apresentamos os resultados dos dados obtidos por meio das
entrevistas realizadas com seis das assistentes sociais que atuam no HIAS/CPC,
com o objetivo de condensar uma análise dos principais aspectos percebidos nas
falas das profissionais, com ênfase naqueles que mais se aproximam do objeto de
nossa pesquisa.
A “questão social” é considerada numa perspectiva de reunir os problemas
que atingem a sociedade num determinado contexto histórico. Indissociável a
intervenção profissional do assistente social, por constituir-se como objeto da
profissão. Isto posto, consideramos de extrema relevância buscarmos compreender
a sua concepção em diferentes contextos até os dias de hoje.
Durante muito tempo a “questão social” esteve relacionada à “disfunção” ou
ameaça de alguns indivíduos a ordem social. Seu reconhecimento se deu na
segunda metade do século XIX, com a emergência da classe operária e seu
ingresso no cenário politico, na luta por direitos sociais (IAMAMOTO, 2012).
A expressão foi cunhada em meados 1930, vista como ameaça a luta de
classes no âmbito do poder. Os argumentos construídos por Iamamoto centralizamse nas análises de Marx sobre o processo de acumulação capitalista e das
consequências deste em relação à classe trabalhadora, ou seja, se expressa nas
contradições entre capital e trabalho. Logo, a “questão social” é apreendida por
Iamamoto (2012, p. 27) como sendo:
O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a
54
apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma
parte da sociedade (IAMAMOTO, 2012, p. 27).
Portanto, a “questão social” expressa as contradições do Modo de Produção
Capitalista (MCP). Contradições estas fundadas na produção (pelos trabalhadores) e
apropriação (pelos capitalistas) da riqueza produzida socialmente e na exploração
de uma classe sobre a outra.
A fim de melhor condensarmos a nossa discussão, julgamos interessante
traçar, à luz de Montaño (2012), um breve resgate da concepção e enfrentamento da
“questão social” do liberalismo clássico ao neoliberalismo.
No contexto do capitalismo concorrencial do século XIX, a expressão
"questão social" começa a ser empregada maciçamente a partir da separação
positivista, no pensamento conservador, entre o econômico e o social, dissociando
as questões tipicamente econômicas das "questões sociais" (NETTO, 2001, p. 42
apud MONTAÑO, 2012).
Dessa forma, o social era visto de forma naturalizada e a-histórico,
desarticulado dos fenômenos econômicos e políticos da sociedade. Logo, se a
problemática social não tinha seus fundamentos na estrutura socioeconômica, seu
enfrentamento também não passaria pela lógica de transformação do sistema.
Começa-se a se pensar então a "questão social", a miséria, a pobreza, e
todas as manifestações delas, não como resultado da exploração
econômica, mas como fenômenos autônomos e de responsabilidade
individual ou coletiva dos setores por elas atingidos. A "questão social",
portanto, passa a ser concebida como "questões" isoladas, e ainda como
fenômenos naturais ou produzidos pelo comportamento dos sujeitos que os
padecem (MONTAÑO, 2012, p. 272).
Refletindo sobre esse cenário, o autor nos assinala que a “questão social” e
suas causas estariam vinculadas a pelo menos três elementos, numa perspectiva
individual, sendo eles: déficit educativo; problema de planejamento e problema de
ordem moral-comportamental.
Acrescenta-se a essa “cultura da pobreza”, o fato de o indivíduo ser sempre
culpabilizado pelas suas condições de vida e pobreza, e o seu enfrentamento é
desenvolvido por meio de ações filantrópicas.
Assim, o tratamento das chamadas ‘questões sociais’ passa a ser
segmentado (separado por tipo de problemas, por grupo populacional, por
território), filantrópico (orientado segundo os valores da filantropia
burguesa), moralizador (procurando alterar os aspectos morais do indivíduo)
55
e comportamental (considerando a pobreza e as manifestações da “questão
social” como um problema que se expressa em comportamentos, a solução
passa por alterar tais comportamentos) (NETTO, 2001, p. 47 apud
MONTAÑO, 2012).
A partir de então, a saída para a resolução das chamadas “questões sociais”,
estaria na filantropia e na educação dos indivíduos.
Em meados 1834, no contexto de lutas de classes trabalhistas, começa-se a
entender a lei dos pobres24 como a fonte da situação do pauperismo inglês, que
estaria estimulando a miséria e suas causas. Assim, ao invés de ser tratada como
ações filantrópicas e assistenciais, a pobreza passa a ser reprimida e castigada. A
beneficência e os abrigos passam a ser substituídos pela repressão. A ideológica
expressão de “marginal” começa a adquirir uma conotação de “criminalidade”. O
pobre, aqui identificado como marginal, passa a ser visto como ameaça à ordem
(MONTAÑO, 2012, p. 273).
Diante do exposto, a “questão social” passa a ser entendida de modo
separado dos fundamentos econômicos, a pobreza é atribuída a causas individuais
e psicológicas e o seu enfrentamento se dá através da repressão e reclusão dos
pobres.
No contexto do capitalismo monopolista (final do século XIX até o final da
década de 30 do século XX), o Estado assume tarefas e funções essenciais para
nova fase de acumulação e inibição-institucionalização dos conflitos sociais da
classe trabalhadora.
Aqui a “questão social” passa a ser como que internalizada na ordem social.
Não mais como um problema meramente oriundo do indivíduo, mas como
consequência do ainda insuficiente desenvolvimento social e econômico (ou
do subdesenvolvimento). Assim, a “questão social” passa de ser um “caso
de polícia” para a esfera da política (de uma “política” reduzida à gestão
administrativa dos “problemas sociais” e seu enfrentamento institucional),
passa a ser tratada de forma segmentada, mas sistemática, mediante as
políticas sociais estatais (NETTO, 1992 apud MONTAÑO, 2012, p. 275).
A partir dessa perspectiva, a pobreza e a miséria, expressões da “questão
social” passam a ser entendidas como um problema de distribuição do mercado,
_____________
24
Na Inglaterra, promulgase a Lei dos Pobres (Poor Law), em 1601, que “[...] instituía um aparato
oficial, centrado nas paróquias, destinado a amparar trabalhadores pobres, sob o auspício da taxa
dos pobres” (cf. DUAYER; MEDEIROS, 2003, p. 241; MARTINELLI, 1991, p. 33 e 55 apud
MONTAÑO, 2012).
56
como um descompasso na relação oferta/demanda de bens e serviços 25. Com isso,
o Estado passa a absorver parte do excedente e redistribuí-lo mediante políticas
sociais.
Na conjuntura aqui expressa, cabe salientarmos, mediante as reflexões de
Montaño (2012), as características adquiridas da “questão social” e seu
enfrentamento: passa a ser considerada como um produto do sistema capitalista,
concepção que ainda conserva seu tratamento segmentado. A pobreza passa a ser
considerada como um problema de distribuição; assim, o seu tratamento passa a ser
um processo de redistribuição, mediante políticas e serviços sociais.
No atual contexto neoliberal, supõe a manutenção de uma ação mínima do
Estado na área social, focalizada e precária, com programas de combate a fome e a
miséria, financiados, inclusive, por impostos e por ações filantrópicas do terceiro
setor26.
Assim, a atual estratégia neoliberal de “enfrentamento” da pobreza orientase, segundo Montaño (2002),
[...] numa tripla ação. Por um lado, a ação estatal, as políticas sociais do
Estado, orientadas para a população mais pobre (cidadão usuário); ações
focalizadas, precarizadas, regionalizadas e passíveis de clientelismo. Por
outro lado, a ação mercantil, desenvolvida pela empresa capitalista, dirigida
à população consumidora, com capacidade de compra (cidadão cliente),
tornando os serviços sociais mercadorias lucrativas. Finalmente, a ação do
chamado “terceiro setor”, ou da chamada sociedade civil (organizada ou
não), orientada para a população não atendida nos casos anteriores,
desenvolvendo uma intervenção filantrópica (MONTAÑO (2002 apud
MONTAÑO, 2012, p. 277).
Como retrata o autor, no MPC, a pobreza é resultado da acumulação privada
de capital, mediante a exploração da força de trabalho, que gera as desigualdades
_____________
25
O problema de distribuição estaria vinculado a um déficit de demanda efetiva (por bens e serviços)
no mercado, criado pela sobreoferta de força de trabalho não absorvida pela esfera produtiva. Isto é,
com o desenvolvimento das forças produtivas (ou, na interpretação keynesiana, em função do ainda
insuficiente desenvolvimento), um contingente da população fica excluído do mercado de trabalho, e
ao não poder vender sua força de trabalho, não tem fonte de renda que lhe permita adquirir no
mercado bens e serviços. Para enfrentar esse hiato, segundo Keynes, o Estado deve passar a intervir
em dois sentidos: (a) responder a algumas necessidades (carências) demandas dessa população
carente; (b) criar as condições para a produção e o consumo, incentivando a uma contenção do
desemprego ou uma transferência de renda (seguridade social e políticas sociais). Promove-se o
chamado “círculo virtuoso” fordista-keynesiano. (MONTAÑO, 2012, p. 275).
26 Montaño (2010, p. 186) define o chamado “terceiro setor” numa perspectiva crítica e de totalidade,
refere-se a um fenômeno real, ao mesmo tempo inserido e produto da reestruturação do capital,
pautado nos (ou funcional aos) princípios neoliberais: um novo padrão (nova modalidade, fundamento
e responsabilidades) para a função social de resposta à “questão social”, seguindo os valores da
solidariedade local, da autoajuda e da ajuda mútua.
57
sociais. A partir dessas concepções, uma caracterização histórico-crítica da “questão
social”, deve considera-la, como:
[...] fenômeno próprio do MPC, constitui‑se da relação capital‑trabalho a
partir do processo produtivo, suas contradições de interesses e suas formas
de enfrentamento e lutas de classes. Expressa a relação entre as classes (e
seu antagonismo de interesses) conformadas a partir do lugar que ocupam
e o papel que desempenham os sujeitos no processo produtivo
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 82‑98 apud MONTAÑO, 2012).
Não contraditória a esta concepção, temos a afirmação de Iamamoto e
Carvalho (2012):
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2012, p. 84).
Com base nestas concepções, percebemos que a “questão social” traz à tona
as necessidades do Estado intervir nas relações entre o empresariado e a classe
trabalhadora, gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um
novo tipo de enfrentamento à “questão social”. Dessa forma, as condições de vida e
trabalho já não podem ser desconsideradas no processo de formulação das políticas
sociais.
Contudo, no cenário neoliberal a lógica que passa a presidir a política social é
a da privatização seletiva dos serviços sociais. Presenciamos o desmonte das
politicas sociais públicas. O projeto neoliberal subordina os direitos sociais à lógica
orçamentária, à política social e à política econômica (IAMAMOTO, 2012, p. 149).
Para a autora, as transformações societárias têm repercutido diretamente nas
políticas públicas de proteção social e no surgimento de novas configurações da
“questão social” no cenário brasileiro, a partir da década de 1970. Diante desse
quadro, a “questão social” sofre alterações e apresenta particularidades e
especificidades para a sociedade brasileira no quadro contemporâneo.
As novas condições históricas metamorfoseiam a “questão social” inerente ao
processo de acumulação capitalista, adensando-a de novas determinações e
relações sociais. Neste sentido, a “questão social” é mais do que as expressões de
pobreza, miséria e “exclusão”. Condensa a banalização do humano, a subordinação
58
da sociabilidade humana às coisas. Retrata um desenvolvimento econômico que se
traduz como barbárie social (IAMAMOTO, 2012).
Ao considerar a “questão social” como sendo inerente as desigualdades
sociais, econômicas, políticas e culturais oriundas do sistema capitalista e ao
embate político a favor dos direitos sociais, tensionados numa arena de disputas, a
autora defende que a “questão social” não se trata de um fenômeno recente, típico
do esgotamento dos chamados trinta anos gloriosos da expansão do capital,
defendendo, pois, que na contemporaneidade há uma “velha questão social”, inscrita
na própria natureza das relações capitalistas, mas que assume inéditas expressões.
Para Netto (2001), também inexiste qualquer “nova questão social”, e sim:
A emergência de novas expressões da ‘questão social’ que é insuprimível
sem a supressão da ordem do capital. A dinâmica societária específica
dessa ordem não só põe e repõe os corolários da exploração que a constitui
medularmente: a cada novo estágio de seu desenvolvimento, ela instaura
expressões
sócio-humanas
diferenciadas
e
mais
complexas,
correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão de ser
(NETTO, 2001, p.48).
Concordando com os autores ora referenciados, temos a concepção de
Montaño (2012, p. 281):
[...] não há novidade (a não ser nas formas e dimensões que assume) na
‘questão social’ na atualidade. As análises que tratam de uma suposta ‘nova
questão social’, de uma ‘nova pobreza’, dos ‘novos excluídos sociais’,
constituem abordagens que se sustentam na desvinculação da ‘questão
social’ e de suas manifestações (pobreza, carências, subalternidade cultural
etc.) dos seus verdadeiros fundamentos: a exploração do trabalho pelo
capital. E estes fundamentos permanecem (e permanecerão enquanto a
ordem capitalista estiver de pé) inalterados (MONTAÑO, 2012, p. 281).
Dessa forma, é que o crescimento da força de trabalho é estimulado pelas
mesmas razões que a força expansiva do capital, expressando a lei da acumulação
capitalista, resultante do aperfeiçoamento dos meios de produção e do
desenvolvimento da produtividade mais rápido do que a população trabalhadora
produtiva, que cresce mais rapidamente do que a necessidade de seu emprego.
Gerando uma superpopulação, que segundo Iamamoto (2012), não são os “inúteis
para o mundo” referidos por Castel, e sim os supérfluos para o capital, que no
período da Revolução Industrial foram atribuídos como exército industrial de reserva.
Há autores que defendem a existência da “nova questão social”, como Robert
Castel e Pierre Rosanvallon, partindo da premissa de que as transformações
59
ocorridas no sistema capitalista contemporâneo rompem com o período capitalista
industrial e com a “questão social” emergida no século XIX, na Europa Ocidental,
com o surgimento do pauperismo. A partir disso, entram em cena “novos sujeitos”,
“novos usuários” e consequentemente, “novas necessidades”, ou seja, o Estado
deve responder de forma inovadora.
O crescimento do desemprego e o aparecimento de novas formas de pobreza
estariam indicando o surgimento da “nova questão social” e o esgotamento do modo
de proteção baseado no risco coletivo devido a não adaptação dos velhos métodos
de gestão social à nova realidade. (ROSANVALLON, 1995 apud PASTORINI, 2007).
Robert Castel (2000) compreende que a “questão social” dizia respeito ao
pauperismo da classe trabalhadora no início do século XIX, e o trabalho assalariado
visto como algo ameaçador a ordem societária. Apesar disso, afirma que a “questão
social” vem se metamorfoseando com o decorrer da história, e a necessidade de
compreendê-la a partir de outro paradigma está na configuração da sociedade
salarial27, que tem sofrido muitas transformações. A sociedade salarial passou a
manter a vida do trabalhador através de um sistema de proteção, de garantias e de
direitos, mas não foi suficiente para acabar com a desigualdade social.
A partir das inúmeras mudanças sociais, econômicas e políticas na sociedade
contemporânea Castel (2000) também vem referir-se a uma “nova questão social”,
onde a dicotomia entre capital e trabalho defendida por Iamamoto, não serviria mais
como parâmetro central na análise da “questão social”, isto é, a perspectiva
sociológica apresenta como ameaça a ordem e a coesão social; provém de uma
gestão inadequada, sendo consequência da crise do Estado Social.
O autor também questiona se as relações salariais ainda podem estar no
centro da análise da “questão social”, afirmando que o trabalho perde espaço no
tocante a essa dimensão de centralidade. Todos os benefícios vinculados ao
trabalho perdem sua legitimidade: uma desmontagem do sistema de proteção,
desestabilização da ordem do trabalho. Enfim, situações que repercutem na vida
social, para além do trabalho. Afirmações evidenciadas na sua fala:
A nova social, hoje, parece ser o questionamento dessa função integradora
do trabalho na sociedade. Uma desmontagem desse sistema de proteções
_____________
27
Robert Castel (1996, p. 235) denomina a sociedade salarial como uma sociedade na qual a maioria
dos sujeitos sociais têm sua inserção social relacionada ao lugar que ocupam no salariado, ou seja,
não somente sua renda, mas também seu status, sua proteção, sua identidade.
60
e garantias que foram vinculadas ao emprego e uma desestabilização,
primeiramente da ordem do trabalho, que repercute como uma espécie de
choque em diferentes setores da vida social, para além do mundo do
trabalho propriamente dito (CASTEL, 1996, p. 232).
Afirmando em suas análises que o mundo do trabalho se transformou e a
“questão social” também, não podendo ser mais explicada pelos mesmos
paradigmas clássicos. Para enfrentar a “questão social” são necessários novos
métodos, percebendo que o Estado não poderá dar mais conta desta.
