Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 3, JUL/DEZ 2007 BRUNO NUNES LOURES, FÁBIO ALVES MÜLLER, NOTAROBERTO DE ALMEIDA MACHADO. PAULO ROBERTO NEVES EUTANÁSIA NA PERSPECTIVA DE MIGUEL REALE Resumo Este artigo discute o conceito de eutanásia e suas implicações jurídicas de acordo com as questões filosóficas e sociais envolvidas. O artigo ressalta os tipos de eutanásia, suas conseqüências e implicações, no sentido de pensar as questões relativas à vida, no plano civil. Palavras-chave: eutanásia, tipos de eutanásia, Miguel Reale. Abstract This article in accordance with argues the concept of euthanasia and its legal implications involved the philosophical and social questions. The article standes out the types of euthanasia, its consequences and implications, in the direction to think the relative questions to the life, in the civil plan. Key-words: euthanasia, types of euthanasia, Miguel Reale. Juiz de Fora Introdução Este estudo constitui uma preliminar em relação à problemática que envolve o fim da vida. As discussões em torno da morte fazem parte da vida dos seres humanos desde os primórdios da civilização conforme abordaremos a seguir. A eutanásia, por determinados povos, em contextos históricos específicos, foi acatada, e, em outras tantas vezes, rechaçada. Definir as expressões em tela é de vital importância no atual contexto ocidental. No panorama mundial tal discussão já conduziu muitos países à legalização e outros tantos à caracterização de ilícito. Na primeira parte, tratamos de estabelecer as definições de eutanásia do ponto de vista histórico e legal. Numa segunda etapa, descrevemos algumas classificações sobre os tipos de eutanásia; a seguir, em um terceiro momento, discorreremos sobre os aspectos sociais da eutanásia no Brasil. Finalmente, faremos uma contextualização da teoria Tridimensionalista de Miguel Reale, analisando com ênfase as condutas humanas em relação ao fato social (eutanásia). Conceito de Eutanásia Eutanásia provém do grego eu (bom) e thánatos (morte). Tem o sentido de boa morte, morte sem dor. Eutanásia significa morte serena, sem sofrimento. Prática, sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.1 A definição de eutanásia é utilizada no cotidiano pelo fato de que uma pessoa causa a morte de outra, que se encontra debilitada, em sofrimento. Podemos, ainda, catalogar a eutanásia quanto à vontade do paciente, em eutanásia voluntária, aquela solicitada pelo paciente. A eutanásia involuntária quando a morte é provocada contra a vontade do paciente e, ainda, quando o paciente sequer se manifestou em relação à concordância ou discordância relativa à eutanásia, eutanásia não voluntária. Tipos de Eutanásia Depreende-se da elucidação dos conceitos vislumbrados anteriormente algumas classificações sobre os tipos de eutanásia. A eutanásia é a morte praticada por uma pessoa sobre outra, o “enfermo”, com o fito de ver terminado o sofrimento. Esta é a conhecida eutanásia ativa. Temos, também a eutanásia passiva, que se processa à medida que são interrompidas ações extraordinárias que objetivavam diminuir o sofrimento, ou quando se deixa de iniciar alguma ação médica. Há ainda a eutanásia de duplo efeito, ocorrida quando as ações médicas efetuadas, visando trazer alívio ao paciente, acabam por acelerar a morte. Ressalta-se que nesse caso a morte é uma conseqüência indireta das medidas efetivadas. 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 853. Eutanásia na História Diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham o hábito da eutanásia: os filhos matavam os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia, os doentes incuráveis eram levados até à beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. Na própria Bíblia tem uma situação que evoca a eutanásia no segundo livro de Samuel. A Ética Profissional e a Eutanásia Ética Médica Têm os médicos e os profissionais da área da saúde o dever da preservação e da proteção da vida. Toda e qualquer medida de atenção à saúde, nesse sentido, tem a obrigação maior de manter a vida do ser humano e não buscar ou até mesmo, causar a morte. Na sociedade ocidental à figura do médico e do profissional da saúde é atribuída confiança, respeito e são depositadas todas as expectativas de manutenção da vida, de cura das enfermidades, enfim, todas as esperanças de sobrevivência mesmo diante do “incurável”. Ética na Advocacia Já os que advogam a prática da eutanásia, justificam suas intenções no fato de que determinados diagnósticos atestam a irreversibilidade da condição vivida, que é de dor, de sofrimento, de desgaste. Tal condição por si já é indigna do ser humano. Por que, então, não abreviar tal sofrimento com a antecipação da morte que é o desfecho prognosticado? Por fim, existem profissionais que se opõem à realização da eutanásia, defendem a tese de que a vida é um bem juridicamente tutelado e, que, portanto, tudo e todos devem agir no sentido de protegê-la e preservá-la. Aqueles mais veementes na defesa da vida entendem corretas todas as medidas que visam o prolongamento da vida do doente, até mesmo as medidas extraordinárias que prolongam não só a vida, mas também o sofrimento do paciente e, que tais condutas podem se dar até mesmo contra a vontade do mesmo. A Eutanásia no Brasil O Brasil, de tradição católica e de direitos fundamentais na Carta Magna de 