O ROCK NAS DITADURAS CIVIS-MILITARES NA AMÉRICA LATINA: O CASO DO BRASIL, ARGENTINA E CHILE NA DÉCADA DE 1980 Paula Cresciulo de Almeida - Universidade Federal Fluminense (UFF)1 Bruno Mendes Mesquita - Universidade Federal Fluminense (UFF)2 Introdução O movimento conhecido como rock and roll surgiu nos Estados Unidos na década de 1950 influenciado pela música negra, em particular por um variação do blues: o rhythm and blues. Por isso Paul Friedlander, afirma que o rock sofreu preconceito. Os Estado Unidos vivia seu apartheid e havia permissão, em alguns lugares, para escutar música negra. (FRIEDLANDER, 2002) É possível afirmar que o primeiro grupo de rock foi o de Bill Haley and hs Comets, intérpretes da música Rock around the clock, que foi lançada em 1955 com grande sucesso e é conhecida até hoje. Bill Harley recorreu ao ritmo e às variações da música negra, substituindo letras tristes por alegres. A simplicidade dos instrumentos musicais – geralmente uma guitarra elétrica, um baixo, uma bateria e por vezes um saxofone – as letras e o ritmo dançante tornaram os primeiros conjuntos de rock bastantes populares. Mas o rock tornou-se um sucesso entre os jovens com Elvis Presley. Adotando um estilo rebelde, ele uniu o country ao rhythm and blues a alcançou imenso sucesso com seu primeiro disco, em 1956. O sucesso de Elvis, talvez, seja explicado por ter sido o primeiro homem branco a assumir que cantava e música negra. 1 2 [email protected] [email protected] Apesar do sucesso do rock ter vindo com Elvis, outros cantores de rock já faziam um trabalho, que seria reconhecido anos mais tarde devido ao racismo: Chuck Berry, Little Richard e Jerry Lee Lewis. O rock and roll expressava a rebeldia da juventude contra o conservadorismo, a sociedade e apolítica numa época de Guerra Fria em que os ânimos estavam alterados em várias partes do mundo. As disputas de ideologias eram frequentes e a música acompanhava o clima de tensão da época. A imagem da rebeldia da juventude foi muito trabalhada pelo filme Juventude Transviada, de 1955, em que o ator James Dean interpreta um jovem que não se enquadra nos padrões sociais da década de 1950. Além dos Estados Unidos, a Inglaterra também teve uma história bem interessante no começo do rock. Entre 1957 e 1965 vários grupos musicais desse ritmo surgiram. Os principais foram The Beatles e os Rolling Stones, segundo Brandão e Duarte. (BRANDÃO & DUARTE, 1990). Os primeiros lançaram Love me do, em 1962, e logo conquistaram o mundo. Um dos marcos do rock foi o lançamento do álbum Sgt Peppers´Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, em 1967. Os Stones, por sua vez, eram mais escrachados, rebeldes e por vezes envolvidos em escândalos. Os anos 1970 o rock ganhou novas feições. A indústria cultural passou a se interessar pelo novo produto e o ritmo, que antes criticava a sociedade de consumo, tornou-se produto a ser consumido. Surgiram bandas como Pink Floyd, Jethro e Queen. O heavy metal também surgiu na mesma época com bandas como Deep Purple, Black Sabbath e Alice Cooper. Além desses, o punk inglês, também começa a fazer sucesso nos anos 1970. Bandas como Sex Pistols e The Clash se tornaram conhecidas. O punk era contestador, usavam roupas agressivas e cortes de cabelo moicano. (PEREIRA, 1983) O rock no Brasil No Brasil, o rock ganhou expressão somente na década de 1970 com a banda os Mutantes, Secos e Molhados e Raul Seixas. Mas somente na década de 1980 é que o Brasil passa a ter uma cultura rock and roll, se tornando bastante popular. O Brasil e os países latinos americanos viviam os regimes de ditaduras civis-militares. A juventude desses países se mostra contestadora e revoltada com os governos militares e passam a se expressar com a música. O rock and roll é o estilo escolhido para mostrarem suas indignações. No Brasil, um dos movimentos pioneiros foi o Rock Brasil, cujos primórdios se encontram na zona sul do Rio de Janeiro. Em 1982, o público carioca descobriu a banda Blitz com um estilo irônico e teatral, que teve como grande sucesso a música “Você não soube me amar”. Em janeiro de 1985, o Rio de Janeiro viveu uma experiência marcante para os jovens da época: O Rock in Rio. Milhares de pessoas assistiram shows das bandas AC/DC, Iron Maiden, Queen, Yes e Scorpions. Além das bandas nacionais que faziam sucesso na época como Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho. O festival foi um sucesso de público: A programação do Rock in Rio 1 pode ser conferida na imagem abaixo: Naquele momento, havia na juventude um sentimento de indignação contra a ditadura militar, o autoritarismo, a censura, a corrupção e o conservadorismo. O Brasil vivia a campanha das Diretas Já, a eleição da Tancredo Neves e o fim do regime militar que durou de 1964 até 1985. Muitas bandas, em várias cidades do país, se apresentavam para grupos pequenos. O Circo Voador era o local mais frequentado pelas bandas e consequentemente, pela juventude carioca. A rádio Fluminense FM, na cidade de Niterói, revelava muitos talentos. Dessa forma, o Brasil descobriu que tinha muitas bandas de rock. Os Paralamas do Sucesso fizeram sucesso com o música “Vital e sua moto”. O Rock Brasil foi um fenômeno nacional. Em São Paulo surgiu o grupo Ultraje a Rigor, o RPM e Ira! Mas foi em Brasília que surgiu um grupo rebelde e poético, ao mesmo tempo: o Legião Urbana. A música Geração Coca-Cola se tornou um dos hinos da juventude da época. No Rio de Janeiro, bandas como João Penca e seus Miquinhos Amestrados, Biquini Cavadão, Kid Abelha, Lobão e Lulu Santos faziam muito sucesso. Além do Barão Vermelho, que tinha como vocalista, o Cazuza, um dos ídolos dos jovens. No Rio Grande do Sul, surgiu os Engenheiros do Hawaii. A banda paulista Titãs lançou o álbum Cabeça Dinossauro, em 1982, com letras que questionavam a sociedade capitalista e as instituições, como Igreja, Família e a Televisão. Barão Vermelho se apresentando no Rock in Rio 1, em 1985. Paralamas do Sucesso se apresentando no Rock in Rio 1, em 1985. O rock and roll reflete os anos de chumbo A música é um dos aspectos que ajuda a compor a memória. As situações limites de repressão são lembradas pela sociedade ou pelo Estado. As obras artísticas contribuem para a constituição da memória. Eleger símbolos se torna essencial para a sociedade e para o governo. Isso pode ser mostrado em filmes, pinturas e até músicas. Na América Latina há o movimento para escolher esses símbolos para recuperar a memória da ditadura militar. Além disso, ajuda a reforçar a memória nacional. Esquecimento e memória são atos conscientes, como por exemplo, o movimento das Mães da Praça de Maio, na Argentina. As mães se reúnem na praça de maio até hoje em Buenos Aires. Elas reivindicam o corpo dos seus filhos ou netos desaparecidos pelo regime repressor. A Argentina passou por duas ditaduras: a primeira entre 1966 e 1970 voltada para a repressão do Movimento Estudantil e intelectual; a segunda foi entre 1976 e 1983 e foi muito mais violenta. O Chile teve uma ditadura baseada no culto pessoal a Pinochet e durou de 1973 até 1990. A partir da década de 1960 a América Latina começa a se desenvolver um rock nacional desviado do americano criando uma cultura jovem específica e características desses países. Na Argentina, começam a surgir revistas sobre o tema e festivais de banda. Surge nessa época a banda Los Violadores, que contém letras bem críticas ao regime militar: Hermosa tierra de amor y paz Hermosa gente cordialidad Fútbol, asado y vino así es el pueblo argentino. Censura vieja y obsoleta en films, en revistas y en historietas. Fiestas conchetas y aburridas en donde está la diversión perdida. Represión a la vuelta de tu casa Represión en el quiosco de la esquina Represión en la la panadería Represión 24 horas al día. Semanas largas sacrificadas Trabajo duro, muy poca paga Desocupados, no pasa nada en dónde está, bestias, la igualdad deseada? Represión en pizzerías Represión en confiterías Represión en panaderías Represión, yo no quiero represión Represión en Saturno Represión en Plutón Represión en Urano Represión en el Sol3 3 Represión. Los Violadores. A geração dos anos 1980 não reconhece a MPB da década de 1960 como a música que te representa. A geração da tropicália não diz nada para essa nova geração que quer confrontar e reivindicar o seu próprio espaço. O rock latino dos anos 1980 tem músicas que trabalham com o tema da ditadura, questões políticas de quem cresceu na ditadura e está denunciando a realidade em que vivem. A música “Inútil” do Ultraje a Rigor se transformou em hino durante a campanha pelas Diretas Já em 1984: A gente não sabemos Escolher presidente A gente não sabemos Tomar conta da gente