Não obstante, embasamos os nossos estudos nas análises de Antunes
(2006) sobre as metamorfoses e centralidade do trabalho ao afirmar que, enquanto
perdurar o modo de produção capitalista, não se pode concretizar a eliminação do
trabalho como fonte criadora de valor. Ou seja, não é possível pensarmos uma
sociedade produtora de mercadorias sem as relações de trabalho, o que ocorre é
que estas sofreram diversas transformações com a dinamicidade social na
contemporaneidade. Nas palavras do autor “[...] nem o operariado desaparecerá tão
rapidamente, e o que é fundamental, não é possível perspectivar, nem mesmo num
universo distante, nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-dotrabalho”. (ANTUNES, 2006, p. 62). Assim, sustentamos que o trabalho permanece
no centro de análise da “questão social”.
Embora estejamos diante de um grande debate travado atualmente sobre a
“questão social”, a partir das transformações ocorridas no interior da sociedade
capitalista, sustentamos que a gênese da “questão social” permanece a mesma: a
contradição inerente ao sistema capitalista e a exploração de uma classe social
sobre a outra, concordando com as análises de Iamamoto (2012), Netto (2001) e
Montaño (2012) de que hoje se presencia uma renovação da “velha questão social”
sob outras roupagens e novas condições na sociedade contemporânea, que
aprofunda as suas contradições, isto é, aquela que se expressa nas desigualdades
sociais geradas pelo sistema capitalista, nascida no caráter coletivo de produção,
nas relações e nas condições de trabalho e para compreendê-la é necessário
entender as relações de trabalho alienado.
Em seu enfretamento, a “questão social” deve ser amenizada pela defesa das
necessidades dos trabalhadores, onde o Estado deve implantar políticas sociais
universais voltadas aos interesses daqueles, na busca por uma democratização
econômica, política e cultural, tendo em vista que a “questão social” expressa essas
61
dessemelhanças nas classes sociais por meio das relações de gênero, etnia e
formações regionais, pautando as relações entre os vastos segmentos sociais.
Discorrer sobre as diferentes posições acerca da “questão social” é de suma
importância para o melhor entendimento desse processo sócio histórico em nossa
sociedade. Cabe enfatizar que os problemas sociais são um contínuo, e antecedem
o capitalismo, mas existe nesse contexto, uma relação de interdependência entre
ambos, ao mesmo tempo em que a “questão social” contribui para as
transformações do capitalismo, este influencia nas formas através das quais a
“questão social” se configura em nossa sociedade.
De posse da concepção de “questão social”, aqui debatida minimamente,
buscaremos no próximo item, fomentar uma reflexão acerca da “questão social”, e
sua relação com o Serviço Social, tendo aquela enquanto objeto de intervenção
profissional do assistente social.
4.2 “Questão social” e sua relação com o Serviço Social
Em meados dos anos 1980 do século XX, observa-se a emergência de
discussões que abordam a relação entre o Serviço Social e a “questão social”, tendo
como marco a publicação da obra Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, em
1982, cuja autoria é composta por Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho (MOTA,
2008). A obra concretiza a primeira aproximação rigorosa da profissão ao legado
marxiano.
A maturidade teórico-metodológica e ético-política apropriada pela categoria
por meio da obra marxiana e aprimorada com as produções teóricas do Serviço
Social Brasil, forneceu elementos e fundamentos para a construção do projeto
profissional na década de 1990, que introduziu um processo de discussões acerca
da temática “questão social”, sobretudo, pela nova lógica curricular aprovada pela
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), que se tornou
posteriormente na Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de Serviço Social
(ABEPSS).
Nesse contexto, foram estruturadas as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Serviço Social (ABESS/CEDEPSS, 1996), nas quais a “questão social” é posta como
62
eixo fundante da profissão e articulador dos conteúdos da formação profissional que
deve ter em vista a formulação de respostas profissionais para o seu enfrentamento.
Para Machado (1999), o Serviço Social é uma profissão legitimada
socialmente, que possui uma função social, e ainda assim, mantém historicamente,
o dilema da especificidade profissional. Tal especificidade é dada pelo objeto
profissional.
No Brasil, o objeto do Serviço Social tem sido historicamente circunscrito considerando-se as conjunturas sociais, políticas, econômicas e culturais - de
acordo com as perspectivas teórico-ideológicas que norteiam a intervenção
profissional do assistente social. O objeto do Serviço Social pode ser definido como
“questão social”, e/ou as suas expressões. Ainda segundo a ABESS (1996),
O assistente social convive diariamente com as mais amplas expressões da
‘questão social’, matéria-prima de seu trabalho. Confronta-se com as
manifestações mais dramáticas dos processos sociais ao nível dos
indivíduos sociais, seja em sua vida individual, seja em sua vida coletiva
(ABESS, 1996, p.154-155).
Percebemos que a intervenção profissional do assistente social frente às
refrações da “questão social”, enquanto seu objeto de trabalho perpassa o cotidiano
social dos indivíduos, contemplando todas as esferas da sua vida, sejam elas
individuais ou coletivas, dadas as desigualdades e contradições sociais.
E como toda categoria arrancada do real, nós não vemos a “questão social”,
vemos suas expressões: o desemprego, o analfabetismo, a fome, a falta de leitos
em hospitais, a violência etc. (MACHADO, 1999, p. 43).
Destarte, torna-se substancial a inserção da intervenção do Serviço Social no
âmbito das desigualdades sociais, ou, mais precisamente, nas expressões da
“questão social”, esta sendo considerada também como sinônimo de rebeldia:
Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais
variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos a experimentam
no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social
etc. Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por
envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elas se resistem e se
opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da
rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados
nesse terreno movidos por interesses sociais distintos, aos quais não é
possível abstrair ou deles fugir por que tecem a vida em sociedade
(IAMAMOTO, 2012, p. 28).
63
Desvelou-se o caráter social da intervenção profissional e o aspecto da luta
de classe nos processos em que se inseriam os assistentes sociais. Portanto,
compreendemos que a saúde, em sua concepção ampliada, é uma das refrações da
“questão social”.
A questão social se manifesta de diferentes formas. Por isso é importante o
estudo de situações concretas. Assim, pode-se dizer que a saúde apresenta
particularidades que necessitam ser desveladas. Desta forma, compreender os
determinantes sociais na saúde e seus rebatimentos torna-se fundamental no
exercício profissional (MATOS, 2013).
Portanto, a intervenção profissional do assistente social na saúde deve ser
pautada num conjunto de ações que possibilite o atendimento efetivo das refrações
da “questão social” que refletem na saúde. Contudo, a efetivação dos direitos sociais
dependerá essencialmente das condições estruturais das políticas públicas
implementadas na realidade do sistema vigente.
Assim, esta intervenção profissional seria realizada por meio de ações
complementares e indissociáveis, que apresentem a dimensão de totalidade na
análise dos determinantes sociais da saúde dos usuários. Ou seja, é necessário
entendermos que a necessidade da saúde vai além do tratamento médico, é preciso
analisar o indivíduo em suas necessidades humanas, em sua totalidade:
alimentação, habitação, trabalho, saúde, segurança, e educação.
E a saída para a real consolidação dos direitos e uma possível transformação
social está nas lutas de classes e na superação do sistema vigente, conforme
assinala Montaño (2012, p. 281):
Só as lutas de classes, e a mudança na correlação de forças sociais,
poderão reverter esse processo histórico, confirmando e ampliando
conquistas e direitos trabalhistas, políticos e sociais, e superando a ordem
do capital. As políticas sociais e direitos sociais representam também
conquistas dos trabalhadores, que podem diminuir, mas jamais eliminar as
desigualdades sociais (MONTAÑO, 2012, p. 281).
Partindo dessas afirmações, entendemos que a “questão social” deve ser
situada como uma “problemática” que, no universo do Serviço Social, designa um
conjunto de questões reveladoras das condições sociais, culturais e econômicas em
que vivem as classes trabalhadoras na sociedade capitalista.
64
Não se trata mais de procurar identidades, especificidades ou métodos
próprios, mas de adensar a discussão em torno de questões que possibilitem
particularizar a profissão no conjunto das práticas sociais, refinando a sua
capacidade de conhecer, analisar e transformar o real – e, neste adensamento, o
trato forte da questão social é um objeto inarredável (MOTA, 2008, p. 37).
A mesma autora ressalva que a formação profissional deve se voltar para
uma rigorosa qualificação no que tange ao tratamento da “questão social”
considerando que esta dá concretude ao Serviço Social.
[...] é precisamente aqui que ganham relevo as dificuldades e tensões que
perpassam a intervenção sociopolítica através da atividade profissional,
posto que a divisão social do trabalho medeia a relação do Serviço Social
com os instrumentos e formas institucionais de enfrentamento da questão
social. A tensão entre intervenções políticas mediatas e horizonte éticopolítico se reflete na cultura profissional e aponta para a necessidade de
fortalecermos o núcleo teórico, estratégico e político da nossa profissão.
(MOTA, 2008, p. 51).
A profissão de Serviço Social não se explica por si mesma senão a partir de
sua inserção na sociedade. Sendo assim, no que tange ao enfrentamento da
“questão social” que condensa a intervenção profissional, como já discutido
anteriormente, o desafio posto está no conhecimento adquirido por meio do
aperfeiçoamento teórico-metodológico contínuo, bem como, na postura ético-política
em consonância com o Código de ética da profissão, tendo em vista seu
fortalecimento e materialização.
O profissional do Serviço Social defronta-se no âmbito da saúde com as
múltiplas expressões da “questão social”, como a violência, a pobreza, o
desemprego, a falta de acesso à educação, à saúde, à habitação e muitas outras.
Faremos uma análise das expressões da “questão social” mais frequentes, e suas
formas de enfrentamento materializadas na realidade de nosso campo de pesquisa
no tópico a seguir.
4.3 Saúde e “questão social”: a intervenção profissional do assistente social
no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS)
O reconhecimento da “questão social” como objeto da intervenção profissional
do assistente social, demanda uma atuação numa perspectiva totalizante, baseada
65
na
identificação
dos
determinantes
sociais,
culturais
e
econômicos
das
desigualdades sociais.
Um dos grandes conflitos enfrentados pelos assistentes sociais é trabalhar
demandas, exigências imediatas – a dor, o sofrimento, a falta de tudo, a iminência
da
morte,
as
faltas
de
condições
de
trabalho,
as
condições
de
vida
(VASCONCELOS, 2012, p. 23).
Esses conflitos se materializam nas demandas dirigidas ao Serviço Social
apresentadas pelos usuários e profissionais no cotidiano do HIAS. Demandas que,
em sua maioria, consistem numa dimensão assistencial/emergencial, geralmente
estão relacionadas ao funcionamento dos serviços prestados pela unidade de saúde
e/ou a doença em si, problemas associados à rotina hospitalar, numa intervenção
socioassistencial, no sentido de viabilizar o acesso aos direitos, e dessa forma,
minimizar as expressões da “questão social” intrínsecas ao fazer profissional.
Das atividades desempenhadas elencadas pelas profissionais entrevistadas,
podemos destacar: acolhimento e acompanhamento da admissão até a alta;
entrevista social, na admissão, pós-admissão, readmissão e alta, visando traçar
perfil socioeconômico da família e possíveis riscos sociais; orientação quanto aos
deveres do acompanhante e dos pais, quanto aos direitos sociais da criança e da
família e quanto às normas do hospital; anamnese social; encaminhamento à rede
socioassistencial (PSF, CRAS, CAPS, BPC, Casas de Apoio); acompanhamento e
monitoramento da freqüência do paciente ao tratamento; reunião com usuários;
demandas espontâneas; registro nos prontuários; visitas aos leitos; disponibilização
de vales transportes e refeições; orientações para lidar com doenças; orientação
sobre tratamento; visita domiciliar; mediação de conflitos; participação na
comunicação do óbito; declaração de atendimento realizado/comparecimento na
unidade; agilização de atendimento na emergência; reclamações diversas;
orientação previdenciária; documentação; localização das famílias de pacientes
internados; providências quanto à violência contra criança; cadastramento;
coordenação do Serviço Social; estatísticas; supervisão de alunos, entre outras.
Das demandas acima remetidas ao profissional do Serviço Social, merece
relevo a participação na comunicação ou comunicação de óbito. Uma das demandas
dirigidas historicamente ao Serviço Social, que causa controvérsia no interior da
categoria devido ao seu componente burocrático, mas nem sempre os assistentes
66
sociais conseguem se desvencilhar e/ou lidar com essas demandas na direção dos
interesses do usuário (VASCONCELOS, 2012, p. 176).
Na realidade do HIAS, por vezes ocorre, mesmo que indiretamente, de a
assistente social participar da comunicação do óbito, e até chegar a conduzir a
comunicação aos familiares, ainda que, excepcionalmente, como menciona Dália:
Nós fazemos a primeira abordagem com a família, quem deve comunicar é
o médico, mas às vezes ele não comunica, é papel médico, por que a
família tem o direito de saber a causa, o porquê. Quando é que a gente
comunica? O paciente é do interior, a mãe tá lá e a criança tá aqui, aí não
tem como a gente aguardar ela chegar, por que os trâmites ela tem que
resolver do interior, a questão do caixão, a questão do translado, ela tem
que providenciar, como se não bastasse toda a questão do sofrimento,
então isso aí a gente não tem como, tem que realmente informar, apesar de
que a gente pede até para algum familiar, pra dar a noticia. A gente tenta
ver realmente essa questão da orientação, do que fazer, do como fazer,
viabilizar o acesso, em relação ao óbito (DÁLIA).
Para orientação aos profissionais, o Conselho Regional de Assistentes
Sociais da 7ª região/RJ promulgou a resolução 49/96, que versa sobre a
participação dos assistentes sociais na comunicação de óbito28. Nela consta em seu
Artigo
I
que
não
é
competência
do
assistente
social
comunicar
óbito
(VASCONCELOS, 2012, p. 176). No depoimento acima, Dália manifesta o seu
conhecimento quando afirma que a comunicação do óbito não é papel do assistente
social, e sim do médico, pelo direito a informação que tem o usuário, contudo, em
determinadas situações faz-se necessária à sua intervenção.
Segundo o CRESS, em situações de óbito cabe ao assistente social, de
acordo com o seu conhecimento e sua autonomia técnica, identificar os casos em
que deve prestar aos familiares, amigos e responsáveis o apoio necessário para o
enfrentamento da situação, e, fundamentalmente, esclarecer a respeito dos
benefícios e direitos referentes à situação de óbito e previstos no aparato normativo
e legal vigente, tais como relacionados à previdência social, ao trabalho (licenças) e
a seguros sociais (DPVAT), entre outras garantias de direitos. O apoio à família, bem
como os trâmites burocráticos necessários após a comunicação do óbito, fica
perceptível na análise de Girassol:
_____________
28
De acordo com o documento Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de
Saúde, umas das ações de articulação com a equipe de saúde, é a convocação do responsável para
informar sobre óbito e a comunicação do óbito, ou seja, essa ação deve ser realizada em conjunto
com a equipe de saúde (médico, psicólogo e outros). (CFESS, 2010).
67
Também tem a questão do óbito, que a gente chega muito presente, ao lado
das mães, elas procuram o apoio do Serviço Social. Quando o paciente vai
a óbito, a gente toma conhecimento, eles procuram logo o Serviço Social, o
médico, normalmente é na UTI, a gente vai, e fica lá com a família, dando
aquele apoio, fica só ao lado delas! Eu pelo menos não digo nada! Eu deixo
ela e a dor dela, respeito o momento dela, deixo sentir, e trago pra sala.
Quando eles melhoram mais, e tem condições de falar, aí a gente toma as
providências [...] (GIRASSOL).
Dos quatro eixos de atuação do assistente social apresentados no documento
Parâmetros Para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde, sendo eles:
atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social;
investigação,
planejamento
e
gestão;
assessoria,
qualificação
e formação
profissional (CFESS, 2010). Destacam-se, nas ações desenvolvidas pelo Serviço
Social no HIAS, o atendimento aos usuários por meio de ações socioassistenciais,
ações de articulação interdisciplinar e as ações socioeducativas.
Das ações de articulação com a equipe de saúde, frente às condições de
trabalho e/ou a falta de conhecimento das competências dos assistentes sociais,
têm historicamente requisitado a eles várias demandas que não os competem, tais
como comunicação de óbito, já explicitado mais acima, como também marcação de
consultas. Esta última ação pode ser identificada palavras de Tulipa:
Dia de quinta-feira eu fico sozinha na minha sala, por que a minha
atendente vai dar assistência à equipe médica que está atendendo ao
fissurado, então chega um paciente novo, um recém-nascido, a mãe com a
criança que a acabou de nascer fissurada, e ela chega pra eu, fazer
cadastro, fazer toda a explicação do atendimento. Então, se eu for me fixar,
pura e simplesmente, na minha função de assistente social, esse paciente
vai sair daqui sem uma consulta agendada. Por que eu como assistente
social não posso marcar consulta. Entendeu? Então assim, como a minha
atendente não ta, eu faço! Eu tenho minha agenda, eu pego as vagas, que
é disponível naquele momento, e eu anoto o nome dele, e ela depois
transcreve para o livro de consultas. Então, é isso que eu to dizendo, eu não
gosto desse estreitamento, aí eu vou fazer só a minha função de assistente
social, eu vou cadastrar, vou orientar essa mãe, explicá-la como é o fluxo de
atendimento, falar um pouco sobre a questão da fissura [...] vou encaminhar
pra fono, vou fazer tudo! Mas, eu não vou marcar consulta, por que não é
minha função? Então ela vai embora, sem uma consulta agendada, então,
eu não trabalho dessa forma! Agora o que é que eu acho importante, é você
ter consciência de que você precisa fazer algumas mudanças, e eu acho
que é possível [...] (TULIPA).