1988, preleciona o direito à vida, restringindo dessa forma qualquer tentativa no sentido da legalidade da eutanásia e do suicídio assistido. Mesmo assim, tramita desde 1995, projeto de lei de nº 125, no sentido de ver legalizada a “morte sem dor”. Tal projeto prevê a possibilidade de solicitação, por parte daquele que está acometido de sofrimento físico ou psíquico, da realização de procedimentos que conduzam a sua morte. No caso do paciente estar impossibilitado de fazê-lo, tal autorização pode ser obtida judicialmente, a partir do pedido de um familiar ou amigo. A autorização será concedida por uma junta médica composta de 5 componentes, sendo dois especialistas no problema do paciente. O projeto é, ainda, incompleto e inconsistente à medida que não prevê a regulação de prazos de reflexão ao paciente, ao médico responsável, à realização de procedimentos, entre outros aspectos relevantes. Além do referido projeto de lei, no anteprojeto de reformulação do Código Penal, a eutanásia passiva pode ser permitida. Nesse caso, o médico poderia deixar de aplicar ou interromper o tratamento do paciente diante de morte iminente e inevitável. Tal condição deveria ser atestada por outros dois profissionais da área, além da concordância da família e de autorização judicial. Eutanásia Segundo a Perspectiva de Miguel Reale Cuidaremos aqui de tecer algumas considerações sobre a polêmica em torno da eutanásia.Não temos a pretensão de esgotar o assunto, mas fazer algumas reflexões; até por que trata-se de um tema longamente discutido no âmbito medicinal e jurídico em várias partes do mundo. Preocupamos-nos em tecer discussões em nível acadêmico, mas esperamos que sejam úteis como referência para aqueles interessados no assunto, o qual não deixa de incomodar não só os profissionais da saúde como os operadores do direito e principalmente os indivíduos que convivem diretamente com o problema. Para darmos prosseguimento ao estudo do assunto em foco, tentaremos a possibilidade de aplicar os três métodos científicos, usados normalmente pelos filósofos do direito no ensejo de encontrar ou não, na sociedade, elementos objetivos que possibilitam a justificativa de se legalizar ou não a eutanásia; trata-se dos métodos dedutivo, indutivo e intuitivo. O método dedutivo nos permite trabalhar a atividade mental na tentativa de encontrar uma posição racional para o que se busca. Este método permite partir da premissa maior, qual seja, todo ser humano tem direito à vida, portanto ninguém o direito tirar a vida de outrem, seja por qual motivo for. A premissa menor é “se todo ser humano tem direito à vida, logo todos o doentes em estágio terminal têm direito de continuar a viver”. Trata-se de um direito indisponível, embora entendemos que não seja um direto absoluto, mas é inalienável, sim, não cabendo a quem quer que seja tomar posse dele. O método indutivo permite trabalhar a partir do particular para o geral, é acompanhado basicamente por três procedimentos, a observação (que detecta as peculiaridades dos fenômenos), a hipótese (que explica justiça e os fenômenos), a experimentação (cujos resultados da hipótese sendo positiva a conclusão será atendida a expectativa em torno do problema e satisfeita a hipótese. Tanto o método indutivo como o dedutivo trabalham o intelecto, desenvolvem operações mentais. Diferentemente, no método intuitivo encontramos a presença do conhecimento espontâneo, direto e acrítico, por este método é possível ver a realidade de maneira instantânea e captar o saber num relance, sentir o problema de maneira sensível, espiritual, o que se evidencia a partir da realidade exterior, matéria que provoca estímulo ao conhecimento e alcança o intelecto pelos sentidos humanos. É possível trabalhar a intuição intelectual ao problema apresentado, pois este permite ao observador inteligente captar ou não as possibilidades de estabelecer elementos concretos que possam permitir a normatização do problema. Como já dizia Max Scheler, “O conhecimento dos valores somente é acessível ao homem pela via da emoção, pois o intelecto, por sua estrutura, possui condições para apreendê-lo”. Por sua vez, Wilhelm Dilthey “considera a intuição volitiva como o verdadeiro método capaz de apreender a noção das coisas”. Vimos que a questão apresentada, eutanásia, poderá ser trabalhada perfeitamente dentro do que propõe o método intuitivo. No entanto, cabe ressaltar que pelo fato de as discussões sobre a eutanásia virem de longo tempo - e não só por isso, mas também pelo fato de já existir casos concreto de sua prática dificilmente será possível a aplicação dos métodos indutivo e dedutivo. O fato de já existir a prática da eutanásia em alguns países esquentou ainda mais a polêmica sobre assunto com uma intensidade nunca visto: tanto por grupos sociais ligados diretamente ao problema, quanto no âmbito da ciência médica e da ciência jurídica. O método intuitivo nos possibilitará conhecimento mais aprofundado do fato, como ele é na realidade, dispensando as operações mentais que ocorrem nos demais métodos. O assunto em estudo pode ser considerado como um prisma em que cada seguimento o vê de formas distintas e tentará imprimir os princípios axiológicos de modo a satisfazer a cada interesse, mas a grande questão é: como serão impressos sentidos gnoseologicamente? É importante ressaltar os perigos que