A gente não sabemos Nem escovar os dente Tem gringo pensando Que nóis é indigente... "Inúteu"! A gente somos "inúteu"! "Inúteu"! A gente somos "inúteu"! A gente faz carro E não sabe guiar A gente faz trilho E não tem trem prá botar A gente faz filho E não consegue criar A gente pede grana E não consegue pagar...4 O rock latino enfrenta também o moralismo da sociedade e dos governos. Essa nova geração questiona nesse momento de ruptura política. O rock Argentino, por exemplo, ganhará força em 1982, após a Guerra das Malvinas quando os militares proibiram que se tocasse música em inglês nas rádios. As letras vão falar dos desaparecidos, repressão, da questão econômica. No Brasil, a repressão também é retratada pela banda punk de Brasília, Aborto Elétrico, na música Veraneio Vascaína: Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Porque pobre quando nasce com instinto assassino Sabe o que vai ser quando crescer desde menino Ladrão pra roubar, marginal pra matar Papai eu quero ser policial quando eu crescer Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Se eles vêm com fogo em cima, é melhor sair da frente Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente Com uma arma na mão eu boto fogo no país E não vai ter problema eu sei estou do lado da lei Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Veraneio vascaína vem dobrando a esquina5 4 Inútil. Ultraje a Rigor, 1984. Os Paralamas do Sucesso também fizeram letras bem questionadoras do regime militar e da situação nacional da época. A música Patrulha Noturna critica a repressão policial, assim como a música Veraneio Vascaína. Desce daí garoto Senão atiro em você Porque cê não mostra que é homem Porque cê não tenta correr Qual é seu guarda Que papo careta Só tô tirando chinfra Com a minha lambreta Tá bem seu guarda, Que papo careta Só tô tirando chinfra Com a minha lambreta Tá bem seu guarda eu me rendo Eu reconheço que sou marginal Eu colo nas provas da escola Eu gosto de ver nu frontal Qual é seu guarda Que papo careta Só tô tirando chinfra Com a minha lambreta x2 Polícia é fogo, meu chapa Combate o crime de verdade Prende os garotos de moto Para moralizar a cidade Qual é seu guarda Que papo careta Só tô tirando chinfra Com a minha lambreta (repete até o final)6 5 6 Veraneio Vascaína. Aborto Elétrico, 1980. Patrulha Noturna. Paralamas do Sucesso, 1983. A banda paulista Titãs, no álbum Cabeça Dinossauro, faz uma crítica mais severa ao sistema capitalista no começo da década de 1980, período em que o socialismo está vivendo sua crise. Desde os primórdios Até hoje em dia O homem ainda faz O que o macaco fazia Eu não trabalhava Eu não sabia Que o homem criava E também destruía... Homem Primata Capitalismo Selvagem Oh! Oh! Oh!...(2x) Eu aprendi A vida é um jogo Cada um por si E Deus contra todos Você vai morrer E não vai pro céu É bom aprender A vida é cruel... Homem Primata Capitalismo Selvagem Oh! Oh! Oh!...(2x) Eu me perdi Na selva de pedra Eu me perdi Eu me perdi... "I'm a cave man A young man I fight with my hands (With my hands) I am a jungle man A monkey man Concrete jungle! Concrete jungle!" Desde os primórdios Até hoje em dia O homem ainda faz O que o macaco fazia Eu não trabalhava Eu não sabia Que o homem criava E também destruía... Homem Primata Capitalismo Selvagem Oh! Oh! Oh!...(2x) Eu aprendi A vida é um jogo Cada um por si E Deus contra todos Você vai morrer E não vai pr'o céu É bom aprender A vida é cruel... Homem Primata Capitalismo Selvagem Oh! Oh! Oh!...(2x) Eu me perdi Na selva de pedra Eu me perdi Eu me perdi Eu me perdi Eu me perdi...7 Bibliografia BRANDÃO, Antônio Carlos & DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Moderna, 1990. CONTARDO, Oscar y GARCIA, Macarena. La era ochentena. Santiago: Ediciones B, 2005. CRUZ, Rossana Reguillo. Emergencia de Culturas Juveniles. Estrategias del Desencanto. Grupo Editorial Norma. FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: Uma história social. Record, 2002. PEREIRA, Carlos Alberto. O que é contracultura. São Paulo: Brasiliense, 1983. PUJOL, Sergio. Las ideas del rock. Rosario: Homo Sapiens, 2007. ____________. Rock y dictadura. Buenos Aires: Planeta, 2005. QUADRAT. Samantha. El brock y la memoria de los años de plomo em Brasil democrático. In JELIN, Elizabeth y LONGONI, Ana. 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