Tulipa nos declarou conhecer e reconhecer a importância do documento que
parametriza a atuação profissional na saúde, afirmando que ele possibilitou o
68
conhecimento e a identificação de inúmeras atividades realizadas pelo Serviço
Social que não faz parte de sua função, como por exemplo, marcação de consulta,
ilustrado por ela anteriormente. A profissional sustenta que não se opõe à realização
da ação eventualmente, para não violar o direito do usuário ao acesso à saúde por
meio do atendimento agendado.
Das ações socioassistenciais expostas no referido documento, foi possível
visualizarmos no cotidiano profissional das assistentes sociais do HIAS as seguintes
demandas: solução quanto ao atendimento; reclamação com relação à qualidade do
atendimento e/ou não atendimento; não entendimento do tratamento indicado e falta
de condições para realização do tratamento, devido aos medicamentos de alto
custo, do transporte para acesso ao hospital; demandas referentes às condições
reais de vida dos usuários (desemprego, violência, ausência de moradia etc.); visitas
domiciliares; democratização das informações; entrevistas sociais, dentre outras
demandas já apontadas.
É fundamental que as ações profissionais frente às demandas apresentadas
transponham o caráter emergencial e burocrático, o profissional precisa ter clareza
de suas atribuições e competências, para estabelecer prioridades e estratégias,
buscando conhecer e aplicar as ações que os competem em suas intervenções
profissionais, de acordo com os Parâmetros de Atuação para assim garantir o direito
dos usuários ao acesso aos serviços.
Conforme caracterizamos no capítulo anterior, o conceito de saúde no texto
constitucional:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p. 94).
O grande mérito desta concepção está na explicitação dos determinantes
sociais que envolvem o processo saúde/ doença, muitas vezes desconsiderados nas
concepções que privilegiam abordagens individuais.
Há certa unanimidade nas opiniões das entrevistadas, ao expressarem sua
concepção de saúde, sendo compreendida em seu conceito adotado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, a saúde definida como um estado
de completo bem-estar, e para além da ausência de doença. Como se preconiza na
69
Lei Orgânica da Saúde (LOS), artigo 3º, enfatizando a totalidade, as expressões da
“questão social”, e os determinantes sociais presentes no processo saúde/doença.
As assistentes sociais apontaram ainda em suas falas a importância do
processo educativo, como menciona Íris ao afirmar que a saúde é “um processo
constante que vem desde a educação da criança, passando pela educação das
mães, que é o principal membro da família que cuida da educação e saúde da
criança”. O aspecto espiritual é apontado na definição de Tulipa:
O conceito de saúde é muito amplo, envolve todos os aspectos da vida de
uma pessoa, não só o aspecto orgânico, psíquico, mas também, o lazer, o
trabalho, a parte espiritual, que hoje em dia já se olha muito pra essa
questão (TULIPA).
Entretanto, o conceito de saúde de acordo com o que é preconizado na
Constituição Federal de 1988, ou seja, a concepção de saúde como direito do
cidadão e dever do Estado, não foi mencionado nos relatos de nenhuma
profissional. A saúde não foi definida na perspectiva do direito, ou seja, enquanto
direito fundamental, conforme o texto constitucional, bem como definição legitimada
na Lei Orgânica da Saúde (LOS)29
Assim, a perspectiva da saúde como um direito social que transcende a
democratização do consumo da assistência médica, ainda que presente na norma
legal, não foi acompanhada historicamente pelos profissionais de saúde, inclusive os
assistentes sociais. (VASCONCELOS, 2012, p. 89)
Ao enunciarem suas definições de “questão social”, as assistentes sociais
assumem concepções distintas, sendo percebida desde algo natural, como
mecanismos de dominação do homem, não estando relacionada somente à questão
da pobreza, mas também à solução de problemas, apoio social, perpassando até as
relações sociais associadas aos problemas que chegam ao Serviço Social,
decorrentes da vulnerabilidade social, requisitando a atuação do assistente social.
É óbvio que há uma “questão social”, eu acho que ela é muito profunda,
vem dos conceitos da sociedade desde os primórdios [...] advém desse
instinto natural, que fez com que o homem gerasse vários mecanismos de
dominação e com isso, gerou a diferença social, e a “questão social” como
um todo (ÍRIS).
_____________
29
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício (BRASIL, 1990, p. 306).
70
‘Questão Social’ pra mim é quando a solução está um pouco difícil de
conseguir aparecer, e aí, onde há uma imposição de fatores que não faz o
cidadão ter a solução, e aí eu acho que cabe, a participação do assistente
social, intermediar estas questões, os problemas que surgem e conseguir
uma solução (TULIPA).
A ‘questão social’ é tudo que está externo a nós, externo ao ser humano, a
sua pessoa, compreende tudo. Então vai a família, a comunidade, o seu
local de trabalho, a escola, os seus relacionamentos... Tudo que gera apoio
social ao ser humano (AMARÍLIS).
[...] a gente pode encarar como os problemas sociais na maneira como eles
se apresentam na sociedade atual, da maneira como eles chegam ao
Serviço Social [...] são demandas sociais decorrentes de questões de
vulnerabilidade, e que chegam, requerendo a atuação do profissional da
área social (DÁLIA).
Percebemos nos discursos acima que a apropriação do conceito de “questão
social” pelas assistentes sociais, se apresenta de forma diferenciada, não sendo a
“questão social” referida diretamente nas discussões como objeto de trabalho do
assistente social, conforme já explicitado neste estudo, análise hegemônica hoje na
categoria.
É importante frisarmos, que a literatura do Serviço Social não contempla hoje
uma definição única sobre o conceito da “questão social”, embora haja um consenso
de que esta é inerente ao sistema capitalista e as desigualdades sociais oriundas
deste.
Destarte, ao se referirem as manifestações da “questão social”, e sua
materialização no HIAS, as formas de enfrentamento e a intervenção profissional,
expressaram situações inerentes ao Modo de Produção Capitalista (MPC), ou seja,
as desigualdades, a violação dos direitos e as contradições sociais, fazendo jus à
conceituação de “questão social” adotada pelo Serviço Social, como por exemplo, a
dificuldade no acesso à saúde:
Aqui a ‘Questão Social’, ela se mostra de diversas formas, por que a gente
cuida do adoecimento das pessoas, as pessoas que nos procuram elas
estão adoecidas, não só seus filhos, seus parentes, mas a família como um
todo também adoece com o sofrimento. [...] porque o paciente ele passa às
vezes três anos na fila de espera pra poder ter acesso à primeira consulta
ambulatorial, pra poder iniciar um tratamento. A gente não tem profissional
suficiente, pra está atendendo esses pacientes de uma forma regular. Tem
71
paciente que passa uma vez por ano pelo atendimento, enquanto ele tem
extrema necessidade e deveria ter uma periodicidade muito maior (ÍRIS).
O Serviço Social é uma profissão que, como já mencionado, atua sobre as
diferentes expressões da “questão social”, que se apresentam metamorfoseadas em
falsos problemas que ora são identificados como de responsabilidade dos
indivíduos, ora da sociedade, ou seja, tais problemas raramente são identificados
como consequências da desigualdade inerente ao MPC (MATOS, 2013).
Assim,
podemos perceber
que
expressões da
“questão
social”
se
materializam das mais diversas maneiras no HIAS, não só no adoecimento do
paciente, mas também, no adoecimento da família, questão mencionada por metade
das entrevistadas, tanto pelas dificuldades e sofrimento no tratamento complexo,
como pelas barreiras de acesso ao sistema, e demora no atendimento.
Outro aspecto bastante pontuado trata-se da burocratização e lentidão para
acesso aos benefícios da Assistência Social, sobretudo o Benefício de Prestação
Continuada (BPC)30, no qual os usuários de doenças complexas, sindrômicas, e
crônicas degenerativas, que embora tenham o direito ao benefício e se enquadrem
no perfil exigido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), muitas vezes têm o
acesso negado e o direito violado. Situação confirmada na fala de Íris:
A gente tem a questão da dificuldade do acesso aos benefícios que esses
pacientes necessitam [...] há uma dificuldade muito grande no acesso ao
BPC, por conta da vagareza do INSS mesmo, é muito devagar o processo,
o processo é altamente burocrático, eles negam o processo mais de uma
vez, a situação que a gente tem é essa, os pacientes têm o direito, vão com
exames, com laudos, tudo ok, a família se enquadra na questão da renda
familiar, a renda per-capita, por que ainda tem isso, tanto a previdência
social quanto a assistência social ela não é universal como a saúde, pelo
contrário, ela é seletiva, ela seleciona o público dela, de acordo com a
questão da renda, então, é muito complicado, por que eles negam muitos
benefícios (ÍRIS).
Vale reforçarmos que, no tocante à legislação, a Constituição Federal de
1988, bem como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)31 trouxeram a questão
da assistência para o campo da seguridade e da proteção social pública, dos
_____________
30
O Benefício de Prestação Continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (BRASIL, 1993, p. 257).
31
A Lei Orgânica da Assistência Social foi sancionada em 7 de dezembro de 1993, regulamentando
os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, dispondo sobre a organização da Assistência Social e
dando outras providências (BRASIL, 1993).
72
direitos, da universalização como política pública, afirmando seu caráter de direito
não contributivo ao apontar a necessária integração entre econômico e social; a
centralidade do Estado na garantia de direitos sociais; a participação popular e ainda
o controle social. Isso instituiu o debate ampliado por meio da cidadania e
democracia (COUTO et al, 2012).
Apesar disso, a realidade retratada no depoimento acima demonstra a
distância existente entre a lei e a sua efetivação, seja na esfera da assistência social
ou na saúde. Considerando que, de acordo com as reflexões de Couto (et al, 2012),
seu processo de implantação vai ocorrer numa conjuntura adversa, numa dinâmica
contraditória ao sofrer os impactos das políticas econômicas neoliberais, que
caminham numa direção oposta a garantia dos direitos sociais e investimentos na
política social, o que amplia a pobreza, as desigualdades e o desemprego.
As mesmas autoras explicam que as razões para essa dificuldade e lentidão
no acesso ao BPC se dão exatamente a este fato de que seu processo de
implantação vai ocorrer em uma conjuntura onde se evidencia extrema
incompatibilidade entre econômico e social, no que tange aos investimentos por
parte do Estado, que no contexto neoliberal reconhecendo o dever moral do socorro
aos pobres, não reconhece seus direitos.
As dificuldades apresentadas acabam por refletir na realidade de inúmeras
famílias que são atendidas no HIAS que recebem as orientações por meio do
Serviço Social, executam os procedimentos exigidos e muitas vezes são barradas
pela burocracia institucional da Previdência Social e deixam de ser beneficiadas, o
que se torna um grande problema, tendo em vista que o cuidado com a criança com
necessidades especiais passa a ser integral levando quase sempre ao familiar ter
que deixar o seu emprego. Conforme percebemos no discurso abaixo:
[...] nós orientamos pra que eles busquem o mais rápido possível, a questão
do benefício, que é um direito da criança com problemas oncológicos, vem
também ajudar muito, por que essas mães têm que deixar de trabalhar,
então esse dinheiro vem ajudar muito (AMARÍLIS).
Vale salientarmos que quando o benefício é concedido às crianças, estas já
estão num estágio mais avançado da doença, logo, o acesso ao benefício de certa
forma melhoraria a vida da família e minimizaria o sofrimento, visto que poderiam
suprir suas necessidades imediatas.
Contudo, é também de extrema relevância destacarmos que o BPC é direito
conquistado com muita luta, não se tratando de favor ou de benemerência, é direito
73
resguardado na LOAS, e seria extremamente importante e necessário, se acessado
por todos aqueles que possuem o direito conforme o estabelecido legalmente.
Dentre as demandas postas ao assistente social citadas no início deste
capítulo, é comum também aparecer para a equipe de saúde demandas referentes à
violência contra crianças, adolescentes, mulheres etc. Nessas situações, o CFESS
(2010) aponta que a responsabilidade pela notificação é função de toda a equipe, o
assistente social deve colaborar nessa ação conjunta, contudo, essa não é uma
atribuição privativa do mesmo. Cabendo a este, realizar abordagens socioeducativas
com os familiares, bem como viabilizar os devidos encaminhamentos. As ações
presentes no exercício profissional do assistente social no HIAS, são impressas
nessa dimensão, como detalharemos mais à frente.
No que concerne às manifestações acerca da materialização da “questão
social” no cenário do HIAS, percebemos muitas semelhanças nas descrições das
entrevistadas em seu cotidiano de trabalho. Merece relevo, a questão da negligência
e os mais diversos tipos de violência, muitas vezes evidenciados na realidade social
das crianças atendidas, o que pode contribuir consideravelmente para o surgimento
e/ou agravamento da enfermidade que as levaram à Instituição.
A violência doméstica contra crianças e adolescentes pode ser definida como
sendo:
[...] ato ou omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis contra
crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano físico, sexual
e/ou psicológico à vítima, implica numa transgressão do poder/dever de
proteção do adulto e, por outro lado, numa coisificação da infância, isto é,
numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados
como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
(AZEVEDO; GUERRA, 2001, apud ROSAS; CIONEK, 2006, p. 11)
Durante as discussões nos foram citados alguns casos de violência física
contras à criança, que, embora tenham sido tomadas as providências, e realizado os
procedimentos necessários, tais como: recebimento e encaminhamento da
notificação médica aos órgãos competentes, abordagem com os familiares,
relatórios, e registro de denúncia ao Conselho Tutelar32, conforme estabelecido no
_____________
32 O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei
(BRASIL, 1990, p. 440).
74
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)33. Foi alegado que o principal órgão de
defesa dos direitos da criança possui um atendimento precário, inviável, e que
muitas vezes não consegue responder em tempo hábil as questões complexas de
violação dos direitos da criança levando ao agravo da situação.
[...] a gente recebe aqui na emergência, pacientes vítimas de negligência,
de violência física. Até recebi um caso, complicadíssimo, que a criança
ainda está interna aqui, que a criança chegou tão espancada, tão
espancada, que ela foi direto pra reanimação. [...] e ainda você esbarra na
incompetência de vários órgãos, por exemplo, no dia que essa criança deu
entrada aqui, eu estava no plantão noturno da emergência, ela entrou no
diurno, mas as meninas passaram pra mim por que não conseguiram entrar
em contato diretamente com o Conselho Tutelar, pra poder ser feita a visita
aqui, por que a mãe ainda estava no hospital. Eu entrei em contato várias
vezes com o plantão do Conselho Tutelar, falei com uma educadora social
várias vezes, e até meia-noite, eu ainda fiz ligação pra lá e ela me disse:
“olha, até o momento, nenhum dos conselheiros tutelares de plantão
apareceram no plantão”. Aí o que aconteceu, a mãe se evadiu do hospital, a
mãe tá foragida, e a criança tá interna sem acompanhante. [...] a única coisa
que está assegurada para a criança até o momento é a assistência medica,
que até ontem ainda estava na UTI (ÍRIS).
O mesmo caso foi exposto por Dália, confirmando que um grande problema
para o enfretamento às expressões da “questão social” encontra-se na ineficiência
de alguns órgãos públicos, bem como na falta de efetividade das políticas sociais. A
fala da profissional revela e denuncia este fato:
Nós estamos atualmente com uma situação, foi notificada uma violência
doméstica de uma criança que chegou aqui e foi direto pra reanimação, e
da reanimação para a UTI. E você ao olhar pra criança, você já ver,
fisicamente você percebe os sinais de tortura pelas quais a criança passou.
Pela notificação que foi feita pelo médico no primeiro atendimento, estavam
suspeitas todos os tipos de violência que ela poderia ter sofrido, e ela está
realmente, bastante adoecida. A mãe foi usuária de drogas, nós não temos
a certeza se ela deixou de ser, violenta, já é acompanhada pelo Conselho
Tutelar desde 2009, a criança tem sete anos. [...] aí você ver a ineficiência
das políticas públicas, fizeram com que essa criança chegasse a uma
situação de quase morte. Por quê? Por que o caso já foi denunciado desde
2009, o Conselho Tutelar tinha conhecimento do caso desde 2009 (DÁLIA).
A indignação percebida nos depoimentos de Íris e Dália revela o impacto
sofrido na vida da criança, e demonstra que o tratamento às expressões da “questão
social” na saúde, em toda e qualquer problemática, sobretudo, nos complexos casos
_____________
33 Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de
maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar
da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (BRASIL, 1990, p. 419).
75
de violência doméstica infantil, deve envolver um conjunto de atores e segmentos
que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente, tendo em vista que a
efetivação desses direitos (referentes à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito, à
cultura, à liberdade etc.) é um dever da família, da comunidade, da sociedade e do
poder
público,
conforme
instituído
no
artigo
4°
do
ECA.