incorre cada grupo de interesse, pois muito se tem discutido sobre a legalização ou não da eutanásia ou do “suicídio consentido”. Pela ótica de Reale, o único direito observado é o positivo que permite classificá-lo entre os positivista, numa visão quase que uniformemente generalizada. E esse Direito positivo de Reale é composto de três fatores ontognoseologicamente distintos e inseparáveis, quais sejam: fato, valor e norma. Considerando a análise da conduta humana de Reale, podemos trabalhar entre as cinco modalidades observadas, com a religiosa, a econômica, a jurídica e adicionamos à estas a modalidade ideológica. No aspecto religioso, se fizermos uma viagem nos primórdios do tempo, vamos deparar com conceitos que para nós podem parecer um tanto obsoletos, mas de grande relevância para o que propomos a discutir aqui. Trata-se de conceitos bíblicos impressos há séculos, melhor há milênios e quem sabe por esse fato tenham os filósofos se preocupado em imprimir esse direito, o direito à vida, nas constituições das nações, trata-se de escritos constantes da Bíblia Sagrada que registra, por exemplo, no livro de Eclesiaste 12.7: “...e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, quem o deu”. Percebemos que essa é uma sentença divina e irrevogável. Os fatos que devemos considerar são as relações que se estabelecem entre médico e paciente, que na atual sociedade ocidental seguindo o modelo sacerdotal, paternalista, e tradicionalista, no qual o médico assume postura de superioridade em relação ao paciente que é submisso. Assim a decisão médica tomada, até pode configurar beneficio para o paciente, mas em nome desse princípio não leva em consideração as vontades pessoais, os valores morais, as crenças, as opiniões e as informações que o paciente traz consigo. Daí um dos riscos da legalização da eutanásia no Brasil, que seria conferir à figura do médico poder excessivo. Outro fator que deve ser analisado é o econômico, cuja exploração iminente seria com relação ao tráfico de órgãos humanos, pois, mesmo com a legalização da eutanásia, qualquer pessoa enferma deve ser vista como alvo de tratamento, jamais como prateleira de órgãos humanos prontos a servir quem melhor oferta fizer, mesmo que tal custe a vida daquele miserável. O mundo vem conhecendo essas máfias e a legalização da eutanásia seria um belo serviço prestado a essa modalidade de crime. No aspecto jurídico, como a norma obriga, os cidadãos são obrigados a seguir determinados comportamentos, ou seja, em caso de normatizada a prática da eutanásia que afronta o direito à vida passaria a ser visto de modo costumeiro, o que pode vir a ser um risco para a sociedade. Há perigo maior ainda em relação ao aspecto ideológico, pois, se normatizada a prática da eutanásia, tal norma poderia servir de instrumento para a prática do genocídio, dizimar vidas e pelo fato de ser lei a sociedade passaria a conviver com esta realidade de forma passiva; sendo assim, tal norma poderá ser utilizada para controle social e justificativa para prática de extermínio de grupos sociais e étnicos, como a história já registrou, a exemplo de Hitler, Stalim e outros. Outro fator de bastante relevância é com relação ao valor implícito no fato que para Reale deve ser considerado para a aplicação da norma, sendo assim, no caso em estudo o valor não poderá ser relativizado para a aplicação da norma, poís será necessário alterar a norma e a partir daí ser aplicada ao fato. No quadro a seguir reproduzimos a aplicação ideal do valor relativizado: Valor Norma Valor do Fato Fato Valor Relativizado Aplicação da Norma Por último, com a análise da teoria de Reale, podemos concluir que para este existe o Direito Estático e o Direito Dinâmico. Em nossa análise utilizamos de tais definições para chegarmos ao seguinte raciocínio: o Direito Estático tende a cristalizar a norma, ou seja, no caso em questão que seriam crimes contra a vida, já está normatizado e cristalizado, “como matar alguém”, então para que seja legalizada a prática da eutanásia não seria necessário criar outra norma, precisaria somente alterar a já existente, enquadrando-a no conceito de Direito Dinâmico proposto por Reale que seria alteração da norma tornando-a adequada ao fato em foco. Conclusão: Devemos respeitar as condições inerentes à natureza humana, aceitando nossa finitude (morte). Isso nos parece a condição mais sensata. Não significa desrespeito aos avanços da medicina tanto desejados. Toda a humanidade diante das doenças, hoje, incuráveis tenha acesso à tecnologia, ou seja, à ciência. Mas não podemos interpretar tais avanços no sentido de que a ciência que acata a vida como um evento da natureza faça o mesmo em relação à morte. Considerando os valores empíricos intrínsecos em nós e em face dos perigos ideológicos iminentes, nossa posição é contrária à alteração da norma vigente de proteção à vida, seguindo a inteligência do caput do artigo 5º, da Constituição Federal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 15ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1999. CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: RT , 1994. FERREIRA, João . Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil,1999. FERRAZ, Sérgio. Manipulações Biológicas e Princípios Constitucionais: Uma Introdução. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris,1991.