Nesta complexa intervenção, foi feita abordagem com todos os envolvidos,
relatórios, órgãos competentes (CREAS e Conselho Tutelar). Um trabalho
multiprofissional que teve êxito graças ao envolvimento da atuação de médicos,
enfermeiras e assistentes sociais, que foi concluído mediante intervenção judicial,
decidindo pela condenação da mãe e pela destituição de poder familiar. O caso
permanece em acompanhamento, tendo em vista que entendeu-se que a criança
não teria mais condições de voltar à sua família, precisando de uma nova que venha
a acolhê-la legalmente.
Sabemos que o fator preponderante que leva a família a buscar o
atendimento médico no HIAS está na saúde da criança, contudo, relatou-se a
importância de serem observados todos os outros fatores sociais inseridos na
problemática da doença, tais como, a questão do trabalho, da pobreza, da educação
e da família. Em se tratando dos pacientes que sofrem com a fissura do lábio
palatino34, considerou-se o fenômeno do bullying35, que possivelmente pode
enfrentar no contexto de suas relações escolares.
O nosso trabalho, ele é muito amplo. Em termos de, quando chega uma
pessoa com problemas “x”, de saúde, especificamente, dentro desse
problema da saúde dele, ou de doença, que assim melhor a gente pode
chamar, nós temos que olhar para outros fatores, que é a questão trabalho,
o sustento dessa família, a questão da educação, que esses pacientes são
pacientes já adolescentes, uma criança maior adolescente, a gente tem que
ver a questão da escola, por exemplo, um paciente com fissura de lábio
palatino, muitas vezes, ele traz a fissura, como fator preponderante do seu
problema, por que ele quer a operação. Mas dentro desse contexto, existe
_____________
34
O lábio fissurado e/ou a fenda palatina são aberturas no lábio, palato ou tecido mole da parte
posterior da boca. Entre as principais causas da má formação estão o uso de álcool, cigarros,
realização de raios X na região abdominal, deficiência nutricional, estresse emocional,
hereditariedade, dentre outras. As consequências da fissura na vida de uma criança vão além da
estética, podem causar problemas auditivos, infecções crônicas, má nutrição, má formação da
dentição e dificuldades no desenvolvimento da fala. Frequentemente, observa-se o abandono escolar
e a baixa da autoestima, ocasionando também problemas psicológicos. Disponível em:
<http://www.saude.ce.gov.br/index.php/noticias/45847-albert-sabin-faz-nesta-quinta-25-avaliacao-decirurgias-de-labio-leporino>.
35
Conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente [...]
causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam
profundamente [...] (FANTE, 2005, p. 29).
76
um problema na escola, por que ele está sofrendo bullying, essa mãe que
não tem dinheiro pra vir pro tratamento, pra comprar o medicamento, aí é
que nós entramos, nesse trabalho (TULIPA).
Assim, percebemos que a atuação da assistente social traz a preocupação
central de enfatizar os determinantes sociais na saúde do usuário, ou seja, está para
além da cura da doença, e do atendimento técnico-institucional, pois se considera
que o adolescente pode ser atingido em vários aspectos que possam comprometer
suas condições mentais e sociais. Assim, durante as abordagens realizadas na
intervenção profissional, atua-se na busca de proporcionar não somente o acesso à
saúde, mas, aos direitos sociais de forma mais ampla.
São avaliadas as condições socioeconômicas da família, por meio de
entrevistas, visando dar o maior suporte possível, tanto na garantia do acesso à
cirurgia de lábio palatino, quanto na disponibilização dos recursos para viabilizar o
tratamento, como transporte e medicação, visando amenizar o sofrimento com a
doença e proporcionar uma maior qualidade de vida ao usuário.
[...] nós temos que dar suporte social a essa família de tentar conseguir a
cirurgia dele, de ter o dinheiro para o transporte, de ter o medicamento,
viabilizar essa questão, e acima de tudo, muitas vezes, o suporte
emocional, é muito importante. Nós, assistentes sociais, a gente que
trabalha nessa área, a gente tem que ter um olhar mais profundo pra
entender que esse paciente ele pode morar numa área de risco, ter uma
vulnerabilidade social imensa, mas muitas vezes, o suporte que o hospital
dar, faz melhorar a qualidade de vida dele, por que ele aprende a lidar com
isso, não só ele, mas como a família (TULIPA).
Percebemos ainda nos depoimentos de Tulipa que durante o atendimento
identificam-se pais, que possivelmente fazem uso nocivo de álcool e/ou outras
drogas, e até mesmo crianças com transtornos psicológicos e depressivos. Nesses
casos, são realizados os devidos encaminhamentos para tratamentos, e estes
podem acontecer no próprio hospital com a equipe de psicólogos e psiquiatras.
No atendimento geral, a gente identifica muitas vezes, pais que são
alcoolistas, pais usuários de drogas, crianças com alguns tipos de
transtorno, e aí, o que é que a gente faz? Quando é crianças e
adolescentes que tem uma depressão, que tem uma dificuldade por conta
da fissura, então a gente faz os encaminhamentos, quando eu posso fazer
aqui dentro mesmo, eu conto com a equipe, nós temos a psiquiatra aqui,
nós temos neurologistas, e a gente vai tentando conseguir através da
agenda restrita do SUS, mas muitas vezes, é difícil a gente conseguir,
colocar em prática, algumas necessidades, porque? Por que tem toda uma
regulação, e aí, por exemplo, uma consulta de primeira vez, a mãe tem que
ir no posto ou no município dela pra conseguir, muitas vezes não consegue,
77
a neurologia é uma área super difícil, mas agora, a gente batalhou e
conseguimos que uma médica, atenda quatro por mês, quatro pacientes, e
isso foi uma vitória, entendeu? Então assim, eu acho que o Serviço Social,
ele não pode trabalhar sem um dinamismo, ele tem que ser dinâmico, e tem
que buscar sabe? tem que ir atrás, vamos dizer assim, de resolver
determinadas situações que é possível, dentro da própria unidade de saúde
(TULIPA).
Embora o problema seja estrutural, fazendo com que a profissional se depare
com muitos limites institucionais, sua atuação dinâmica e propositiva, possibilita a
viabilização à saúde.
Dentre as situações presenciadas durante a observação participante, um caso
que nos despertou atenção, ocorreu no dia 22 de setembro de 2014, tratando-se do
complexo fenômeno da depressão pós-parto, acompanhado de uma situação de
possível assédio sexual, que levou à usuária a solicitar alta a pedido, envolvendo
outros atores sociais, como o filho recém-nascido, o marido e uma tia da usuária mãe adolescente, de apenas 16 anos.
O nascimento de um bebê, principalmente se tratando do primeiro filho, tem
sido considerado como um momento favorável ao surgimento de problemas
emocionais, tais como a depressão pós-parto, que se refere:
[...] a um conjunto de sintomas que iniciam geralmente entre a quarta e a
oitava semana após o parto, atingindo de 10 a 15% das mulheres. Esses
sintomas incluem irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo
e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual,
transtornos alimentares e do sono e a sensação de ser incapaz de lidar com
novas situações. (KLAUS et al, 2000 apud SCHWENGBER; PICCININI,
2003)
Podemos perceber que são diversos os fatores que contribuem para o
desencadeamento da problemática da depressão pós-parto, tais como fatores
biológicos, obstétricos, psicológicos e, sobretudo, sociais.
A situação observada já vinha sendo acompanhada pelo Serviço Social há
cerca de três meses, não sendo, no entanto, solucionada. Assim, a Coordenação do
setor, que já tinha conhecimento do caso desde o início, precisou intervir, ao ser
procurada pela usuária, acompanhada do marido e da tia, a fim de relatar suas
queixas e ter o seu problema resolvido. Trata-se de uma mãe adolescente de 16
anos cujo primeiro filho nasceu com os rins comprometidos; a criança foi transferida
direto da maternidade ao HIAS e está internado na Unidade há três meses.
78
De acordo com os relatos do marido, a adolescente veio com ele de Natal/RN
para Fortaleza à procura de emprego. Não conseguindo, ficaram na cidade e hoje o
genitor trabalha de forma autônoma, o que, segundo ele, o impossibilita de
acompanhar o filho no tratamento, por necessitar prover o sustento da família.
A adolescente chorava incontrolavelmente, apresentava-se abatida e
melancólica. Logo foi possível associar sua expressão com os sintomas da
depressão pós-parto. Imediatamente a assistente social iniciou uma abordagem de
caráter investigativo, na busca de identificar as possíveis razões que a levaram a
chegar naquela situação de transtorno.
A princípio, percebemos o grau de dificuldade que a mãe apresentava ao
conversar, pois não conseguia parar de chorar, tampouco, estabelecer algum
diálogo compreensível. Ficou perceptível que ela sentia-se insegura para conversar
a respeito do assunto, mas a assistente social a deixou bem à vontade e foi
insistindo aos poucos, assegurando que ela estaria resguardada.
Contudo, os argumentos apresentados e a solicitação de alta a pedido vieram
por meio do marido, que demonstrava está bastante ansioso. O mesmo admitiu ter
problemas de ansiedade, sequelas de acidente com queimaduras de alto grau no
passado. Declarou que as crises de choro e o sofrimento constante da esposa
desencadearam-se logo após o nascimento da criança, seu primeiro filho,
atualmente com três meses, internado na unidade hospitalar desde o seu
nascimento.
São diversos os fatores que podem contribuir para a solicitação de alta por
parte dos usuários/responsáveis, tais como: falta de informação sobre o tratamento;
aspectos culturais e/ou religiosos; necessidade de sobrevivência/manutenção
familiar; não poder faltar ao trabalho etc. (CFESS, 2010). A justificativa dada pelo
genitor foi de que a esposa estaria bastante fragilizada devido à depressão que a
acometera após o parto. O pai relatou ainda que o estado de abalo psicológico da
esposa estaria relacionado a episódicas situações de assédio sexual, por parte de
um funcionário dos Serviços Gerais do hospital. Dessa forma, o Serviço Social se
empenhou em dar uma resposta, uma decisão à solicitação da família, atuando
como um profissional que se utiliza da mediação como instrumentalidade.
Durante a intervenção, embora estivesse mais tranquila, a genitora
demonstrava desânimo e tristeza. E o marido insistia que precisava retirá-la junto ao
seu filho, embora com uma doença crônica, relutava que não poderia mais permitir
79
aquela situação. Solicitou ainda uma visita domiciliar por parte do Serviço Social, a
fim de comprovar que teria condições de realizar o tratamento da criança em sua
residência.
Considerando que uma das atribuições do profissional de Serviço Social no
HIAS é de orientar, esclarecer e refletir com o usuário e familiares às condições e
consequências que os levaram a solicitar a alta a pedido, e lembrando sempre que o
assistente social atua coletivamente em uma equipe multiprofissional, a Assistente
Social levou o caso à Direção médica, tendo em vista que a alta hospitalar é
concedida pelo médico. Verificou a possibilidade de o pai da criança e/ou de alguém
da família que possivelmente poderia substituí-la no acompanhamento, para que a
mãe descansasse e pudesse buscar tratamento psicológico. Contudo, durante toda
a abordagem, foi possível perceber certo clima desfavorável para o casal, como se
houvesse algum problema de família, além do que estava sendo declarado. O
marido afirmava veementemente que a mãe não tinha ninguém, nenhum outro
familiar, somente a ele e a tia presente, que era de outro Estado, e pouco
argumentava.
Conforme afirmado no documento Parâmetros para Atuação de Assistentes
Sociais na Saúde (CFESS, 2010), a alta a pedido é uma situação que muitas vezes
recai sobre o profissional de Serviço Social. E é importante que sejam feitas
algumas reflexões sobre o significado da alta e da autonomia do usuário no serviço
de saúde, levando em conta que e os procedimentos devem ser adotados de forma
coletiva.
Segundo o artigo 46, do Código de Ética Médica, os médicos só podem se
recusar a dar a alta a pedido ao usuário no caso de iminente risco de vida, em caso
contrário, deve ser respeitada a decisão do usuário (CFESS, 2010).
Devemos levar em consideração os princípios e as diretrizes do SUS,
presentes no artigo 7° da LOS, que ressalta a preservação da autonomia dos
usuários na defesa de sua integridade física e moral, e o direito à informação dos
usuários assistidos, sobre sua saúde. Dessa forma, após reunião da família com o
Serviço Social e Direção Clínica, ficou decidido que até o final da semana, período
no qual sairão os resultados dos últimos exames realizados na criança, a depender
destes, a alta será concedida mediante parecer médico. Posteriormente, será
realizado encaminhamento da criança para atendimento no Programa de Assistência
80
Domiciliar (PAD)36, para viabilizar realização do tratamento da criança em casa,
acompanhado por uma equipe multiprofissional, constituída pelo médico, enfermeira,
assistente social, psicólogo e fisioterapeuta.
Em relação à queixa do possível assédio sexual, detalhado de forma mínima,
na qual, o funcionário ao passar, bate no vidro da enfermaria e solta beijo, se
insinuando para a mãe adolescente, de forma insistente. A assistente social
registrou as características, e horários informados, e se reunirá com a Chefia do
Setor de Serviços Gerais, visando identificar o funcionário, para realização de
audiência e, se houver confirmação do fato denunciado, realizar a devida
advertência e/ou punição.
A profissional do Serviço Social orientou ao genitor acerca dos tratamentos
oferecidos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), não só para a mãe, como
também para ele próprio, explicando a importância do tratamento para ambos. A
partir dos relatos obtidos e do descontrole emocional a cada abordagem realizada,
compreendemos a urgência daquela mãe adolescente em receber um apoio
especializado, e tentamos sensibilizá-la da importância de um tratamento com o
psicólogo.
Logo, a atuação da assistente social frente a esta problemática foi realizada
de acordo com o proposto no documento Parâmetros para Atuação de Assistentes
Sociais na Saúde, que norteia as ações profissionais neste âmbito. No que tange à
evasão hospitalar e alta a pedido a postura profissional deve ser de orientação,
esclarecimento, e reflexão junto ao usuário e à equipe de saúde com relação às
condições objetivas que estão impulsionando os usuários a tomarem esta decisão,
deixando sempre claro que:
O profissional responsável pela alta e pelos seus procedimentos deve ser o
médico e não o assistente social. O profissional de Serviço Social pode ser
um interlocutor entre os usuários e a equipe de saúde com relação aos
determinantes sociais, visto que o respeito pela diversidade é um princípio
_____________
36
O Programa de Assistência Domiciliar (PAD) foi implantado no HIAS em julho de 2000. A partir daí,
após a estabilidade do quadro clínico, crianças com problemas crônicos puderam dar continuidade ao
processo de recuperação em suas residências, recebendo todo suporte médico-hospitalar
necessário, desde que elas estivessem dentro dos critérios de inclusão do programa. Entre os
requisitos estabelecidos estão: residir em Fortaleza, ter registro de nascimento, possuir baixa renda
familiar, ter aceitação do Programa da Família e necessitar de, no mínimo, dois dias de visitas
semanais. Disponível em: <http://www.hias.ce.gov.br/index.php/pad--pavd>.
81
que deve fundamentar tanto a sua formação como o seu trabalho
profissional (CFESS, 2010, p.49).
O que foi percebido e materializado na referida intervenção, na qual a
profissional do Serviço Social, percebendo a complexidade social envolvida,
intermediou junto à família e à coordenação médica, priorizando sempre a saúde e o
tratamento da criança, sem, contudo, deixar de buscar responder da melhor maneira
possível, as demais expressões da “questão social” imbuídas na realidade social
daquela família. Destarte, as ações realizadas pela Assistente Social foram de suma
importância, pela detecção dos problemas, pois a identificação de mulheres em
situação de depressão pós-parto é de extrema relevância, bem como na denúncia
do possível assédio sexual sofrido pela mãe para que sejam tomadas as medidas
protetivas.
Diante dos atendimentos expostos, podemos perceber que, a “questão social”
e suas múltiplas expressões são cotidianas no âmbito do HIAS, e tem maior
evidência na violação dos direitos da criança, sobretudo, por meio da violência
doméstica.
A “questão social” também é bastante associada às desigualdades, e a falta
de recursos das famílias dos usuários, tanto no aspecto financeiro, como questões
de moradia, transporte, educação, dentre outros aspectos. Conforme destacamos no
depoimento a seguir:
A “questão social” que chega aqui no hospital pode chegar de várias
maneiras. Podem chegar nos problemas da emergência para os tipos de
adoecimento da criança relacionado não com a questão física, mas pela
questão realmente da pobreza, a questão da falta de conhecimento,
decorrente da falta de estudo, da falta de oportunidade de educação;
problemas do entorno do hospital, por que estamos numa área, que é
próxima a área de risco (DÁLIA).
No caso de pacientes oncológicos, sustenta-se que este vem ao hospital
trazendo consigo uma “bagagem de problemas” relacionados principalmente ao fato
de a doença ter um tratamento de longo prazo, o que ficou perceptível na análise de
Amarílis:
Acho que as expressões da ‘questão social’, elas acontecem realmente por
conta das desigualdades, mas seria por conta da falta de recursos, das
pessoas, né? Então, essa ausência de recursos ela vai desde o financeiro,
dos recursos de sobrevivência, do básico, até a questão de transporte, a
questão de moradia, então tudo isso, traz pras eles não só um problema,
quando eles chegam aqui com um problema de saúde, principalmente um
problema de saúde grave, como oncológico ou hematológico, que é de uma
82
doença que vai levar muito tempo pra ser curada, ou um tratamento, eles
trazem uma bagagem de problemas (AMARÍLIS).
É importante salientarmos que, no âmbito do CPC, a viabilidade para
transplantes ocorre com a intervenção direta do Serviço Social, que realiza todos os
trâmites necessários, dando o suporte nas questões de transporte, passagem aérea,
viabilizando a realização de exames de compatibilidade, prestando ainda apoio
emocional às famílias das crianças com câncer.
Segundo Nogueira e Mioto (2009, p. 229), não é possível compreender ou
definir as necessidades de saúde sem levar em conta que elas são produtos das
relações sociais e destas com o meio físico, social e cultural.
Ao serem indagadas acerca dos aspectos sociais que mais contribuem para o
aparecimento de doenças, as profissionais apontaram diversos fatores, a saber: falta
de informação em saúde; falta de educação, bem como o desconhecimento e
despreparo da família, a pobreza, a violência, a questão socioeconômica, dentre
outros fatores.
[...] vão contribuir com certeza a falta de educação, a gente acompanha
muitos pais que não tiveram educação primária, ou que não tiveram
nenhum tipo de educação, que é o principal; a falta de poder aquisitivo, o
paciente às vezes está “enfiado” numa área rural, no interior, ele tem uma
dificuldade imensa pra chegar até Fortaleza, pra poder ter o atendimento
necessário para o caso dele, então principalmente, a educação primeiro de
tudo. Primeiro lugar é a educação, e segundo lugar a questão da dificuldade
do poder aquisitivo mesmo (ÍRIS).
[...] aí nós entramos na questão socioeconômica, que é a questão da falta
de emprego, da falta de sustento dessa família pra ter uma boa
alimentação, e aí entra a questão do trabalho também, vai envolver muito
essa questão socioeconômica (TULIPA).
Embora possamos perceber certa culpabilização ao indivíduo, é importante
frisarmos que por trás de uma família negligente há um Estado também negligente,
que descumpre o seu dever no que tange à garantia dos direitos sociais legitimados
constitucionalmente. A análise desses aspectos sociais está para muito além da
singularidade do indivíduo, devendo-se levar em consideração a totalidade da
complexa realidade social na qual se inserem os usuários do sistema de saúde.
Assim, podemos perceber que dentre os diversos fatores determinantes das
condições de saúde, além dos condicionantes biológicos, há os meios físico, cultural
e socioeconômico. Mais do que isso, envolve aspectos éticos relacionados ao direito
à vida e à saúde, direitos e deveres (NOGUEIRA; MIOTO, 2009, p. 229).
83
No âmbito do CPC nos foi relatado que embora não existam dados científicos
que comprovem a interferência do social na questão do câncer, ou seja, que não
haja uma relação direta dos riscos sociais com os aspectos oncológicos, a relação
torna-se direta após o diagnóstico, bem como durante todo o processo do
tratamento. Conforme percebemos nos discursos de Amarílis
[...] não tem assim, uma relação direta dos riscos sociais, com relação ao
câncer. Agora a gente sabe né, só complementando, que o posterior tem!
Quer dizer, a qualidade de vida, dessa criança com câncer, vai depender
muito da “questão social”, o depois acontece! Essa relação aí é direta. Por
que ele precisa está numa casa forrada, ele precisa de bem estar, não pode
está num solo muito quente, por conta das defesas que são muito baixas,
ele pode pegar uma pneumonia, uma virose, uma coisa que pode levar a
óbito, sem ser exatamente por conta do câncer. Os riscos sociais no câncer
a gente não pode saber, por si, se provocam ou não, mas se é um
agravante no tratamento, ele é um agravante! Então por isso, que a gente
tenta minimizar o que pode para o alcance da cura, é fundamental
(AMARÍLIS).
Verificamos a partir do exposto, que o atendimento às necessidades de saúde
remete ao atendimento das necessidades humanas elementares, tais como
habitação, alimentação, transporte, educação, em suma, qualidade de vid, serviços
sociais que no CPC são garantidos por meio da APP, ONG parceira do HIAS.
Nesse momento, é fundamentalmente relevante situarmos o papel do Estado
na provisão dos direitos sociais via políticas públicas, devendo garantir um mínimo
social aos seus cidadãos. Entretanto, o terceiro setor, materializado nesse sentido,
na organização sem fins lucrativos, atua na prestação dos serviços sociais no âmbito
do HIAS/CPC/APP, porque o Estado não ocupa devidamente o seu espaço ao
desresponsabilizar-se de suas funções básicas inerentes, participando como uma
espécie de parceiro.
Daí nos questionarmos, por que o Estado não pode contemplar e priorizar o
social de forma mais ampla implementando e efetivando políticas sociais,
desempenhando assim o seu papel como protagonista, e o seu dever ser? É
importante também buscarmos desmistificar a questão de que uma ONG atua de
forma somente solidária e gratuita, lembrando que a organização enquanto
instituição precisa manter-se, pois para o seu funcionamento é necessário dispor de
recursos técnicos, financeiros e operacionais para sua manutenção, bem como sua
gestão demonstrar resultados por meio de relatórios, e efetuar prestação de contas
com Estado e sociedade civil.
84
Obviamente, não podemos de forma alguma desmerecer o importante papel
do terceiro setor na provisão dos serviços sociais, que faz toda a diferença no
tratamento das crianças no CPC, possibilitando que o assistente social, em suas
intervenções, obtenha mais respostas profissionais. Só não podemos é deixar de
questionar a crescente redução do papel do Estado e consequentemente a
ampliação do terceiro setor, que deve funcionar como um complemento às políticas
sociais.
A partir dos relatos sublinhados, percebemos a materialização diversificada
das refrações da “questão social” com suas consequências alarmantes nos mais
variados aspectos da realidade social das crianças e adolescentes atendidas no
HIAS. Percepções decorrentes da ampliação do conceito de saúde, já debatidas
neste trabalho monográfico, que reforça a necessidade de atuação profissional
multidisciplinar numa perspectiva de totalidade que concorram para a efetivação da
saúde enquanto direito social, consolidação que exige que o profissional tenha
capacidade de enfrentar cotidianamente muitos desafios, mediante algumas
limitações nas quais se depara. Faremos um recorte acerca disso no próximo tópico.
4.4 O serviço social e a prática profissional na saúde: limites, possibilidades e
desafios.
Como já nos referimos ao longo deste trabalho, o SUS está consolidado na
Constituição Federal e regulamentado na Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90).
Universalizou-se o direito à saúde, apontando para a garantia do pleno acesso aos
serviços sem quaisquer critérios de exclusão ou discriminação. (Nogueira & Mioto,
2009, p. 221, grifo nosso). Vale ressaltarmos que a consolidação do SUS via
legislação constitui-se como um objeto de luta do movimento de reforma sanitária e
da sociedade, destacamos dessa forma, que é essencial a participação da
sociedade por meio da continuidade dessa luta para que o sistema se concretize
plenamente.
As novas contradições criadas com a contrarreforma na saúde tentam não
viabilizar o SUS constitucional, ocasionando diversas questões operativas nos
serviços prestados: demora no atendimento, dificuldade no acesso, burocratização e
precariedade dos recursos (CFESS, 2010).
85
Numa análise mais ampla da realidade, percebemos que o grande problema
não está no sistema implementado, mas na discrepância entre a sua legislação e a
real efetivação.
Por outro lado, as dificuldades enfrentadas na concretização do SUS não
podem ser generalizadas, tendo em vista que alguns Municípios assumiram a saúde
de seus cidadãos, conseguindo conciliar minimamente o que prega a lei, prestando
atendimento com qualidade e dignidade aos usuários atendidos.
Nesse sentido, direcionamos a nossa análise tendo como base as falas de
nossas entrevistadas durante indagação quanto à viabilidade do SUS, considerando
que há um verdadeiro consenso de defesa do sistema, e de que este é viável no
contexto do HIAS, a maioria das entrevistadas foram concordes ao apontarem
justificativas favoráveis à materialização do sistema de saúde na prática profissional,
sobretudo, após o acesso a unidade, visto que a dificuldade do sistema está no
acesso, conforme nos retrata Íris:
Eu acho que o SUS é altamente viável, e eu defendo o SUS até o fim!
Primeiro, por que o SUS pressupõe o atendimento integral as pessoas, e
ele vêm desenvolvendo mecanismo para poder está ofertando esse
atendimento integral, aí você fala assim: ah, mas há um grande
estrangulamento, uma grande dificuldade desse acesso. Há! Há uma
dificuldade muito grande no acesso, especialmente na atenção terciária com
as especialidades, mas a gente tem que ver que há uma série de problemas
a serem superados. [...] O SUS dentro do hospital é viável, principalmente
quando se consegue ter o acesso, depois que você tem o acesso,
dificilmente há uma quebra! Aqui no hospital eu vejo que dificilmente há
uma quebra no tratamento após o acesso (ÍRIS).
Apesar de o HIAS ser um hospital de referência, ainda podemos perceber
certa instabilidade no atendimento dos serviços no que concerne ao acesso à saúde.
As maiores queixas são pela demora no atendimento, outro problema é que muitas
vezes, embora os casos dos usuários possam ser sanados no atendimento primário,
eles procuram o HIAS, aumentando ainda mais a demanda e fragilizando o
atendimento, o que acaba por fortalecer o modelo de saúde privatista que propõe o
Estado mínimo para o social.
A dificuldade está no acesso. É a fila de espera grande, para o atendimento
ambulatorial, é a dificuldade do acesso na emergência, a gente ver que é
um hospital de grande porte, de especialidades, e a gente ver crianças que
chegam aqui com resfriado (ÍRIS).
86
Diante da fala de Íris, podemos perceber que o impacto desse atendimento
deficiente nas redes terciárias é devido ao não funcionamento do atendimento da
atenção básica, que implica na atenção média e alta, resultado de um sistema que
não funciona conforme a proposta baseada nos princípios e diretrizes do SUS,
presente na LOS. A maioria da demanda não procura as unidades básicas para o
atendimento mais simples, mas os Hospitais que já estão com lotação em seu
atendimento, que o caso do HIAS. Logo, na melhora no atendimento dos serviços de
saúde é uma questão bem mais ampla, o cenário aponta para a necessidade de
mudanças no Sistema de Saúde, para que o SUS constitucional seja efetivado.
Os problemas a que Íris se refere, vão desde a expansão da saúde privada,
com os planos de saúde, que são contra a efetivação do Sistema Único, tendo em
vista que a partir do momento que o SUS estiver funcionando de forma regular e
satisfatória, eles deixarão de ter os lucros exorbitantes que tem hoje, indo até o
problema do corporativismo de algumas profissões, que muitas vezes atravancam a
concretização do serviço público de Saúde.
Com todas as dificuldades inerentes ao sistema vigente, que refletem
diretamente na realidade de nosso sistema de saúde, o assistente social que atua
no HIAS consegue realizar o seu trabalho “com todas as precariedades que existe
hoje, a necessidade do SUS ter um reestudo, uma renovação e uma ampliação,
apesar das dificuldades a gente consegue fazer muita coisa! Sabe, assim, é muita
luta!” (TULIPA).
Dessa forma, as profissionais conseguem alcançar resultados na defesa dos
direitos sociais, de forma a minimizar as desigualdades e amenizar as explosivas
expressões da “questão social” em seu cotidiano, por meio das mediações e
estratégias impressas em suas ações:
O SUS é um plano de saúde, né? Ele tem muitas facetas que a gente
trabalha e tem resultados, agora, é muito trabalho! A gente rompe muita
barreira. Tem mediações, têm negociações, intervenção nossa é bem
complexa! Precisa mesmo que o assistente social se envolva, pra coisa
acontecer! (VIOLETA).
No CPC, afirma-se que a viabilidade do sistema que garante uma efetividade
e qualidade no tratamento tem feito com que muitos pacientes da rede privada
busquem o atendimento que se tornou referência no Estado.
87
Dentro do contexto da prática profissional do assistente social o SUS está
sendo viável, eu acredito que sim! Eu vejo de uma forma muito positiva,
essa cena é tão positiva, que nós estamos com muitos pacientes de
convênios vindo pra cá! Pela qualidade do serviço, pelo reconhecimento
(AMARÍLIS).
Sob outra ótica, um dos depoimentos destaca-se por questionar essa
viabilidade do SUS. Uma das entrevistadas fez uma avaliação negativa do sistema,
discordando das demais análises, ao afirmar que o problema do SUS é um problema
de gestão que reflete na realidade de seu trabalho enquanto assistente social.
Reforçando que o problema maior está no acesso ao sistema, que é um direito
garantido constitucionalmente, e muitas vezes negado, mediante as grandes filas de
espera no atendimento, apontando ainda lacunas no tocante a estrutura física da
Instituição.
No contexto de trabalho, essa inviabilidade é percebida. Por exemplo, o
hospital, ele é referência terciária, e referência também em especialidades.
Era pra ser garantido pelo governo do Estado que todas as crianças do
interior do Estado pudessem ter um acesso rápido aqueles especialistas
que tem aqui, e quando a gente ver, muitas vêm à procura direta, achando
que aqui no Serviço Social teria como interferir nessa fila de regulação, por
que no Município está a mais de seis meses, as vezes até mais de um ano,
aguardando a consulta, e não consegue! [...] O problema está no acesso, é
um direito que ela tem, a gente sabe que é um direito, a gente sabe que é
para o Estado garantir esse direito, mas muitas vezes, muitas fazem é
desistir, por que não conseguem acessar o Sistema Único. E tem a própria
estrutura do hospital, que talvez nem desse conta de todos esses pacientes
que necessitam dos serviços (DÁLIA).
Percebemos a ênfase de Dália no que diz respeito ao direito à saúde, e
consequentemente, muitas vezes, a sua violação. Considerando que a consolidação
plena do SUS esbarra tanto na ausência de vontade política de alguns governantes,
como na ausência de organização da sociedade civil, especialmente a população
mais pobre que têm dificuldades de mobilização para pressionar o poder público,
posto que muitas vezes desconhece os seus próprios direitos.
Portanto, o assistente social, numa ação conjunta com os demais
profissionais da saúde, deve buscar possibilidades de empreender estratégias de
ações que favoreçam os interesses e necessidades dos usuários, o que por sua vez,
depende da capacidade do desvendamento e apreensão da realidade social e suas
contradições (VASCONCELOS, 2012), visando à viabilização do SUS e a efetivação
do direito à saúde.
Diante da realidade exposta, o desafio posto ao profissional do Serviço Social
está em caminhar na direção ao Projeto Ético-Político da profissão, oposto ao
88
projeto capitalista neoliberal, numa perspectiva não somente de possibilitar que os
usuários conheçam os seus direitos, mas que busquem de forma crítico-consciente
as melhorias no acesso e qualidade dos serviços de saúde.
Vasconcelos (2012) aponta que, embora com restrições, o assistente social é
o profissional que tem como possibilidade uma inserção e atuação não programada
nas instituições, diferente dos demais profissionais, e que por esta razão é levado a
conquistar o seu espaço profissional no interior das unidades de saúde, buscando
desenvolver parcerias para realizar suas ações e, assim, oferta e incentiva ações
que transcendem o consultório e a cura, estimulando o trabalho em equipe. “Aqui no
hospital [...] o Serviço Social, ele foi ponte, ele foi um elo entre todas as áreas”
(TULIPA).
A mesma autora salienta que pensar, propor estratégias e viabilizar ações
com vistas à construção de uma consciência sanitária demanda uma ação
interdisciplinar no campo da saúde que extrapole as ações na prevenção e combate
a doenças.
O profissional do Serviço Social no trabalho em equipe na saúde dispõe de
ângulos particulares de observação na interpretação das condições do usuário e
uma competência distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia dos
demais profissionais da saúde (CFESS, 2010).
A relação do Serviço Social entre si, enquanto equipe, no HIAS, varia de
profissional para profissional. O importante é saber lidar e priorizar a saúde e os
direitos da criança. Contudo, há a necessidade de se melhorar o trabalho
interdisciplinar37 no âmbito do próprio Serviço Social. Foi dada como sugestão a
realização de reuniões mais frequentes envolvendo temáticas de interesse da
categoria, havendo também o reconhecimento da necessidade do aperfeiçoamento
profissional.
A equipe de Serviço Social, ela tem uma interação, que eu considero assim,
boa, mas com a necessidade de melhorar! Eu acho que nós temos um foco
muito bom no trabalho, cada um sabe o que tem que fazer e faz! Eu acho
que nós temos uma equipe muito dedicada, aguerrida mesmo no trabalho
diário, mas eu acredito que a gente tenha a necessidade de ter uma
_____________
37
A interdisciplinaridade pode ser definida como uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que
possa pressupor uma atitude diferente de ser assumida; seria substituir a concepção fragmentária
pela concepção unitária [...] o saber universal sobrepõe-se ao conhecimento individual (CARRIJO et
al, 2003, p. 44).
89
interdisciplinaridade mais trabalhada, eu acho que tá precisando aumentar
um pouco, a multidisciplinaridade dentro do próprio Serviço Social [...] Eu
acho que tá faltando um pouco essa coisa do aperfeiçoamento profissional.
(TULIPA).
É importante salientarmos que o princípio “X” do Código de Ética do
assistente social versa sobre a importância e compromisso que o profissional deve
ter com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento
intelectual, na perspectiva da competência profissional (CFESS, 1993), ou seja, o
desenvolvimento teórico-metodológico é crucial para o sucesso da intervenção
profissional.
Sobre essa questão, Vasconcelos (2012), ressalta que na direção do acesso
a saúde como um direito social, é essencial não só o investimento na capacitação
dos profissionais, mas também o resgate da reconstrução da relação entre o poder
público e a sociedade civil.
No que tange aos usuários, há uma preocupação e interesse por parte das
profissionais pelas suas condições sociais de vida, sendo estabelecida uma relação
de confiança, sem, contudo, deixar de estabelecer limites, quando necessário. É
preciso buscar entendê-lo de acordo com a sua realidade, e, sobretudo, escutá-lo,
respeitando a diversidade cultural.
Eu procuro atender o usuário da forma mais natural possível, usando um
pouco esse linguajar dele, tendo cuidado, por exemplo, a questão de
determinadas expressões que a gente usa que pra nós é muito tranquilo,
mas às vezes quando você fala para o usuário, ele fica meio que estranho e
também temos que aprender a lidar com a linguagem dele. Também, a
gente tem que ver que tem dar um certo limite ao usuário, por que as vezes
ele chega com uma queixa que não tem fundamento, aí você tem que
sentar com ele, escutar aquela queixa e, mostrar pra ele que aquilo ali não
procede (TULIPA).
Tanto com o usuário, que eu escuto, eu gosto de escutar, eu gosto muito de
está presente, eu trabalho diariamente, quase de sete as sete, então eu
faço parte, muito, da vida deles! Sou muito presente, no dia-a-dia! Elas têm
em mim, muita confiança, estou falando por mim, né? (GIRASSOL).
Em relação ao exercício da escuta ao usuário, é importante acentuarmos, que
não basta somente que o profissional escute o que lhe é trazido, tendo em vista que,
se permanecer calado, o profissional acabará por contribuir para a reprodução das
relações sociais já instituídas. Destarte, cabe ao profissional desenvolver habilidades
de escuta e observação do que é dito e do que não é dito verbalmente, visando
possibilitar por meio de seu conhecimento e sua postura ético-política, que esse
usuário se volte ao seu cotidiano numa atitude crítico-analítica, criando assim
condições para o exercício de sua autonomia enquanto sujeito de direitos.
90
Na relação multiprofissional há algumas divergências e conflitos de ideias,
mas nada que interfira numa relação harmoniosa e profissional, visando sempre o
melhor para o usuário e, podendo o assistente social, inclusive, encontrar nos
demais profissionais de saúde grandes aliados.
A nossa prática, ele é muito dialética e dialógica. A minha experiência
profissional é sempre trabalhando em equipe multiprofissional [...] Enquanto
assistente social destes dois núcleos, eu acho que o Serviço Social é muito
respeitado, ele é muito bem recebido, eu não tenho dificuldade de diálogo.
[...] A gente não trabalha sozinha, não tem condições, de trabalhar só! A
equipe, ela consulta muito o Serviço Social, acredita muito! (TULIPA).
Para Dália, o problema está na hierarquia profissional, na correlação de
forças e na dificuldade de exercer a interdisciplinaridade:
Têm profissionais, que conseguem perceber a importância do Serviço
Social, como tem profissionais que colocam o assistente social como uma
categoria inferior na qual eles estariam um pouco acima. [...] a eterna briga
de poder dos profissionais de saúde, hierárquica, a questão da
interdisciplinaridade é muito difícil, existe no papel, mas na prática ela é
muito difícil! Existe a multiprofissionalidade, vários profissionais atuando
com um mesmo objetivo, mas da interação entre profissionais de diferentes
categorias, de estarem estudando entre si qual é o melhor plano de atuação
para aquela criança, ainda é muito de difícil de ocorrer (DÁLIA).
A inserção dos assistentes sociais nas politicas setoriais, e também na saúde,
vem demonstrando dificuldades na definição de seu papel nas equipes
multiprofissionais (NOGUEIRA; MIOTO, 2013). Haja vista o assistente social,
embora dividindo o trabalho com outros profissionais na saúde, dispor de ângulos
particulares na interpretação dos processos sociais e de uma competência peculiar
para a realização de suas intervenções profissionais.
Em relação às condições de instalação das salas nas quais o Serviço Social
ocupa para realização dos atendimentos, as opiniões das entrevistadas se dividiram:
as profissionais que atendem nas salas do HIAS consideram as instalações e
condições físicas e de infraestrutura bastante precárias, com espaço reduzido, mal
organizado e mal distribuído, o que as faz realizar parte dos atendimentos na sala da
coordenação do setor, comprometendo o sigilo profissional, o que fica bastante claro
no depoimento de Tulipa:
Olha, eu posso dizer assim sem nenhum medo de ser feliz, eu acho
extremamente precária! A nossa condição de trabalho é muito precária!
Estive pensando, outro dia, que nós temos uma condição muito precária de
estrutura física de trabalho, mas é interessante, que o resultado do nosso
trabalho é muito maior que isso, apesar da gente ter uma condição muito
91
ruim, mas o nosso trabalho ele é imenso em relação a isso, graças a Deus!
O que eu quero te dizer é assim, o fato de eu trabalhar num ambiente
extremamente precário, não me impede de fazer o meu trabalho, não me
impede de forma nenhuma, agora eu também sou da luta! Sabe, eu vou
atrás (TULIPA).
Podemos perceber, diante do exposto, as lacunas no que concerne à
estrutura física das instalações ocupadas para realização do trabalho do assistente
social no HIAS. Contudo, a profissional precisa se utilizar de alguns mecanismos
que venham a possibilitar a sua prática, mediante as barreiras estruturais.
Não podemos deixar de mencionar, nesse sentido, a Resolução CFESS n°
493/2006, a qual dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício
profissional do assistente social, estabelecendo como condição essencial e
obrigatória para a realização dos atendimentos aos usuários espaço físico
adequado, suficiente para abordagens individuais ou grupais, com recursos que
garantam a privacidade do atendimento, e de portas fechadas, de modo a garantir o
sigilo profissional.
Outra questão merecedora de destaque, é que, detectamos no Ambulatório
que o atendimento de enfermeiras dá-se na sala do Serviço Social, ou seja, são dois
atendimentos no mesmo espaço físico ocorrendo de forma simultânea, o que
também compromete um atendimento sigiloso.
Em meio às entrevistas, identificamos algumas outras situações que podem
prejudicar o sigilo profissional, como dão a entender os depoimentos que seguem:
Na hora que o usuário entra, a mãe entra se esgueirando pra não bater na
mesa, na cadeira. Tem armário com chave, tem o computador, tem minha
mesa, tem cadeira, tem uma estantezinha onde tem telefone, eu tenho fax,
ótimo! As condições de trabalho, os recursos eu tenho! Agora o recebimento
dessa pessoa, é que eu acho muito triste! Muito restrito! A minha porta, ela
abre muito, e muitas vezes o sigilo profissional é prejudicado (TULIPA).
O nosso espaço aqui é muito precário. Nós conquistamos há pouco tempo,
um espaço para as plantonistas poderem fazer um lanche! O espaço é
reduzido, e muito mal distribuído. Esse balcão, a gente até brinca, diz que é
o balcão do crediário! Você vê que ali é impossível fazer um atendimento
com sigilo, a pessoa entra, você está atendendo, tem uma pessoa na porta,
você pede pra esperar, a pessoa fica chateada (DÁLIA).
No que se refere ao sigilo, o Código de Ética do assistente social versa que
constitui um direito do profissional – inviolabilidade do local de trabalho e respectivos
arquivos, garantindo o sigilo profissional (CFESS, 1993, p. 26). No artigo 17 consta
que é vedado ao assistente social revelar sigilo profissional.
92
A quebra do sigilo, de acordo com o Código de Ética, só é admissível quando
se tratar de situações cuja gravidade possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer
prejuízo aos interesses do/a usuário/a, de terceiros e da coletividade.
O sigilo não envolve somente ao que é confiado ao profissional pelo usuário;
é parte ética profissional a preservação do usuário de todas as informações que lhe
digam respeito, mesmo que elas não lhes tenham sido reveladas diretamente.
(BARROCO; TERRA, 2012, p. 91).
Vale ressaltarmos que o HIAS passa atualmente por um processo de reforma
que abrange os espaços físicos de atendimento do assistente social, inclusive a sala
da coordenação. As salas serão ampliadas e reorganizadas, possibilitando melhores
condições de trabalho às profissionais que atuam no setor, assim como aos usuários
atendidos na instituição, fato que gera expectativas ao Serviço Social.
Percebemos que as condições físicas ideais à prática profissional ocorrem na
realidade pesquisada de maneira contraditória, considerando que os espaços de
trabalho no HIAS ainda não proporcionam a privacidade e o conforto necessários ao
profissional e ao usuário, conforme demonstram os relatos citados, ao passo que os
espaços de atendimentos realizados nas salas do CPC/APP possuem uma estrutura
impecável, com salas bonitas, espaçosas e com todos os recursos disponíveis,
contraditoriamente as posições anteriormente expostas, as assistentes sociais que
atendem no CPC, consideram muito boas as condições e instalações do espaço
físico ocupado para desempenho de suas atividades diárias:
Acho ótimas! Nós temos duas salas do Serviço Social, a gente tem
condição de atender individualmente uma mãe, por que tem “n” situações,
se nós não pudemos fazer uma entrevista com a mãe, ou mesmo ter uma
conversa sobre as situações delicadas da família dela. Nós temos boas
condições, nós temos um bom auditório para fazer as reuniões semanais
com os acompanhantes (AMARÍLIS).
É importante salientarmos, conforme já citado, que o CPC/HIAS possui uma
parceria com a Associação Peter Pan (APP), organização sem fins lucrativos. Ou
seja, no CPC há uma ação conjunta do Estado e do terceiro setor, por meio da ONG
APP, que busca a garantia do direito à saúde de crianças e adolescentes portadoras
de câncer. Demonstrando a retração e desresponsabilização do Estado e em
contrapartida sua participação junto a entidades da sociedade civil na provisão de
políticas sociais.
93
A parceria com a Associação Peter Pan – APP é mais a questão social, de
assistência social, todos os projetos da APP são voltados pra essa parte do
social, pra minimizar os problemas sociais do paciente e da família, eles tem
diversas
coisas,
transporte,
vale
transporte,
cesta
básica,
acompanhamento, visita domiciliar, reforma de casas, tudo isso, eles
realmente tentam chegar junto, né? Doação de eletrodomésticos, colchão,
cama, ventilador, geladeira, então eles tentam realmente tentam minimizar
exatamente esses problemas sociais, causados pela ausência dos
materiais. Eles tentam suprir coisas que possam dar ao paciente uma
condição melhor (AMARÍLIS).
Nós temos uma parceria muito grande com a Associação Peter Pan, temos
as visitas domiciliares, o Serviço Social, onde a gente detecta essa
realidade, teve um paciente nosso de leucemia, junto com a Associação, a
gente fez um quarto, um banheiro. Tem mães que desejam mudar o piso,
tem outra que é a cobertura da casa, um banheiro, essas coisas que é
necessidade delas, é doado! Como também colchão, cama, a gente
consegue fogão, uma série de coisas, para aquela casa ficar estruturada
(GIRASSOL).
É fundamental inicialmente observar que as ONGs no campo da saúde
expressam uma nova construção social, que tem implicações nas políticas sociais e
no fazer profissional. (MACHADO, 2010, p. 276).
Embora o Serviço Social atuante no CPC/APP possua vínculo empregatício
com a Secretaria de Saúde/HIAS, sua relação com os usuários e equipe
multiprofissional se diferencia, ou seja, sua intervenção profissional acaba tecendo
para a lógica da ONG.
Houve considerável aumento da participação das entidades de cunho privado
e filantrópico na prestação de serviços sociais financiados pelo Estado, expondo os
profissionais a operarem em lógicas contraditórias (NOGUEIRA; MIOTO, 2013).
Dessa forma, o Serviço Social deve pautar suas ações numa perspectiva
contrária à lógica do favor; o seu trabalho junto ao usuário e sua família deve seguir
na órbita do direito social.
Então, o desafio posto está em descobrimos mecanismos e estratégias de
assegurar os direitos sociais e de (re)politizar a “questão social” nestes espaços
sócio-ocupacionais. É preciso que o profissional de Serviço Social consiga fazer a
leitura dos projetos societários em confronto, e assim, construir mecanismos, que
viabilize a organização da população usuária na garantia dos direitos (MACHADO,
2010, p. 281).
Em relação aos limites principais para a atuação profissional, foram
apontados limites estruturais da política de saúde e de assistência, bem como da
94
infraestrutura física da instituição, e também a burocratização do acesso ao sistema
de saúde e assistência social, que encontram limites na sua efetivação.
Eu diria que o limite é a própria rede de saúde, e a rede de assistência
social, por que a rede de saúde muitas vezes, o que acontece, chega uma
mãe aqui fragilizada com a criança já em situações que já não tem muito
mais o que os médicos fazerem, por quê? Por que passaram por várias
situações de saúde, várias unidades que não detectaram, por dificuldade do
acesso e da qualidade dos serviços. Não aqui, antes de chegar aqui. Agora
aqui, eu diria a questão das redes sociais, com o SUAS, foi muito ampliada
a assistência social, mas ainda não é muito efetivo isso, certo? Então, a
falta de efetivação da rede do SUAS, ainda causa alguns entraves, para
alguns encaminhamentos que nós precisamos fazer (AMARÍLIS).
A gente ainda tem algumas limitações, a UTI, por exemplo, os nossos
acompanhantes, eles estão dormindo no colchão no chão, na varanda da
UTI. Em termos de serviços mesmo, nós poderíamos ter um assistente
social a mais, pra acompanhar, que tivesse mais tempo pras visitas
domiciliares (AMARÍLIS).
Um aspecto mencionado que nos chamou atenção refere-se à visão errônea
por parte de outras categorias profissionais de que o assistente social é responsável
por resolver brigas e conflitos, ou seja, o profissional designado para “apagar o
fogo”, o que demonstra o desconhecimento por parte dos demais profissionais da
saúde acerca da atuação do Serviço Social na saúde.
Onde houver uma questão que outros profissionais da saúde não consigam
resolver, independente de qual seja o problema, a assistente social é chamada a
intermediar o conflito e acalmar os ânimos, apagar o incêndio daquele momento,
conforme nos expressa Dália:
O espaço físico do Serviço Social é bem complicado, e também a questão
de que muitas vezes, as equipes dos blocos não chamam a assistente
social para fazer parte, tipo, só ver o assistente social quando tem um
problema a ser resolvido pelo assistente social, como se fosse alheio, tipo
assim, é só pra apagar o fogo! E tem uma questão pior, se tem uma visão
aqui no hospital de que assistente social é guarda de briga, tem uma mãe
matando outra e não chamam segurança, chamam a assistente social,
quando se deve chamar o segurança para resguardar essa mãe. Eu não
tenho como apartar uma briga! Teve uma mãe que bateu num guarda,
então, chamam a assistente social. Poxa vida, nem o guarda conseguiu
resolver? (DÁLIA).
O trabalho em equipe merece ser refletido e as atribuições do assistente
social precisar ser explicitadas e divulgadas para os outros profissionais da saúde,
esta é uma das principais ações de articulação dos assistentes sociais com a equipe
de saúde: esclarecer suas atribuições e competências (CFESS, 2010).
95
Dentre os principais fatores que possibilitam a prática profissional, foram
apontadas a receptividade e integração entre a equipe do Serviço Social; a
colaboração dos gestores; o conhecimento teórico que possibilita um melhor diálogo
com o usuário e os devidos encaminhamentos, a parceria com a ONG, e a estrutura
física. Estes dois últimos aspectos facilitadores tratam-se da fala de uma profissional
que atua no CPC.
A integração entre a equipe, tanto a equipe do Serviço Social, como a
interdisciplinar, a parceria com a associação, por que se a gente não tivesse
pra onde encaminhar diante de tantos riscos sociais, ficaria muito difícil de
você solucionar os problemas, então a parceria com a associação eu acho
de uma importância muito grande! A estrutura física é muito boa, todas as
condições de trabalho aqui são boas, muito boas! (AMARÍLIS).
A despeito das dificuldades e limitações já elencadas, podemos dizer que a
atuação do assistente social tem se configurado como uma experiência exitosa no
contexto do HIAS.
Das possibilidades citadas, cabe evidenciarmos a autonomia relativa exercida
pelas profissionais, haja vista, que para conquistar seus espaços, “é pelo conjunto
do trabalho realizado pelos assistentes sociais que o Serviço Social, como categoria
profissional, poderá ou não ser reconhecido, valorizado, respeitado, com vistas a
alcançar autonomia, ainda que relativa” (IAMAMOTO, 1998 apud VASCONCELOS,
2012, p. 27).
Há a autonomia profissional, não existe um autoritarismo, a nossa
burocracia é mínima. O Serviço Social do Albert Sabin, ele tecnicamente é
muito independente, nós temos uma independência técnica! A autonomia
relativa é exercida aqui! (VIOLETA).
A velha história do poder, da autonomia, que tanto pode ser algo ruim, mas
pode ser algo realmente, que ajude a abrir algumas portas, por que
queiramos ou não nós temos funcionários que são muito... A questão da
humanização, aqui ainda é muito complicada. Então muitas vezes quando
você chega, enquanto assistente social aquela pessoa te respeita em
relação a isso! (TULIPA).
Desta forma, para dar respostas satisfatórias em suas intervenções, o
trabalho da assistente social soma-se à sua relativa autonomia, que depende dos
recursos materiais, humanos, financeiros e técnicos disponibilizados pela instituição,
e da correlação de forças existente para a realização de suas ações e intervenções
profissionais.
96
No contexto do HIAS, como declarado anteriormente, o Serviço Social, no
interior da unidade de saúde, mesmo sob determinadas condições objetivas,
exercita sua relativa autonomia na direção dada às suas ações, fator preponderante
para realização de seu trabalho. Estes processos que buscam romper com a
tendência da relação camuflada entre serviço social e politica social, traduzida em
ações rotineiras e burocratizadas (NOGUEIRA; MIOTO, 2013).
A maior contribuição do Serviço Social para efetivação da saúde enquanto
direito social no âmbito do HIAS está na informação e esclarecimento ao usuário, na
orientação sobre os seus direitos e deveres; no conhecimento, aprimoramento
intelectual, e no compromisso ético-político de cada profissional. Mas, sobretudo, na
busca da viabilização e concretude dos direitos, via políticas públicas, nos
encaminhamentos para rede socioassistencial.
O Serviço Social ele é primordialmente a garantia de direitos, então assim,
muitas vezes, não só o usuário, mas também os outros profissionais,
desconhecem os direitos do usuário, então, o Serviço Social está aqui pra
lembrar e pra garantir esses direitos (ÍRIS).
Isso aí entra na particularidade do atendimento de cada uma, no
compromisso individual do profissional, que deve buscar, deve firmar a
questão ética, para o desempenho enquanto profissional e o perfil do
profissional que deve ser seguido. As condições aparecem quando você
provoca, né? Quando você persegue! Nada é de graça (VIOLETA).
Os profissionais de saúde, dentre eles, o assistente social, têm o dever de
conhecer a legislação, visto que colocam como um de seus objetivos à
democratização das informações (VASCONCELOS, 2012). Desta forma, criam-se
possibilidades de o usuário não somente conhecer os seus direitos, mas também de
não se conformar e questionar o que está posto na busca pela sua efetivação.
Informando ao usuário que ele tem direitos! Que ele tem direito a aquele
serviço, que ele tem direito a perguntar ao médico qual é o problema de
saúde da criança, que ele tem direito a procurar uma Secretaria de Saúde,
pra ter acesso a um transporte, pra ter acesso a um encaminhamento, é
orientando quanto ao direito que ele tem! Que aquela lei existe, e que ele
pode cobrar! (DÁLIA).
Eu acho que ele contribui no próprio momento que a gente passa a orientar
essas mães, a esclarecer, ficar mais consciente do seu papel, como mãe,
como cuidadora, ela conhecer os direitos dela, isso é uma grande
contribuição nossa! (GIRASSOL).
97
É importante frisarmos que a democratização das informações devem
potencializar as escolhas e autonomia dos usuários; para tal, não se faz necessário
somente que o profissional tenha conhecimento das leis que asseguram os direitos,
mas que cotidianamente esses direitos sejam detalhados aos usuários nos serviços
de saúde. Assim, uma atuação que se destina a garantir a saúde como direito não
se efetiva somente na democratização das informações, mas criando possibilidades
para que os direitos sejam concretizados.
Nesse sentido, as ações socioeducativas em saúde devem ter como
intencionalidade a construção de uma nova cultura e enfatizar a participação dos
usuários no conhecimento crítico de sua realidade, objetivando a consciência
sanitária38 (CFESS, 2010).
As pesquisas sobre a prática profissional indicam a necessidade de
aprofundar o conhecimento acerca da intervenção profissional no campo da política
social, pois os inúmeros espaços sócio-ocupacionais exigem dos assistentes sociais
a apropriação do debate sobre a intervenção profissional na sua área de
conhecimento, e a necessidade de colocá-la em movimento num campo que
expressa as contradições e os interesses sociais públicos e privados (NOGUEIRA;
MIOTO, 2013).
Entre os principais desafios lançados ao assistente social frentes as refrações
da “questão social”, segundo as percepções das profissionais entrevistadas, estão a
receptividade e, principalmente, o conhecimento; outro fator considerado relevante é
a escuta qualificada ao usuário, o que torna a intervenção profissional um
diferencial. Há ainda, a preocupação com a prática, a necessidade de atualização,
do aperfeiçoamento intelectual.
[...] você ser receptiva, e conhecer! Ter conhecimento dos trâmites, dos
encaminhamentos que podem ser feitos, por que você tá aqui e não
conhecer os trâmites necessários, como é que você vai tá orientando esse
paciente? Como é que você vai orientar os usuários, né? Aí precisa
conhecer. E precisa ter calma, ter paciência, saber lidar com esse paciente,
fazer uma acolhida melhor, escutar o paciente, principalmente. Por que às
vezes a gente faz o diferencial por que a gente acaba escutando o paciente
mais do que os outros profissionais. Os profissionais eles reclamam muito
da desvalorização do Serviço Social dentro da saúde, como o assistente
social é visto como um profissional que é sem cargo, que qualquer um pode
fazer o serviço dele, e eu acho que cabe a nós profissionais, buscarmos as
formas de fazer do Serviço Social o diferencial, pra aí sim, mostrar as todas
_____________
38
A consciência sanitária é concebida como a tomada de consciência de que a saúde é um direito da
pessoa e um direito da comunidade (CFESS, 2010, p. 53).
98
as profissões o quanto nós somos necessários e essenciais. Por que
quando você consegue fazer um trabalho diferenciado, você consegue dá
resultado no seu trabalho, com certeza você vai ser mais bem visto, mais
valorizado (ÍRIS).
Quando se refere ao Serviço Social como essencial, Íris nos fez retomar as
análises de Vasconcelos (2012). Sobre esse aspecto, a autora nos faz importantes
alertas, revelando em seus estudos que o Serviço Social é indispensável para as
unidades de saúde, que necessita de tranquilidade e normalidade em seu cotidiano,
é indispensável para os profissionais da medicina, tendo em vista que estes embora
diagnostiquem e receitem, é junto ao profissional do Serviço Social que o usuário
depara-se com a falta de recursos, de medicações, de leitos, de informações,
alimentação especial etc.
Eu acho que precisa mais assim, é, um pouco mais de envolvimento dos
outros profissionais, pra gente fazer um trabalho amplo, campanhas, juntar
o HEMOCE para doações de sangue, medula, um envolvimento maior! De
todo mundo, sabe? (GIRASSOL).
Tem que ser um profissional criativo e propositivo. A escuta é
importantíssima! A gente pode até bloquear uma pessoa, se não souber
escutar, o pré-julgamento, por que se julga a pessoa antes de ouvir a
história, às vezes dá até a solução para o caso, mas não era aquilo! A gente
cansa de escutar, o pré-julgamento acontecer, e ele não conseguir
verbalizar o seu pensamento por que faltou a técnica da escuta, que é
importantíssima! (VIOLETA).
Portanto, a atuação do assistente social na saúde deve ser pautada num
conjunto de ações que possibilite o atendimento efetivo das refrações da “questão
social” que refletem na saúde.
Acredito que passa pela minha atualização, na questão das leis, da minha
capacidade de estudar sempre, de tá atenta, tanto as demandas, e aquilo
que eu não conheço, eu ir em busca do conhecimento! E também,
interagindo com os diversos saberes, por que se eu não souber o que é
determinado serviço, como é que eu vou fazer meu trabalho? Eu tenho que
está conhecendo sempre o meu cenário de prática! (TULIPA).
A gente estar mais a par do câncer e das inovações, eu acho que a gente
precisaria muito disso, a gente participa de congressos, mas acho que ainda
há a necessidade de nós no apropriarmos ainda mais de algumas coisas,
das inovações (AMARÍLIS).
Esta intervenção profissional seria realizada por meio de ações
complementares e indissociáveis, que apresentem a dimensão de totalidade e
99
suspensão do imediaticidade na análise dos determinantes sociais da saúde dos
usuários.
No que tange ao Projeto Ético-político do Serviço Social, sabemos que este
contempla a indissociabilidade das dimensões teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa, e que uma especificidade dada pelo seu objeto de intervenção
profissional são as expressões da “questão social” já debatidas nesse estudo. O
trabalho do assistente social no campo da saúde requer a explicitação das
mediações necessárias para que o profissional possa decidir sobre sua prática.
(NOGUEIRA; MIOTO, 2013).
Matos (2013) acredita que o Serviço Social é uma profissão especial, uma vez
que trabalha com inúmeras problemáticas trazidas pelos usuários, expressões vivas
de que a “questão social” existe e permanece inalterada, sendo cada vez mais
agudizadas no âmbito da saúde.
Por conseguinte, coloca-se ao assistente social o desafio de explicitar as
particularidades de seu exercício profissional, sem com isso dissociar que a razão
de ser da profissão são as múltiplas expressões da “questão social”.
Em linhas gerais, a apreensão da função social da profissão na divisão social
e técnica do trabalho, que na saúde passa pela compreensão dos determinantes
sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde-doença, é
imprescindível ao enfrentamento destas questões.
Compreendemos que é esta a especificidade profissional, o que possibilita ao
assistente Social em suas intervenções no campo da saúde ter, mediante sua
formação, uma leitura abrangente da realidade social e da instituição na qual está
inserido, competências que o diferencia dos demais profissionais.
É imprescindível destacarmos a relevância do compromisso das profissionais
do Serviço Social com a viabilização e efetivação dos direitos dos usuários, e da
busca constante pelo conhecimento e aperfeiçoamento teórico-metodológico,
técnico-operativo e ético-político, que constituem as dimensões da profissão do
assistente social, e que possibilitam a realização dos devidos encaminhamentos à
rede sócio assistencial para consolidação dos direitos sociais.
100
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os avanços na Constituição Federal de 1988 e a promulgação da LOS se
configuram
como
um
marco
na
política
de
saúde
brasileira,
instituindo
transformações significativas, trazendo um novo conceito de saúde ao inscrevê-la
como direito de todos e dever do Estado, mediante a implementação do SUS,
conquista política de cidadania na história da sociedade brasileira através das lutas
do Movimento de Reforma Sanitária e da sociedade civil.
Sabemos que o cenário atual é bastante adverso para a concretização do
SUS, considerando que o projeto neoliberal tem priorizado a mercantilização da
saúde, gerando uma desmontagem dos direitos constitucionais, e o enfrentamento à
“questão social” tem se dado por meio de políticas fragmentadas e ações
refilantropizadoras.
Ao capital interessa uma prática profissional dos assistentes sociais e dos
demais trabalhadores sociais que controle e minimize os efeitos e disfarce as
conseqüências geradas por sua forma de exploração dos homens – a “questão
social” (VASCONCELOS, 2012, p. 448). Em outras palavras, a prática profissional
deverá se voltar aos interesses do sistema, sem, contudo, deixar de alimentar o
processo de alienação dos trabalhadores.
Entretanto, faz-se indispensável reafirmarmos que a garantia dos direitos
sociais e a efetivação da política de saúde passam também pela mobilização dos
cidadãos, usuários dos serviços, tanto na manutenção e consolidação quanto na
ampliação de seus direitos.
Conforme já debatido no decorrer deste estudo, a saúde reflete diferentes
expressões da “questão social”, para parcela significativa da população, pois na
maioria das vezes, o processo de adoecimento é manifestado pelas precárias
condições de vida da população, com ênfase nos determinantes sociais, há ainda as
dificuldades no acesso aos serviços de saúde e falta de efetividade das políticas
públicas.
Para avançar na delimitação das atribuições e competências dos assistentes
sociais, torna-se necessário considerar as expressões específicas da “questão
social” que desafiam a pesquisa concreta de situações concretas (CFESS, 2010, p.
66).
101
Entendemos que o Serviço Social é uma profissão construída a partir das
condições objetivas de trabalho, e pela capacidade de desvelar criticamente a
realidade dos usuários, assim, tais problemáticas exigem diretamente a atuação do
assistente social, como profissão de caráter eminentemente interventivo, tendo em
vista que a atual conjuntura reconfiguram e agudizam as expressões da “questão
social” através de novas demandas, exigindo uma postura político-profissional
comprometida com o acesso à saúde pública de qualidade e a garantia dos direitos
sociais que a permeiam.
Não há como ter como objeto a “questão social” sem considerar a questão
saúde, que traz presente, de maneira cabal, os fatores econômicos, políticos,
ideológicos e culturais nas suas interrelações (VASCONCELOS, 2012, p. 92).
O presente trabalho teve como objetivo compreender a atuação do assistente
social frente às múltiplas expressões da “questão social” no âmbito da saúde, tendo
como resultado a evidenciação das mais variadas formas nas quais se materializa a
“questão social” no cenário estudado, resultantes das desigualdades sociais
imanentes ao sistema vigente, que resultam na ampliação da pobreza, no
desemprego, nas dificuldades de acesso à saúde; à educação; à habitação; à
assistência social, rebatendo nas questões de violência e drogadição na vida dos
usuários, demonstrando a fragilidade e a pouca efetividade das políticas públicas.
As percepções dos sujeitos sobre o enfrentamento às expressões da “questão
social” e as suas intervenções profissionais apresentaram nesse cenário algumas
limitações estruturais da política de saúde e de assistência, e aquelas institucionais,
voltadas, sobretudo, para falhas no que tange a estrutura física das instalações
ocupadas para realização do trabalho, no tocante ao comprometimento do sigilo
profissional. Todavia, as profissionais precisam se utilizar de alguns mecanismos
que venham a possibilitar a sua prática mediante as barreiras estruturais.
Mesmo com todos os entraves para a efetivação dos direitos sociais,
mediante as dificuldades apresentadas, inerentes ao sistema capitalista, que
refletem diretamente na realidade de nosso Sistema de Saúde, o assistente social
consegue realizar o seu trabalho, e alcançar resultados, na defesa dos direitos
sociais, de forma a minimizar as desigualdades e amenizar as explosivas
expressões da “questão social” em seu cotidiano, por meio das mediações e
estratégias impressas em suas ações. Destarte, inferimos que a atuação do
assistente social tem sido exitosa no contexto do HIAS, considerando a autonomia
102
relativa exercida na instituição, e ao fato de pautarem suas intervenções numa visão
de totalidade, que abrange todas as esferas da vida social, econômica e cultural dos
usuários e os seus rebatimentos na saúde, entendendo que o processo saúdedoença é resultante de variáveis políticas, econômicas, culturais e sociais das
determinações históricas.
A contribuição maior dada pelo Serviço Social para efetivação da saúde
enquanto direito social está na democratização das informações sobre os direitos
aos usuários, na busca constante da efetivação dos direitos, em uma compreensão
de que o trabalho do assistente social não deve ficar somente no caráter
emergencial e burocrático, e sim direcionar-se para uma ação socioeducativa, com
orientações que levem à reflexão e à socialização de informações, de forma a
mobilizar os usuários a lutar por seus direitos autonomamente.
Os resultados alcançados por meio das entrevistas mostraram que o
assistente social vem desenvolvendo suas práticas com os usuários, na orientação
aos direitos e encaminhamentos e viabilização do acesso aos benefícios, programas
e projetos. Numa direção voltada as necessidades sociais imediatas, as
intervenções estão focadas nas ações sócio assistenciais e socioeducativas. Assim,
há uma predominância do trabalho assistencial.
Neste trabalho, buscamos dialogar com os autores na tentativa de apresentar
os conceitos por eles estabelecidos e confrontá-los com dados reais obtidos através
de entrevistas com as assistentes sociais. Considerando a proposta inicial da
pesquisa acreditamos ter alcançado os principais objetivos: analisar a atuação do
assistente social frente às expressões da “questão social” na saúde; evidenciar
como se expressam as suas refrações e como se dá o seu enfrentamento.
Diante das considerações expostas, podemos afirmar que as nossas
indagações foram alcançadas de acordo com a pesquisa dos referenciais teóricos e
a realidade das profissionais entrevistadas, além dos procedimentos metodológicos
adotados terem sido suficientes, abrangendo toda a nossa pesquisa.
Os resultados evidenciaram que todas as assistentes sociais inseridas no
contexto de nossa pesquisa possuem uma postura política favorável ao usuário dos
serviços, e suas contribuições são demonstradas através da competência em
realizar análises abrangentes da realidade, além de possuírem o devido
conhecimento referente à rede de atendimento.
103
É por isso que o assistente social é considerado um profissional capaz de
criar estratégias para o enfrentamento das desigualdades sociais, por conhecer a
realidade de maneira ampla, compreendendo a “questão social” como uma
manifestação da desigualdade capitalista, buscando desvelar a realidade numa
perspectiva teórico-crítica no seu cotidiano de trabalho.
Para tanto, retoma-se, portanto, a relevância de uma educação permanente
em saúde, pois é a capacitação possibilita ao profissional romper com a prática
rotineira, acrítica e burocrática, a qual permita aos profissionais da área que tenham
seus conhecimentos constantemente reciclados, visando ofertar à população um
serviço em saúde que seja capaz de atender às demandas sociais.
O grande desafio posto ao assistente social na saúde está na luta pela
promoção do acesso à saúde integral e de qualidade, numa intervenção profissional
realizada por meio de ações complementares e indissociáveis, que apresentem a
dimensão de totalidade e suspensão da imediaticidade na análise dos determinantes
sociais da saúde dos usuários, tendo como base o documento Parâmetros Para
Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde, bem como o Projeto de
Reforma Sanitária articulado ao Projeto Ético-Político, os profissionais do Serviço
Social podem contribuir para a defesa da saúde como um direito, para efetivação
das políticas públicas de saúde, e para a viabilização do SUS.
Para tanto, é fundamental também que haja o compromisso permanente do
Estado, da sociedade, do conjunto dos trabalhadores e de todos aqueles que
participam, trabalham e gerem o SUS, sobretudo, os seus usuários. Isto significa
compromisso com o bem comum, visando à construção de uma sociedade melhor,
mais justa e humana, proporcionando mais qualidade de vida à totalidade da
população.
A pesquisa ora apresentada representou um vasto campo de estudo, com
importantes significados políticos para a profissão, instigando-nos a dar continuidade
às investigações, na busca de cada vez mais aprofundar a temática da intervenção
profissional do assistente social frente às expressões da “questão social” na saúde.
Assim, não pretendemos esgotar o aprofundamento por esta temática, mas dar
continuidade e nossa contribuição ao tema. Com este estudo, acreditamos ter
contribuído, mesmo que minimamente, para o desenvolvimento da intervenção
profissional do assistente social na saúde.
104
REFERÊNCIAS
ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Serviço
Social & Sociedade, XVII (50): 143-71. São Paulo: Cortez, abr. 1996.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a
Centralidade do Mundo do Trabalho. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. São Paulo:
Cortez, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum do
Serviço Social. 5. ed. Fortaleza: Premius, 2014.
______. Lei Orgânica da Assistência Social (1993). In: Vade Mecum do Serviço
Social. 5. ed. Fortaleza: Premius, 2014.
______. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. In: Vade Mecum do Serviço
Social. 5. ed. Fortaleza: Premius, 2014.
______. Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências. In: Vade Mecum do Serviço Social. 5. ed. Fortaleza: Premius, 2014.
______. Lei 8.662, de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão do Assistente
Social e dá outras providências. In: Vade Mecum do Serviço Social. 5. ed. Fortaleza:
Premius, 2014.
______. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. In: Vade Mecum do Serviço Social. 5. ed.
Fortaleza: Premius, 2014.
______. SUS: avanços e desafios. Conselho Nacional de Secretários da Saúde
CONASS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
BRAVO, Maria Inês Souza. Saúde e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2006.
105
______. Política de saúde no Brasil. In: Serviço Social e Saúde: Formação e
Trabalho Profissional. 4. Ed. São Paulo: Cortez, 2009.
______. As lutas pela saúde: desafios da frente nacional contra a privatização. Anais
da 64ª Reunião Anual da SBPC – São Luís, MA – Julho/2012.
Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br/livro/64ra/PDFs/arq_1742_234.pdf>.
Acesso em: 11 nov. 2014
______. Saúde e serviço social no capitalismo: fundamentos sócio-históricos. São
Paulo: Cortez, 2013.
CARRIJO, Danila; PORTO, Erika Lisboa; BERTANI, Iris Fenner. Ensaio sobre tema
da pratica do serviço social na área da saúde: a interdisciplinaridade. Serviço Social
& Saúde, Campinas, v.2. n. 2. P. 39-54, 2003.
CARVALHO, A. I.; BUSS, P. M. Determinantes sociais na saúde, na doença e na
intervenção. In: GIOVANELLA, L. et al. (org.) Políticas e Sistemas de Saúde no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008. P. 141 a 166.
CASTEL, Robert. As transformações da questão social. In: BELFIOREWANDERLEY, Mariângela; BÓGUS, Lúcia e YAZBEK, Maria Carmelita.
Desigualdade e a questão social. (orgs). São Paulo: EDUC, 2000.
CASTEL, Robert. As transformações da questão social. Seminário Internacional “A
questão social no contexto da globalização”. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 1996.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para atuação de
assistentes sociais na política de saúde. Brasília: CFESS, 2010.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. In: BARROCO, Maria Lucia Silva e
TERRA, Sylvia Helena. Código de Ética do(a) Assistente Social Comentado. São
Paulo: Cortez, 2012.
______. Resolução CFESS nº 383, de 29 de março de 1999. Caracteriza o
assistente social como profissional de saúde. Brasília, 1999.
______. Resolução CFESS nº 273, de 13 de março de 1993. Institui o Código de
Ética Profissional dos/as Assistentes Sociais. Brasília, 1993.
106
______. Resolução CFESS nº 493, de 21 de agosto de 2006. Dispõe sobre as
condições éticas e técnicas do exercício profissional. Brasília, 2006.
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 218, de 6 de março de 1997.
Brasília, 1997.
______. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília, 2012.
COUTO, Berenice Roja et al.. O sistema único de Assistência Social no Brasil: uma
realidade em movimento. 3. Ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2012.
FALLEIROS, Ialê; LIMA, Júlio César França. Saúde como direito de todos e dever
do Estado. In: FIDÉLIS, Carlos; FALLEIROS, Ialê (orgs.). Na corda bamba de
sombrinha: a saúde no fio da história/. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. Disponível em:
<http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/cap_8.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2014.
FANTE, C. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas. 2. ed.
Campinas: Verus, 2005.
GERHARDT, E.T; SILVEIRA, T.D. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2009. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/de
rad005.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2013.
GIL. A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2008.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
Ciências Sociais. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. 107 p.
GUERRA, Y; Ortiz, F. S. G. da; VALENTE, J.; FIALHO, N. O debate contemporâneo
da “questão social”. III Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luís – MA,
2007.
HOSPITAL INFANTIL ALBERT SABIN. Agenda 2014. Fortaleza, 2014.
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raúl de. Relações Sociais e Serviço
Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 37. ed, São
Paulo: Cortez, 2012.
107
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
______. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e
questão social. São Paulo: Cortez, 2012.
LIMA, Débora Cândida Maia de; OLIVEIRA, Lúcia Conde de. Acesso aos serviços
de saúde: espera, sofrimento e incerteza. In: OLIVEIRA, Lúcia Conde et. al.
Organização dos serviços de saúde no Ceará: desafios da universalidade do acesso
e da integralidade da atenção. Fortaleza: EdUECE, 2012.
MACHADO, Ednéia Maria Machado. Questão social: objeto do serviço social? In:
Serviço Social Rev., Londrina, v. 2, n.2, p. 39-47, Jul./Dez.1999.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia
Científica. 3 ed. São Paulo: Atlas 1996.
MARSIGLIA, Regina Maria Giffoni. Orientações básicas para a pesquisa. In: MOTA,
Ana Elizabete et al. Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. Ed.
São Paulo: Cortez, 2009.
MATOS, Maurílio Castro de. Serviço Social, ética e saúde: reflexões para o exercício
profissional. São Paulo: Cortez, 2013.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (organizadora). Pesquisa Social: teoria, método e
criatividade. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo:
HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO; 2004. 269 p.
MIOTO, R.C.T; NOGUEIRA, V.M.R. Serviço Social e saúde – desafios intelectuais e
operativos. In: SER Social, Brasília, v. 11, n. 25, p. 221-243, jul./dez.2009.
MIOTO, Regina Célia Tamaso; NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. Desafios Atuais do
Sistema Único de Saúde – SUS e as exigências para os assistentes sociais. In:
MOTA, Ana Elizabete et al. Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional.
Ed. São Paulo: Cortez, 2009.
108
______. Política social e Serviço Social: os desafios da intervenção profissional. R.
Katál, Florianópolis, v. 16, n. esp. p. 61-71, 2013.
MONTANO, Carlos. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de
intervenção social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
MONTANO, Carlos. Pobreza, "questão social" e seu enfrentamento. Serv. Soc. Soc.,
2012, n.110, pp. 270-287. ISSN 0101-6628.
MOTA, Ana Elizabete. Questão Social e Serviço Social: um debate necessário. In:
MOTA, Ana Elizabete (org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado,
Política e Sociedade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
NETTO, José Paulo. Cinco Notas a propósito da “Questão Social”. In:
Temporalis/ABEPSS, ano 2, no.3 (jan./jun. 2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001.
KRUGER, T.G. Serviço Social e saúde: espaços de atuação a partir do SUS. Texto
de subsídio para a organização do Seminário Estadual de Saúde. DSS/UFSC,
CRESS e SMS. Florianópolis, 2010.
PAIM, J.S. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.
PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social” em debate. 2. Ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
PONTE, Carlos Fidélis. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010.
PORTELA, Clarissa Lima de Melo et al. Rede assistencial de saúde em Fortaleza –
Ceará. In: OLIVEIRA, Lúcia Conde et al. Organização dos serviços de saúde no
Ceará: desafios da universalidade do acesso e da integralidade da atenção.
Fortaleza: EdUECE, 2012.
PIETROBON, Louise; PRADO, Martha Lenise do; CAETANO, João Carlos. Saúde
suplementar no Brasil: o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar na
regulação do setor. Physis. vol.18 no.4 Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312008000400009&script=sci_artte
xt>. Acesso em: 23. ago. 2014.
109
SARRETA, F.O de. O trabalho do Assistente Social na saúde. Ciência et Práxis: São
Paulo ,v. 1, n. 2, 2008.
______. Educação permanente em saúde para os trabalhadores do SUS [online].
São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 248 p. Disponível
em: <http://books.scielo.org>. Acesso em: 24 nov. 2014
______. A construção do SUS e a participação do assistente social. Serviço Social &
Saúde: Campinas, v. X, n. 11, Jul. 2011.
SCHWENGBER, D. D. S. de; PICCININI C. A. O impacto da depressão pós-parto
para a interação mãe-bebê. Estud. psicol. (Natal) v.8 n.3 Natal sep./dez. 2003.
ROSAS, F. K.; CIONEK, M. I. G. D. O impacto da violência doméstica contra
crianças e adolescentes na vida e na aprendizagem. Conhecimento Interativo, São
José dos Pinhais, PR, v. 2, n. 1, p. 10-15, jan./jun. 2006.
SCLIAR, M. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, 2007.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo:
Atlas, 1987.
VASCONCELOS, Ana Maria de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e
alternativas na área da saúde. 8. ed. São Paulo: Cortez. 2012.
VASCONCELOS, Ana Maria de. Serviço Social e práticas democráticas na saúde. In:
Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. 4. Ed. São Paulo: Cortez,
2009.
Sites
Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/sms/centro-de-assistencia-crianca>.
Acesso em 09 nov. 2014.
Disponível
em:
<http://www.ufal.edu.br/cep/submissao-de-projetos/plataformabrasil>. Acesso em: 09 nov. 2014.
Disponível em: <www.hias.ce.gov.br>. Acesso em 02 out. 2014.
110
Disponível em: <http://www.hias.ce.gov.br/index.php/categoria-4?cssfile=prin cipal4.
css>. Acesso em: 09 nov. 2014.
Disponível em: <http://intranet.hias.ce.gov.br/o-hias/>. Acesso em: 23 set. 2014.
Disponível em: <http://www.pmfi.pr.gov.br/ArquivosDB?idMidia=63581>. Acesso em:
05 set. 2014.
Disponível em: <http://www.saude.ce.gov.br/index.php/noticias/45847-albert-sabinfaz-nesta-quinta-25-avaliacao-de-cirurgias-de-labio-leporino>. Acesso em: 16 out.
2014.
Disponível em: <http://www.hias.ce.gov.br/index.php/pad--pavd>. Acesso em: 16 out.
2014.
Disponível em: <http://www.cressrj.org.br/download/arquivos/termo-de-orientacaosaude.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2014.
Disponível em: <http://app.org.br/historia/>. Acesso em 10 nov.2014.
Disponível em: <http://www.hias.ce.gov.br/index.php/ensino-e-pesquisa/centro-deestudos>. Acesso em: 20 dez. 2014.
111
APÊNDICE
APÊNDICE A – ROTEIRO PARA ENTREVISTA
Dados: Nome, idade, sexo, formação/ano, tempo de instituição, setor atuante;
vínculo empregatício.
1. Qual o conceito de saúde para você?
2. Qual o conceito de questão social para você?
3. Como se expressam as refrações da questão social no espaço sócio
ocupacional do HIAS e como se dá a intervenção profissional em suas formas
de enfrentamento?
4. Conforme a Lei 8080/1990 (Dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde), qual a viabilidade do SUS dentro do seu
contexto de trabalho?
5. Como são tecidas as relações entre o Serviço Social, usuários e equipe
multidisciplinar?
6. Quais os aspectos sociais que mais contribuem para o aparecimento das
doenças?
7. Quais as principais atividades desenvolvidas pelo Serviço Social na unidade?
8. Como você avalia as condições das instalações que você ocupa na unidade?
9. Quais os principais limites para a realização de sua prática?
10. O que mais contribui para facilitar o cotidiano de sua prática?
11. De que maneira o Serviço Social do HIAS contribui para a efetivação da
saúde, enquanto direito social?
12. Quais os principais desafios a serem enfrentados pelo assistente social frente
às demandas materializadas nas refrações da “questão social”?
112
ANEXOS
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Convidamos o(a) Sr(a) para participar da Pesquisa Serviço Social e Saúde:
Uma análise da intervenção profissional do assistente social frente às expressões da
questão social evidenciadas na realidade do Hospital Infantil Albert Sabin, sob a
execução dos(as) pesquisador(as) Verbena Paula Sandy (responsável) e Darlene
Serra Gomes (participante) , a qual pretende Analisar a atuação do assistente social
frente às expressões da questão social evidenciadas na realidade do Hospital Infantil
Albert Sabin – HIAS.
Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista pré-elaborada,
que consiste em respostas a perguntas apresentadas ao Sr.(a) pelo pesquisador. A
entrevista será realizada no Hospital Infantil Albert Sabin – HIAS, com duração
aproximada de 30 minutos, em dia previamente marcado, de acordo com a sua
disponibilidade. Os depoimentos desta entrevista serão gravados em áudio com seu
consentimento para transcrição, posteriormente o material armazenado em
dispositivo digital será deletado em sua presença e/ou da Coordenação do Serviço
Social. Ainda com o seu consentimento, o material transcrito poderá ser utilizado
para contribuição em estudos futuros, considerando que a pesquisa constitui o
exercício profissional do assistente social.
Comprometo-me em buscar o máximo de benefícios e o mínimo de riscos,
garanto
que
os
riscos
previsíveis
serão
evitados,
como
por
exemplo,
constrangimento no momento da entrevista; haverá prestação de assistência a
qualquer dano que possa resultar da participação da pessoa no estudo; tudo de
acordo com os fundamentos éticos e científicos exigidos na resolução nº 466/2012
da CNS. E o(a) Sr(a). Possui a liberdade de retirar sua permissão a qualquer
momento, seja antes ou depois da coleta de dados, independente do motivo e sem
nenhum prejuízo a sua pessoa e nem ao seu exercício na Instituição.
Se você aceitar participar, estará contribuindo para a construção do saber
como parte constituinte da profissão do assistente social, bem como para
113
demonstrar a relevância da atuação do profissional de Serviço Social na esfera da
saúde no âmbito do HIAS.
Ressaltamos que tem o direito de ser mantido(a) atualizado(a) sobre os
resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, será
comunicado dos resultados finais. Não há despesas pessoais para o(a) participante
em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à
sua participação.
Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente
para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas
sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Em qualquer etapa do
estudo, poderá contatar os pesquisadores para esclarecimento de dúvidas ou para
retirar o consentimento de utilização dos dados coletados com a entrevista: Verbena
Paula Sandy, fone: (85) 8970-6736 e Darlene Serra Gomes, pelo fone: (85) 88037910.
Caso tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa
também pode entrar em contato com o Centro de Estudos do Hospital Infantil Albert
Sabin – HIAS, localizado na Rua Tertuliano Sales, 544 – Vila União Fortaleza/CE.
Fone: (85) 3101-4212. E-mail: [email protected]
Data: ___/ ____/ _____
________________________________
Assinatura do participante
________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
Download